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CADERNO DE RESUMOS

(POR ORDEM ALFABÉTICA)

1
Caros Participantes,

Devido ao grande número de inscrições para apresentação de trabalhos e


nossa intenção de oportunizar a todos um espaço de discussão, resolvemos
alterar um pouco o calendário do III Encontro de História e Saúde.

No dia 09 teremos inscrições para ouvintes pela manhã e apresentações à


tarde a partir das 13h:30min. No dia 10 a programação será o dia inteiro.
Começa às 08h30min e encerra às 17h30min.

Esta alteração também facilita aos participantes de outras cidades, que


poderão chegar à Pelotas no próprio dia 09 e não no dia anterior. Pedimos a
compreensão de todos.

Assim, nossa grade compreende:

Dia 09 10
Manhã Inscrições ouvintes Apresentações
08h30min
Tarde: Apresentações Apresentações
13h30min
Noite Conferência ---
19h00min

Em anexo segue a programação completa com os respectivos dias e


horários de apresentação. Enviamos ainda um caderno com os resumos de
todos os participantes.

2
Apresentações de trabalhos III Encontro
DIA 09
MANHÃ
8:30-12:00 Inscrições para ouvintes
TARDE
1 13:30 Larissa Patron Chaves: A Sociedade Portuguesa
de Beneficência: caridade, assistência e poder no
Rio Grande do Sul

2 13:45 Everton Reis Quevedo: Hospital Beneficência


Portuguesa: presença e atuação na cotidianidade
de Porto Alegre (1854-1904).
3 14:00 Cláudia Tomaschewski: A Centúria das
Misericórdias no Brasil”: A existência e criação
de hospitais em meados do século XIX e a sua
gestão pelas irmandades da Santa Casa.
4 14:15 Bruno Scherer
Beatriz Weber: A Sociedade Estudos e Caridade
e suas Perspectivas: o Lar de Joaquina (Santa
Maria – RS, 1927-1970)
5 14:30 Adhemar Lourenço da Silva Junior
Maria Eloiza Lopes Pinto:
Assistência e Saúde no Brasil da década de
1930: apontamentos estatísticos
6 14:45 Juliano Silva de Bastos
Beatriz Teixeira Weber: Implantação do Sistema
Único de Saúde no Município de Santa Maria
15-15:45 Debates
Intervalo 15 min.
7 16:15 Flávia dos Santos Prestes
Nikelen Acosta Witter: A Peste em Santa Maria
8 16:30 Paulo Quaresma: O homem e sua história de
suas doenças
9 16:45 Jordana Alvez Pieper: O corpo e gênero na Idade
Média: Uma analise das relações de poder
através de Eleonora da Aquitânia
Bruno Scherer
10 17:00 Fabiano Ardigó: Vantagens e Desafios de uma
História Comparada da Medicina Veterinária: o
Caso da brucelose bovina
17:15-18:00 Debates
Intervalo Coffe-break
19:00 Conferência: Historia Social de La Tuberculosis
em La Ciudad de Córdoba, Argentina 1911-
1947. Prof. Dr. Adrian Carbonetti

3
DIA 10
MANHÃ
1 8:30 Carolina Bitencourt Becker: A análise dos
registros de óbitos como indicativo para o estudo
da sociedade escrava da primeira metade do
século XIX em Alegrete
2 8:45 Daniela Vallandro de Carvalho: Sob as marcas
da escravidão: Saúde e corpo cativo no Brasil
Meridional (Rio Grande de São Pedro. Séc.
XIX)
3 9:00 Natália Garcia Pinto: Nos meandros da saúde
escrava: estudo da mortalidade escrava na cidade
de Pelotas, 1830/1850, Século XIX
4 9:15 Paulo Roberto Staudt Moreira
Giane Caroline Flores
Thaís Bender Cardoso: O cadáver de um preto
escravo, vestido de mortalha: descrição da
população cativa da capital da Província do Rio
Grande de São Pedro através de seus registros de
óbito (Porto Alegre 1800/1888)
5 9:30 Tarcila Nienow Stein: “No hay mal que por bien
no venga”: um estudo dos necrológios das
Cartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai
(1645-1662)
6 9:45 Lorena Almeida Gill
Loren Nunes da Rocha
Marciele Agosta Vasconcellos
Micaele Irene: Narrativas de benzedores e
parteiras na região sul do Brasil
7 10:00 Roberto Poletto: Magia e ciência a serviço da
cura: uma análise dos saberes e das práticas
terapêuticas em tratados médicos dos séculos
XVII e XVIII
8 10:15 Leonor C. Baptista Schwartsmann: Mobilidades
geográficas e o aporte de especialidades

10:30-11:45 Debates
Almoço por adesão

TARDE
1 13:30 Lizete Oliveira Kummer: Avaliações
psiquiátricas de personalidades “anormais”: o
ponto de vista da psiquiatria forense do Rio
Grande do Sul (1925-1941)
2 13:45 Guilherme Astor Torres
Marília Gonçalves
Valentina Metsavaht Cará

4
Edison Cheuíche
Maria Helena Lopes Itaqui
Luis Gustavo Guilhermano: Ascensão, apogeu,
declínio e queda de um tratamento Psiquiátrico
Revolucionário
3 14:00 Marcelo Parker: A religião no mundo dos loucos
4 14:15 Tiago Neuenfeld Munhoz: História Oral de Vida
e Saúde Mental em Pelotas, RS

14:30-15:00 Debate
15:00-15:15 Intervalo
5 15:15 Aline Kassick Cadaviz:
Proletários de todo o mundo, higienizai-vos!: o
discurso higienista impresso nos jornais dos
trabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)

6 15:30 Oscar Gallo Vélez:


Modelos de assistência médico-social de los
trabajadores em Colômbia, El caso de La
Empresa Minera El Zacanudo 1865-1945
7 15:45 Marciele Agosta de Vasconcellos et. all.
Insalubridade nos processos do Acervo da
Justiça do Trabalho de Pelotas/RS (1936-1945)
16:00 Loren Nunes da Rocha et. all.: Dados
quantitativos da Justiça do Trabalho de Pelotas
(RS): litígios que envolvem saúde entre de os
anos de 1940-1945
9 16:15 Micaela Irene Scheer: A trabalhadora e o direito
à licença maternidade: processos trabalhistas da
comarca de Pelotas (1937-1947)
16:30-17:30 Debates
17:30 Avaliação e encerramento do evento

Agradecemos a todos os inscritos.

Até Pelotas!

Juliane C. Primon Serres (coord.)


Cláudia Tomaschewski (vice coord.)

GT História e Saúde ANPUHRS.

5
RESUMOS

Assistência e Saúde no Brasil da década de 1930: apontamentos estatísticos

Adhemar Lourenço da Silva Junior1 Maria Eloiza Lopes Pinto2

O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado pelo Decreto n. 19444, de


1 de dezembro de 1930. Os 4 Departamentos então criados dirigiam sua atenção ao
Ensino, Saúde Pública, Medicina Experimental e Assistência. Em vista desse marco,
este trabalho pretende analisar os registros estatísticos de Saúde e Assistência nessa
década de 1930 (tomados desde uma perspectiva sincrônica), de modo a atingir pelo
menos 3 objetivos específicos:

1 - Verificar o quanto da assistência é dirigida à saúde em cada Unidade da


Federação;
2 - Verificar o quanto dessa assistência à saúde é manejada pelo Estado e o
quanto é "privada".
3 - Verificar o quanto dessa assistência "privada" recebe subvenções, e de quais
instâncias do Estado.

Para atingir tais objetivos, tomam-se os registros disponíveis em anuários


estatísticos (recompilados em IBGE – Centro de Documentação e Disseminação de
Informações. Estatísticas do Século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003) entre 1930 e 1940
inclusive, focando-se na resposta às questões implícitas nesses objetivos. Em que pesem
as deficiências de alguns desses registros, é importante ater-se àquilo que Foucault
qualificou de “governamentalidade”, explicitando inclusive o esforço no “governo das
coisas” também por meio de sua incorporação a estatísticas.
Por meio desses registros é possível constatar que:
1 – Não existe um padrão brasileiro (válido para todas as Unidades da
Federação) capaz de revelar congruências entre as proporções de verbas destinadas à
assistência em geral (incluindo-se abrigos, asilos, orfanatos, etc.) e à assistência à saúde
em particular;
2 – Não existe, tampouco, um padrão brasileiro capaz de revelar congruências
entre a assistência “privada” e a estatal.
3 – Não existe, também, um padrão brasileiro capaz de indicar tendências
transregionais ou nacionais que indiquem tendências de gastos com assistência.
4 – Contudo, é possível perceber que, no que tange especificamente à assistência
à saúde, existe um padrão de estabelecimentos em todas as Unidades da Federação que
atendem a adultos e crianças.
5 – Ademais, o Rio Grande do Sul é uma das Unidades da federação que mais
conta com estabelecimentos para assistência à saúde em seu território, uma vez que,
1
Professor da Graduação e Mestrado em História-UFPel.
2
Licencianda em História-UFPel.

6
para 1938, concentra cerca de 30% dos estabelecimentos da União e cerca de 20% dos
estabelecimentos privados.
Na comunicação, exibir-se-ão evidências do afirmado.

Bibliografia
FOUCAULT, M. A governamentalidade. In: FOUCAULT, M. Microfísica
do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 277-293.

7
Proletários de todo o mundo, higienizai-vos!: o discurso higienista impresso
nos jornais dos trabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)

Aline Kassick Cadaviz1

O presente trabalho constitui-se de excertos de minha dissertação “Proletários de


todo o mundo, higienizai-vos!: o discurso higienista impresso nos jornais dos
trabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)” (mais especificamente seu segundo capítulo),
defendida em agosto de 2010, tendo como proposta sopesar a incidência do discurso
médico-higienista através da relação estabelecida entre imprensa e público-
leitor/ouvinte,2 mais especificamente entre a imprensa dos trabalhadores3 e as classes
populares a que se destinava. Restrinjo o campo de estudo a Porto Alegre, onde se
concentrava a maioria dos trabalhadores industriais do estado do Rio Grande do Sul,
entre os anos de 1900 a 1919, período que abarca o florescimento científico e
econômico vislumbrados na Belle Èpoque, a polarização mundial provocada pela
Primeira Guerra incluindo a crise econômica e política que se instaura após o seu
término. Neste período de constante transição e instabilidade em todos os níveis,
percebemos a intensificação do sentimento de nacionalidade, juntamente com a busca
de um caráter nacional que estabeleça particularidade entre as nações, ainda que as
aspirações da elite econômica sejam muito similares em todos os cantos do mundo.
A partir de meados do século XIX, difundiu-se de modo generalizado pelos
países capitalistas do Ocidente, o projeto de controle social visando a disciplina do
comportamento dos indivíduos, com o objetivo de atender às expectativas de
crescimento econômico e desenvolvimento industrial, o qual, para se concretizar,
precisava contar com uma mão-de-obra ordeira e laboriosa. Dessa forma, a proposta
normalizadora aplicada à burguesia décadas antes, com vistas a homogeneizar a classe,
é transmitida ao proletariado com a finalidade de enquadrá-lo no protótipo do
trabalhador ideal às aspirações burguesas.
De outro lado, temos a crescente participação política dos trabalhadores, que se
engajam em entidades representativas da classe, como sindicatos, uniões corporativas e
federações operárias, o que demonstra um avanço na conscientização dos seus membros
enquanto classe e da necessidade de unirem-se para barrarem a progressiva exploração
capitalista. Diante de tal evento, poderíamos esperar dos meios de divulgação da
ideologia operária, principalmente dos setores ligados ao socialismo e ao anarquismo,
um posicionamento definido quanto à proposta burguesa de ampliar os seus níveis de
dominação, adentrando também na intimidade dos sujeitos, determinando sua maneira
de agir em todas as situações cotidianas.
Para melhor observação da posição dos dirigentes da classe trabalhadora com
relação à aplicação dos preceitos normativos em seu cerne, opto por enfocar o trabalho
nos exemplares de jornais produzidos por estes dirigentes e voltados aos trabalhadores,

1
Mestra em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora das redes
municipais de ensino de Campo Bom e Sapiranga-RS.
2
Utilizo o termo leitor/ouvinte uma vez que nem todos os indivíduos que tinha acesso aos jornais eram
alfabetizados, sendo bastante comum a leitura dos jornais em grupos, oportunizando a todos o acesso à
informação.
3
Os periódicos destinados à classe operária analisados foram: A Democracia, Porto Alegre, 1905 a 1907;
A Luta, Porto Alegre, 1906 a 1909; Avante, Porto Alegre, 1908; A Voz do Trabalhador, Porto Alegre,
1912; Lúcifer, Porto Alegre, 1911; O Bisturi, Porto Alegre, 1910; O Exemplo, Porto Alegre, 1902 a 1911;
O Independente, Porto Alegre, 1908 a 1919; O Inflexível, Porto Alegre, 1919.

8
utilizados como veículos para a divulgação da ideologia de cada uma das correntes que
tinham entre a camada social menos favorecida de Porto Alegre, sua plataforma política.
O capítulo que privilegiarei neste trabalho, conforme citado acima, intitulado A
Batalha e suas trincheiras, traz uma apreciação concernente ao cientificismo que
inundava a sociedade de então, em que se estabeleciam debates acalorados sobre a
imposição de preceitos científicos no cotidiano dos indivíduos. Assim, o racismo
científico foi um dos temas recorrentes nas colunas dos jornais, que se dividiam entre
argumentos favoráveis e contrários, mas sem negar sua existência, fugindo ao lugar
comum que diz não haver racismo no Brasil. Outro assunto presente em matérias e
notas era a relação dos doentes com a medicina, igualmente suscitando opiniões
favoráveis à livre escolha do enfermo quanto à forma ou à pessoa de quem receberia
tratamento, enquanto que outros articulistas esmeravam-se em elencar os prejuízos do
estímulo às crendices e os riscos de entregar a saúde à pessoas não habilitadas por
diploma acadêmico. No fundo, a polêmica que se estabelece é quanto à licitude da
intervenção científica nos desígnios individuais.
Para balizar a análise das matérias dos jornais, valho-me de Michel Foucault e
Jürgen Habermas, principalmente no que concerne suas abordagens sobre o
cientificismo e a produção da “verdade”. Este aporte teórico possibilitará a compreensão
sobre os interesses envolvidos dos dois lados do discurso, enfocando seus objetivos nem
sempre explícitos.
Deste modo, pode-se perceber claramente a preocupação da imprensa operária
quanto ao método utilizado em seus textos, alternando discursos longos e de difícil
compreensão para o público-leitor/ouvinte com anedotas, quadrinhas e cartas dos
leitores, em que o mesmo conteúdo é apresentado de maneira leve e descontraída,
possibilitando não apenas o entendimento do leitor quanto a sua reprodução em larga
escala em seu convívio social.
Fosse de maneira sisuda ou bem-humorada, o fato é que percebemos como o
racismo e as alternativas de cura desfrutavam de tanto espaço nas colunas dos
periódicos devido ao grande interesse que despertava nos leitores/ouvintes, visto serem
questões ligadas ao seu cotidiano, dizendo-lhes respeito direta ou indiretamente.
Como a principal fonte aqui utilizada tinha como origem e fim a classe
proletária, sua conservação foi muito prejudicada, nos restando poucos números de
alguns títulos que circulavam por Porto Alegre no período abordado. Da mesma forma,
fica comprometida qualquer tentativa de verificar a repercussão de tais assuntos entre o
público-leitor/ouvinte, pois poucos eram os que se manifestavam através dos jornais,
fosse pela falta de espaço destinado a esse fim nos periódicos, fosse a falta de instrução
para tal iniciativa. Mesmo com suas limitações, encontramos nos jornais a mais próxima
expressão da consciência de uma classe em formação e já preocupada com o papel a ela
destinado.

Bibliografia:
BOLTANSKI, Luc. As classes sociais e o corpo. Tradução de Regina A. Machado. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.

CABRAL, Oswaldo R. Medicina, médicos e charlatães do passado. 1 ed.


Florianópolis: [s.n.], 1942.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores da


Belle Èpoque. 2ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001.

9
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1983.

ESTEVES. Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor


no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

FOUCAULT Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução Roberto


Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

______. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução


de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução de Artur Morão.


Portugal: Edições 70. 1987.
IYDA, Massako. Cem anos de saúde pública: a cidadania negada. São Paulo: Editora
da Universidade Estadual Paulista, 1994.

LUZ, Madel Terezinha. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições


de saúde (1850-1930). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.

MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos
XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.

POGREBINSCHI, Thamy. Foucault, para além do poder disciplinar e do biopoder. Lua


Nova, São Paulo, n. 63, 2004 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-64452004000300008&lng=en&nrm=iso>. Acesso
em 25 de novembro de 2009. doi: 10.1590/S0102-64452004000300008.

SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no


Rio de Janeiro imperial. Campinas: Editora da Unicamp, CECULT, IFCH, 2001.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão


racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

SILVEIRA, Éder. A cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul-rio-


grandense nas primeiras décadas do século XX. Passo Fundo: Editora Universidade de
Passo Fundo, 2005.

WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina religião, magia e positivismo


na república Rio Grandense: 1889-1928. Santa Maria: UFSM, 1999.

WITTER, Nikelen Acosta. Dizem que foi feitiço: as práticas de cura no sul do Brasil
(1845 a 1880). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.

