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Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza

Enfermagem-tarde

Disciplina: Fisiologia

Professor(a): Aline

Aluno(a): Jéssica Angelo

ASPECTOS FISIOLÓGICOS DA ESQUIZOFRENIA


A esquizofrenia é uma das mais intrigantes e também estudadas condições psiquiátricas.
A riqueza psicopatológica e as características clínicas, tais como o seu início na
adolescência e o curso deteriorante sem grandes alterações neurológicas, despertam
curiosidade e geram um número considerável de pesquisas sobre os processos
neurofisiológicos envolvidos na doença. Neste artigo, traçaremos algumas considerações
sobre os principais avanços na compreensão da fisiopatologia da esquizofrenia.

A idéia de uma alteração biológica como agente causador da esquizofrenia é tão antiga
quanto a definição desta doença como entidade nosológica. Kraepelin (1996), ao
sistematizar os diagnósticos psiquiátricos, agrupou a então chamada Dementia Praecox
dentro do grupo das demências endógenas. O conceito de endogenicidade era
fundamental para o sistema krapeliniano e, embora expressasse o desconhecimento das
causas reais das afecções mentais, foi de grande importância ao centrar na própria
constituição do indivíduo a origem da doença. A concepção de um transtorno demencial
direcionou inicialmente as pesquisas para um processo neurodegenerativo. Alzheimer
foi o primeiro a conduzir estudos neuropatológicos e não observou gliose reativa,
diferenciando os processos neuropatológicos envolvidos na esquizofrenia das demências
senis (Bogerts, 1999).

As dificuldades metodológicas inerentes aos estudos neuropatológicos, os achados


inconsistentes e o advento dos antipsicóticos na década de 1950, fizeram com que as
pesquisas passassem a enfocar os neurotransmissores como elementos centrais na
gênese da esquizofrenia. Entre as décadas de 1970 e 1990, houve um grande
desenvolvimento dos grupos de pesquisa em esquizofrenia, os quais começaram a
coletar dados genéticos de amostras bastante consideráveis.

Nesse período, também houve um avanço das técnicas de neuroimagem que permitem a
avaliação in vivo de alterações neuroestruturais, neuroquímicas e funcionais, as quais
foram amplamente utilizadas para investigação da esquizofrenia. Na década de 1990, os
principais grupos de pesquisa focaram seus esforços em estudos de pacientes de
primeiro episódio psicótico e, mais recentemente, na identificação de pacientes de alto
risco para o desenvolvimento da esquizofrenia.
A esquizofrenia tem sido considerada a mais incapacitante das psicoses.Os
pacientes esquizofrênicos, bem como seus familiares, acabam sendo, de forma geral,
estigmatizados em todas as sociedades. Esse estigma causado pela má compreensão da
condição agrava ainda mais o quadro, uma vez que aumenta o isolamento social do
indivíduo, dificulta o relacionamento familiar, diminui suas chances de educação e
empregabilidade, além de aumentar a probabilidade do uso de drogas.
Estima-se que, somente no Brasil, cerca de 1.170.000 pessoas sofram de
esquizofrenia e cerca de 80.000 novos casos surgem anualmente. Para muitas dessas
pessoas, o preconceito e a discriminação são experiências comuns, além do convívio
cotidiano com dificuldades e obstáculos impostos pela falta de acesso a informações, a
tratamentos adequados, a um suporte social e legal, entre outras dificuldades.
O termo “esquizofrenia” (esquizo = divisão; phrenia = mente), cunhado pela
primeira vez por Eugen Bleuler (1857-1930) faz alusão, como a própria etimologia da
palavra indica, a uma quebra entre as funções do pensamento, da afetividade e do
comportamento e, mais de oitenta anos após a criação desta denominação, a doença
ainda não representa uma entidade única definida, em função da heterogeneidade de
suas formas de apresentação. Portanto, é compreensível que até hoje não se tenha
chegado a um consenso quanto à sua etiologia, apesar de alguns de seus aspectos já se
encontrarem bem estabelecidos como, por exemplo, a eficácia do uso de psicofármacos
em seu tratamento.
SINTOMATOLOGIA

