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(Guerra, LB. Neuropsicologia e educação: perspectiva transdisciplinar. IN: Macedo, E.C., Mendonça, L.I.Z.,
Schlecht, B.B.G., Ortiz, K.Z., Azambuja, D.A. Avanços em Neuropsicologia: das pesquisas à aplicação
clínica. São Paulo: Livraria Santos Editora, 2007. p. 207-219)
prática pedagógica? A resposta a essas questões demanda saber como o cérebro aprende e como o
professor pode aproveitar esse conhecimento para o ensino.
Por que algumas crianças se adaptam melhor a uma determinada metodologia pedagógica do
que a outras? O que faz com que algumas crianças tenham grande facilidade para a matemática mas
amarguem dificuldades em português ou história? Ensinar uma segunda língua a uma criança em
processo de alfabetização é proveitoso? Qual é a melhor idade para a iniciação musical? O bebê já
aprende no útero enquanto ainda é feto? Crianças desnutridas apresentam necessariamente
dificuldades escolares? É o neurologista quem está capacitado a opinar sobre os chamados
problemas de aprendizado? Por que ir a museus, ao zoológico, ao parque e uma boa convivência
familiar melhoram o desempenho escolar e social das crianças? Como o brincar colabora para o
aprendizado? As habilidades para matemática, linguagem, música, entre outras, são determinadas
geneticamente? Por que as emoções interferem com a capacidade de cálculo, de raciocínio, de
decisão? Criança e adulto aprendem em qualquer idade, qualquer assunto? Existe época melhor para
se aprender determinado conteúdo? Por que meu aluno não aprende e nem tem atenção? O que é
hiperatividade? Qual é o efeito do meio ambiente no desenvolvimento da criança? A repetência se
justifica? Ou a aprovação automática é fundamentada pela ciência cognitiva? Por que a criança não
aprende? O que fazer com o aprendiz com dificuldades? Para quem encaminhar? Como incluir uma
criança com necessidades especiais?
Essas são questões presentes no dia-a-dia do professor e de outros profissionais da educação.
Muitas continuam sem resposta, mas algumas dessas questões já têm sido atendidas através de
teorias e estudos bem divulgados sobre neuroplasticidade e mielinização durante o
desenvolvimento, neuropsicologia da linguagem, da atenção e memória, da função executiva, da
aprendizagem e da emoção (Andrade, Santos & Bueno, 2004). Ainda assim, suas respostas
continuam a ser desconhecidas do grande público e mesmo dos profissionais da educação.
Segundo o relato dos fóruns mundiais promovidos pela OCDE – Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômicos entre 2001 e 2002 (OCDE, 2003), cujo objetivo foi a
discussão da interface entre neurociência e educação, são muitas as questões a serem investigadas
sobre o aprendizado humano. Estas incluem, dentre outras, a verificação do peso da influência da
natureza (genética) e da criação (“lar saudável e uma boa escola”) no sucesso da aprendizagem; a
real importância dos primeiros anos para um aprendizado bem-sucedido pelo resto da vida; a
influência da idade na aprendizagem de atitudes específicas, habilidades e conhecimentos; as
diferenças na aprendizagem de jovens e adultos; o significado de inteligência; o funcionamento da
motivação; as bases neuropsicológicas para aprendizagem da escrita, leitura e matemática.
Desde então, observou-se um aumento no número de trabalhos científicos dedicados à
interface neurociência e educação. Alguns ressaltam a importância da fundamentação científica dos
processos cognitivos que fundamentam a aprendizagem e as estratégias pedagógicas. Muitos
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chamam a atenção para o julgamento crítico necessário à utilização correta dos conhecimentos
obtidos e divulgados, evitando o aparecimento de mitos e teorias precipitadas que ignoram os
critérios rigorosos para a aplicação de dados obtidos pelas ciências básicas (.Geake, 2003; Geake &
Cooper, 2003; Koizumi, 2004; Ansari, 2005; Blakemore & Frith, 2005; Goswami, 2004, 2005,
2006; Howard-Jones, 2005; Gura, 2005; Posner & Rothbart, 2005; Stern, 2005; Ansari & Coch,
2006; Fawcett & Nicolson, 2007).
