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Há uma grande confusão em torno do significado do trabalho informal. Isso não se deve
a pelejas metodológicas entre pesquisadores. Na verdade, a própria natureza do
trabalho informal é complexa, englobando diferentes categorias de trabalhadores com
inserções ocupacionais bastante particulares.
De acordo com este enfoque, o trabalho informal não é definido pelo respeito ou não ao
marco legal mas de acordo com a dinâmica econômica das unidades produtivas. Daí o
fato de se caracterizar este setor como desorganizado, não-estruturado etc. O trabalho
informal pode tanto indicar uma estratégia de sobrevivência face à perda de uma
ocupação formal, como uma opção de vida de alguns segmentos de trabalhadores que
preferem desenvolver o seu "próprio negócio".
A aceitação desta segunda perspectiva faz sentido porque contribui para "limpar o
terreno", explicitando os trabalhadores realmente vinculados ao segmento informal, não
tipicamente capitalista, e aqueles com ocupações precárias em atividades capitalistas.
Este segundo grupo inclui parte significativa dos trabalhadores sem carteira assinada, os
quais não seriam informais, mas trabalhadores do setor capitalista cujos empregadores
desrespeitam a legislação trabalhista vigente.
Dois tipos de trabalhadores – nas duas pontas da pirâmide de distribuição de renda - não
se encontram incluídos na definição de informais. Os trabalhadores domésticos, pelo fato
de não estarem inseridos em uma unidade econômica, e os profissionais liberais, pelo
fato de funcionarem como empresas capitalistas com suas estratégias de marketing,
geralmente inseridos em mercados de alta renda.
Lidamos aqui com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada
anualmente pelo IBGE (PNAD/IBGE). No entanto, procedemos a uma reorganização das
informações, entendendo que o parâmetro básico para a definição do trabalho informal
não deve ser a ilegalidade/precariedade, mas sim a natureza do estabelecimento em que
está inserido. Assim, reagrupamos os indivíduos de acordo com sua posição na
ocupação e seu local de trabalho.
Os trabalhadores autônomos ou por conta própria formam o grupo mais expressivo dos
trabalhadores informais, correspondendo a mais de 4/5 do total. Todavia, aos
autônomos, adicionamos os empregados e os empregadores que trabalham ou têm seu
negócio no próprio domicílio, no domicílio do empregador, patrão, sócio ou freguês, em
local designado pelo cliente, empregador ou freguês, em veículo automotor e ainda em
via ou área pública. A razão disso é que estes empregados e empregadores estão em
estabelecimentos que não podem ser caracterizados como estritamente capitalistas, pois
a divisão entre trabalho e capital não é clara, os empreendimentos são pouco
estruturados e possuem baixos níveis de produtividade e de dinamismo econômico.
1992 1997
Nº % Nº %
Empregado (Total) 32.630.436 52,61 34.343.755 51,91
Empregado C/Carteira 23.332.075 37,61 24.377.445 36,84
Empregado S/Carteira 9.298.361 14,99 9.966.310 15,10
Trabalhador Doméstico 4.356.000 7,02 5.242.846 7,92
Trabalhador informal 15.957.955 25,73 17.801.135 26,91
Empregador 2.235.139 3,60 2.538.841 3,84
Não remunerado 6.848.893 11,04 6.230.992 9,42
Sem declaração 434 0,00 4.983 0,01
Total 62.028.857 100,00 66.162.552 100,00
1992 1997
Nº % Nº %
Empregado 27.685.050 58,54 30.000.118 56,76
Trabalhador 4.356.000 9,21 5.242.846 9,92
doméstico
Trabalhador informal 11.761.365 24,87 13.681.574 25,89
Empregador 1.662.744 3,52 2.069.973 3,92
Não remunerado 1.829.793 3,87 1.852.678 3,51
Sem declaração - - 4.983 0,01
Total 47.294.952 100,00 52.852.172 100,00
Empregado Conta-própria
Agrícola 12,26 28,18
Indústria de transformação 19,46 4,99
Indústria da construção 6,43 11,65
Outras atividades industriais 1,99 0,26
Comércio de mercadorias 12,83 19,42
Prestação de serviços 10,50 22,06
Serviços auxiliares da atividade econômica 4,12 4,65
Serviços de transporte e comunicação 5,22 4,82
Serviços sociais 15,86 2,31
Administração pública 8,65 0,04
Outras atividades mal-definidas ou não-declaradas 2,68 1,63
Total (%) 100,00 100,00
Total (Nº) 36.148.320 15.740.607
A tabela 4 traz dados sobre o local físico em que os trabalhadores desempenham suas
atividades. Os conta-própria trabalham principalmente em fazendas, sítios, chácaras e
assemelhados (26,17%), em lojas, oficinas, fábricas, escritórios etc. (25,35%), em local
designado pelo cliente, empregador ou freguês (16,28%) e no próprio domicílio em que
moram (15,55%). Acrescente-se apenas que não é desprezível o número de
trabalhadores por conta própria que exercem suas atividades em via pública e em
veículos automotores (ambos os locais somam 12,11%).
Por sua vez, em sua grande maioria, os empregados se concentram em lojas, oficinas,
fábricas, escritórios, repartições públicas etc. (82,90%), sendo que alguns outros
trabalham em fazendas, sítios, chácaras e assemelhados (12,02%).
Empregado Conta-
própria
Loja, oficina, fábrica, escola, escritório, repartição 82,90 25,35
pública etc.