O início na adolescência justifica a denominação “demência precoce”, cunhada e


descrita pela primeira vez em 1852 por Bénedict-Augustin Morel (1809-1873). A essa
primeira descrição, o pesquisador Emil Kraepelin (1856-1926) adicionou três categorias
de sintomas, os sintomas catatônicos, os sintomas hebefrênicos e os sintomas
paranóides. A “quebra” das funções psíquicas seria a característica central da doença e,
ainda, a
responsável pelo surgimento dos ditos “sintomas fundamentais” da esquizofrenia. Esses
são conhecidos como Os Quatro “As”: associação frouxa das idéias, ambivalência,
autismo (predominância das vivências do mundo interno sobre o externo) e alterações
de afeto.
De forma geral, os primeiros sinais e sintomas da esquizofrenia tem início na
juventude (adolescência ou início da idade adulta), tem um curso persistente, com
progressiva deterioração da capacidade mental. Pode surgir de forma abrupta, embora
mais freqüentemente surja de forma disfarçada com perda de energia, de iniciativa e de
interesses, humor depressivo, isolamento, comportamento inadequado, negligência com
a aparência pessoal e higiene, sintomas esses que podem persistir por algumas semanas
ou meses antes do surgimento de sintomas mais característicos.
Os sintomas podem ser classificados de acordo com a função neurológica que
acomete (pensamento, afetividade, motricidade), com a fase da doença (fase aguda ou
fase crônica), ou ainda com relação à qualidade dos mesmos (sintomas positivos ou
negativos). Com relação à função neurológica que acomete, podem ser sintetizados da
seguinte maneira:
Distúrbios de Pensamento

- delírios (freqüentemente de natureza persecutória)


- alucinações (em sua maioria auditivas; alucinações visuais são menos freqüentes
raras na ausência de fenômenos auditivos; podem ocorrer, também em menor
freqüência, alucinações táteis, olfatórias e gustativas)
- incoerência no discurso
- mudanças de assuntos de forma brusca e sem motivo aparente
- perda da intencionalidade das idéias
- discurso acelerado, em voz alta e repleto de redundâncias (pressão ideomotora)
- neologismos (palavras criadas pelo indivíduo, de significado particular e único para
ele)
- uso idiossincrático das palavras (palavras gramaticalmente corretas utilizadas com
sentido errôneo e bizarro)

Distúrbios Afetivos
- isolamento social
- introversão
- indiferença emocional (embotamento afetivo)
- preferência por ocupações solitárias
- passividade
- incongruência afetiva (demonstrar uma emoção contrária ao que normalmente se
esperaria em determinada situação)
- descuido com cuidados pessoais (aparência e higiene)
- ansiedade
- comportamento violento
- negativismo passivo (ausência de resposta a solicitações do entrevistador) ou ativo (o
indivíduo faz o contrário do que lhe é pedido)
- obediência automática (o indivíduo faz rápida e automaticamente aquilo que lhe é
solicitado)
- ambitendência (oscilação entre fazer ou não o que lhe é pedido)

Distúrbios da Motricidade
- estupor
- rigidez
- acinesia (ausência de movimentação espontânea)
- posturas físicas bizarras
- flexibilidade cérea (o sujeito permanece na posição em que for colocado por longos
períodos de tempo)
- estereotipias (repetições regulares e uniformes de movimentos simples ou
complexos,sem sentido aparente)
- maneirismos (posturas e movimentos bizarros, muitas vezes desconfortáveis, com
sentido ou objetivo especial para o indivíduo)
- ecolalia (repetição de palavras do entrevistador)
- ecopraxia (repetição de gestos do entrevistador)

Tais sintomas podem, ainda, ser agrupados como sintomas POSITIVOS ou


sintomas NEGATIVOS:
Sintomas Positivos: delírios, alucinações, distúrbios do pensamento, comportamentos
anormais, condutas estereotipadas, comportamento violento.
Sintomas Negativos: isolamento social, embotamento afetivo, déficits da função
cognitiva (tais como atenção e memória), ansiedade e depressão (os quais levam ao
suicídio em 10% dos casos diagnosticados), defeito na “atenção seletiva”, introversão,
negativismo.
Os sintomas mencionados acima não apresentam-se concomitantemente, nem
em um mesmo indivíduo. Eles prevalecem em determinados períodos da doença e de
acordo com o perfil esquizofrênico prevalente no paciente. Com relação ao período da
doença em que ocorrem, podem estar mais ou menos presentes na fase aguda e na fase
crônica:
Fase aguda: acinesia, flexibilidade cérea, estereotipia, maneirismos, ecolalia, ecopraxia,
alucinações, distúrbios do pensamento.
Fase crônica: embotamento afetivo, pobreza qualitativa e quantitativa do discurso,
empobrecimento conativo (perda dos impulsos para ação e inatividade),
distractibilidade, isolamento social, déficits cognitivos.