A divulgação científica relativa às diversas áreas do conhecimento, mas especialmente
aquela relacionada à saúde e ao comportamento humano, tem crescido muito. Divulga-se através de
mídias diversas como televisão, jornal, internet, revistas diversas, livros, congressos, entre outros, o
que demanda seriedade e compromisso ético dos meios de comunicação e leitura e julgamento
crítico do público.
A Neurociência por si só não pode fornecer o conhecimento específico necessário
para elaboração de ambientes de aprendizagem “poderosos” em áreas de conteúdo
escolar específicas, particulares. Mas fornecendo “insights” sobre as capacidades e
limitações do cérebro durante o processo de aprendizagem, a neurociência pode
ajudar a explicar porque alguns ambientes de aprendizagem funcionam e outros
não. Como parte de colaborações interdisciplinares, a neurociência pode ajudar a
estruturar a sala de aula do futuro. Isto seria uma reforma da educação “baseada em
evidências” que valeria a pena apoiar (Stern, 2005).
Desde 1994 temos tido oportunidade de participar de disciplinas para grupos de alunos de
especializações em psicopedagogia cujos objetivos são abordar os fundamentos neurobiológicos do
processo ensino-aprendizagem, estabelecendo as relações entre a organização morfofuncional do
sistema nervoso central e as funções cognitivas envolvidas no processo ensino-aprendizagem,
fundamentadas pela neuropsicologia, com vistas ao entendimento dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem e suas alterações. É surpreendente perceber que a maior parte das
professoras e pedagogas participantes ignoravam, hoje menos, as propriedades, a organização e as
funções do sistema nervoso central, deixando de utilizar esses conhecimentos para melhorar o
desempenho das crianças e fazer as intervenções adequadas. Dados de Scaldaferri & Guerra (2001)
demonstraram que 50% de 60 cursos de pedagogia investigados, no Brasil, não apresentavam, em
sua matriz curricular, disciplinas ou atividades que contemplassem temas da biologia ou
neurobiologia. Dos cursos, 38% abordavam biologia e apenas 12% neurobiologia, o que denota
pouca preocupação dos responsáveis pela formação inicial, em relação à inclusão de temas
relacionados ao sistema nervoso na formação do educador. A inclusão dos fundamentos
neurobiológicos do processo ensino-aprendizagem, na formação inicial do educador, contribuiria
para uma perspectiva nova e diferente da educação e suas estratégias pedagógicas. Esta perspectiva
influenciaria também os aspectos sociais, psicológicos, culturais e antropológicos tradicionalmente
estudados pelos pedagogos, e sujeitos a novos significados sob o olhar da neurociência.
também poderá ter ou não a organização do seu sistema nervoso comprometida caso sofra infecções
como meningites ou traumatismos cranianos que provoquem lesões definitivas em seu cérebro.
Também as crianças, vítimas de deficiências nutricionais, protéica, calórica, de vitaminas e/ou sais
minerais poderão apresentar um sistema nervoso com funções comprometidas, pelo menos
temporariamente. Isso ocorre porque os neurônios, células que constituem o nosso cérebro,
dependem desses nutrientes para funcionar adequadamente. Nesse caso, a criança poderá apresentar
dificuldade de aprendizagem, dada a uma disfunção cerebral, causada por um fator nutricional.