10
A Sociedade Estudo e Caridade e suas Perspectivas: o Lar de Joaquina (Santa
Maria – RS, 1927 – 1970)
Beatriz Teixeira Weber1; Bruno Scherer2

Os vários elementos da doutrina espírita foram formulados pelo francês Leon


Hyppolite Denizart Rivail, conhecido como Allan Kardec, publicados no Livro dos
Espíritos em 1853. Ele organizou o conjunto de crenças básicas do movimento espírita,
formulado como ciência, filosofia e religião, que foi adotado no Brasil. O kardecismo
teve extraordinária difusão por todo o Brasil no final do século XIX e início do século
XX. As primeiras organizações surgiram na Bahia (1865 e 1874) e no Rio de Janeiro
(1873), chegando à organização de uma Federação Espírita Brasileira, em 1884,
indicando uma tentativa de preservar a unidade doutrinária e o esforço de reunir, de
modo institucional, a crescente população de fiéis dispersos (CAMARGO, 1961, 1973;
DAMAZIO, 1994).
Allan Kardec codificou o espiritismo com bases “científicas”, diferenciando-se
do “espiritualismo” de até então. Foi uma perspectiva que integrou os ideais científicos
que estavam surgindo numa concepção filosófica e religiosa, coerentemente articulada.
O próprio desenvolvimento científico é aceito como responsável pelas reelaborações
doutrinárias. A codificação realizada por Kardec foi elaborada num momento histórico
em que o pensamento filosófico e científico se encontrava profundamente influenciado
por ideais de racionalismo e evolucionismo, incorporando possibilidades frente a esses
ideais. A explicação racional oferecida por essa doutrina facilitava a sua aceitação,
principalmente a partir de uma minoria intelectual que buscava formas de articulação do
religioso com o pensamento científico. No Brasil, especialmente, esses fatores foram
fundamentais para sua aceitação, fazendo com que o aspecto religioso se tornasse
preponderante, desenvolvendo a capacidade de apresentar uma interpretação coerente
do mundo, explicando a posição dos indivíduos na estratificação social e orientando a
conduta do dia a dia (WEBER, 1999).
O espiritismo kardecista no Rio Grande do Sul possui grupos organizados desde
1891, quando ocorreu a fundação do Centro Espírita Rio-Grandense, na cidade de Rio
Grande. Em 1894, foi fundado o Grupo Espírita Allan Kardec, em Porto Alegre. Seus
membros, junto com outras sociedades, fundaram a Federação Espírita do Rio Grande
do Sul em 1921. O Estado contava com 18 grupos organizados em várias cidades
quando da fundação da Federação, numa lista de participantes do I Congresso Espírita
do Rio Grande do Sul3.
Em Santa Maria, a mais antiga casa espírita da região está situada na localidade
de “Água Boa” (distrito de Rincão dos Feios), datada de 1898, intitulada Sociedade
Espírita Paz e Caridade. O final do século XIX apresentou uma interiorização da
doutrina de Allan Kardec no Brasil, apresentando principalmente adeptos junto aos
profissionais liberais, funcionários públicos e militares. A primeira sociedade espírita
que se tem registro na região central da cidade data de 1910, a Sociedade Dr. Adolfo
Bezerra de Menezes, hoje situada no bairro Medianeira (BASTOS, 2001:24).
Entretanto, somente a partir da década de 1920 é que o movimento espírita
começou a se articular na cidade. Em 1921 foi fundada a Aliança Espírita

1
Prof. Dra. Departamento de História-UFSM.
2
Graduando Curso de História-UFSM-Bolsista FIPE-UFSM
3
Correio do Povo, Porto Alegre, 18 fev. 1971. BPRS.

11
Santamariense, com o objetivo de coordenar as entidades e grupos existentes, cuja
primeira diretoria só assumiu em 1924. Além delas, foram fundadas instituições
importantes em 1929 (Sociedade Espírita União dos Fiéis), 1936 (Instituto Espírita
Leocádio José Correia, 1940 (Sociedade Espírita Discípulos de Jesus), 1946 (Sociedade
Espírita Amor a Jesus), 1949 (Sociedade Espírita Oscar José Pithan), 1955 (Sociedade
Espírita Dr. Antônio Victor Menna Barreto) (BASTOS, 2001). Tem-se a informação de
que há uma União Municipal Espírita, mas que ainda não conseguimos localizar.
Essas casas espíritas enfrentaram um contexto de contestação de sua legitimidade, sendo
atacadas por várias de suas práticas. Lauren Bastos relata o processo sofrido por Irmã
Rolica, que foi acusada de prática ilegal da medicina na década de 1920, tendo sido
defendida pelo advogado espírita Fernando do Ó, que participava da diretoria da
Associação Espírita Santamariense. Outros depoimentos orais concedidos à
pesquisadora relatam perseguições nos anos 40, quando um padre católico teria visitado
Santa Maria para combater o espiritismo. Após a II Guerra Mundial, o espiritismo
também chegou a ser relacionado a práticas comunistas, pois as atividades eram
bastante reservadas e envolviam a doutrina num véu de mistério, aproveitado pelos seus
detratores para acusarem o espiritismo de prática do demônio.
Esses vários aspectos indicam o quanto a prática espírita esteve presente na
cidade e foi um movimento importante na congregação de adeptos religiosos. Apesar
dessa importância, ainda existem pouquíssimos trabalhos acadêmicos tematizando essa
prática na região. O projeto de pesquisa “Representações e práticas sobre Saúde e
Doença entre Líderes e praticantes dos Centros Espíritas em Santa Maria”, desenvolvido
de 1999 a 2001 no Departamento de Ciências Sociais da UFSM, coordenado por
Zulmira Borges (que resultou no trabalho de conclusão que apresenta os dados
utilizados), é uma das poucas pesquisas sobre o tema. Daí a importância de
tematizarmos a história do espiritismo na cidade, visando dar visibilidade da um
importante movimento social.
Este artigo procura apresentar uma dessas sociedades, o Grupo Caridade e
Estudo, fundada em 1927 por um grupo de mulheres espíritas atuantes na cidade. Essa
instituição organizou o Abrigo Espírita Instrução e Trabalho em 1932, com o objetivo
de atender crianças desamparadas. A instituição passou a denominar-se Lar de Joaquina
em 1959, atuando até hoje como creche e escola de ensino fundamental para crianças
carentes. Especialmente, procura-se analisar como é articulada a idéia de assistência e
caridade na perspectiva desenvolvida pelo grupo durante seus primeiros cinqüenta anos.
A documentação utilizada são as atas do conselho deliberativo da Sociedade
Espírita Estudo e Caridade desde 1927, onde consta a situação administrativa e
organizativa do Lar de Joaquina, responsabilidade da sociedade.

Bibliografia:
BASTOS, Lauren Albrecht. Representações e Práticas sobre Saúde e Doença entre
Líderes Praticantes dos Centros Espíritas em Santa Maria. Santa Maria: Trabalho de
Conclusão do Curso de Ciências Sociais/UFSM, 2001.
CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda. São Paulo:
Pioneira, 1961 .
DAMAZIO, Sylvia F. Da Elite ao Povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar. Medicina, religião, magia e positivismo
na República Rio-grandense. Santa Maria/Bauru: EDUFSM/EDUSC, 1999.

12
A análise dos registros de óbitos como indicativo para o estudo da sociedade
escrava da primeira metade do século XIX, em Alegrete
Carolina Bitencourt Becker1

Pensar a escravidão através da história da saúde e das doenças é um tema recente


e que vem merecendo destaque nos trabalhos que versam sobre as relações de
dominação e resistência entre os sujeitos que compunham a sociedade escrava do século
XIX. Este trabalho propõe observar, a partir dos registros de óbitos, as condições vitais
dos escravos na cidade de Alegrete na primeira metade do século XIX. Observar a
escravidão a partir das experiências dos escravos em relação à saúde e à doença no
Brasil é um tema recente. A História da Saúde, assim compreendida, apareceu
inicialmente como uma revisão das histórias da medicina e da saúde pública e depois
como uma construção da história da cura e da doença. Uma das precursoras dessas
novas abordagens foi a historiadora Mary Karasch (2000) que estudou, em 1972, a vida
dos escravos na cidade do Rio de Janeiro, visto como o mais completo estudo feito
sobre a saúde dos escravos no Brasil (PORTO, 2006). Ao longo do século XIX,
percebe-se que os escravos tiveram importância significativa em relação à história da
doença e da cura. Pode-se afirmar, inclusive, que as práticas de cura no Brasil, ao longo
dos seus primeiros quatro séculos de história foram, antes de tudo, resultantes da troca
de experiências entre africanos, índios e europeus.
Usando os registros de óbitos como fonte de pesquisa é possível mapear algumas
informações sobre a escravidão. Após a análise dos registros de óbitos, fizemos algumas
considerações destes assentos segundo a causa morte, a idade e o sexo destes escravos
falecidos. As “Doenças do Aparelho Respiratório” representam 11,9% das causas morte
com destaque para o defluxo, que era relacionado aos sintomas de gripe, como coriza e
entupimento das vias nasais. Entre as “Doenças do Aparelho Digestivo” a causa mais
representativa é a “hidropizia”. Entre as causas que mais acometiam os inocentes
(crianças de 0 a 7 anos de idade) está mal de sete dias (Grupo I) e defluxo (Grupo II),
que representam 41,2%. Porém, dos 60 registros de óbitos para esta categoria, somente
17 apresentaram a causa morte, o que dificulta saber qual a doença que tinha maior
incidência. Mas se pode inferir que as complicações pós-parto entre os recém-nascidos,
as precárias condições de salubridade e falta dos cuidados necessários eram as
principais causas morte, pois dos 60 casos, 12 ocorreram até os 12 dias de vida, 30 até
os seis meses de idade e 45 até o primeiro ano de vida.
O grupo com mais causas morte é o VII (causas morte mal definidas), com
destaque para a moléstia interna. No grupo que identificamos por “acidentes, lesões e
outras violências” (Grupo V) verificamos algumas diferenças entre os sexos e as
incidências de causa morte. Os ferimentos por arma branca ou por arma de fogo, os
assassinatos, os desastres e outras situações violentas somente fizeram vítimas entre o
sexo masculino, enquanto as queimaduras fizeram vítimas entre o sexo feminino. Isso
leva a perceber os riscos ocupacionais de homens e mulheres o que pode refletir certos
ofícios desempenhados por esta população. Como o trabalho em todas as atividades da
produção pecuária para os homens. Os escravos do sexo masculino podiam trabalhar em
todas as atividades da produção agrária. Entre as mulheres, além de ofícios semelhantes
aos dos homens, como a de roceiras, também desempenhavam os serviços domésticos,

1
Aluna do Mestrado em História – UFRGS, Bolsista CAPES e da Especialização em História do Brasil –
UFSM.

13
cuidavam das esposas de seus senhores nos partos e da família nas suas enfermidades, e
ajudavam a cuidar dos filhos das mesmas (FARINATTI, 2007).
Entre os óbitos encontramos 22 ocorrências (26,2% do total de assentos) no
grupo “Doenças Infecciosas e Parasitárias”. Desses, 9 assentos são referentes a varíola
que era também denominada na época de bexiga e é uma das causas morte com maior
incidência, 10,7% do total. Segundo Amantino (2007), o contágio desta doença se dava
de forma direta (suor ou espirro) ou pelo contato com as secreções de um doente que
poderiam contagiar outra pessoa que não estivesse imunizada ou pela vacina ou por já
ter tido a moléstia. Doença esta que acometia pessoas em todo o Brasil e representava
um grave problema de saúde pública para as autoridades brasileiras. As formas de
contágio dessa doença são facilitadas em regiões que possuem determinadas
características, como umidade ou insalubridade, propícias ao desenvolvimento desta e
de outras enfermidades.
Segundo a idade dos escravos falecidos usamos a seguinte classificação:
Inocentes (0 a 7 anos), Infantes (8 aos 14 anos), Adultos (15 aos 49 anos) e Idosos (50
anos ou mais). Muitas vezes a idade do escravo era suposta pelo seu senhor, quase
sempre com arredondamentos, o que pode evitar a precisão destes dados. Entretanto,
dos 158 registros de óbitos de escravos de Alegrete, somente 13,3% dos registros não
declaravam a idade do falecido, o que facilita uma melhor compreensão deste item. De
acordo com os dados encontrados pode-se perceber que a faixa etária com maior
incidência de mortes foi a dos inocentes, que representaram 38% dos óbitos. Dos 60
óbitos registrados nesta categoria apenas 17 apresentaram a causa morte, ou seja, 71,7%
dos registros não apresentam a causa, o que dificulta perceber quais as doenças que
mais acometiam essa faixa etária. Entre as causas encontradas estão: mal de sete dias,
moléstia ar, gangrena no umbigo, ataque de “poplexia”, defluxo, tosse, moléstia interna,
moléstia escarlatina e varíola.
Porém, contatou-se que 80% das ocorrências eram em recém-nascidos, de 0 a 1
ano de idade, e destes, 23,3% morreram antes de completar 13 dias. Assim, a maior
parte das mortes de crianças dava-se ainda nos primeiros meses, quando os riscos de
vida eram maiores pela exposição às moléstias. Como expõe Petiz, (2007), a morte dos
inocentes também ocorriam devido às lesões durante o parto que, em geral, era
realizado por parteiras ou curiosas que pouco ou nada podiam fazer quando nasciam
crianças prematuras, e os dias que se seguiam ao parto tornavam-se críticos devido à
ameaça do tétano neonatal. Dessa forma, percebe-se que a mortalidade infantil
representa um importante índice de uma situação social, tanto no passado como nos dias
atuais.
Assim como ocorre nas demais localidades da Província neste período, a
incidência é de mais homens do que mulheres na população. E com os registros de
óbitos não é diferente. Segundo o sexo, dos 158 assentos de óbitos encontrados, 96 eram
homens e 62 eram mulheres. Alguns dados reforçam a tese do peso do fator biológico,
como o fato de morrer mais homens e eles terem uma expectativa de vida menor que as
mulheres. De fato, a mortalidade infantil é maior para os homens, assim como as
mulheres são favorecidas geneticamente no campo das doenças infecciosas ou algumas
doenças cardíacas.
Por fim, ressaltamos a validade de uma metodologia baseada no estudo
demográfico quantitativo, mesmo estando ciente de suas limitações. Este tipo de
abordagem nos mostra apenas uma parcela da realidade vivenciada pelos escravos,
porém nos traz considerações pertinentes ao aprofundamento da pesquisa quando
relacionada a trabalhos qualitativos. Podemos usar essas informações como indicadores,
ainda que iniciais, das condições da vida cativa em Alegrete neste período.

14
Referências Bibliográficas:
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15
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Grande do Sul, século XIX). 2007. 292f. Tese (Doutorado em História) – Programa de
Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

16
“A Centúria das Misericórdias no Brasil”1: A existência e criação de hospitais em
meados do século XIX e a sua gestão pelas irmandades da Santa Casa.

Cláudia Tomaschewski2

A primeira irmandade denominada Santa Casa de Misericórdia foi organizada


em Lisboa em 1498 com incentivo da Rainha D. Leonor. No ano seguinte D. Manuel
enviava correspondência aos “homens bons” da cidade do Porto para que naquela
localidade fosse organizada uma irmandade semelhante à de Lisboa e que fosse
dedicada as 14 obras de Misericórdia. Isabel dos Guimarães Sá (1997, p.67) diferencia a
Misericórdia de outras irmandades católicas leigas por prestar serviços especialmente
aos não sócios, diferentemente das demais que priorizavam a ajuda mútua. Como todos
sabem, estas irmandades se espalharam pelos territórios de domínio e/ou colonização
portuguesa entre os séculos XVI e seguintes. No final do século XVIII elas perderam
muito do seu poder a partir da política de desamortização dos bens religiosos
empreendida por Pombal (o que, aliás, aconteceu também na Espanha dos Bourbon),
mas, mesmo assim, foram privilegiadas em face às demais “corporações de mão morta”
por tratarem da “assistência pública” (ABREU, 2000, p.410).3
A maioria dos estudos sobre essas irmandades foram realizados por
historiadores portugueses e dizem respeito ao período do Império Português. Pouco se
sabe - a exceção de algumas monografias (CARVALHO, 1996; MESGRAVIS, 1976;
ROCHA, 2005; TOMASCHEWSKI, 2007) - sobre a organização e o papel destas
irmandades na construção e consolidação do Império do Brasil. Se, durante o domínio
colonial português elas serviram também de ponto de ligação entre as diversas elites
locais que iam se formando e o rei (ABREU, 2008), é visível que elas também tiveram
um papel político na consolidação do Império do Brasil. Basta passar os olhos nos
relatórios do Ministério do Império e dos Presidentes das Províncias para ver que os
governantes se ocupavam com o que hoje podemos chamar de políticas de assistência.
Em todos os relatórios há uma rubrica “estabelecimentos de caridade” ou
“estabelecimentos pios”, além da preocupação com a saúde que parece se concentrar em
torno das epidemias “reinantes” e da remoção dos cemitérios dos centros populacionais
com a construção de cemitérios extra muros que normalmente eram entregues à

1
FREITAS, Divaldo Gaspar de. As Misericórdias no Brasil. In: Actas do IV Congresso das
Misericórdias, Lisboa, 1959, Vol. 1, p. 253.
2
Graduada e mestre em História. Doutoranda em História pela PUC/RS, bolsista CNPq. E-mail:
ctomaschewski@yahoo.com.br.
3
Estas exceções feitas em favor das misericórdias mostram bem o seu poder. Isso pode ser observado
também no que diz respeito à relação destas irmandades com a Igreja e o Estado. Conforme Laurinda
Abreu o Concílio de Trento, realizado em 1563, procurava reverter “o caminho da racionalização e
laicização” que ocorria a partir da influência de Juan Luiz Vives, mas “paradoxalmente, o concílio cedia
às pressões portuguesas reconhecendo as Misericórdias como instituições de imediata proteção régia”
(ABREU, 2000, p. 399). Outra aparente contradição dá-se na sua relação com o Estado, pois ela é uma
confraria régia, incentivada e, por vezes, financiada pelo Estado, mas este “prima pela ausência”
garantindo uma quase total autonomia aos ricos locais que controlam a distribuição da assistência aos
pobres (ABREU, 2000, p. 398).

17
administração das misericórdias.4 A partir da leitura dos diversos relatórios é possível
perceber a heterogeneidade das práticas e denominações das entidades voltadas a
recolher os pobres e desfiliados (CASTEL, 2005) doentes para que estes não
permanecessem nas ruas. Os presidentes das províncias, normalmente nomeados pelo
governo central, procuravam intervir na organização da assistência local, mas
dependiam da aprovação e liberação de recursos das assembléias legislativas
provinciais, o que reforça as diferenças regionais e locais no financiamento e
distribuição da assistência. Ainda assim, é possível perceber uma tentativa de
uniformização a partir do nome Santa Casa de Misericórdia. A partir disso, posso
concluir que mesmo que houvesse consideráveis diferenças nas organizações locais e
suas relações com o Estado em suas diferentes esferas, a circunscrição das práticas
caritativas em torno das Misericórdias proporcionou uma uniformização necessária e
importante para a consolidação e manutenção do Império, proporcionando inclusive
uma rede de relações para os irmãos das misericórdias na sua mobilidade geográfica
pelo país.5
Neste trabalho procuro realizar um inventário parcial de instituições
consideradas “Estabelecimentos de Caridade”, ou, de uma forma mais geral, instituições
consideradas como de ajuda social. Para isso foi feita uma pesquisa nos relatórios de
presidentes das províncias do Brasil disponíveis na internet.6 A leitura dos relatórios foi
realizada para meados do século XIX, sendo que, para as províncias onde não existiam
instituições de caridade, procurei acompanhar o momento de sua fundação.
A partir do espaço dado a tais estabelecimentos nos relatórios, procuro
demonstrar que os “estabelecimentos pios”, especialmente os destinados a ajudar
terceiros, eram assuntos de Governo relevantes para os presidentes da província. Nos
seus textos eles procuravam convencer os representantes provinciais a financiá-los na
medida em que isso não obstasse a “caridade pública”.
A existência de estabelecimentos que alimentassem e curassem aqueles que
além da indigência também estivessem doentes e não tivessem meios de existência em
razão da prostração causada pela doença, era fundamental para a existência de uma
sociedade “civilizada” (apesar do regime de trabalho escravo, já bastante criticado à
época) da qual deveria ser ocultado o “espetáculo” da pobreza enferma nas ruas. A
pesquisa também mostra que há uma relação direta entre o crescimento das cidades e a
necessidade de tais estabelecimentos.