De acordo com os sintomas prevalentes, a esquizofrenia pode ser manifestada –


e classificada, de forma geral – em cinco tipos:

TIPO CATATÔNICO: prevalência de estupor, rigidez, excitação, negativismo,


posturas bizarras, estereotipias, mutismo e flexibilidade cérea.
TIPO DESORGANIZADO: prevalência de incoerência, desagregação do pensamento
e da conduta, incongruência e embotamento afetivo.
TIPO PARANÓIDE: prevalência de delírios, alucinações, ansiedade, comportamento
violento, alterações das interações pessoais.
TIPO RESIDUAL: embora o indivíduo tenha apresentado um episódio de
esquizofrenia, os sintomas não apareçam com freqüência ou chegam mesmo a não se
manifestar mais. É um quadro caracterizado pelos sinais negativos da doença.
TIPO INDIFERENCIADO: quando os sintomas não podem ser classificados nas
categorias anteriores ou quando preenchem simultaneamente os critérios para mais de
um tipo É importante ressaltar, ainda, que a sintomatologia é bastante variável e se
altera de acordo com o curso da doença e com o tratamento medicamentoso.

EPIDEMIOLOGIA

A esquizofrenia é o tipo mais freqüente de doença psicótica e tem sua


importância aumentada na medida em que acomete os indivíduos na juventude, possui
um curso freqüentemente crônico e extremamente incapacitante, a qual, na grande
maioria dos casos, impede o desenvolvimento social e produtivo do indivíduo.
Como dito anteriormente, estima-se que, somente no Brasil, existam cerca de
1.170.000 portadores da esquizofrenia, com o aparecimento de cerca de 80.000 novos
casos por ano. Estudos relativamente recentes estimam que, no estado de São Paulo,
aproximadamente 70% dos pacientes diagnosticados não estejam em tratamento regular.
Além disso, os serviços médicos destinados a pacientes que procuram os ambulatórios
de forma esporádica estão recebendo apenas 11% dos recursos destinados, pelo
governo, ao tratamento de tal distúrbio. O Brasil ainda detém outros dados alarmantes:
em 2004, 3.4% do total de hospitalizações do SUS (Sistema Único de Saúde),
considerando pacientes com mais de 20 anos, foi em decorrência de distúrbios mentais,
tendo sido a esquizofrenia a principal causa dessas internações (43%).
Em escala mundial, estima-se que cerca de 1% da população sofra com a
doença e, somente nos Estados Unidos, já houve registro de mais de 300.000 episódios
agudos de esquizofrenia em um ano. Nesse mesmo país há registros que indicam que os
pacientes esquizofrênicos ocupam cerca de 25% de todos os leitos hospitalares, sendo
mais de 20% de todos os benefícios do seguro social utilizados para os cuidados
médicos dos mesmos. Dessa forma, os custos diretos e indiretos da esquizofrenia em
pacientes norte-americanos são estimados em aproximadamente 10 bilhões de dólares
por ano.
Com relação à prevalência por sexo, não existem dados que confirmem uma
maior prevalência em um sexo quando comparado ao outro, embora existam relatos de
que os homens tenham uma idade de início mais precoce que as mulheres. Essa
observação pode ser considerada um dos achados mais consistentes em esquizofrenia.
Em geral, os homens têm um início em torno dos 18-25 anos e as mulheres em torno
dos 25-35 anos. Também não existem evidências conclusivas que comprovem a
prevalência racial da doença. Com relação ao nível sócio-econômico, muitos trabalhos
apontam a ocorrência de um maior número de episódios esquizofrênicos em países em
desenvolvimento, quando comparados aos países do hemisfério Norte. Isso indicaria
que os indivíduos com tendências à esquizofrenia sofreriam uma maior pressão de
ordemambiental – nesse caso, de ordem financeira – e estariam mais propensos a
manifestarem os sintomas da doença.
Um dado adicional, que comprova a importância do desenvolvimento de
esquizofrenia, diz respeito às freqüentes e recorrentes tentativas de suicídios por parte
desses pacientes.
Estima-se que entre 25 e 50% dos pacientes esquizofrênicos tentem o suicídio pelo
menos uma vez em toda a vida. Desses, cerca de 10% realmente se suicidam.