Também o indivíduo que tenha dormido pouco pelos mais diversos motivos, poderá ter sua
aprendizagem comprometida. Isso se dá porque o cérebro, para consolidar as memórias, necessita
das condições químicas que o sono promove. Durante o sono, nosso cérebro produz determinadas
substâncias químicas - os neurotransmissores - entre outros fatores, que são importantes para o
estabelecimento de novas ligações – sinapses - entre os neurônios. Para aprender, precisamos estar
despertos e atentos para absorver a experiência sensorial, mas necessitamos do sono para garantir
que essas experiências sejam transformadas em memória e, portanto, apreendidas.
Outro fator que interfere na aprendizagem é o chamado fator psicológico. Assim, quando a
criança está exposta a um ambiente familiar agressivo ou de insegurança, ou está ansiosa devido a
mudanças em sua vida, como a chegada de um irmão, mudança de comunidade, morte na família,
separação dos pais, entre outras, o seu cérebro estará processando os estímulos gerados por essas
mudanças de forma a produzir um comportamento que a adapte melhor às situações vividas, que
chamaremos de risco. Ou seja, circuitos neuronais em seu cérebro estarão funcionando permitindo a
ela comportamentos para fugir do agressor, procurar outros ou novos amigos, chamar a atenção
daqueles que não lhe dão atenção, entre outros. Assim, os circuitos neuronais que deveriam estar
envolvidos nas tarefas escolares estarão envolvidos com comportamentos que, naquele momento,
serão mais relevantes para a sobrevivência e bem estar dela. Em outras palavras, o cérebro dessa
criança não apresenta nenhum problema. O que ocorre, nesses casos, é que o sistema nervoso
funciona com o objetivo de melhor adaptar o indivíduo ao contexto ao qual ele está exposto.
Outro fator que poderá interferir na aprendizagem diz respeito às crianças portadoras de
déficits sensoriais, principalmente auditivos e/ou visuais, pois as vias sensoriais são as portas de
entrada para nossa comunicação com o mundo, o que leva o cérebro a processar diferentes
estímulos. De fato, insistimos, esses indivíduos não apresentam alterações cerebrais, mas devemos
oferecer-lhes estratégias de ensino que lhes possibilitem o contato com o mundo. Por exemplo: o
uso da linguagem de sinais para os deficientes auditivos e recorrer aos estímulos táteis para
comunicar com os deficientes visuais.
Também podem enfrentar dificuldade para aprender, as crianças que não têm condições de
adquirir material escolar, não têm ambiente para estudo em casa, não têm acesso a livros, jornais,
não têm incentivo ou estimulação dos pais e/ou dos professores, embora não sejam portadoras de
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alterações cerebrais. Nesses casos, elas não têm acesso às experiências sensoriais, perceptuais,
motoras entre outras, fundamentais para funcionamento e reorganização de seu sistema nervoso.
Existem, ainda, os chamados transtornos de aprendizagem. Trata-se das dificuldades na
aquisição de habilidades de escrita, leitura, raciocínio lógico-matemático e, ainda, para alguns
autores, falta de habilidade de interação social, causadas por uma organização diferente do cérebro,
determinada geneticamente. São exemplos disso: a dislexia, a discalculia, o transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade, entre outros. Nesses casos, as crianças conseguirão aprender, mas
necessitarão de estratégias alternativas de aprendizagem. É como se o cérebro desses indivíduos
utilizasse outros caminhos, outros circuitos neuronais para atingir o mesmo resultado, ou seja, a
aquisição de um novo comportamento.
Como vimos, muitas são as causas das dificuldades de aprendizagem e todas envolvem o
cérebro. Portanto, sua abordagem pode demandar, conforme o caso, a participação de profissionais
de diferentes formações: educador (professor, pedagogo, orientador educacional da criança),
médico (pediatra, neurologista, psiquiatra), fonoaudiólogo, neuropsicólogo, psicólogo, assistente
social, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, assistente social, educadores na área
de artes e educação física. Assim sendo, para saná-las, necessitamos da avaliação e intervenção
interdisciplinares realizadas por diferentes profissionais.