Fazenda, sítio, chácara, granja etc. 12,02 26,17
No domicílio em que moravam 0,31 15,55
Em domicílio de empregador, patrão, sócio ou freguês 0,37 3,16
Em local designado pelo cliente, empregador ou freguês 3,07 16,28
Em veículo automotor 0,72 4,26
Em via ou área pública 0,53 7,85
Outro 0,09 1,39
Sem declaração - -
Total (%) 100,00 100,00
Total (Nº) 36.148.320 15.740.607
A tabela 5 traz informações sobre a jornada de trabalho semanal, que, juntamente com o
local físico acima analisado, é um bom indicador das condições trabalhistas dos
autônomos e empregados.
Os empregados também apresentam uma jornada extensa, mas não tanto quanto a dos
conta-própria. Os empregados que trabalham mais de 44 horas por semana
correspondem a 38,35%. Mas é de se notar que apenas 17,23% trabalham 49 horas ou
mais.
Essa inserção ocupacional mais precária dos trabalhadores autônomos deve ser
relativizada, já que isto se deve à pressão exercida pela queda do emprego e da renda
dos grupos mais dinâmicos. Quando um trabalhador perde o emprego no setor dinâmico
ele deixa de ganhar salários – que são demanda para o trabalho informal – e passa a
disputar o "bolo" de um setor que não cria renda, por causa da sua baixa produtividade,
reduzindo os rendimentos dos informais. Em sendo assim, a redução dos empregos e
dos salários das grandes e médias empresas tem lançado uma grande massa de
trabalhadores na produção de bens e serviços autônomos, fazendo com que parte
destes trabalhadores receba menos de um salário mínimo.
Empregado Conta-própria
Nº % Nº %
Até ½ 1.384.466 3,9 2.335.440 15,2
+ de ½ a 1 5.604.134 15,7 2.630.019 17,2
+ de 1 a 2 8.433.691 23,6 2.987.638 19,5
+ de 2 a 3 6.770.868 18,9 2.217.187 14,5
+ de 3 a 5 6.683.423 18,7 2.516.874 16,4
+ de 5 a 10 4.489.223 12,5 1.581.816 10,3
+ de 10 a 1.652.184 4,6 706.104 4,6
20
+ de 20 790.768 2,2 358.213 2,3
Total 35.808.757 100,0 15.333.291 100,0
Nº % Nº % Nº %
Nº % Nº % Nº %
A análise do nível de rendimento médio mensal em 1997 por categoria ocupacional nos
permite tirar algumas conclusões adicionais. Quanto maior a geração de emprego e
renda no setor formal, comandado pela lógica capitalista, maior é o rendimento médio do
trabalho informal. Isso se deve pelo fato de que o primeiro funciona como demanda para
o segundo, tanto sob a forma de gastos das empresas como de consumo dos
trabalhadores. Em sendo assim, nas regiões Sudeste e Sul, o rendimento médio dos
trabalhadores por conta própria – os quais representam cerca de 4/5 dos trabalhadores
informais - chega a exceder o rendimentos dos empregados (com e sem carteira), ao
passo que no Nordeste, a renda média dos autônomos fica em 70% da renda média dos
assalariados (tabela 9).
Obviamente, há vários tipos de trabalho informal, conforme vimos acima. Entretanto, nas
regiões Sul e Sudeste, o trabalho informal apresenta-se ligado prioritariamente às
atividades produtivas dinâmicas e a um mercado de consumo de maior envergadura,
enquanto no Nordeste, face ao pouco dinamismo do setor capitalista, o setor informal
tende a se concentrar em serviços pessoais que atendem a um mercado de consumo
mais limitado, havendo pois menos renda para ser distribuída a um contingente maior de
trabalhadores que não conseguem emprego no setor dinâmico.
Por outro lado, este maior inchaço do trabalho informal no Nordeste permite que o setor
dinâmico precarize parcela significativa dos empregos formais, oferecendo salários e
condições de trabalho abaixo da média, já que a renda do trabalho informal mantém-se
achatada pelo excesso de trabalhadores que podem volta e meia preferir uma ocupação
precária do setor dinâmico. Exemplo disso é o fato de que a renda média dos
trabalhadores por conta própria no Nordeste era apenas o dobro da renda média dos
trabalhadores domésticos, ao passo que no Sul e no Sudeste chegava a ser três vezes
maior (tabela 9).
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A proposta desta análise sobre o trabalho informal era destrinchar o perfil de um conjunto
de trabalhadores, na sua maioria autônomos, que dependem, para a sua expansão, das
atividades dinâmicas de uma economia capitalista. Assim, quando há encolhimento do
emprego e da renda no setor dinâmico, verifica-se um inchaço e uma queda de
rendimentos no âmbito do setor informal, ao passo que, quando aquele se expande com
ampliação dos salários na renda, abre-se espaço para uma melhor inserção ocupacional
dos trabalhadores por conta própria e vinculados a pequenos empreendimentos.
Em segundo lugar, essa metodologia alternativa pode contribuir para a expansão das
experiências no âmbito da economia solidária, desde que os autônomos, as verdadeiras
cooperativas, as microempresas e os pequenos produtores rurais no âmbito da
agricultura familiar possam ter acesso ao microcrédito para expandir as suas atividades.
A viabilidade destas experiências tanto do ponto de vista econômico como também
social e cultural depende de um estudo rigoroso do público-alvo, de uma capacitação
técnica maciça dos beneficiários, da liberação de crédito a juros baixos a partir de novos
desenhos institucionais como os bancos do povo, as incubadoras de empresas etc.,
além da organização da sociedade civil e do poder público de forma a permitir que estas
iniciativas cheguem de forma efetiva aos excluídos do mercado de trabalho, do sistema
financeiro e das políticas sociais em geral.