4
Eu já havia chamado atenção para isso em minha dissertação de mestrado (TOMASCHEWSKI, 2007).
Também Nikelen Acosta Witter (2007), em sua tese de doutorado, notou a importância atribuída pelos
governantes à assistência e saúde pública.
5
A questão do pertencimento às misericórdias ainda deve ser estudada, bem como a ligação dos irmãos
com a maçonaria, que fica bastante explícita para o caso de Pelotas em 1861, na importante cerimônia de
colocação da pedra fundamental do hospital. A pedra é carregada pelo provedor então Barão de Piratini,
mas a sua colocação fica a cargo do “pedreiro livre mais veterano desta cidade”, no caso, Jacinto
Antiqueira. Penso que o pertencimento à misericórdia poderia ser um fator que garantisse confiabilidade
para os negócios, pois ela era uma irmandade destinada à prática da caridade e seus membros
apresentavam-se como desinteressados ao dedicarem seu serviço aos pobres. Sobre a importância das
redes de relações para os negócios veja-se o interessante texto de Max Weber (1980) no qual analisa o
papel das seitas protestantes nas trocas comerciais e sociais nos Estados Unidos. Sobre as noções de
interesse/desinteresse que norteiam as ações humanas adoto a posição de Pierre Bourdieu (1996).
6
A consulta a estes relatórios só foi possível devido a sua disponibilização na Internet pelo CRL – Center
for Research Libraries, uma organização sem fins lucrativos que visa digitalizar e divulgar documentos
sobre diversas regiões do mundo. Ver: www.crl.edu. Não consegui consultar os relatórios da província do
Piauí, pois o link indicado na página não leva ao local correto.

18
Bibliografia citada:

ABREU, Laurinda. Políticas de caridade e assistência no processo de construção do


Estado Moderno: alguns elementos sobre o caso Português. In: MARTÍNEZ MILLÁN,
José; MARÇAL LOURENÇO, Maria Paula (Coords.). Las relaciones discretas entre
las Monarquias Hispana y Portuguesa: Las Casas de las Reinas (siglos XV-XIX).
Temas I (vol. III). Madrid: Ediciones Polifemo, 2008, p. 1451-1465.
A
BREU, Laurinda. Purgatório, Misericórdias e caridade: condições estruturantes da
assistência em Portugal (séculos XV-XIX). DYNAMIS. Acta. Méd. Sci. Hist. Illus. 2000,
20, 395-415.

BOURDIEU, Pierre. É possível um ato desinteressado? In: Razões práticas. Sobre a


teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996, p. 137-197.

CARVALHO, Ana Cristina Farias. “Assistência à pobreza e a Santa Casa da parayba:


a filantropia a serviço da ordem (1889-1930)”. João Pessoa: UFPB, 1996. (dissertação
de Mestrado em Ciências Sociais).

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário.


Petrópolis: Vozes, 2005.
FREITAS, Divaldo Gaspar de. As Misericórdias no Brasil. In: Actas do IV Congresso
das Misericórdias, Lisboa, 1959, Vol. 1, p. 253.

MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1599? - 1884). São
Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1976.

ROCHA, Leila Alves. Caridade e Poder: a irmandade da Santa Casa de Misericórdia de


Campinas (1871-1889). Campinas: UNICAMP, 2005 (Dissertação de Mestrado em
Política e História Econômica).

SÁ, Isabel dos Guimarães. Quando o rico se faz pobre: misericórdias, caridade e poder
no império português, 1500-1800. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações
dos descobrimentos portugueses, 1997.

TOMASCHEWSKI, C. Caridade e filantropia na distribuição da assistência: a


Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas – RS (1847-1922). Porto Alegre:
PUCRS, 2007. (dissertação de mestrado em história).

TOMASCHEWSKI, Cláudia. Caridade, assistência, misericórdias e beneficências na


construção do Estado no Brasil e América Latina do século XIX. Um exercício de
comparação a partir da bibliografia. Trabalho apresentado no V Congresso
Internacional de História. Maringá, 2009.

WEBER, Max. As seitas protestantes e o espírito do capitalismo. In: GERTH, H.H.;


WRIGHT MILLS, C. Max Weber: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1980,
p. 347-370.

19
WITTER, N. A. Males e epidemias: Sofredores, governantes e curadores no sul do
Brasil (Rio Grande do Sul, século XIX). Rio de Janeiro: UFF, 2007. (Tese de
Doutorado em História).

Fontes citadas:

Livro de Registro de Ofícios e Documentos da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas.


28 de novembro de 1861, p. 170. Convites para a colocação da pedra fundamental do
novo edifício. Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas.

Sítio da Internet:

www.crl.edu

20
Sob as marcas da escravidão: Saúde e corpo cativo no Brasil Meridional (Rio
Grande de São Pedro, séc. XIX).
Daniela Vallandro de Carvalho1

“Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos
medos, dos choros”.
Caio Fernando Abreu.

Nossa proposta parte de uma tese que vem sendo desenvolvida sobre a
participação armada de escravos na guerra civil Farroupilha, esta pensada como um
tempo de possibilidades ampliadas para os cativos, onde inúmeros arranjos, estratégias e
redes puderam ser compostas (e também desfeitas) em virtude da belicosa conjuntura
instalada na província. Neste sentido, são tecidas algumas trajetórias de escravos que
tiveram suas vidas atravessadas pela guerra, fosse através de fugas para fazerem parte
dos exércitos em litígio, fossem através do recrutamento. Todavia, todos eles, de
alguma forma souberam, inteligentemente tirar proveito da guerra. Nessa nossa análise,
para fins metodológicos, acabamos por dividir as fugas de escravos de duas formas: em
fugas para dentro do território sulino e em fugas para fora, estas tendo em vista,
sobretudo o Estado Oriental, que em meio a revolta civil farroupilha deflagra o início de
seu processo de abolição da escravatura (1842), concretizado totalmente em 1846, com
a abolição no Cerrito.
A questão da abolição no Cerrito no ano de 1846 acarretou um tensionamento
das relações fronteiriças e um acirramento das fugas de cativos pela fronteira. Passam a
ocorrer confrontos entre proprietários brasileiros com posses em terras uruguaias e
autoridades orientais. Esta situação leva a intensas trocas de correspondência entre
proprietários brasileiros e autoridades, tanto brasileiras (sulinas) e orientais. Assim,
como forma de atender a uma intensa demanda de proprietários que passam a reclamar e
requerem seus bens cativos (muitos deles, confiscados no Estado Oriental, outros
fugidos espontaneamente) o presidente da província sulina Soares Andrea, através da
circular de 04 de outubro de 1848, encarrega os delegados e sub-delegados de polícia
que confeccionassem relações ou listas por municípios, daqueles proprietários que se
sentissem lesados com a questão. Sabemos da existência de diversas listas contendo
descrições especificadas dos escravos em fuga. A partir delas são possíveis inúmeras
questões sobre estes cativos que fugiam para o lado de lá da fronteira, todavia, entre as
inúmeras possibilidades de análise que as listas permitem, nos chamou bastante atenção
as descrições físicas destes indivíduos. Portanto, resolvemos nos valer desta fonte
específica dentre um conjunto maior trabalhado, para fazer um recorte de análise que
nos possibilite tecer algumas considerações – mesmo que preliminares - sobre a relação
existente entre a saúde, o corpo e as atividades desempenhadas por estes cativos
majoritariamente pertencentes a universo rural sulino. Para fins de amostragem,
trabalharemos aqui com três destas listas, referentes aos municípios de Pelotas, Rio
Grande e Rio Pardo. Trata-se de um montante de 262 cativos e 120 proprietários
reclamões.
Em termos teórico-metodológicos o trabalho é tributário de análises que tem
contemplado a micro-análise como possibilidade de apreciação. As listas de fugas de
escravos encontradas são parecidas, em seu conteúdo, com anúncios de fuga de

1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, bolsista Capes.
dvallandro@yahoo.com.br

21
escravos. Esses anúncios foram destacados por Gilberto Freyre e Lilian Schwartcz por
seu potencial descritivo dos agentes cativos. Nosso método de cercamento destas fontes
primárias constou da leitura minuciosa das mesmas e da segmentação das informações
coletadas em uma tabela excell contendo as seguintes variáveis: nome, idade, cor,
origem, moradia, data da fuga, ocupação, marcas no corpo (ou descrições físicas). As
listas, assim como os anúncios de fuga, corporificam estes indivíduos, trazendo-nos em
sua figura humana, marcados no corpo pelas identidades africanas e pelos traumas da
exploração do cotidiano escravista. Essa tentativa de abordagem quantitativa não tem
sentido sem a paralela análise qualitativa de cada registro bem como um prolongamento
de pesquisa através do método onomástico. O nome, peça identificadora que acarreta
vários problemas ao pesquisador na análise da sociedade escravista, mas também por
vezes, como uma dose de sorte e muita pesquisa, pode ser um fio que poderá nos levar a
esboçar algumas trajetórias – na seqüência da pesquisa - destes cativos em debandada
fronteira afora.
As pesquisas sobre as condições de vida e trabalho dos escravos do mundo rural
sulino recém começam a aparecer. De forma tangencial, porém contundentes, alguns
trabalhos tem apontado para a necessidade de se aprofundarem pesquisas que
demonstrem tanto suas presenças (que constantemente, dentre a historiografia sulina
tem de ser reafirmada), sobretudo no mundo de pecuária, como as atividades
desempenhadas, e mais amplamente suas condições gerais de vida. Neste sentido,
clarificar estas questões, através do entendimento do ritmo de trabalho e dos desgastes
físicos no desempenho das nada fáceis atividades da lida campeira, pode ser um
caminho para a compreensão das condições de saúde daqueles indivíduos. Saúde aqui
pensada de forma bastante ampla, englobando as condições de trabalho, a relação com o
corpo, a expectativa de vida cativa. Desta forma, buscamos entender o que as marcas –
físicas e simbólicas - da escravidão podem nos acrescentar sobre estes trabalhadores,
habitantes de um mundo rural, fronteiriço e de belicosa naturalidade.

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25
Hospital Beneficência Portuguesa:
Presença e atuação na cotidianidade de Porto Alegre
(1854 – 1904) 1
Everton Reis Quevedo 2

Introdução

Esta comunicação versa sobre nosso projeto de tese que centra-se sobre a
história do Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, hospital que foi
inaugurado em 1858 e que permanece até hoje servindo a comunidade gaúcha. É
evidente que a instituição sofreu muitas mudanças ao longo dessa existência e nos
propomos a analisar ao longo do trabalho, exaustivamente, apenas uma conjuntura da
mesma, cujos marcos são: 1854, data de fundação da Sociedade Portuguesa de
Beneficência de Porto Alegre, mantenedora do Hospital, até o ano de 1904, quando a
República recém criada adota novas políticas para a saúde pública no Brasil.
Neste período, de 1854 a 1904, entendemos que a importância da instituição em
estudo foi muito marcante em Porto Alegre, principalmente, em nível econômico, a
partir das relações que se estabeleceram entre ela e a economia do Rio Grande do Sul.
Isto implica, naturalmente, na necessidade de mapear os investimentos do Estado na
área da saúde, o que implicará, por certo, em buscar as relações e os graus de
reciprocidade, de redistribuição e de trocas entre ela e o Governo regional.
Com tais pressupostos a tese que propomos pode ser assim sintetizada: A
presença e a atuação do Hospital Beneficência Portuguesa, além de lugar de importância
fundamental para o conhecimento dos procedimentos de cura, é também um espaço de
enorme importância à história da população que circulava no Rio Grande do Sul no final
do Período Imperial. Através dos registros, do acervo valioso que a instituição guarda e
que se encontra inédito, é possível traçar os perfis das pessoas que buscavam ajuda para
os seus males, bem como, do momento histórico caracterizado a partir de um ponto de
vista distinto: a saúde.

Objetivo (do projeto de tese)

Recuperar e evidenciar a trajetória da Sociedade Portuguesa de Beneficência de


Porto Alegre e de seu maior investimento, o Hospital Beneficência Portuguesa de Porto
Alegre, do ponto de vista de sua inserção na cotidianidade médico-social da capital e,
até mesmo, na comunidade gaúcha de forma mais ampla.

Metodologia

Através da Nova História Cultural, que se preocupa em resgatar o papel dos


conflitos socioculturais como objeto de investigação, apresentando caminhos
alternativos para a investigação histórica (VAINFAS, 1997, p. 127-162, e p. 148¬150),
“insistindo no rigor da pesquisa documental contra a especulação sem provas factuais”
(VAINFAS, 1997, p. 153), pretendemos, seguindo as premissas de Carlo Ginzburg,

1
Proposta de tese apresentada aos Programas de Pós-Graduação em História da PCU/RS e UNISINOS
em 2010.
2
Mestre em História pela PUC/RS. Coordenador de Pesquisa e Acervo do Museu de História da
Medicina do Rio Grande do Sul (MUHM)

26
captar e analisar indícios que só atingem o geral a partir de sinais particulares
(VAINFAS, 1997, p. 152).
O hospital, segundo Foucault (1984, p.110), constitui-se em um campo
documental, não sendo somente um lugar de cura, mas de registro, acúmulo e formação
do saber. Neste sentido, o Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre possui
acervos inexplorados, que incluem livros de entrada e de saída de pacientes, livros-
caixa, documentação religiosa, processos internos, correspondências, memorandos,
estatutos, relatórios, etc. Todo esse material registra o cotidiano institucional, somando-
se aos arquivos iconográficos e a um campo que proporciona a realização do trabalho
também com fonte oral, uma vez que os atuais dirigentes têm ligação próxima aos
fundadores.
Uma das idéias que se torna, para nós, transparente é que o cotidiano é o fulcro
da existência do homem por inteiro: o homem do trabalho (intelectual/ físico), da vida
privada, dos lazeres, do descanso, das diversas atividades sociais, dos intercâmbios, do
sagrado, da purificação, como bem menciona Agnes Heller. O cotidiano é, assim, a
instância onde os homens produzem as coisas, as idéias, os valores, os símbolos, as
representações. Onde produzem toda a sua vida, no teor de sua completa inteireza:
produção do mundo e produção de si mesmos, em um ininterrupto e criador fazer
histórico, onde o particular e o genérico, o individual e o universal, a parte e o todo
ganham uma existência eminentemente dialética, plena de conflitos e de contradições
(HELLER, 1992, p.18).
Seguindo a idéia de que é mais importante o entendimento da teia social
concreta onde os “atores” se movem (VAINFAS, 2002, p. 116-117), procuramos
compreender os argumentos gerais que norteavam o pensamento sobre as doenças na
sociedade brasileira no período abordado, bem como compreender quais necessidades
faziam parte do rol de preocupações dos gaúchos e dos imigrantes aqui estabelecidos –
o que culminou na criação de uma série de entidades de mútuo-socorro.

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29
Vantagens e Desafios de uma História Comparada da Medicina Veterinária: O
Caso da Brucelose Bovina

Fabiano Ardigó1

O enfoque institucional exerce um grande apelo dentro da historiografia da


ciência contemporânea. No Brasil, em particular, os estudos institucionais parecem ser
uma tradição já consolidada pricipalmente no período que vai do começo do século
XVIII até o início do XX(Dantes 2001). No entanto, esse mapeamento institucional
sempre buscou entender mais a topografia do que distinguir os topos dos vales, o
sentido dos rios e para que lado o vento soprava. Ou seja, as relações de poder, as
tensões, alianças, as dinâmicas dentro da comunidade científica, os eixos de influência e
os detalhes sobre a circulação do conhecimento não necessariamente constituíram o
enfoque central dessa tradição. Nessa apresentação irei argumentar que é possível, no
entanto, tirar proveito desse grande volume de trabalhos ao utilizá-lo como base para
estudos comparados. Usando o exemplo da pesquisa sobre a Brucelose irei sugerir que a
história comparada oferece desafios mas também muitas vantagens principalmente em
um país com as características do Brasil.
A justificativa para os estudos institucionais dentro da historiografia da ciência
são amplamente conhecidos. Em diversos países esse enfoque está consolidado e não
seria necessário discorrer sobre seu papel crucial para explicar o desenvolvimento
científico desde o começo do século XVII até os dias atuais(Ben-David 1971). Das
Academias de Ciência de Cimento em Florença e da França em Paris(Stroup 1990),
passando pelo Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro(Cukierman 2007) até o
Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF)em Guaíba-RS,
instituições sempre formaram o pano de fundo sobre o qual as histórias da ciência foram
projetadas e de onde buscamos as respostas para entender o passado de nossas ciências.
No entanto, é possível fazer mais. É possível utilizar todo esse preciso
mapeamento para ampliar o entendimento do real papel institucional na produção,
intercâmbio e difusão de conhecimentos científicos. Usarei aqui o exemplo da pesquisa
em Brucelose Bovina para demonstrar que alguns recursos desenvolvidos dentro da
experiência da história comparada poderiam contribuir muito para essa ampliação que
me refiro. Se fôssemos abordar a brucelose dentro da enfoque institucional não
poderíamos fugir muito de um roteiro já bem conhecido. Descreveríamos os estudos de
Bernhard Bang no final do século XIX, poderíamos incluir os avanços da microbilogia
no Instituto Oswaldo Cruz bem como os estudos sobre o tema na Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba. Assim teríamos um contexto definido a
partir do qual poderíamos começar a tratar da instituição de nosso interesse. Usemos por
exemplo o caso do IPVDF. A descrição que acabei de me referir seria ideal para iniciar
a apresentação dessa instituição. Ou seja, eu estaria conduzindo ( ou mesmo, induzindo)
o meu leitor a visualizar a instituição gaúcha dentro de uma continuidade. Dentro de
uma longa tradição institucional que vem desde a Ilha de Malta, onde a doença foi
identificada, até a Fazenda do Conde onde o Instituto funcionou nos anos 50. A partir de
então eu descreveria os antecendentes do IPVDF e por fim ilustraria sua trajetória com o
tema da brucelose bovina. Depois eu usaria seus artigos científicos e talvez a
repercussão de suas ações dentro da comunidade agrícola local. Até aqui nada disso é