Ressaltamos que a identificação da dificuldade de aprendizagem possibilita o
reconhecimento de problemas que, mesmo não apresentando solução definitiva, permitem
encaminhamento e intervenção adequados pela equipe multidisciplinar. Incluem-se nesta, sempre, a
escola e a família, para acompanhamento e desenvolvimento do potencial da criança, com vistas à
aprendizagem que lhe for possível. De qualquer forma, aprendizagem é fundamental para a vida,
sobrevivência e desenvolvimento de cidadania do indivíduo.
Pensando em todas estas idéias aqui expostas, desde 2003 o projeto NeuroEduca, projeto de
extensão, vinculado à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
vem divulgando e incentivando a inserção dos conhecimentos da neurociência na área da educação
(Guerra, Pereira & Lopes, 2003, 2004; Guerra, Pereira, Rocha, Alves, Soares, 2005). O
NeuroEduca orienta educadores na utilização do conhecimento das neurociências no ensino e na
abordagem dos problemas de aprendizagem, visando o desenvolvimento de práticas promotoras da
aprendizagem e preventivas e terapêuticas para suas dificuldades. Compreendendo o cérebro, não
estaríamos estabelecendo os rumos de uma nova ciência da aprendizagem? Conhecer a organização
e funções do cérebro, os períodos receptivos, as habilidades cognitivas e emocionais, suas
potencialidades e limitações, as dificuldades de aprendizagem e intervenções apropriadas, poderia
tornar o trabalho do educador mais significativo, criativo e eficiente, com repercussões positivas
para os aprendizes?
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psicologia) e humanas (serviço social, artes e educação). Esta parceria poderia viabilizar a
elaboração de um protocolo para identificação precoce de transtornos de aprendizagem em
escolares, com o objetivo de esclarecer, encaminhar e/ou orientar crianças, professores e familiares
em relação à melhor conduta de cada caso, privilegiando o desenvolvimento neuropsíquico da
criança e minimizando eventuais deficiências. Consideramos também importante desenvolver,
prioritariamente, a capacitação junto aos profissionais da educação infantil e junto às famílias,
primeiros e principais núcleos de influência sobre o desenvolvimento neuropsíquico do indivíduo.
A orientação de pedagogos e professores, mas também dos pais, todos educadores, sobre a
organização geral, funções, limitações e potencialidades do sistema nervoso, permitirá que eles
compreendam como as crianças aprendem, como elas se desenvolvem, como nosso corpo pode ser
influenciado pelo que sentimos a partir do mundo e porque os estímulos são tão relevantes para o
desenvolvimento cognitivo, emocional e social do indivíduo. Conhecendo o funcionamento do
sistema nervoso, os profissionais da educação podem desenvolver melhor seu trabalho, fundamentar
e melhorar sua prática diária, com reflexos no desempenho e evolução dos alunos, interferindo de
maneira efetiva nos processos que permitem o ensinar e aprender .
Finalmente, mas não menos importante, talvez devêssemos rever os pressupostos teóricos
que sustentam a educação no Brasil (Moraes, 2006). A maior parte dos educadores que trabalham
na administração pública e também na “frente de batalha”, ou seja, nas escolas, tem uma formação
fundamentalmente humanística, sociológica, essencial para compreensão da educação, mas
insuficiente, hoje, para o atendimento às demandas de aprendizagem para a vida em sociedade neste
milênio. Os conhecimentos agregados pelas neurociências, que vêm, aos poucos, jogando alguma
luz tanto em soluções como em questões a serem investigadas relativas à educação, poderão
contribuir para um novo salto da educação em busca de melhor qualidade e resultados mais
eficientes para a qualidade de vida do indivíduo e da sociedade. Assim, a visão transdisciplinar da
educação, que inclui necessariamente as neurociências e a ética, é essencial tanto para o
estabelecimento de políticas públicas na área, como para estabelecimento dos princípios éticos
norteadores da divulgação e da utilização do conhecimento em neurociências aplicados à educação.
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