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ESCOLA DF SARGENTOS DAS ARMAS Aprove: ae PROCESSO SELETIVO AOS | CURSOS DE FORMAGAO DE SARGENTOS 2010-11 TEXTO DE INFERPRETACAO, Diretorde Ensino da ESSA _ Critério Os naufragos de um transatlintico, dentro de um barco salva-vidas perdido em alto-mar, tinham comido as Jiltimas bolachas e contemplavam a antropofagia como tinico meio de sobrevivéneia, — Mulheres primeiro — propés um cavalheiro. A proposta foi rebatida com veeméncia pelas mulheres. Mas estava posta a questio: que critério usar para decidir quem seria sacrificado primeiro para que os outros no morressem de fome? — Primeiro os mais velhos— sugeriu um jovem. (Os mais velhos imediatamente se uniram num protesto. Falta de respeito! mesmo — disse um— somos dificeis de mastigar. Por que nao os mais jovens, sempre tio dispostos aos gestos nebres? — Somos. tearicamente, os que tém mais tempo para viver — disse um jovern voeés precisardo da nossa forga nos remos e dos nossos olhes para avistar a terra — disse outro — Entao os mais gordas e apetiiosos. Injustiga! — gritou um gordo. — Temos mais calories acumuladas e, portanto, mais probabilidade de sobreviver de forma natural do que os outros. — 0s mais magros? Nem pensem nisso — disse um magro, em niome dos demais. — Somos pouco nutritivos. —F os mais contemplativos e liricos? __E quem entreterd vocés com histérias e versos enquanto o salvamento nio chega? — perguntou um poeta — Os mais metafisico: __Nao esquegam gue 36 nds temos um canal aberto para ki —disse um metafisico, apontando para 0 alto =e que pode se tomar vital, se nada der certo, Era.um dilerta, E preciso dizer que esta discussio se dava num canto do barco salva-vides, ocupado pelo pequeno grupo de passageiros de primeira classe do transatléntico, sob os olhares des passageires de segunda ¢ de terccira classe, que ocupavam todo 0 resto da embarcagao e nao diziam nada, Até que um deles perdeu a paciéncia e, ja que a fome era grande, inquiriu: —Cumé? Recebeu os othares de censura da primeira classe, Mas como estavam todos, literalmente, no mesmo barco, também recebeu uma explicagio, — Estamos indecisos sobre que critério utilizar. — Pois eu tenho um critério — disse o passageiro de segunda. — Qual 6? Primeiro os indecisos. Esta proposta causou um rebuligo na primeira classe acuada. Um dos seus tedricos levantou-se e pediu: — Nap vamos ideologizar a questio, pessoal! Fm seauida levaniou-se um ajudante de maquinista e pediu calma. Queria falar. —Niaufragos e ndufragas — comegou —Neste barco s6 existe uma divisdo real, ¢ 6 nies que conta quando a situago chega a este ponto, Nio é entre velhos ¢ jovens, gordos € magros, poetas e atletas, erentes € ateus.,. E entre minoria e maioria, , apontando para a primeira classe, aritou: — Vamos comer a minoria! Novo rebiiliga. Protestos, Revanchismo nao! Mas a maioria avangou sobre a minoria, A primeira no era primeira em tudo? Pois seria a primeira no sacrificio. Nao podiam comer toda a primeira classe, indiscriminadamente, no entanto, Ainda precisava aver critéries. Foi quando se lembraram de chamar o Natalino, O chefe da cozinha do transatlantico. Eo Natalino pés-se a examinar as provisées, apertendo uma pena aqui, uma costela ali, com # empafia de quem sabia que ers o tinico indispensavel. fim desta pequena histbria admonitéria é que, com toda a agitaco, © barco salva-vidas virou e todos, sem distingao de classes, foram devorados pelos tubardes. Que, como se sabe, niio tém nenhum critério. (VERISSIMO, L. F. O nariz.c outras crdnicas. 3.ed. Sio Paulo: Atica, 1997.)

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