1
Universidade de Oxford.

30
novidade. Todos estamos familiarizados com esse roteiro dedutivo que nos conduz do
geral ao específico.
No entanto, embora essa metodologia seja importante para um conhecimento
preliminar de uma instituição e de suas pesquisas, ela nos dá uma visão muito
particularizada da primeira e apenas superficial da segunda. Algumas das razões para
isso são facilmente compreensíveis. Dar conta do conjunto de fontes primárias, que em
uma instituição razoavelmente atuante costuma ser imenso, é por si só um desafio.
Além disso, quando não se dispõe de fontes secundárias em quantidade o terreno é
sempre movediço e o avanço muitas vezes dolorosamente lento. Mas por outro lado, ao
acabar nos envolvendo demais com apenas um grupo de fontes não conseguimos
identificar o que é realmente único naquela instituição, exatamente onde ela se destaca e
quais foram suas deficiências. Além disso, estudos institucionais são por excelência
regionalizados e seu intercâmbio com o exterior é muitas vezes visto pela perspectiva da
instituição local o que nos leva a uma visão quase sempre parcial do todo. Ainda mais
perigoso, corremos o risco de ficarmos tão envolvidos com nossas figuras institucionais
que podemos inadvertidamente incorporar alguns de suas interpretações e preconceitos
em nossas narrativas históricas.
É nesse ponto que a história comparada tem muito a contribuir. Essa abordagem
tomou força na Europa após os anos 50 justamente como uma reação ao nacionalismo
exagerado dentro da historiografia daquele período, como um esforço se expandir
horizontes. Tendo March Bloch como um de seus primeiros entusiastas, a história
comparada definiu seus contornos e foi ampliada para vários períodos e temas (Kedar
2009). A literatura a esse respeito é ampla, e no Brasil já existem condições suficientes
de usar os recursos metodológicos para trabalhos nesse sentido(Theml and Bustamante
2007).Voltando ao assunto da Brucelose vejamos quais seriam as vantagens e desafios
de abordar esse tema específico a partir do que sabemos das instituições.
Tratemos primeiro dos desafios. Uma das dificuldades apontadas por
historiadores é que para comparar é necessário conhecer as fontes primárias dos dois
elementos que estão sendo comparados. Quando se trata de países diferentes, transpor a
barreira do idioma pode parecer às vezes por demais desafiadora. Além disso, outra
dificuldade apontada é a quebra nas narrativas já que muitas vezes é necessário se
enfatizar o contraste e a análise em detrimento de um texto mais fluído. Por fim,
aponta-se que a análise de diferenças e semelhanças não possibilita o realce das
conexões, da interdependência entre os elementos estudados. Todas essas objeções tem
sido discutidas e é necessário consultar a bibliografia para entender as soluções
apontadas para cada uma delas (Kocka 2003).
Agora vejamos as vantagens. No caso específico da brucelose no Brasil
poderíamos indicar vários pontos onde a história comparada oferece oportunidades
interessantes. Em primeiro lugar, é possível usar o território brasileiro como ponto de
partida já que contrastes regionais são suficientemente marcantes em diversos
momentos de nosso passado(Baldwin 2004). Além disso, podemos expandir nossos
horizontes de análise ao observar como diferentes instituições conduziram a pesquisa e
interagiram com seus pares, autoridades e consumidores finais. Sob a luz comparativa,
estatísticas de vacinação e a eficácia de programas de erradicação adquirem contornos
completamente diferentes. Isso pode ser visto claramente ao comparar o Rio Grande do
Sul com o Paraná no começo do século XX. Em Curitiba a análise de menos de 5% do
rebanho do estado era apresentado como uma vitória da pesquisa local. O instituto de
pesquisas veterinária de Curitiba, de fato, era apontado como um “sentinela” no
combate aquela doença (IBPT 1953). Já em Guaíba-RS, os pesquisadores do IPVDF
tinham uma abordagem completamente diferente. Eles diziam que testar não era

31
suficiente, já que só conquistando a confiança dos criadores seria possível pensar na
erradicação da doença(Correa 1943). A análise individualizada dessas duas perspectivas
poderia levar, como já aconteceu, a interpretar essas trajetórias institucionais igualmente
bem sucedidas, enquanto a comparação aponta para um complexo proceso de seleção e
adaptação (Bacila 2001). Por fim, uma última vantagem da história comparada é que
institutos de pesquisa veterinária intercambiavam publicações e portanto é possível ter
uma idéia sobre eixos de influência, alianças e conflitos sem ter que se deslocar até a
instituição que produziu a fonte usada pelo historiador.
Em conclusão, estudos sobre a medicina veterinária podem ser
consideravelmente expandidos através dos métodos da história comparada. A brucelose
é apenas uma das áreas que ainda sabe-se muito pouco, embora a proximidade com a
história da tuberculose bovina e portanto da humana não justifique essa carência.

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32
A Peste em Santa Maria

Flavia dos Santos Prestes1; Nikelen Acosta Witter2

Resumo
Ressaltar a importância da chegada de uma epidemia de peste bubônica em Santa Maria
em um período em que esta passava por um significativo crescimento socioeconômico.
Além de contribuir para a historia da cidade, no sentido de ampliar o conhecimento
sobre o período estudado, através da ocorrência da doença e do tratamento aplicado
pelas representações médicas locais.

Palavras-chave: Doença, Peste bubônica, contaminados.

Introdução
A proposta inicial de nosso projeto baseou-se em apresentar um estudo sobre a
disseminação da peste bubônica na cidade de Santa Maria, entre os anos de 1912 a
1924. Para isso, se fez necessário enfatizar o processo de crescimento da cidade e do
surto populacional promovido pela estrada de ferro entre os últimos anos do século XIX
e os primeiros do XX. Além de ressaltar a importância da ferrovia, enquanto
promovedora de contatos com as diferentes regiões do estado do Rio Grande do Sul.
Logo após, apresentamos os problemas que esse crescimento acelerado trouxe para a
cidade. Questões como a falta de saneamento básico, construções desordenadas e a parte
invisível de tudo isso, ou seja, a proliferação de germes e bactérias, responsáveis pela
chegada de novas doenças.

Metodologia
Dando continuidade a nossa pesquisa, passamos a tratar da peste bubônica propriamente
dita em sua incursão pela região. Para contribuir teoricamente com nosso tema,
buscamos primeiramente pesquisar fontes bibliográficas, que descrevessem tal
acontecimento.
As referências a peste bubônica apareceram em apenas duas obras, únicas a fazerem
alusões à epidemia em Santa Maria: O livro Santa Maria Memória, 1848-2008,
organizado por Neida Ceccim Morales - que traz informações de que houve oito casos
desta doença em Santa Maria. Sendo que a peste vitimou primeiramente um menino de
treze anos, que era filho do dono da panificadora Aliança. Na época está panificadora
foi apontada como o foco da infecção, sendo a peste, transmitida por ratos que vieram
em um carregamento de farinha saído do porto da Argentina.
A outra obra escrita pelo memorialista Romeu Beltrão (1979) Cronologia Histórica de
Santa Maria, também registra a proliferação desta doença na cidade segundo Beltrão, a

1
Licenciada em História pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); E-mail:
Flavia_prestes@yahoo.com
2
Professora do Curso de História – Área de Ciências Humanas do Centro Universitário Franciscano; E-
mail: nikelen@gmail.com

33
epidemia de peste bubônica em Santa Maria foi um dos períodos mais trágicos de sua
história. Deixando um total de dezoito mortos.
Após a leitura das bibliográfias buscamos informações no Arquivo Histórico municipal
de Santa Maria, mais precisamente em jornais da época, que circulavam na cidade.
Encontramos reportagens sobre a peste no jornal O Diário do Interior. Este circulou no
Rio Grande do Sul de 16 de maio de 1912 até 1940 e foi um importante meio de
comunicação à época. No Diário as notícias sobre a epidemia passaram a circular no dia
dois de agosto de 1912, e estenderam-se até o dia dezessete de agosto, onde declara-se
“a extinção” da peste bubônica em Santa Maria.

Resultados
Seguindo a interpretação dessas fontes, deveríamos concluir que a peste bubônica em
Santa Maria foi um fato sem muita importância, com poucos casos e com rápida
passagem pela região. Contudo, ao cruzarmos as informações pudemos perceber que
estas estavam discordantes. A discordância começava pela quantidade de mortos, que
iam de treze (Neida Ceccim) a dezoito (Romeu Beltrão), chegando a vinte (O Diário do
Interior). Há também no livro de Beltrão informações de casos de peste bubônica nos
anos de 1919 e 1924.
A partir desses dados, e do acesso que tivemos a outras fontes, no caso: o relatório que
o doutor Astrogildo de Azevedo formulou ao Diretor de Higiene do Estado Ricardo
Machado datado do dia quinze de setembro de 1912, as Crônicas das Irmãs
Franciscanas durante os anos de 1912 a 1924 e os Prontuários do Hospital de caridade,
datados de 1903 a 1928 abriu-se uma ampla oportunidade de pesquisa visto que, estas
ao que parece nos proporcionaram uma visão mais ampla dos fatos ocorridos durante a
epidemia de peste bubônica na região. Além de estender nosso espaço-temporal até
1924, data em que a maioria das fontes concordaram ter sido extinta a peste em Santa
Maria.
Encontramos nos livros prontuários do Hospital de caridade uma relação de seis
falecimentos por peste, entre os meses de julho e agosto, o que nos chamou a atenção é
que essas pessoas não eram as mesmas relacionadas por Beltrão, pelo jornal e pelo
relatório do doutor Astrogildo. Aprofundando nossas leituras, relacionamos setenta e
um doentes, com vinte e três falecimentos por peste durante os anos de 1912 a 1924.

Conclusões
Visto que, o tempo para a pesquisa, e a elaboração de um trabalho final de graduação é
limitado, nos detemos em trabalhar apenas com os acontecimentos relativos a 1912.
Para isso, cruzamos os relatos do memorialista Romeu Beltrão, com o Jornal o Diário
do Interior, que apresentava notícias diárias da epidemia. Estas relatavam as
providências tomadas pelo corpo médico e pela administração política da cidade. Há
também informações sobre o isolamento dos doentes com a construção de um lazareto,
medidas de combate a epidemia como a higienização dos lares, vacinas e visitas as
residências para instrução quanto à limpeza, além do sentimento de “medo” que se
instaurou na região.
Este “medo” ocasionou a debandada de muitas famílias, que praticamente lotavam os
trens que passavam por Santa Maria diariamente, o fechamento dos colégios, e um
controle intensivo por parte de um serviço de policiamento que incluía a guarda
municipal, militares do exército e policiais federais.
Quanto ao relatório do doutor Astrogildo de Azevedo, as Crônicas das irmãs
franciscanas e os prontuários do hospital de caridade, foram utilizados apenas
informações que complementavam as já referidas acima. Portanto, nossa proposta não

34
foi inteiramente trabalhada, pelo contrário, muitas perguntas ficaram sem respostas,
novas questões surgiram. O que então nos instiga a dar continuidade a nossa pesquisa,
olhando mais atentamente para as fontes primárias que trazem informações em grande
parte inéditas sobre a epidemia a qual nos propormos a estudar.
Até o presente momento o que pudemos apurar é que Santa Maria, uma cidade da região
central do Rio Grande do Sul, apesar de localizar-se bem longe dos grandes centros não
ficou fora do alcance das grandes epidemias que já vinham assolando outros estados
brasileiros no início do século XX.

Referências

AZEVEDO, Astrogildo César de. Documentos Históricos Colligidos em


Commemoração do seu Jubileu 1903-1928. Hospital de caridade de Santa Maria.
Officinas Gráphicas D’A Federação. Porto Alegre: 1928. Casa de Memória Edmundo
Cardoso (CMEC).

______. Relatório apresentado a Ricardo Machado director de Higiene do Estado.


Serviço de Prophilaxia da peste pulmonar em Santa Maria. 15 set. 1912. Casa de
Memória Edmundo Cardoso (CMEC).

BELTRÃO, Romeu. Cronologia Histórica de Santa Maria e do Extinto Município de


São Martinho 1787-1930. 2.ed. 1979.

CARVALHO, Daniela Vallandro de. Entre a Solidariedade e a Animosidade: os


conflitos e as relações interétnicas populares de Santa Maria 1885-1915. Porto Alegre:
UNISINOS, 2005. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de História,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2005.

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das Irmãs Franciscanas (MHIF).

DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada.


Traduzido por Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História Novos Objetos. Traduzido por Terezinha
Marinho. Rio de Janeiro: F.Alves, 1995.

Livros Prontuário, Santa Maria, 1903 a 1928. Arquivo do Hospital de Caridade Doutor
Astrogildo de Azevedo (HCAA).

MORALES, Neida Ceccim (org.). Santa Maria memória 1848-2008. Santa Maria:
Palloti, 2008.

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de Santa Maria (AHMSM).

RANGEL, Carlos da Rosa; ANTONELLO, Idê Vitória; VAZ, Neusa Tavani. O Papel
da Ferrovia na Mentalidade Urbana de Santa Maria. VIDYA, Santa Maria, n. 29, p 109-
119, jan.-jun. 1998.

35
WEBER. Beatriz. As artes de curar: Medicina, religião, magia e positivismo na
republica Rio-Grandense-1889/1928. Santa Maria: Editora da UFSM; Bauru: EDUSC-
Editora do Sagrado Coração, 1999.

WITTER, Nikelen Acosta. Males e Epidemias: Sofredores, governantes e curadores no


sul do Brasil (Rio Grande do Sul, século XIX). Niterói: UFF, 2007. Dissertação
(Doutorado em História), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade
Federal Fluminense, 2007.
_________________________________
Projeto: A Peste em Santa Maria: a cidade sitiada (1912-1924).

36
Ascensão, Apogeu, Declínio e Queda de um Tratamento Psiquiátrico
Revolucionário1
Guilherme Astor Torres2
Marília Gonçalves3
Valentina Metsavaht Cará 4
Edison Cheuíche 5
Maria Helena Itaqui Lopes6
Luiz Gustavo Guilhermano7
Introdução
A sífilis é uma doença bacteriana sexualmente transmissível causada pela
espiroqueta de nome Treponema pallidum. Essa doença tem sua evolução e
sintomatologia dividida em três fases: primária, secundária e terciária. A sífilis terciária
ocorre no período de um a dez anos após a infecção primária não tratada, podendo ter
manifestações gravíssimas, como a neurossífilis. Na apresentação neurológica, ocorre
como sinal, uma paralisia geral progressiva associada a alterações psiquiátricas que
evoluem invariavelmente para demência e, em muitos casos, para a morte. Previamente
ao advento da utilização da penicilina, medicações derivadas do mercúrio e do arsênico,
entre outras, eram utilizadas sem sucesso na tentativa de frear a evolução dos sintomas
nessa fase terciária, embora resolvessem a fase primária e secundária. Assim a medicina
descobriu que havia uma barreira hematoencefálica impedindo que moléculas grandes
chegassem ao sistema nervoso central; a humanidade ainda aguardava que fosse
descoberta uma medicação eficiente contra o Treponema pallidum (TP)– e pequena o
suficiente para ultrapassar a barreira sangue-cérebro. E isso, finalmente ocorreu, em
1943 quando a penicilina passou a ser usada para esse fim. Enquanto isso não acontecia,
Julius Wagner-Jauregg, psiquiatra e neurologista austríaco, observou que pacientes
neurossifilíticos, acometidos por um processo infeccioso, que apresentassem febre
muito alta, chegando a ter convulsões, caso chegassem a sobreviver, acabavam
melhorando da neurossífilis. A partir disso, procurou uma forma de desenvolver febre
alta em pessoas com sífilis terciária de modo que depois ele pudesse controlar a causa
da febre por ele mesmo provocada. Foi então que, em 1917, Jauregg introduziu a
utilização da malarioterapia para a cura da paralisia geral, através da inoculação de
sangue contaminado por malária, em neurossifilíticos. Depois, ele controlaria essa

1
Ante-projeto de Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria do
Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS, Porto
Alegre.
2
Médico, Pós-Graduando do PPG em Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS-
Porto Alegre.
3
Auxiliar de pesquisa, aluna da Graduação em Medicina FAMED-PUCRS.
4
Auxiliar de pesquisa, aluna da Graduação em Medicina FAMED-PUCRS, formada na
Faculdade de Cinema UNISINOS.
5
Consultor – Historiador do Memorial do Hospital Psiquiátrico São Pedro.
6
Co-orientadora, Professora e Coordenadora do Curso de Medicina da PUCRS.
7
Orientador, Prof. do PPG em Psiquiatria do Hospital São Lucas PUCRS, Vice-
Presidente da Associação Gaúcha de História da Medicina.