ETIOLOGIA DA DOENÇA

A despeito da grande importância da doença, em função do grande número de


portadores, dos prejuízos individuais, sociais e econômicos que acarreta, até hoje não se
chegou a um consenso quanto às causas da esquizofrenia, as quais ainda permanecem
obscuras. Entretanto, já encontra-se bem estabelecido que as causas primeiras da doença
diga respeito a uma interação de fatores ambientais, sociais e genéticos. Assim, os
fatores genéticos determinariam uma predisposição ao desenvolvimento da patologia, a
qual estaria mais propensa a surgir mediante a existência de fatores sociais e ambientais
específicos.
A hipótese genética, portanto, afirma que a existência de um fator genético
aumentaria a vulnerabilidade do sistema nervoso central a fatores externos. Com relação
a esta hipótese, alguns estudos têm sido realizados investigando a incidência de
esquizofrenia em gêmeos monozigóticos e dizigóticos. O pesquisador norte-americano
Kallmann, referência na investigação do componente genético da esquizofrenia, afirma
que se a doença fosse fundamentalmente de origem genética, os gêmeos monozigóticos
(os quais compartilham o mesmo material genético) deveriam apresentar
aproximadamente a mesma tendência em apresentar a doença, o que é chamado de
“concordância”. No entanto, essa concordância ocorre somente em cerca de 50% desses
gêmeos monozigóticos. Já entre os gêmeos dizigóticos, a incidência da doença é de
cerca de 10 a 15%, a mesma presente nos parentes de primeiro grau. Se a causa da
esquizofrenia fosse apenas devida a anormalidades genéticas, portanto, a concordância
deveria ser de 100%, o que não acontece. De qualquer forma, esse índice de 50% indica
uma forte influência dos componentes genéticos na manifestação da patologia. Ainda
com relação à hipótese genética, em 1988 foi localizado um gene no cromossomo 5 que
estaria supostamente associado à esquizofrenia, embora o resultado não tenha sido
conclusivo. Portanto, até o momento, os estudos de ligação gênica têm demonstrado
apenas outras regiões cromossômicas sugestivas (por exemplo, nos cromossomos 6, 13
e 22), ou seja, ainda não foi possível identificar os genes responsáveis pela doença.

Alguns autores têm proposto, adicionalmente, a existência de marcadores biológicos


para a esquizofrenia. Dessa forma, alguns distúrbios de movimentos oculares (tal como
o nistagmo: oscilações repetidas e involuntárias rítmicas de um ou ambos os olhos), os
quais estão presentes em 70% dos pacientes esquizofrênicos e em apenas 8% da
população normal, poderia ser considerado um marcador biológico para a doença,
reforçado pelo fato do distúrbio também se manifestar em 45% dos parentes não
esquizofrênicos de primeiro grau
. A constatação de que alguns pacientes esquizofrênicos sem a manifestação desses
distúrbios possuem pais que os apresentam levou à formulação de um modelo chamado
de traço latente. Esse modelo propõe que a transmissão genética deste traço pode
produzir a esquizofrenia, os distúrbios oculares ou ambos. Acredita-se, adicionalmente,
que esse traço latente possa representar um processo patológico que acomete
determinados sítios cerebrais.
Entretanto, em virtude das muitas imprecisões dessa hipótese, a busca por informações
genéticas mais incisivas continua sendo um dos principais focos na pesquisa sobre a
esquizofrenia, principalmente na era das investigações genômicas. Já a hipótese
ambiental da causa da esquizofrenia afirma que influências externas ao organismo
podem potencializar uma tendência genética ao aparecimento da doença.