37
malária iatrogênica com quinino, um tratamento já disponível. A introdução artificial do
Plasmodium vivax (PV) revelou-se bastante eficaz para a remissão dos sintomas na
época, rendendo a Jauregg, em 1927, dez anos após a ampla utilização desse método
terapêutico, o único prêmio Nobel já recebido por um psiquiatra. Se levarmos em
consideração o Prêmio Nobel de 1903, recebido pelo russo Ivan Petrovich Pavlov, pela
descoberta dos reflexos condicionados, percebe-se que foi um fisiologista, e não
psiquiatra, que recebeu o prêmio. Não podemos esquecer que o português Antonio Egas
Moniz, vencedor do Nobel em 1948 pelo desenvolvimento Lobotomia Transorbitária
para tratamento da esquizofrenia, era neurologista. A malarioterapia passou a ser
empregada em Porto Alegre, em 1928, um ano após o Prêmio Nobel, sendo um avanço
em tecnologia médica para a época. Em 1938, o Hospital Psiquiátrico São Pedro
recebeu uma placa de bronze em agradecimento a Jaurreg pelo desenvolvimento da
malarioterapia. Essa placa foi um presente pelos pacientes recuperados para a família e
a sociedade por essa técnica terapêutica. Tal terapêutica médica foi a única que recebeu
tal honraria de pessoas beneficiadas por ela aqui no estado do Rio Grande do Sul.
Os mecanismos de cura da malarioterapia são discutidos desde que a
temperatura alta da febre terçã da malária pode eliminar os TP, ou desde que reações
imunitárias despertadas pelo PV possam ajudar o organismo a combater o TP.
Objetivos
Apresentar e debater esse pré-projeto com historiadores e profissionais da saúde
do IV Encontro Estadual de História da Saúde visando o seu aperfeiçoamento, evolução
crítica para obtenção resultados mais adequados. A pesquisa pretende revisar o emprego
da malarioterapia para o tratamento da neurossífilis em pacientes do Hospital
Psiquiátrico São Pedro e Clínica São José, ambos de Porto Alegre. Avaliar os resultados
de seu emprego. Realizar uma descrição histórica da utilização da malarioterapia para o
tratamento da neurossífilis. Comparar e contextualizar o momento da utilização desse
tratamento com a psiquiatria atual.
Métodos
É um estudo retrospectivo, coorte, onde os dados a respeito dos enfermos serão
pesquisados nos prontuários médicos de pacientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro,
que se encontram no Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul, e ainda nos
arquivos da Clínica São José de Porto Alegre. Será feita revisão bibliográfica de livros
de psiquiatria dos anos 40, além de tratados atuais de psiquiatria e livros de história da
psiquiatria. Busca no Pubmed (Medline) e Scielo artigos médicos sobre malarioterapia
nos últimos 10 anos. Dados referentes à malarioterapia serão coletados no Centro de
Memória da Associação Médica do Rio Grande do Sul e no Memorial da Associação de
Psiquiatria do Rio Grande do Sul e Museu de História da Medicina do Rio Grande do
Sul (MUHM). Serão analisadas as descrições da doença sifilítica realizadas por
profissionais da época, assim como serão abordados os tratamentos anteriores à
malarioterapia e o impacto nesta após o início da utilização da antibioticoterapia com
penicilina para o tratamento da sífilis e o desuso da malarioterapia. Para tal, será
desenvolvido um instrumento de coletas de dados com a finalidade de padronização dos
dados. Esse projeto deverá ser submetido aos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital
São Lucas da PUCRS e do Hospital Psiquiátrico São Pedro para que se possa dar
seguimento às outras fases da pesquisa após a revisão bibliográfica.
Referências
- TOURNEY, G.: The History of Therapeutics Fashions in Psychiatry, 1800-1966
American Journal of Psychiatry, 1967, vol. 124, pp.784-796

38
- GASTAL, F. L., LEITE, S. S. O., ANDREOLI, S. B., GAMEIRO, M. A., GASTAL,
C. L., GAZALLE, F. K., CREMA, F. B.: Tratamento etiológico em psiquiatria: o
modelo da neurossífilis, (1999) Revista Brasileira de Psiquiatria, vol. 21 (1).
- GUILHERMANO, L. G., SCHWARTSMANN, L. C. B., SERRES, J. C. P., LOPES,
M. H. I.: Páginas DA História da Medicina – Edipucrs, 2010
GODOY, J.G. –Psiquiatria no Rio Grande do Sul, 1955, Edição própria, Porto Alegre,
Malarioterapia, pp. 113-118

39
O Corpo e Gênero na Idade Média: Uma analise das relações de poder através de
Eleonora da Aquitânia

Jordana Alves Pieper1

INTRODUÇÃO

Este estudo busca primeiramente fazer uma breve analise sobre a categoria
gênero e como ele se apresenta como poder modificador dos corpos na Idade Média.
Tendo em vista a subjugação vivida pelo gênero feminino neste contexto histórico, este
trabalho busca entender como estas duas categorias teóricas se comportam no contexto
da Baixa Idade Média, mais especificamente no século XII, através da ilustre
personagem Eleonora da Aquitânia (1122-1204).
A medievalista Jardim (2006, p.25) explica: “A posição de inferioridade da
mulher em relação ao homem marca os diferentes discursos que a sociedade medieval
produziu”, contudo algumas mulheres dominadas pelo saber conquistam um grande
espaço atuante na sociedade como o caso de Eleonora da Aquitânia. Isso comprova a
veracidade de Foucault (1979) ao dizer que quem tem saber tem poder, já que foi
através da vasta bagagem cultural adquirida por Eleonora que a permitiu ultrapassar as
barreiras discursivas de menosprezo a mulher e assim obter grande prestígio no mundo
medieval. Assim, as barreiras culturalmente construídas sobre os corpos na Idade
Medieval, se mostram como não sendo um limitador absoluto, afinal como Labarge
(1988, p.20) afirma: “A natureza geralmente desordenada da sociedade da sociedade
permitiu um marco de ação mais amplo para a influência pessoal das mulheres
sobressaírem.”.

METODOLOGIA (MATERIAL E MÉTODOS)

Esta pesquisa é resultado das discussões desenvolvidas no grupo de Estudos


de Gênero do curso de História da UFPel. Onde, gênero é tratado como uma categoria
de analise importante para entender o desenvolver do fazer histórico. E para não correr
o risco de acabar construindo uma história das mulheres que trate das conquistas e
desconquistas das mulheres, é que se procurou promover uma interpretação a respeito
dos sentidos sobre o corpo masculino e feminino como instrumentos de poder para
formação de hierarquias (PORTER, 1992).
Este estudo, de caráter bibliográfico, esta dividido em duas etapas de
pesquisa. A primeira consiste em investigar a perspectiva gênero e problematizar sua
utilização como categoria de análise, bem como entender o corpo como um local onde
se instalam vários discursos de poder. Para isso autores como Porter (1992), Scoot
(1992; 1995), Moore (1988), Dora (1997), Louro (2007), Jardim (2006; 2009) e
Foucault (1979).
No segundo momento, o trabalho busca entender como estas questões
teóricas se comportam na Idade Média, a partir de Eleonora da Aquitânia. Com isso,
1
Acadêmica do curso de Licenciatura em História na UFPEL – ICH. Email para contato
jordanapieper@gmail.com.

40
Domenec (1986), Pernoud (1983) e Labarge (1988) foram de fundamental importância
para investigar e entender as relações de gênero no contexto histórico da Eleonora da
Aquitânia.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Até o presente momento foi discutido o conceito gênero, onde é possível


entender que gênero não é um conceito uniforme e estático, mas é algo socialmente e
culturalmente construído, com isso não se pode entender o gênero desmembrado do
processo histórico (MOORE, 2002), pois cada época possui seus interesses próprios que
vão marcando nos corpos as relações de poder. Assim, cai por terra a simplista definição
de gênero dada através dos fatores biológicos, o qual tenta explicar as diferenças entre
homens e mulheres por meio das diferenças dos corpos.
Outro ponto desta discussão é a definição de corpo. Este como Dora (1997)
explica não é uma entidade natural, mas sim produzido pela cultura. E para Foucault
(1979, p.22) o corpo é um lugar de história “O corpo: superfície de inscrição dos
acontecimentos (...)”. Diante disto, surge uma nova forma de entender o gênero bem
como qualquer outro objeto que perpasse o corpo, pois os corpos também possuem uma
leitura e uma formação histórica.
Para que fosse possível perceber como ocorriam as relações de gênero na
sociedade medieval utilizou-se gênero como uma categoria de analise, afinal este
possibilita pensar a história a partir de ambos os sexos e não somente do ponto de vista
dos homens ou mulheres, mas de ambos se relacionando continuamente.
Por fim, a última etapa consistiu em analisar as relações de gênero e os
discursos de poder sobre os corpos, na Baixa Idade Média no contexto vivido por
Eleonora da Aquitânia.

CONCLUSÕES

Com o uso da categoria gênero como perspectiva de analise histórica foi


possível descobrir que o corpo feminino estava marcado tanto pelos discursos político,
culturais quanto da própria aceitação das mulheres. Afinal, no recorte temporal da baixa
Idade Média mais especificamente século XII, foi descoberto segundo Louro (2007) que
a mulher não era mera vítima do discurso patriarcal, mas também era promotora, muitas
vezes, do mesmo. Foi através do estudo bibliográfico da vida da Rainha Eleonora da
Aquitânia que foi possível perceber o quanto esta idéia da aceitação feminina, perante
os
discursos de inferiorização, era verdadeiro. Eleonora conseguiu ultrapassar as barreiras
do preconceito e alcançar grande renome em meio a seus contemporâneos mostrando
assim, a possibilidade feminina de se sobressair em uma sociedade marcada pelo
discurso masculino. Ela também venceu o discurso clerical, que segundo Jardim (2006,
p.33) apresenta as mulheres como sendo “necessariamente fracas, insensatas, volúveis,
incapazes de discernimento.”

41
REFERÊNCIAS

PORTER, Roy. História do Corpo. IN: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas.São Paulo: editora da Unesp, 1992. p. 291-326.

SCOTT, Joan. História das Mulheres. IN: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas.São Paulo: editora da Unesp, 1992. p.63-96

JARDIM, Rejane Barreto. Corpo, Gênero e História. IN: PEREIRA, Nilton Mullet et all
(org.). Reflexões sobre o Medievo. São Leopoldo: Oikos, 2009. p. 225-246.

DUBY, Georges. Dames du XII Siècle. França: Gallimard. 1999

DOMENEC, José Enrique Ruiz. La condición de la mujer em la Edad media. Madrid:


Ed. Universidade Complutense,1986.

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LABARGE, Margaret Wade. La Mujer En La Edad Media. San Bartolomé: Nerea S.A.,
1988.

LOURO, Guacira Lopes;. Gênero sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-


estruturalista. 9.ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

MOORE, H. "Compreendendo Sexo e Gênero". Tradução de Júlio Assis Simões para


uso didático. Do original "Understanding Sex and gender". In Tim Ingold (ed).
Companion Encyclopedia of Antropology. London: Routledge, 1997.

JARDIM, Rejane Barreto. Ave Maria, ave senhoras de tofas as graças: um estudo do
feminino na perspectiva das relações de gênero na Castela do século XIII. 2006.
Dissertação (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas -
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.

42
Implantação do Sistema Único de Saúde no Município de Santa Maria

Juliano Silva de Bastos1 Beatriz Teixeira Weber2

Este trabalho tem como tema o Movimento de Reforma Sanitária da década de


1980 e o surgimento e implantação do Sistema Único de Saúde no Município de Santa
Maria. Como marcos temporais ter-se-ão por base, inicialmente, o ano de 1985 –
quando tem início o período de redemocratização da política brasileira, ao final do
regime militar, o que permitiu a reorganização e inserção da população dentro do
cenário político nacional. E, como término, o ano em que o município de Santa Maria
adere ao projeto de municipalização da saúde, assinando a pactuação com a rede SUS,
1996. A documentação pesquisada irá se referir à legislação que regulamenta o SUS:
Constituição Federal; Relatórios Finais de Conferências Municipais, Estaduais e
Nacionais de Saúde; atas, documentos e correspondências existentes no arquivo do
Conselho Municipal de Saúde, referentes ao período em questão. E, também
documentos relativos a alterações feitas na legislação do município de Santa Maria.
No ano de 1988 foi promulgada a nova constituição brasileira, agora baseada em
princípios democráticos e, em muito, contemplando os anseios da população do país.
Dentre os artigos que definiram as políticas sociais, que deveriam ser sustentadas pelo
Estado, estão alguns relativos à nova política de saúde. Os artigos 196 a 200 instituem e
dão atribuições a um novo método de gestão e atendimento em saúde no Brasil, baseado
nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, e criando o Sistema Único de
Saúde (SUS). Este trabalho pretende analisar o movimento que propiciou a elaboração
dessa legislação; discutir e identificar os movimentos sociais que integraram o
Movimento de Reforma Sanitária na década de 1980; e compreender como esta
legislação se organizou e incitou trabalhos para por em prática este projeto de
atendimento à saúde, o qual batia de frente com a prática médica curativa individual,
que foi mantida pelo regime militar nas décadas anteriores.
A existência de um movimento buscando a remodelação do Sistema de Saúde
brasileiro fez-se presente desde meados da década de 1970 com os Departamentos de
Medicina Preventiva (DPMs) dentro das universidades, a Associação Brasileira de Pós -
Graduação em Saúde Coletiva – (Abrasco) e com a chegada de algumas lideranças
reformistas às esferas de poder (ECOREL, 2005, p.68). Destes ficaram a experiência de
projetos pilotos, como o Plano de Localização de Unidade de Serviços (Plus) e o Projeto
Montes Claros (MOC) que “provaram ser exequíveis as propostas do movimento,
inclusive por sua capacidade de articulação com diferentes forças sociais” (ESCOREL,
2005). Mas é na primeira metade da década de 1980, com o processo de abertura
política, que estes movimentos ganharam espaço efetivo dentro da política nacional,
principalmente através do Conselho Consultivo de Administração da Saúde
Previdenciária (Conasp). Neste estavam presentes representantes de inúmeros
segmentos da sociedade organizada, responsáveis pela aprovação do Plano Conasp de
1982. E, consequentemente, pelo Programa de Ações Integradas de Saúde (Pais) que, já
em 1984, possibilitaria a organização de uma rede com a participação de todos os
estados brasileiros em torno das mesmas.
Em 1986 foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde: a saúde é direito
de todos e dever do Estado, que é tida pelos sanitaristas como o principal marco da luta

1
Universidade Federal de Santa Maria, (Mestrando em História).
2
Universidade Federal de Santa Maria, (Pós-Doutora em História).

43
por uma nova forma de se praticar o atendimento em saúde no Brasil, tendo dela saído
os preceitos para a formulação do texto referente à saúde na constituição de 1988.
Porém, ainda em 1987, antes da promulgação da constituição, foi criado o Sistema
Único Descentralizado de Saúde (Suds) justificado pela necessidade de se aprofundarem
as discussões quanto à operacionalização e financiamento do novo sistema de saúde. E
que, mesmo após a criação do (SUS), permaneceu como alternativa, até que se desse à
municipalização da saúde em cada município. Para o caso de Santa Maria, alvo deste
estudo, o projeto de pactuação do atendimento via SUS só foi assinado em 1996. Logo,
o município esteve, dos anos de 1987 a 1996, integrado dentro da rede (Suds) que,
apesar de já estar alinhada a alguns dos preceitos do SUS, ainda pagava por
procedimento, favorecendo o regime de atendimento médico individual, combatido pelo
novo movimento sanitário.
Esta temática é amplamente trabalhada principalmente, nas Escolas de Saúde
Pública de todo o país. Destacando-se instituições como, Abrasco e Fiocruz – que
realizam grandes esforços para discutir, analisar e teorizar –, o Movimento de Reforma
Sanitária, as políticas e o sistema de saúde, desenvolvidos nas últimas décadas da
história do país. Esta também carrega, como diferencial, o fato de discutir a inserção de
Santa Maria nesse contexto, ou seja, historiar um trecho da vida política, social e
administrativa do município que ainda carece desse tipo de análise. Além disso, se
configura, através da análise do processo de municipalização da saúde, como um
esforço para complementar os trabalhos realizados pelas instituições e escolas acima
citadas.
A busca pelo direito a saúde, principalmente após a criação do estado
democrático de direito pela Constituição Cidadã, mostrou um potencial diferenciado
dos inúmeros outros mecanismos e motivações de mobilização. Não se reduziu a uma
causa sindical, de classe, ou de grupo corporativo. Mas, reuniu uma heterogênea massa
de cidadãos advindos de todos os ramos da sociedade e que, sem estarem inseridos
como militantes de um movimento organizado, ao menos manifestaram em suas idas a
Unidades de Saúde ou diante de representantes do executivo e do controle social, o
desejo de um bom atendimento. Ou seja, a necessidade de materialização dos ideais do
Movimento de Reforma Sanitária que não poderiam ser apenas registrados em uma lei,
fria, morta e inoperante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BEHRING, Eliane Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamento e


História. São Paulo: Cortez, 2007.

CAMPOS, G, W. S.. Reforma da Reforma: repensando a saúde. São Paulo: HUCITEC,


1992.

CARDOSO DE MELO, M. F. G. O Processo Recente de Descentralização da Política


de Saúde: o caso de Santos. Campinas – (IE-UNICAMP). 1999.

ESCOREL, Sara; As origens da Reforma Sanitária e do SUS. In: LIMA, Nísia Trindade
(Org.). Saúde e Democracia: História e Perspectivas do SUS. / Organizado Por Nísia
Trindade de Lima Silvia Gerschman e Flavio Coelho Edller. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ. 2005.

44
FLEURY, S.. Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.

FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2001.

HOCHMAN, Gilberto (Org.). Políticas Públicas no Brasil. / organizado por Gilberto


Hochman, Marta Arretche e Eduardo Marques. – Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ,2007.

45
A Sociedade Portuguesa de Beneficência: Caridade, Assistência e poder no Rio
Grande do Sul do século XIX
Larissa Patron Chaves1

Introdução
Este trabalho objetiva apresentar pesquisa sobre parte da trajetória histórica das
Sociedades Portuguesas de Beneficência no Rio Grande do Sul e suas relações com o
trabalho assistencial desempenhado no Estado no período que compreende o Império e
república Velha. As Associações de Beneficência são instituições hospitalares criadas
por imigrantes portugueses no Brasil do século XIX, e no mundo colonial português,
sob o modelo das Misericórdias criadas em Portugal pela rainha Dona Leonor no século
XV. Ao processo de implantação das instituições lusas relaciona-se a importância da
imigração portuguesa para a região sul na segunda metade do século XIX, momento
considerado importante pela vinda do maior contingente imigratório europeu para o
Brasil, entre eles de portugueses, e do conseqüente papel dessas associações de
Beneficência na representação desse contingente.
Da mesma forma que no restante do país, no Rio Grande do Sul as instituições
prestam assistência aos sócios portugueses na enfermidade, na necessidade educacional
e na morte, desenvolvendo a prática da caridade a partir de uma perspectiva dual, pois
representam o ideário cristão pregado pela Igreja Católica ao mesmo tempo em que
agem na circulação social da caridade, favorecendo a sua auto-promoção e equilibrando
disputas de poder.
Uma Sociedade Portuguesa de Beneficência contrata empréstimos com qualquer
casa bancária capitalista, constrói edifícios, representa a si mesma em atos públicos,
evidenciando os domínios e poderes institucionais que propõe. Entretanto, a discussão
sobre a função assistencial e social, bem como da composição das suas diretorias
administrativas, acompanha grande parte do material documental encontrado sobre elas,
remetendo ao fato de que não existe uma aplicabilidade rígida das regras
administrativas, definidas nos estatutos, para a prática social, exposta nos relatórios.