Particularmente importantes parecem ser fatores ocorridos durante a vida intrauterina,


tais como infecções virais, desnutrição acentuada nas primeiras semanas de gravidez,
efeitos de drogas utilizadas pela mãe, pressão sangüínea elevada da gestante, entre
outras hipóteses. Além das intercorrências na fase intra-uterina, as complicações de
gestação e de parto também têm sido associadas à esquizofrenia, tais como baixo peso
ao nascer, prematuridade, trabalho de parto prolongado, má apresentação do feto,
préeclâmpsia, ruptura prematura de membranas e complicações pelo cordão umbilical.
Parece
ser o denominador comum desses fatos a hipóxia à qual o feto é submetido, embora nem
todos os estudos realizados encontrem associações positivas entre as complicações de
gravidez e parto e a esquizofrenia. Ainda assim, postula-se que tais fatores possam
propiciar um desenvolvimento defeituoso do sistema nervoso central em fase precoce, o
qual poderia atuar como determinante do aparecimento ulterior da esquizofrenia.
Ainda com relação a fatores ambientais, em 1985 um grupo de pesquisadores
demonstrou que, em pacientes afetados pela esquizofrenia, havia uma tendência 7 a
15% maior dos nascimentos ocorrerem no final do inverno ou no início da primavera.
Esse fato determinou que a gripe epidêmica, que ocorre tipicamente no período de
inverno, se tornasse alvo da maioria das pesquisas epidemiológicas que tentaram
associar a exposição a esse vírus no pré-natal à esquizofrenia, embora a existência de
relatos negativos impeçam uma conclusão definitiva.

Fatores sócio-econômicos também parecem influenciar as manifestações da


doença, embora não constituam agentes causais propriamente ditos. Uma das evidências
dessa hipótese é o fato de que, em nações industrializadas, existe um número
desproporcional de pacientes esquizofrênicos em classes sócio-econômicas mais
baixas.Isso é explicado, por alguns pesquisadores, como sendo uma “mobilização-
descendente”:os indivíduos afetados seriam deslocados para classes sócio-econômicas
mais baixas ou deixariam de ascender a classes mais elevadas em função da doença.
Além disso, o estresse experimento por membros de classes sócio-econômicas
inferiores pode contribuir para o desenvolvimento da esquizofrenia. Esse fato parece ser
evidenciado pela constatação clínica de que situações de estresse freqüentemente
precedem um surto, assim como agravam o quadro sintomático. A partir da metade da
década de 70, a utilização da técnica de Tomografia Computadorizada (TC) do crânio
passou a contribuir para a investigação de possíveis alterações estruturais no cérebro.
A partir daí, a esquizofrenia passou a ser associada a um distúrbio no desenvolvimento
neural, o qual afetaria principalmente o córtex cerebral e de ocorrência nos primeiros
meses do desenvolvimento pré-natal. Os estudos com imageamento cerebral surgidos
passaram a detectar sinais consistentes de atrofia cerebral, incluindo o alargamento dos
ventrículos cerebrais e aumento dos sulcos corticais numa proporção considerável.
Essas mudanças estruturais estão presentes em
pacientes esquizofrênicos apresentados pela primeira vez e provavelmente não são
progressivas, sugerindo que elas representam uma aberração precoce irreversível no
desenvolvimento cerebral, e não uma degeneração neural gradual. Estudos de cérebros
de esquizofrênicos post mortem mostram evidências de neurônios corticais fora de
posição, com morfologia anormal, além de sugerirem que os cérebros de alguns
pacientes esquizofrênicos sejam mais leves em comparação aos de indivíduos normais.
As áreas mais consistentemente implicadas na hipótese de uma má formação
cerebral têm sido as porções mediais dos lobos temporais, principalmente o hipocampo
e o giro para-hipocampal. Além disso, diminuições de volume em áreas frontais, tálamo,
gânglios da base e corpo caloso também têm sido sugeridas.

Com o desenvolvimento relativamente mais recente de outras técnicas de


imageamento in vivo, tais como a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) ou a
Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPET ou SPECT), foi possível um
mapeamento topográfico do fluxo sang6uíneo cerebral através da utilização de
xenônio133, o qual tem permitido a obtenção de informações a respeito dos aspectos
fisiológicos da esquizofrenia, tais como padrões de consumo de glicose e fluxo
sangüíneo. Outro achado freqüentemente observado é o hipofuncionamento de porções
anteriores dos lobos frontais (córtex préfrontal), associado ou não à hiperatividade de
regiões posteriores (parietais e occipitais).
A despeito da existência de grande número de evidências implicando alterações
estruturais na gênese da esquizofrenia, em conjunto ainda não representam conclusões
consistentes e definitivas, apenas sugerem possíveis caminhos para investigações
presentes e futuras.

ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS

Em contraste com outros distúrbios que acometem o sistema nervoso central, tal
como a doença de Alzheimer ou outras patologias neurológicas, nas quais se visualizam
lesões localizadas ou alterações histológicas marcantes, a esquizofrenia não se
caracteriza por alterações típicas definidas e, sim, por complexas alterações
neurofuncionais. Portanto, mais do que identificar lesões ou alterações específicas,
procura-se identificar anormalidades funcionais em determinadas vias neurais,
enfatizando neurotransmissões específicas ou disfunções nas múltiplas interações
cerebrais existentes. As teorias atuais
sobre a neurobiologia da esquizofrenia advêm da análise dos efeitos das substâncias
antipsicóticas e pró-psicóticas. É, portanto, uma área de investigação proveniente da
Farmacologia e não da Neuroquímica ou da Fisiologia.

Existem evidências que implicam uma disfunção no sistema límbico anterior,


principalmente no hemisfério esquerdo do cérebro. Desta forma, o paciente
esquizofrênico
sofreria de uma disfunção no hemisfério esquerdo, bem como de um déficit de
comunicação entre os dois hemisférios. Conseqüentemente, o hemisfério esquerdo
passaria a ser excessivamente utilizado, ainda que de forma deficitária, o que acarretaria
uma interpretação errônea das mensagens provenientes do hemisfério direito. Isso
explicaria as freqüentes alucinações auditivas e as idéias delirantes, uma vez que a
atividade verbal do hemisfério direito seria interpretada como originária de fora e não
da
própria mente. Outras estruturas límbicas parecem também estar diretamente envolvidas
na gênese da esquizofrenia, tal como o córtex pré-frontal. No subcórtex, estariam
também
envolvidos o núcleo accumbens, a área tegmentar ventral do mesencéfalo, a amígdala, o
hipocampo e o tálamo. Aliás, as alterações de percepção poderiam estar relacionadas
com
um funcionamento anormal de vias neurais deste último. O funcionamento deficitário
das
vias neurais das demais estruturas poderia explicar as disfunções afetivas e
motivacionais.
Com relação às vias de neurotransmissão envolvidas, até o momento as principais
hipóteses centralizam-se na dopamina (DA) e no glutamato, embora outros mediadores
também recebam atenção, como é o caso da serotonina (5-HT). A hipótese
dopaminérgica
tem sido, sem dúvida, a melhor fundamentada até os dias atuais e se relaciona com os
medicamentos antipsicóticos regularmente utilizados no tratamento.
Teoria Dopaminérgica
A teoria dopaminérgica da esquizofrenia foi proposta por Carlsson, ganhador
do Prêmio Nobel do ano de 2000, com base em evidências farmacológicas indiretas em
seres humanos e em animais de experimentação. Foi definitivamente estabelecida com
base no mecanismo de ação dos principais antipsicóticos utilizados na psiquiatria, os
quais atuam diminuindo a neurotransmissão dopaminérgica no sistema nervoso central.
Algumas evidências indicam que tais fármacos atuam por meio de duas principais vias
dopaminérgicas: o sistema mesotelencefálico e o sistema diencefálico, sendo que
essas vias se subdividem em vias menores, cada uma responsável por um tipo de
sintoma e, conseqüentemente, de ação do medicamento. O esquema seguinte
representa, sinteticamente, as vias de neurotransmissão dopaminérgicas sobre as quais
atuam os principais antipsicóticos.
Como pode ser observado pelo esquema, o sistema mesotelencefálico se
divide em três vias menores: a via nigroestriatal, a via mesolímbica e a via mesocortical.
Já o sistema diencefálico se divide em vias curtas, dentre as quais se destaca, pelasações
dos antipsicóticos, a via túbero-infundibular. Acredita-se que esta última seja amais
importante do ponto de vista do mecanismo de ação dos antipsicóticos.
O principal mecanismo responsável pela ação antipsicótica dos fármacos
utilizados é o bloqueio de receptores dopaminérgicos, o que sugere que a esquizofrenia
seja caracterizada, principalmente, pelo hiperfuncionamento da transmissão
dopaminérgica no sistema nervoso central.
Comprovando esta hipótese, existem inúmeros estudos utilizando a
anfetamina como agente indutor da hiperativação de vias dopaminérgicas. A anfetamina