Objetivos:
A pesquisa apresenta os seguintes objetivos:
Geral
Investigar as Instituições de Beneficência Portuguesa no Rio Grande do Sul a
partir de sua heterogeneidade, na análise de suas administrações, assistência e
representações em perspectiva comparada, de 1854 a 1910;
Específicos
Justificar a criação dessas instituições lusas, bem como analisar as condições
econômicas e culturais locais que permitem efetivar a criação de suas respectivas sedes;
Apontar as relações sociais, políticas e culturais que tais instituições, auto-
denominadas caritativo-filantrópicas, mantêm com a Monarquia Portuguesa;
Examinar, através dos meios discursivos (Atas, relatórios, estatutos, periódicos,
alvarás, entre outros), como tais instituições evidenciam a assistência desempenhada
tendo em vista as relações com as comunidades locais;
Contribuir para os estudos que se referem à presença portuguesa no Rio Grande
do Sul durante o Segundo Império e República Velha, em especial à relevância das
1
Doutora em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. Professroa
Adjunta da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

46
Sociedades Portuguesas de Beneficência como instituições representativas dos
interesses dessas comunidades, pouco referendadas na historiografia oficial regional e
nacional.

Metodologia:
A pesquisa tem como referencial teórico-metodológico o trabalho em história
comparada desenvolvido por Marc Bloch. Para o autor, a comparação tem duas funções
importantes: pesquisar e entender aspectos científicos e gerais de cada fenômeno e
auxiliar e compreender as causas e origens de tais fenômenos (BLOCH, 1930:31-39).
Nesse sentido, pretende relacionar as instituições de Beneficência portuguesa
nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e Bagé, no que tange as suas normas
(estatutos e formas de assistências), práticas (assistência e atividades sociais, políticas e
culturais) e vida institucional.

Resultado e discussão
Parte da trajetória histórica das Sociedades Portuguesas de Beneficência mostrou
que mesmo afirmando a assistência a partir da alternância entre o dever interessado com
o dever desinteressado, nos diferentes casos analisados a espinha dorsal da caridade foi,
de fato, a espiritualidade. As diferentes formas como ela foi utilizada permitiram
visualizar as diferenças, mesmo dentro da história da uma única Sociedade de
Beneficência, a transferência do que significa um exercício espiritual e uma vida na
caridade para a vida prática recorre as questões da assistência, em especial da saúde.
As efemérides comemoradas nas quatro Sociedades Portuguesas de Beneficência
adquiriram significado de suma importância nessa trajetória, pois de diferentes formas,
as Associações procuraram ressaltar valores ideológicos que remetiam a sua
identificação enquanto portuguesas nas comunidades locais.
Comparativamente, o protetorado régio funcionou de forma desigual ao longo da
história das Instituições. Nas Associações de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande a
devoção ao rei se deu em função do próprio protetorado, pois o mesmo ao aprovar a
Instituição enviava carta declarando-se protetor. O estabelecimento dessa proteção
mostrou que através das relações com a monarquia portuguesa o poder simbólico havia
sido garantido, estando presentificado pelo poder real.
Ao realizar uma análise sobre o trabalho assistencial da Sociedade Portuguesa de
Beneficência, percebeu-se que se não houvesse a caridade desempenhada mesmo que
interessadamente, não haveria a possibilidade de atendimento hospitalar para além do
que foi oferecido pelo Estado. Como plano privado, a iniciativa da criação da entidade
portuguesa no século XIX foi bem sucedida porque partiu de uma mobilização coletiva,
num momento onde o Estado pouco faria devido ao pouco conhecimento dos reais
problemas sociais no Brasil. Embora a sua correlação com as elites locais existisse, e
persista ainda hoje como uma marca identitária das Associações, foi pelo fato de
convocar, e aproximar tanto a mística da religiosidade portuguesa ligada à caridade e
filantropia, quanto os costumes, festividades e cerimônias típicas de Portugal que as
Instituições subsistiram enquanto entidades nas diferentes localidades. Uma subsistência
determinada que se auto-projetou para ultrapassar o tempo.

Bibliografia

ANDERSON, Benedict. Imagined Comunities: Reflexions on the Origin and Spead of


Nationalist. London e NY: Verso, 1991. Revisit edition.

47
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In ROMANO, Ruggiero (org). Enciclopédia
Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da moeda, 1985. v. 5.

BLOCH, Marc. Comparasion. Revue de Synthèse Historique, Paris, vol LXIX, boletim
anexo, 1930 p 31-39.

CHAVES, Larissa Patron. “Honremos a Pátria senhores!” As Sociedades Portuguesas


de Beneficência: caridade, poder e formação de elites na província de São Pedro do Rio
grande (1854-1910). São Leopoldo. Tese (Doutorado em História da Universidade do
vale do Rio dos Sinos), 2008.

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du Seuil, 2003.

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GUINZBURG, Carlo. Olhos de madeira – nove reflexões sobre a distância. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.

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Getúlio Vargas, 2006.

MIRANDA, Carlos Alberto da Cunha. A Arte de Curar nos Tempos da Colônia –


Limites e espaços de cura. Recife: Fundação de Cultura Cidade de Recife, 2004.

MAUSS, Marcel. Ensaios sobre a dádiva. Lisboa: edições 70, 2004.

OTT, Carlos. A Santa Casa de Misericórdia de Salvador. RJ: Publicações do patrimônio


Histórico e Artístico Nacional, 1960.

SOUSA, Ivo Carneiro de. Introdução ao estudo da Misericórdia de Macau: caridade,


poder colonial e devoção régia, In “Compromisso da Misericórdia de Macau de 1627”
(ed. De Leonor Diaz de Seabra). Macau: Universidade de Macau, 2003.

_____________________. A Rainha D. Leonor (1458-1525): Poder, Misericórdia,


Religiosidade e espiritualidade no Portugal do Renascimento. Lisboa: Fundação
Calouste Gunbenkian, 2000.

______________________________. Da descoberta da Misericórdia às Misericórdias (1498-


1525). Porto: Granito, 1999.

SOARES, Antônio. Portugueses no RS. Porto Alegre: Caravela, 1988.

Fontes Documentais:

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do Tombo. Lisboa, Portugal.
Camarista de Dom Fernando. Ministério do Reino – maço 2503. N. 424, Liv 29.
Arquivo do Cartório da Casa Real.

48
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre, Estatutos 1854,1865, 1867,
1886, 1887, 1893. Porto Alegre: Tipografia do Correio do Sul.

Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre, Relatórios, 1854, 1865,


1866,1880, 1889, 1893, 1893, 1894, 1895, 1900, 1910. Porto Alegre: Tipografia do
Correio do Sul.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Pelotas, Estatutos, 1859, 1894, 1900. Porto
Alegre: Tipografia do Correio do Sul.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Pelotas, Livros de Atas, 1857, 1858, 1859,
1864, 1865, 1876, 1878, 1870, 1880, 1886, 1892, 1893, 1894, 1895, 1898, 1909. Porto
Alegre: Tipografia do Correio do Sul.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Pelotas, Relatórios, 1859, 1865,1880, 1886,
1887, 1889, 1893, 1894, 1900, 1908. Porto Alegre: Tipografia do Correio do Sul.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Bagé. Livros de Atas, 1872, 1895, 1897,
1898.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Bagé. Relatórios, 1875, 1876, 1881, 1894,
1898, 1910. Porto Alegre: Tipografia do Correio do Sul.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Rio Grande. Livros de Atas, 1856, 1865,
1871, 1880, 1886.
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Rio Grande. Relatórios, 1859, 1883, 1888,
1889, 1893, 1894, 1895, 1896, 1897, 1901, 1910.

49
Mobilidades geográficas de médicos italianos e o aporte de especialidades

Leonor C. Baptista Schwartsmann1

A mobilidade geográfica de médicos nacionais e estrangeiros foi elevada nas


décadas iniciais do século XX. O Rio Grande do Sul presenciou a incorporação de um
elevado número de médicos estrangeiros, em especial, os italianos.
(SCHWARTSMANN, 2010) Esta mobilidade ocasionou um conjunto de
transformações e de rupturas que precisam ser analisadas na pesquisa dos estudos
migratórios, como também no estudo do desenvolvimento da Medicina nesta região.
Estes médicos procuravam melhores condições de trabalho caracterizando uma
itinerância profissional, ao mesmo tempo em que colaboraram com o aporte de novas
especialidades médicas. Como outros profissionais, responderam às necessidades
urgentes de mão-de-obra especializada que o Estado apresentava, o que foi facilitado
pelas peculiaridades da constituição estadual referentes à inscrição de médicos
estrangeiros. (SCHWARTSMANN, 2008) A recepção destes médicos imigrantes foi
rápida e frutífera, conforme Coradini (1997), imigrantes e seus descendentes foram
incluídos precocemente na elite médica gaúcha.
No estudo do fenômeno imigratório, a presença do imigrante italiano é
reconhecida pela importância econômica e cultural que representou. Ele é descrito como
introdutor de tecnologias e de valores relativos ao trabalho que propiciaram a
modernização das cidades brasileiras ao aportarem mentalidades e condutas, a partir de
modelos citadinos trazidos da Itália. (Constantino, 2000, p. 80-81) Podemos considerar
que médicos italianos foram agentes de mudança e contribuíram para o
desenvolvimento da Medicina local ao aportarem novas tecnologias.
Fonte de pesquisa para observar as características da mobilidade destes médicos é
o livro Panteão médico Rio-grandense (1943), escrito com o intuito de informar e
exaltar médicos considerados componentes da elite médica gaúcha em suas trajetórias
sociais/profissionais. (VIEIRA; GRIJÓ, 2010) Constata-se o elevado número de
estrangeiros, apesar de não ser uma listagem definitiva dos médicos em atuação no
estado. No capítulo Registro biográfico ilustrado dos médicos do Rio Grande do Sul há
uma listagem que inclui 25 médicos italianos; 4 médicos são citados em outras partes do
livro. Observa-se um destaque relacionado à formação médica, teses de doutoramento,
trabalhos publicados na Itália, especializações feitas neste país, na Europa e no Brasil.
Dos 25 médicos citados, 9 se formaram na Universidade Real de Nápoles, 4 em
Genova, 4 em Pádua e 3 em Roma. Os restantes se distribuíram pelas faculdades de
Módena, Bologna, Messina, Parma e Palermo. A maioria dos médicos se declara
especialista em cirurgia e clínica geral, o que segue as características da época. Há
somente um médico declarado como tendo uma só especialidade, a oftalmologia. Todos
os outros médicos possuíam duas ou mais especialidades. As informações relacionadas às
especialidades incluíam clínica geral, cirurgia, urologia, doenças tropicais, doenças de
pele, dermatologia associada com venerealogia, antropologia criminal, química biológica,
moléstias de senhoras, ginecologia, partos, vias urinárias, medicina militar, radiologia,
cirurgia infantil, pediatria, doenças hepáticas, obstetrícia.

1
Doutoranda do PPG-História PUCRS

50
Entre os que se especializaram no exterior, as preferências eram pelas cidades de
Paris, Berlim e Bruxelas. Paris foi o local escolhido por três médicos para especialização
principalmente em doenças dermatológicas e venéreas. Há uma ligação de Bruxelas com
a disciplina de Medicina tropical. Dois médicos, Carotenuto e Motti fizeram esta
especialização e trabalharam na África antes de se radicarem no Brasil. Vicente
Bornancini especializou-se em oftalmologia e Marco Finocchio, em clinica geral e
cirurgia, em Berlin.
Salienta-se que o termo especialização ganhou sua justificação inicial como forma
de produção e de disseminação de conhecimento em vez de tipo de habilidade ou forma
de prática durante o século XIX. Não havia uma distinção acentuada entre especialização
como forma de conhecimento e especialização como prática; os dois modelos eram
inseparáveis porque o ensino médico e a pesquisa aconteciam em instituições devotadas à
prática clínica e não à pesquisa. O médico especialista, considerado como inovador, era
frequentemente visto como mais competente para tratar casos difíceis. Existia um forte
paralelismo no desenvolvimento e difusão das especialidades médicas tanto na Europa e
nos Estados Unidos, o que pode ser explicado pela comunicação entre as elites médicas,
através de contatos internacionais. (WEIZ, 2006)
Observa-se que médicos italianos estiveram presentes na fundação e/ou direção de
hospitais. Seis médicos dirigiam estabelecimentos hospitalares em Bento Gonçalves,
Erebango, Caxias, Farroupilha e Santa Maria. Quatro médicos desempenharam funções
em instituições públicas, entre eles está Paulo Rosito que desempenhou as funções de
delegado especial da Diretoria de Higiene em Getulio Vargas.
Conforme a listagem, havia quatro médicos que tiveram experiência prévia
militar. João Vassali era tenente médico do exército italiano e tornou-se médico da
Brigada Militar e da Santa Casa de Livramento. José Canessa foi oficial médico na Líbia
e na 1ª Guerra Mundial. Serviu às forças revolucionárias na Revolução de 1923.
Dedicou-se a clínica médica e a cirurgía. Trabalhou em Garibaldi, Getulio Vargas e
Erebango. Nesta última cidade fundou um hospital.
Em relação aos locais de atuação dos 29 médicos listados, observa-se que não
houve uma região preferencial de atuação. A distribuição destes médicos é bem diferente
daquela dos médicos italianos em São Paulo. Conforme Maria do Rosário Salles (1997),
neste estado mais de 50% dos profissionais se radicaram na capital.
Nota-se uma grande mobilidade destes médicos antes de se radicarem
definitivamente no Rio Grande do Sul. Há passagens pela cidade do Rio de Janeiro, por
São Paulo, onde havia importantes hospitais de origem italiana, e, também, por países
vizinhos como o Uruguai. Maffei trabalhou em São Paulo no Hospital Humberto 1º e
depois se radicou em São Sepé. Biasotti atuou nos Hospitais Ermelindo Matarazzo e
Humberto 1º de São Paulo, antes de se estabelecer em Mussum. Nicola Turi trabalhou no
Hospital Italiano de Montevidéu. Foi Diretor da Casa de Saúde da Cooperativa da Viação
Férrea do RS. e trabalhou no Hospital de Caridade em Santa Maria. Salvatore Mac
Donald Caruso empregou-se na Estrada de Ferro Paraná- Santa Catarina, após em
Alfredo Chaves e José Bonifácio. José Canessa, em Garibaldi, Getúlio Vargas e
Erebango. A trajetória de Pedro Turi inclui Pelotas, Cruz alta e Porto Alegre. Foi médico
do Posto de Higiene e médico da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em Cruz Alta.
Riego Sparvoli é um médico que exemplifica as possibilidades de trabalho, o
aporte oferecido pela formação profissional prévia, as redes de sociabilidade, e a
contribuição profissional dos médicos italianos. Sparvoli radicou-se no Brasil devido aos
conhecimentos feitos em Roma com o embaixador brasileiro e com o cunhado desse, Dr.
Berchon D’Essarts, renomado médico de Pelotas, no ano de 1912. Após um período de
trabalho em Pelotas foi convocado como cirurgião da Cruz Vermelha Italiana na Primeira

51
Guerra Mundial. Retornou ao Brasil com a especialização de cirurgia.
(SCHWARTSMANN, 2008) Foi o mentor da criação e diretor do pavilhão da
Maternidade e do dispensário infantil da Santa Casa de Rio Grande, inaugurado em 1930,
época reconhecida como aquela onde ocorreram grandes modernizações neste hospital.
(RODRIGUES, 1985, p. 74).

Referências bibliográficas

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brasileiras. Porto Alegre, Passo Fundo: ACIRS, UPF, 2000.

CORADINI, Odaci Luiz. O recrutamento da elite, as mudanças na composição social e a


“crise da medicina” no Rio Grande do Sul. História, Ciências, Saúde- Manguinhos. IV
(2): 265-286, jul.-out. 1997.p. 268

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social e espacial. 19º Simpósio de História da Imigração e Colonização. São Leopoldo:
OIKOS, 2010. CD-ROM.

VIEIRA, Felipe Almeida; GRIJÓ, Luiz Alberto. Medicina e memória: O Panteão Médico
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Leonor B. Schwartsmann; SERRES, Juliane C. P.; LOPES, Maria Helena Itaqui. Páginas
da História da Medicina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.

WEISZ, George. Divide and conquer. A comparative history of medical specialization.


Nova York: Oxford, 2006

52
Avaliações psiquiátricas de personalidades “anormais”: o ponto de vista da
psiquiatria forense do Rio Grande do Sul (1925-1941)1
Lizete Oliveira Kummer2

A comunicação analisa as características das personalidades “anormais”


apontadas pelos médicos do Manicômio Judiciário do Rio Grande do Sul (MJRS) no
período de 1925 a 1941. O MJRS, criado em 1925, era uma instituição destinada a
realizar avaliações psiquiátricas a pedido da Justiça e internar os doentes mentais
criminosos que fossem considerados perigosos, a critério do juiz. A instituição,
atualmente denominada Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso, é um hospital
de custódia e tratamento vinculado à Superintendência de Serviços Penitenciários do
Rio Grande do Sul.
O Código Penal brasileiro de 1890 determinava, no art. 27, que “não são
criminosos: §4º os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos e
inteligência no ato de cometer o crime”. Nos laudos periciais, os psiquiatras avaliavam a
possibilidade de “alienação”, ou seja, a privação de sentidos e inteligência, e a
periculosidade de indivíduos acusados de crimes. Os casos de que trato aqui são de
pessoas que, a partir dos laudos, foram consideradas não alienadas, mas portadoras de
uma personalidade “anormal”. Sua permanência no MJRS não foi recomendada, mas
alguns ficaram vários anos internados à espera de avaliação. De um modo geral, foram
considerados responsáveis perante a Justiça, mas essa responsabilidade era atenuada
pela “anormalidade”, ou seja, os delitos poderiam ser vistos como um sintoma.
No entendimento da psiquiatria da época, os portadores de personalidades
“anormais” estariam situados na fronteira entre a sanidade e a doença mental. Estes
“fronteiriços” apresentariam “formas brandas” de enfermidades mentais, não
necessitando de internação em hospitais psiquiátricos, como era indicado aos
verdadeiramente alienados. Os diagnósticos mais comumente utilizados na
caracterização destas personalidades “anormais” foram: perversão instintiva, debilidade
moral, loucura moral, daltonismo da moralidade, degeneração e, finalmente,
personalidade psicopática. Não havia muitas distinções entre estas categorias, em todos
os casos eram destacados pelos médicos a falta de afetividade e de sentimentos éticos. O
criador e primeiro diretor do MJRS, Jacintho Godoy, explicou que o perverso instintivo
possui um “pendor constitucional” oposto às tendências éticas normais. De acordo com
os médicos da instituição, os instintos de conservação, reprodução e sociabilidade, ou
associação, poderiam se apresentar “pervertidos”, exagerados ou desviados, o que
caracterizaria a perversão instintiva. Anormalidades no instinto de conservação
poderiam, por exemplo, apresentar-se em relação à alimentação, levando à gula,
embriaguez e toxicomania; em relação à “personalidade”, com vaidade, orgulho e
suicídio e, ainda, em relação à “propriedade”, com avareza, prodigalidade ou jogo. O
instinto de reprodução também poderia se mostrar pervertido, neste caso teríamos
“erotismo”, homossexualismo ou prostituição. A perversão do instinto de sociabilidade,
por sua vez, poderia levar à indisciplina e egoísmo.
Nos laudos, os psiquiatras do MJRS expressam a idéia de que havia uma
predisposição congênita para a expressão da personalidade anormal. Os atos
delinquentes seriam desencadeados por diversas causas, mas as “circunstâncias sociais”
sempre se fariam presentes. A avaliação moral, a utilização de termos como mentiroso,

1
Este assunto foi abordado no capítulo 4 de minha tese de doutorado A psiquiatria forense e o
Manicômio Judiciário do Rio Grande do Sul: 1925-1941, defendida em setembro de 2010 no Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2
Doutoranda em História - UFRGS.