(tal como a cocaína) libera DA no cérebro e pode produzir, em seres humanos, uma
síndrome comportamental indistinguível de um episódio esquizofrênico agudo. Já em
animais de experimentação, a liberação de DA causa um padrão específico de
comportamento estereotipado (conhecido como climbing behavior), que lembra os
comportamentos repetitivos algumas vezes vistos em pacientes esquizofrênicos. Além
disso, agonistas potententes do receptor D2 (um subtipo de receptor de neurônios
dopaminérgicos), tais como a apomorfina ou a bromocriptina, produzem efeitos
semelhantes em animais, e estes fármacos, da mesma forma que a anfetamina,
exacerbam os sintomas dos pacientes esquizofrênicos. Juntamente com esses dados há,
para reforçar a hipótese dopaminérgica, uma forte correlação entre a potência
clínica antipsicótica e a atividade em bloquear os receptores D2 e estudos de imagem de
receptor mostraram que a eficácia clínica das substâncias antipsicóticas é
consistentemente alcançada quando a ocupação do receptor D2 alcança
aproximadamente 80%. Um outro fator que reforça a hipótese dopaminérgica é o fato de
que o bloqueio dos mecanismos de armazenamento da DA (com a utilização de
reserpina, por exemplo), também inibe as manifestações da esquizofrenia. No entanto, a
despeito dessas evidências, acredita-se que outros sistemas de neurotransmissão também
estejam envolvidos na gênese da esquizofrenia.
Teoria Glutamatérgica
Algumas evidências indicam que vias glutamatérgicas também participem da
gênese da esquizofrenia; no entanto, de uma forma inversa à atuação da DA: inibindo
manifestações de caráter psicótico, como visto na esquizofrenia. Isso pode ser
evidenciado pela ação dos antagonistas do receptor NMDA (N-metil-D-aspartato), um
subtipo de receptor glutamatérgico, os quais produzem sintomas psicóticos em seres
humanos (como pode ser observado quando da utilização de fenciclidina, quetamina e
dizocilpina). Além disso, concentrações reduzidas de glutamato e de densidades do
receptor de glutamato foram relatadas em cérebros de pacientes esquizofrênicos em
estudos post mortem – um dos poucos achados razoavelmente consistentes a respeito do
envolvimento do glutamato na gênese da esquizofrenia. Evidências experimentais
auxiliam a reforçar esta hipótese. Camundongos transgênicos nos quais a expressão do
receptor NMDA está reduzida (não abolida, pois isto seria fatal) mostram
comportamentos estereotipados e interação social reduzida, que são sugestivos de
esquizofrenia, e respondem às substâncias antipsicóticas.
Teoria serotonérgica
A hipótese do envolvimento da neurotransmissão serotonérgica na gênese da
esquizofrenia advém, principalmente, dos sintomas produzidos pela utilização do LSD
(dietilamida do ácido lisérgico), o qual é um agonista de auto-receptores serotonérgicos,
ou seja, diminui a freqüência de disparo de neurônios serotonérgicos, diminuindo a
liberação de 5-HT nos terminais nervosos. O uso de LSD por seres humanos induz um
estado muito semelhante aos surtos psicóticos observados em pacientes esquizofrênicos,
o que levou à formulação do possível envolvimento da 5-HT no desenvolvimento da
patologia. Além disso, observou-se que indivíduos com baixos níveis liquóricos do
ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA), o principal metabólito da serotonina, apresentam
sinais de impulsividade e são propensos a cometer atos violentos contra si próprios ou
contra terceiros. Embora existam outras evidências implicando a neurotransmissão
serotonérgica em quadros de esquizofrenia, esta hipótese ainda encontra-se menos
estabelecida que a hipótese dopaminérgica.
Outras teorias, envolvendo outras substâncias centrais, têm sido
desenvolvidas na tentativa de se compreender a gênese da esquizofrenia. Entre elas
estão as hipóteses de modulação peptídica e de modulação opióide, as quais, em função
de nossos objetivos, não serão aqui detalhadas. Conclui-se, portanto, que a teoria da
hiperatividade dopaminérgica da esquizofrenia parece ser sustentada por uma ampla
gama de evidências. Embora seja
de grande simplificação e se refira somente aos sintomas positivos da doença, fornece o
melhor embasamento para a compreensão da ação das substâncias antipsicóticas.

FÁRMACOS ANTIPSICÓTICOS
A base para o tratamento da esquizofrenia continua a ser de ordem farmacológica, desde
o aparecimento dos antipsicóticos (também chamados de neurolépticos ou
tranqüilizantes maiores) na década de 50. É importante ressaltar que tais medicamentos
tratam os sintomas e não possuem capacidade de cura. Existem,
atualmente, mais de 20 substâncias antipsicóticas diferentes disponíveis para uso
clínico. De forma geral, aquelas que foram originalmente desenvolvidas são chamadas
de antipsicóticos clássicos ou típicos, em contraste com as mais recentes, chamadas de
antipsicóticos atípicos.
O tratamento com antipsicóticos, sem considerar os efeitos colaterais que
produzem, possui duas principais limitações: a primeira diz respeito à sua eficácia, a
qual atinge apenas 70% dos pacientes esquizofrênicos; os 30% restantes são
classificados como “resistentes ao tratamento” e apresentam um importante problema
terapêutico. A segunda limitação vem do fato dessas drogas, apesar de controlarem de
forma eficaz os sintomas positivos, serem ineficazes com relação aos sintomas
negativos. Um outro ponto frágil da terapêutica com os antipsicóticos, mas que não
representam uma limitação propriamente dita, diz respeito ao tempo necessário para o
estabelecimento do efeito. Assim como outros fármacos neuroativos, levam semanas
para produzirem os efeitos esperados, mesmo bloqueando os receptores dopaminérgicos
de forma imediata.
Ao impedir a hiperativação dopaminérgica, as substâncias antipsicóticas
acabam por produzir uma gama de efeitos colaterais, muitos deles de grande gravidade.
Tais efeitos pode, de forma geral, ser classificados como efeitos motores ou efeitos
endócrinos. Os efeitos motores, por sua vez, podem ser representados pelos chamados
distúrbios extrapiramidais e pela discinesia tardia, e representam o principal problema
do tratamento com antipsicóticos. Os principais distúrbios extrapiramidais causados
pelos antipsicóticos são: distonias agudas; movimentos involuntários tais como
espasmos musculares, língua protusa, torcicolo, etc; síndrome parkinsoniana.
Esses sintomas aparecem nas primeiras semanas do tratamento, tendem a declinar com
o passar do tempo e são reversíveis com a interrupção do tratamento. Devem-se ao
bloqueio de receptores dopaminérgicos principalmente na via nigro-estriatal. Já a
discinesia tardia é uma gama de efeitos a qual se desenvolve após considerável tempo
de tratamento (meses ou anos) em cerca de 20 a 40% dos pacientes tratados com
antipsicóticos típicos e representa o principal problema da terapia antipsicótica.
É uma condição incapacitante, irreversível, que freqüentemente piora quando da
interrupção do tratamento. É caracterizada por movimentos involuntários freqüentes da
face, da língua, do tronco e dos membros, os quais podem compromete seriamente a
saúde do indivíduo.
Já com relação aos efeitos colaterais de ordem endócrina, os mais
freqüentemente observados são: turgescência, dor e lactação das mamas (causada por
aumento da concentração plasmática de prolactina, em função do bloqueio da
neurotransmissão dopaminérgica), a qual pode ocorrer em homens e mulheres;
diminuição do hormônio do crescimento; influência sobre os hormônios sexuais,
diminuindo ou comprometendo a libido do indivíduo.
Portanto, como pôde ser observado, os medicamentos antipsicóticos atualmente
disponíveis oferecem, infelizmente, uma grande variedade de efeitos colaterais ao
indivíduo portador da esquizofrenia. É um panorama triste uma vez que, a despeito de
controlar os sintomas muitas vezes incapacitantes da doença, acaba por produzir outros
que podem impedir, da mesma forma, a reintegração do paciente à
sociedade. Portanto, no campo da investigação da esquizofrenia, muitos esforços
devem ser realizados no sentido de se buscar substâncias eficazes contra o distúrbio e
que sejam o mais seletivas possíveis, a fim de minimizar os efeitos adversos produzidos
pelos antipsicóticos em uso. E, mais importante, deve-se sempre ter em mente a questão
ética por trás da questão farmacológica: a busca por substâncias neurobiologicamente
ativas que favoreçam a reintegração dos indivíduos à comunidade, de forma que os
portadores de esquizofrenia possam desenvolver suas potencialidades individuais, a
despeito de todo o estigma que vem marcando a patologia ao longo dos séculos.

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