53
intrigante, simulador e outros, a caracterização do homossexualismo como sintoma de
doença mental são demonstrações das dificuldades enfrentadas pelos médicos para
estabelecer limites entre o conhecimento científico e os preceitos morais da sua época.
Apesar de considerar a perversidade instintiva como um dado congênito, em geral os
médicos desta época acreditavam na possibilidade de modificação da personalidade, por
meio da ação intimidativa da pena de prisão ou pelo que chamavam de “orientação
psico-pedagógica”.
Diversos estudos de história da psiquiatria no Brasil (Costa, Cunha, Engel,
Machado, Portocarrero) enfatizam a ampliação de seu objeto. Progressivamente os
psiquiatras teriam estendido a sua atuação para além da loucura, incluindo
comportamentos anti-sociais como sintomas de alienação. O primeiro manicômio
judiciário do Brasil, criado no Rio de Janeiro em 1921, foi estudado por Carrara (1988).
No texto, originalmente uma dissertação de mestrado, o autor busca explicar as
condições históricas do surgimento do louco criminoso e da instituição que dele se
ocupa, o asilo criminal. Carrara acredita que o manicômio judiciário não foi criado para
qualquer alienado que cometesse crime, seu alvo fundamental era o “fronteiriço”. Desde
o início do século XX o manicômio criminal foi proposto como uma instituição
destinada a “personagens (...) cuja peculiaridade era menos a de serem loucos
criminosos que a de serem loucos lúcidos, os anômalos morais, ou seja, a de estarem, de
certo modo, a meio caminho entre a sanidade e a loucura” (Carrara, 1998, p.158). O
autor utilizou como fontes textos doutrinários publicados por médicos e juristas no final
do século XIX; a prática judicial foi analisada a partir de um caso muito bem
documentado, o crime de Custódio Alves Serrão, ocorrido em 1896, e referência a
outros três casos médico-legais anteriores à criação do Manicômio Judiciário do Rio de
Janeiro.
Em minha pesquisa, realizada no arquivo do Instituto Psiquiátrico Forense,
utilizei os registros dos pacientes internados para avaliação desde a inauguração da
instituição até o final do ano de 1941. Para este período há um total de 541 registros,
dos quais localizei 534. Os indivíduos que permaneceram internados na instituição até o
falecimento foram diagnosticados como alienados e representam 16,5% do total de
avaliados. Os “fronteiriços” ou portadores de personalidade anormal foram
considerados responsáveis e encaminhados para julgamento. Meus dados, portanto,
contrariam a tese de Carrara. O peso que o laudo pericial e as avaliações morais nele
contidas tiveram no julgamento teria de ser avaliado por outra pesquisa, que
investigasse os processos criminais.

REFERÊNCIAS
CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na
passagem do século. Rio de Janeiro: EdUERJ; São Paulo: EdUSP, 1998.

COSTA, Jurandir Freire. História da psiquiatria no Brasil. Um corte ideológico. 3.ed.


Rio de Janeiro: Campus, 1981.

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asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de


Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.

54
MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: medicina social e constituição da
psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

PORTOCARRERO, Vera. Arquivos da loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade


histórica da psiquiatria. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2002.

55
Dados quantitativos da Justiça do Trabalho de Pelotas (RS): litígios que
envolvem saúde entre os anos de 1940-1945.

Lóren Nunes da Rocha,1; Lorena Almeida Gill2; Beatriz Ana Loner3; Micaele
Irene Scheer4; Marciele Agosta Vasconcellos5

Esta pesquisa é resultante de um viés que se abriu em um projeto maior


intitulado “Á beira da extinção: memórias de trabalhadores cujos ofícios estão em vias
de desaparecer”, que visa analisar, a partir dos relatos de trabalhadores e da observação
dos processos trabalhistas de Pelotas (1940-1990), as nuances no mundo do trabalho as
quais causaram a exclusão desses trabalhadores que exerciam ofícios que outrora eram
imprescindíveis. A partir da análise das fontes documentais da Justiça do Trabalho se
percebe um número significativo de litígios envolvendo questões de saúde e, portanto,
se pretende levantar neste texto os primeiros dados obtidos, entre os anos de 1940-1945.
Os dados quantitativos de litígios que envolveram questões de saúde de
trabalhadores em Pelotas entre 1940-1945 permitiram estabelecer alguns objetivos para
a pesquisa, como, por exemplo, analisar se as condições de trabalho que as empresas
ofereciam levavam em conta os princípios da CLT, no que tange aos cuidados da saúde
física e mental do trabalhador “defendendo tanto a saúde como a melhoria das
condições do ambiente de trabalho” (LOPES, 1990); identificar as doenças que
causavam mais demandas nos processos trabalhistas do período; comparar as sentenças
obtidas por mulheres junto a Justiça do Trabalho em relação aquela dos homens;
destacar a ação dos sindicatos na representação dos trabalhadores para questões de
saúde no período, assim como a utilização do I.A.P.I6 como um mecanismo de proteção.
O projeto maior que abriga esta investigação trabalha com duas vertentes
metodológicas: a História Oral Temática e a triagem dos processos trabalhistas da
Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas (1940-1990). Através da primeira
metodologia são coletados depoimentos dos trabalhadores, sendo que o material é
transcrito, apresentado ao depoente que, se estiver de acordo, concede um termo de
autorização de uso, momento em que haverá a análise do material e posteriormente este
passará a fazer parte do Laboratório de História Oral 7 do Núcleo de Documentação
Histórica da Universidade Federal de Pelotas. A segunda, a qual suscitou o viés de
investigação em voga, trabalha com a triagem dos processos trabalhistas. Este
procedimento ocorre em duas etapas. O campo qualitativo visa uma descrição do
processo, uma espécie de resumo que inclui: data, motivo, quem era o empregado e
quem era o empregador, desfecho, período de duração e anexos relevantes. Já os dados
quantitativos são dispostos em duas tabelas que se referem a informações pessoais
(homem ou mulher, profissão, idade, estado civil, representação sindical, se recebeu ou
não o auxílio da Justiça Gratuita8) e dados do processo (empresa, advogados das partes,
1
Graduanda do curso de Licenciatura em História; bolsista CNPq – UFPel.
2
Doutora em História – PUCRS; professora da Universidade Federal de Pelotas.
3
Doutora em Sociologia – UFRGS; professora da Universidade Federal de Pelotas.
4
Graduanda do curso de Licenciatura em História; bolsista FAPERGS – UFPel.
5
Graduanda do curso de Bacharelado em História; bolsista FAPERGS – UFPel.
6
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários.
7
O Laboratório de História Oral abriga as entrevistas realizadas por diferentes projetos desenvolvidos
pelo Núcleo de Documentação Histórica.
8
O Benefício da Justiça Gratuita era concedido aos reclamantes que recebessem menos que o dobro do
mínimo legal.

56
motivo, conclusão, duração do processo). Ao ser identificada uma demanda
significativa por motivos de saúde, monta-se uma tabela que reúne estes litígios para
melhor localização.
Até o momento foram analisados todos os processos que constam no acervo
entre os anos de 1940-1945 que somam um total de 503. Dentre esses, 49 se referem à
saúde do trabalhador, sendo 35 movidos por homens e 14 por mulheres. Mesmo que os
homens representem maior número não se pretende com isso afirmar que eles adoeciam
mais e sim que havia mais funcionários homens. Duas motivações para as entradas das
ações destacam-se: a primeira se refere ao pagamento dos 30 primeiros dias de salário
do período de afastamento por motivo de doença9, os empregados pediam a licença, era
concedida, porém não recebiam durante o período e procuravam seus direitos através da
Junta de Conciliação e Julgamento. A segunda se vincula às demissões sem justa causa
e sem aviso prévio, então o trabalhador afastava-se por motivo de doença, apresentava o
atestado concedido por uns dos médicos do I.A.P.I e, mesmo assim ao retornar ao
serviço era exonerado, às vezes no mesmo dia e em outros casos dias depois, sem que
lhe apresentassem motivos justos
Os atestados médicos que foram encontrados anexados aos processos,
geralmente não fazem menção ao tipo de doença, dessa forma não permite que se faça
um levantamento das moléstias que proporcionavam maiores demandas. Ainda sobre os
atestados é importante destacar que somente os médicos do I.A.P.I tinham seus
atestados considerados verdadeiros pelas empresas, portanto, alguns processos tiveram
conclusões improcedentes, pois se julgava que os atestados eram “frios”.
Sobre os desfechos dessas ações tem-se para os homens: 15 procedentes, 7
improcedentes, 1 arquivamento e 2 procedências em parte e, para as mulheres, 5
procedentes, 2 improcedentes, 3 arquivamentos e 1 procedência em parte. Os advogados
que apareceram na quase totalidade dos processos foram: Antonio Ferreira Martins e
Alcides de Mendonça Lima. Embora a sindicalização fosse facultativa, o governo
estabeleceu que só os trabalhadores filiados aos sindicatos legalmente reconhecidos
poderiam gozar os benefícios da legislação que efetivamente começava a ser
implementada (GOMES, 2002). Apesar da filiação, como citado, ser “obrigatória”, não
se percebe nos processos ou pelo menos não fica explícito a filiação sindical. São raros
os processos que apontam se o empregado estava sendo representado pelo sindicato.
Entre os que foram incluídos neste levantamento quantitativo por motivos de saúde
apenas 10 foram identificados, sendo 7 para homens e 3 para mulheres e as conclusões
não foram diferentes dos demais por serem representados, pois indicam para mulheres
duas improcedências e uma procedência e para os homens quatro procedências, uma
improcedência e dois acordos.
A pesquisa sobre este viés está em fase inicial, mas através do levantamento de
dados se pode perceber como as empresas demoraram a se adaptar ao estabelecimento
da lei. Mesmo que as improcedências não se configurem em número maior, os
empregados adoeciam e tinham que dar entrada em ações que, às vezes demoraram mais
de dois anos para ser concluídas. Tinham ainda que recorrer à lei para desfrutarem de
direitos que deveriam ser gozados de maneira natural. Acredita-se que os anos seguintes
apresentem diferenças, como, por exemplo, na estrutura do processo que talvez possa
permitir identificar os sindicatos, as doenças nos atestados médicos e outras motivações
para os processos.

9
Estabelecido pelo Decreto-Lei 6.905/44 da CLT.

57
REFERÊNCIAS
GOMES, Angela de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2002.

GOMES, Angela. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.


ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. São Paulo: Cortez,
1982.

FRENCH, John. Afogados em leis. A CLT e a cultura política dos trabalhadores


brasileiros. São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2001.

LOPES, Augusto. As leis trabalhistas e a situação da saúde nas fábricas paulistas. In:
ROIO, José Luiz del. Trabalhadores no Brasil: Imigração e Industrialização. São Paulo:
Edusp, 1990, p.119-126.

MARQUES, Antônio José; STAMPA, Inez Terezinha (org). O Mundo dos


Trabalhadores e seus Arquivos. São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2010.

58
Narrativas de benzedores e parteiras na região sul do Brasil

Lorena Almeida Gill1; Lóren Nunes da Rocha2; Marciele Agosta Vasconcellos3;


Micaele Irene Scheer4

Desde o ano de 2009 o Núcleo de Documentação Histórica da UFPel vem


desenvolvendo projeto que discute as profissões em vias de desaparecer, dentre elas,
relojoeiros, alfaiates, afiadores de faca, chapeleiras, pescadores artesanais. A partir dos
primeiros contatos, no entanto, os quais incluíram moradores de cidades da região sul
do Estado, chamou a atenção a presença de benzedeiras e benzedeiros, que realizavam
seus ofícios, tanto na zona urbana quanto na rural.
Desta maneira embora os objetivos iniciais do projeto tenham sido observar o
cotidiano de vida dos trabalhadores durante a segunda metade do século XX no Brasil;
preservar os relatos de trabalhadores cujas profissões estavam em vias de extinção;
observar como os trabalhadores colocavam-se frente a um mundo globalizado, que
tendia a fazer com que suas profissões desaparecessem e analisar a recepção da
legislação trabalhista e dos direitos do trabalho em termos de sua abrangência a estes
trabalhadores, abriu-se um novo leque de possibilidades ao se encontrar curadores que
benzem, em praticamente todas as cidades visitadas.
Até o momento foram entrevistados dezoito benzedores, nas cidades de
Jaguarão, São Lourenço do Sul, Santana do Livramento e Pelotas. O trabalho se baseia
na chamada historia oral temática, na qual as entrevistas seguem um roteiro básico,
relacionado ao tema do cuidado através da reza. O enfoque se dá tanto pela história das
experiências, quanto do registro de tradições culturais (Alberti, 2004).
Ainda que no início do trabalho se julgasse que os benzedores fossem poucos,
não foi essa a realidade encontrada até mesmo nas cidades maiores, como Pelotas. As
benzedeiras e benzedeiros continuam atuando nos mais diferentes espaços da cidade e
suas práticas variam bastante, assim como o espectro das doenças que prometem curar.
Esta é a situação de Geovegildo Silva, 92 anos, um cuidador que atua na Cascata,
Pelotas, realizando curas presenciais ou astrais, através de rezas, chás, rituais que
simulam pequenas cirurgias, dentre outras práticas.
Uma outra possibilidade de tratamento para a saúde se relacionou aos
benzedores de religião. Como em Pelotas, por exemplo, se tem mais de duzentos
centros de cultura africana, em cada um deles costuma ter um responsável por rezar
pelos outros, muitas vezes através do recebimento de um espírito.
Este é a situação de dona Maria Amaro, de 72 anos, que possui um centro
denominado de “Tenda de Umbanda Caboclo João das Matas”. Sua rotina de trabalho
semanal inclui atendimentos nas terças e sextas-feiras, por intermédio dos espíritos da
Vó Rita e do Caboclo Ventania e nas quartas-feiras, ocorre a abertura da terreira, no
período entre 19h e 30 min. e 21h e 30 min.
Trata-se de um lugar onde se reúnem 68 filhos de corrente, além de dezenas de
pessoas que procuram o espaço para realizar serviços, benzeduras e tomar passes.
O contato com a benzedura deu-se de duas formas diversas: ainda adolescente,
aprendeu o ofício quando viu sua cunhada ser benzida por outra mulher. Já dentro da

1
Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas. Doutora pela PUCRS.
2
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da UFPel. Bolsista do CNPq.
3
Graduanda do Curso de Bacharelado em História da UFPel. Bolsista da FAPERGS.
4
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da UFPel. Bolsista da FAPERGS.

59
religião teve a sua formação realizada por Dona Maria Verena, já falecida, que
coordenava a “Tenda de Umbanda Nossa Senhora dos Navegantes” e que possuía filhos
de religião. Dessa maneira, benzer é uma rotina diária, que executa em vários momentos
do dia, assim como é uma prática que viabiliza quando está incorporada. Segundo ela,
aquilo que aprendeu durante a vida, procurou ensinar a sua filha, que hoje já cuida da
terreira e do seu cotidiano em alguns dias da semana.
Aparecem situações ainda exclusivamente relacionadas à um dom existente ou
obtido, mediante a vivência de algum momento traumático na vida, como foi o caso de
seu Dário, conhecido como Dário da Tunas, que após ser atropelado por um automóvel
em alta velocidade e ter passado por longo período de convalescença, diz ter recebido
mensagem divina que o habilitava a levar esperança aos enfermos.
Uma outra vertente de cuidado se refere ao caso das parteiras. São poucas as
ainda existentes, mas há aquelas que atendem nas casas das parturientes ou ainda em
hospitais, sobretudo em cidades do interior, algumas mais afastadas dos grandes centros
urbanos, onde se torna difícil manter um médico. Este foi o caso de dona Jaci Souza, 75
anos, moradora de Piratini.
Jaci atuou no hospital Nossa Senhora da Conceição, em Piratini, durante 40 anos
e iniciou como uma espécie de auxiliar de enfermagem, que se especializou no
atendimento às gestantes. Segundo ela, todo o procedimento era feito pela parteira e o
médico só era chamado a atuar em caso de algum problema com a mãe ou a criança.
A parteira afirma que poucas vezes conhecia a paciente ou sabia de sua história
familiar. Os atos eram praticados a partir do que a gestante revelava no momento o
parto. Para ela, os homens costumavam atrapalhar, pois muitas vezes passavam mal,
fazendo com que alguém precisasse ser deslocado para ver a situação do pai e deixando
de lado aqueles que precisavam de maior cuidado.
Jaci diz ter feito uma média de 30 partos por mês, pois atuou durante muitos
anos sozinha. Antes de se aposentar, ensinou a uma outra moça o ofício, sendo que esta
atualmente continua no hospital da cidade.
Ao realizar uma espécie de balanço de suas atividades, se mostra um pouco
descontente com sua rotina de trabalho, a qual incluía o fato de, às vezes, permanecer
longos períodos longe de sua casa e sua filha.
Com o desenvolvimento do projeto, pretende-se encontrar ainda o que se
convencionou chamar de parteiras de campanha, as quais percorriam diferentes lugares
levando atendimento às mulheres grávidas.

Considerações Finais:

Embora se tenha detectado pelo menos três motivações diferentes para a


benzedura, fica evidente que todas essas práticas possuem características em comum. A
visão que os entrevistados têm do seu papel social é a de “missão”, ou seja, pretendem
ajudar ao próximo na cura, no alívio ou na eliminação de determinadas moléstias. É
comum que os benzedores façam trabalhos filantrópicos como a doação de alimentos,
roupas e remédios, já que a caridade e o cuidado viriam em primeiro lugar.
A fé é um elo entre o benzedor e o benzido, uma vez que todos os entrevistados a
mencionam como o principal elemento da cura, assim o ato de benzer não é somente de
responsabilidade daquele quem está praticando a ação, mas também de quem a procura.
Os rituais assemelham-se. Todos os benzedores proferem palavras/rezas que se
repetem sempre três vezes ou em números múltiplos de três. Sobre o misticismo que
envolve este número, os entrevistados não sabem responder, afirmando que aprenderam

60
assim, porém para a numerologia o número três representa o “equilíbrio”, a ordem
natural e, ainda para a religião católica vem associado a Santíssima Trindade,
conferindo um caráter sagrado ao ato.
Todos utilizam elementos da natureza tanto para o processo quanto no tratamento
com receitas feitas com ervas, partes de animais, chás naturais, xaropes. Por questões
culturais, a mulher está mais vinculada ao ato de “cuidar do outro”, talvez esta seja uma
hipótese a explicar porque há mais mulheres do que homens benzendo, porém os
mecanismos e os rituais praticados por eles são praticamente os mesmos.
A benzedura de tradição é a que mais vêm sofrendo com o processo de extinção,
uma vez que são poucos aqueles que dizem encontrar pessoas dispostas a aprender o
ofício. De toda a forma, como o ato envolve práticas populares há muito vivenciadas
pelas comunidades, acredita-se que essas formas de cuidado sobreviverão, mesmo que
seja através de maneiras novas de se concretizar.
No que diz respeito ao caso das parteiras, somente o desenvolvimento do projeto
permitirá estabelecer análises sobre esta trajetória profissional.

Referências Bibliográficas:

ALBERTI, Verena. Ouvir Contar. Textos em História Oral. Rio de Janeiro: Editora da
FGV, 2004.

BARROS, Myriam. Memória e Família. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,


1989, p. 29-42.

BENJAMIN, Walter. O narrador. São Paulo: Brasiliense, 1994. In: Obras Escolhidas,
v.3.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. Ed. da Universidade de


São Paulo, 2. ed. 1987.

CANDAU, Joël. Antropologia de la memoria. Buenos Aires: Nueva Visión, 2002.

FERREIRA, Marieta de Moraes (org.).História oral: desafios para o século XXI. Rio de
Janeiro : Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getulio Vargas,
2000.

FIGUEIREDO, Betânia. A Arte de Curar: Cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros


no século XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Vício da Leitura, 2002.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.

MEIHY, José e HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São
Paulo: Contexto, 2007.

PIMENTA, Tânia. Barbeiros-sangradores e curandeiros no Brasil (1808-28). In:


História, Ciência, Saúde, v. 2, 1998, p. 349-373.

61
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana: mito e política, luto e
senso comum. In: FERREIRA, Marieta e AMADO, Janaína (Org.). Usos e Abusos da
História Oral. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1996.

SOARES, Márcio. Médicos e mezinheiros na Corte Imperial: uma herança colonial. In:
História, Ciência, Saúde. VIII (2), 2001, p. 407-428.

SCHRITZMEYER, A.L.P. Sortilégio de Saberes. Curandeiros e juízes nos tribunais


brasileiros (1900-1990). São Paulo: IBCCRIM, 2004.

62
A religião no mundo dos loucos
Marcelo Parker1

O objetivo deste artigo é mostrar como se deu o auge da presença católica no


Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre/RS, através do trabalho das Irmãs da
Congregação de São José, cuja atuação no manicômio remonta ao ano de 1910. Na
década de 60, o grupo de religiosas chegou a ser composto de mais de 80 missionárias.
Os ritos católicos incluíam missas, extrema-unção, comunhão, procissões, cerimônias
fúnebres, festejos de Natal e Páscoa, e contavam em algumas datas especiais – como o
29 de junho, dia de São Pedro – com as principais autoridades eclesiásticas do Estado.
Para retratar estes aspectos da história da instituição estão sendo utilizados, entre outras
fontes, os depoimentos de Irmã Paulina, religiosa que lá trabalha há 60 anos, sendo hoje
a única remanescente da Ordem.
Em 1950, ano em que Paulina chegou ao São Pedro, com seus 20 anos de idade
recém completos, o manicômio contava com 165 servidores, entre enfermeiros,
religiosas e atendentes, para mais de 3 mil asilados2. Naquele ano, formava-se na Escola
Profissional de Enfermagem, criada dentro do manicômio em 1939, a 11ª turma de
enfermeiros. Entre os 22 alunos, duas religiosas da Congregação de São José. Não
foram as primeiras. Antes delas, outras 18 já haviam recebido o diploma 3 . A
profissionalização das Irmãs, para melhor darem conta de suas responsabilidades
perante os doentes mentais, fortaleceu ainda mais os elos entre elas e o corpo médico da
instituição. As referências a eles, feitas pelos diretores e demais membros da equipe
técnica, são sempre de muito respeito e admiração.
Dois dias antes da data em que seria realizada a acima citada solenidade de
formatura, falecia a Superiora da Ordem, Madre Françoise de Salles4, uma das duas
francesas vindas diretamente da Europa para o São Pedro em 1910. Sobre Francisca,
como era chamada no hospital, escreveu o então diretor Jacinto Godoy:

Espírito fino, aprimorada educação, possuía dotes de coração que a tornavam


querida de cada uma das doentes internadas, através de tantos anos. Foi um
exemplo de bondade, devotamento, que serviu de imitação às suas Irmãs de
Congregação e às demais funcionárias leigas. Colhida pela morte em plena
atividade, detinha ela a tradição oral da história do velho hospício, que era
sempre interessante ouvir de seus lábios. O seu desaparecimento abriu um
claro difícil de preencher e será sempre recordado com pesar e com saudade5.

Quanto à Irmã Paulina, desde que chegou à capital, vinda do convento da


Ordem, em Garibaldi, identificou-se com os doentes, vendo neles o ser humano
necessitado de carinho e afeto onde a psiquiatria enxergava apenas um cérebro
danificado. Na companhia das Irmãs mais antigas que lá estavam, dedicou-se ao
trabalho com afinco e, em pouco tempo, segundo suas próprias palavras, passou a
realmente gostar do lugar. Além do trabalho de enfermagem, os ofícios religiosos lhe
inspiravam, especialmente ao ver a grande aceitação por parte dos alienados da

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). Bolsista CAPES-PROSUP.
2
CHEUÍCHE, 2011.
3
GODOY, 1955.
4
ibid.
5
GODOY, 1955, p. 386-387.

63
pregação ministrada pelas irmãs e pelos padres capuchinhos que conduziam as missas
dominicais. Sua chegada coincide justamente com o período de maior atuação católica:

Aí essa assistência religiosa tomou um volume, passou a ter a missa do São


Pedro, homenagem a padroeiro que é o São Pedro, dia 29, existia uma missa
solene, muitas vezes vinha o bispo rezar a missa, o natal era solenemente
comemorado. Essas árvores não ficavam com parasita nenhum, todo mundo
tirava porque nós fazíamos o natal na unidade. A gente vibrava aqui dentro,
fazia o nascimento de Jesus, fazia a Via Sacra, na semana da paixão a gente
colocava as estações nas árvores, saía em procissão com os doentes e em
cada árvore se pendurava uma estação. E era muito bonito, muito solene, e a
coisa foi se ampliando. Os doentes tinham aquela assistência quando
morriam, a gente ficava junto, eram velados, eram levados em procissão até o
necrotério, eram velados aqui, e os que tinham familiares eles levavam o
corpo pra fora, e os que não tinham ninguém por eles a gente velava e depois
de 8 dias eram colocados na câmara fria. Se não aparecia familiares o
hospital fazia o enterro6.

Sendo uma espécie de símbolo gaúcho do poder e da legitimidade da ciência


psiquiátrica sobre o tratamento da loucura, especialmente depois da proclamação da
República, o São Pedro configurou-se em mais um espaço médico, como tantos outros,
onde a religião cavou o seu lugar, atuando, ainda que sob – pelo menos na teoria – a
supervisão do saber científico, dentro dos preceitos dos mandamentos cristãos para
atenuar o sofrimento dos asilados, excluídos, esquecidos, depositados, ou como
quisermos chamar os hóspedes da grande propriedade da avenida Bento Gonçalves, em
Porto Alegre.

REFERÊNCIAS

ENTREVISTAS
PAULINA, Irmã. Entrevista concedida em 17 de novembro de 2009. Informação verbal.

OUTROS
GODOY, Jacintho. Psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição do Autor,
1955.

CHEUICHE, Edson Medeiros. Fragmentos históricos na formação do Hospital


Psiquiátrico São Pedro em Porto Alegre. Disponível em:
http://www.saude.rs.gov.br/dados/1299153920939Hist%F3ricomar%E7o2011.pdf.
Acesso em: 24 março 2011.

6
PAULINA, 2009.

64
Insalubridade nos processos do Acervo da Justiça do Trabalho de Pelotas/RS
(1936-1945)

Marciele Agosta de Vasconcellos1; Lorena Almeida Gill2; Lóren Nunes da


Rocha3, Micaele Irene Scheer4 e Beatriz Ana Loner5

O Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas, que se encontra no


Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas (NDH-UFPel),
possui aproximadamente 100.000 processos trabalhistas dos anos de 1936 a 1990. Os
processos trabalhistas destacam-se como importante fonte de pesquisa nas mais diversas
áreas do conhecimento, possibilitando análises quantitativas e qualitativas,
principalmente pela riqueza do teor informativo de alguns autos. Neste sentido, Lobo
(2010, p. 02) salienta a importância desta fonte, que informa “não apenas acerca das
relações que se estabelecem nos tribunais, mas permitem ao investigador inquirir [...] a
respeito das relações que se processam no interior do espaço fabril, lócus de
enfrentamento cotidiano entre patrões e empregados”. O presente trabalho, por meio da
análise dos anos iniciais do acervo visa observar as condições de trabalho no interior de
uma empresa da cidade, bem como elencar alguns dos resultados quantitativos de
processos que versam e/ou tem como objeto do litígio a indenização por insalubridade e
acidentes de trabalho.

Entre os anos de 1936 a 1945, o acervo apresenta um total de 526 processos,


sendo que na análise quantitativa apenas um processo6contém como objeto do litígio a
indenização por acidente de trabalho. Na análise qualitativa, destacam-se três processos
que, apesar de não possuírem como objeto da ação a indenização por condições
precárias ou insalubres de trabalho, versam claramente sobre o tema. Neste sentido, o
processo impetrado pelo moinho de açúcar Joaquim Oliveira & Cia Ltda. ilustra esta
constatação. No referido documento, a Lei da Despedida (62/35) é objeto da
reclamação; no entanto, a análise mais detalhada do texto evidencia fortemente a
insalubridade do local de trabalho.

Em 1939, o Sr. Joaquim Oliveira dirigiu-se ao Posto de Fiscalização do


Ministério do Trabalho 7 e comunicou a demissão de seu empregado, o estivador
Antonio Jacques Duarte, por ter violado a letra “f” do art. 5º da lei 62/35, que
enquadrava ato de insubordinação do empregado no rol das justas causas para sua
demissão. Esclareceu o ocorrido em petição inicial8 declarando que “o indisciplinado
empregado” havia recusado a ordem de substituir seu colega, por alguns instantes, na
seção de moagem.

1
Aluna do curso de História-Bacharelado na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e bolsista
FAPERGS.
2
Professora Adjunta do Departamento de História e Antropologia da UFPel.
3
Aluna do curso de Licenciatura em História na UFPel e bolsista CNPq.
4
Aluna do curso de Licenciatura em História da UFPel e bolsista FAPERGS.
5
Professora Associada do Departamento de História e Antropologia da UFPel.
6
Processo do Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH/UFPel Reclamante Avelino
Tavares.
7
Processo nº 249/39 do Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas.
8
Em 18 de fevereiro de 1939, folha 02 do processo 249/39.

65
Na audiência, realizada em 9 de outubro de 1940, opostos confrontaram-se: o
patrão, Sr. Joaquim Oliveira, encontrava-se acompanhado de seu advogado, Tancredo
Amaral Braga; o empregado, Antonio Duarte, ao lado de Florindo Soares, presidente do
Sindicato dos Trabalhadores em Carga e Descargas Terrestres, do qual era associado.
Antonio Duarte tentou esclarecer o ocorrido alegando que se encontrava doente e
impossibilitado de trabalhar doze horas no local onde havia sido solicitada a
substituição, a seção de moagem ou “boca do moinho”, pois não havia ventilação e as
mínimas condições de higiene9, fato que agravaria sua doença. Em sua réplica, o chefe
da empresa afirmou que Antonio Duarte nunca apresentou atestado médico que
comprovasse sua enfermidade e que este deveria substituir seu colega por apenas alguns
instantes e não doze horas.

O presidente do sindicato, Florindo Soares, lembrou que independente das 10


horas – jornada de trabalho habitual de Antonio – ou das 12 horas em debate, pelas leis
trabalhistas o empregado não é obrigado a trabalhar mais de oito horas salvo
convenção e que no caso não existia e [...] que era impossível nem mesmo dentro das
oito horas um empregado trabalhar na referida secção, toda fechada sem entrar ar.
Para comprovar suas afirmações pediu a juntada de dois documentos: um ofício enviado
ao Centro de Saúde nº 5, órgão do Departamento Estadual de Saúde (DES) 10 ,
comunicando que a firma exigia de seus empregados uma jornada de 10 a 12 horas em
um local sem higiene e sem ventilação11; e de três ofícios12 do serviço de radiologia da
Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, que comprovavam a saúde débil de Antonio
Duarte. Em resposta ao ofício, o médico-chefe do Centro de Saúde, Hugo Brusque,
afirmou que a firma Joaquim Oliveira & Cia Ltda., em ofício enviado ao órgão em
1939, declarou que já havia tomado as providências necessárias para oferecer maior
conforto aos seus operários com iluminação e ventilação suficientes, de acordo com
Decreto 7.481/3813.

Em 14 de abril de 1941, a Junta14 considerou injusta a demissão do empregado


Antonio Jacques Duarte e condenou a empresa a indenizá-lo em 480$000. Joaquim
Oliveira & Cia Ltda. não se conformou com a decisão, por meio de “avocatória”,
solicitou a revisão da sentença.

Diante do recurso, novamente iniciaram-se as razões de defesa do sindicato, em


favor de Antonio Duarte. No decorrer do documento 15 , o sindicato afirmou que as
condições insalubres no moinho persistiam, declarando que “as portas são fechadas

9
Fato comunicado em audiência realizada no dia 9 de outubro de 1940, processo 249/39. Acervo da
Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas, NDH-UFPel.
10
Para maiores informações sobre a atuação do Departamento Estadual de Saúde, dos Centros de Saúde e
das questões relativas a saúde pública no Rio Grande do Sul ver: SERRES, Juliane C. O Rio Grande do
Sul na Agenda Sanitária Nacional nos anos de 1930-1940. Boletim da Saúde, Porto Alegre, v. 21, n 1, p.
39-50, 2007.
11
Ofício enviado em 28 de fevereiro de 1939 ao Departamento Estadual de Saúde, Centro de Saúde n° 5;
folha 11 do processo 249/39.
12
Folhas 12,13 e 14 do processo 249/39.
13
Artigos 272 e 283, § 1º, do Decreto 7.481 de setembro de 1938, Regulamento Sanitário do Estado,
Capítulo Único, Título II, Higiene industrial, Locais de Trabalho e Ventilação e Iluminação.
14
As Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto 22.132/32) eram órgãos administrativos destinados a
dirimir os dissídios individuais do trabalho. Na cidade de Pelotas a primeira Junta instalou-se em 1946,
dessa forma os dissídios eram apreciados pela justiça comum, por meio do juiz de direito. No entanto,
encontra-se a denominação “Junta de Conciliação e Julgamento” antes da referida data de instalação.
15
Folhas 18;19 do processo 249/39.

66
quando o moinho trabalha para evitar que o assucar [sic] fuja de dentro do moinho,
para a rua ou que vá para dentro do escritório deixar tudo melado, em vez de ficar
dentro do moinho ou entrar para dentro dos pulmões dos operários, que no dizer do
Sr. Joaquim, até é fortificante...[grifo nosso]”. Em 10 de junho de 194216 a decisão da
Junta de Conciliação e Julgamento foi confirmada pelo Conselho Regional do Trabalho.

O Decreto 7.481/38, regulamento do Departamento Estadual de Saúde (DES),


mencionado anteriormente, inseria-se no contexto de mudanças nas políticas sanitárias,
que se caracterizou, conforme Serres (2007, p. 46) como um projeto “médico-sanitário
que vinha sendo gestado desde os primeiros anos do século XX e que encontrou no
governo ditatorial de Vargas as condições de impor-se à sociedade”. Neste mesmo
contexto político, Nascimento (2007) destaca que, no Brasil de 1939, inúmeras eram as
normas direcionadas às relações de trabalho, que versavam sobre temas diversos como o
trabalho de menores e da mulher, a organização dos sindicatos rurais e urbanos, férias,
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, nova estrutura sindical, convenções
coletivas de trabalho, Justiça do Trabalho, salário mínimo e assim por diante.

Serres (2007, p.46), ao tratar da saúde pública nacional no período, salienta que
o governo ditatorial de Vargas, “ao mesmo tempo em que controlava os problemas da
vida em sociedade, [...], estendia o aparato estatal e legitimava, por meio de políticas
públicas e respostas sociais, um Estado não legitimado democraticamente”. No mesmo
sentido, Gomes (2002) destaca que por meio da legislação trabalhista o governo tentou
promover os direitos sociais em detrimentos dos civis. No que se refere à saúde do
trabalhador e as condições de trabalho dentro de empresas e fábricas de Pelotas,
destaca-se que apesar da existência de órgãos destinados a dirimir os conflitos das
relações de trabalho, de fiscais do trabalho e higienistas, percebe-se a ineficácia destes
em certas situações, pois apesar de autuados os estabelecimentos em condições de
trabalho irregular, essas situações persistiam, principalmente devido à falta de
acompanhamento destes órgãos. Assim, muitos trabalhadores se frustravam diante da
ineficácia ou morosidade da regularização da situação, restando-lhes alternativas
diversas que não as vias legais; sendo uma das razões para o ínfimo número de
processos na Justiça do Trabalho de Pelotas. No entanto, destacamos a relevância de
outras fontes, como a história oral, para elucidar essa questão.

Referências

LOBO, Valéria Marques. O processo trabalhista como fonte para a pesquisa histórica.
In: I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DO TRABALHO – V Jornada
Nacional de História do Trabalho, 2010, pp. 01-16. Disponível em:
http://www.labhstc.ufsc.br/globalsouth/program.htm. Acesso em: 07 abril 2010.

LONER, Beatriz Ana. O acervo sobre trabalho do Núcleo de Documentação Histórica


da UFPel. In: SCHMIDT, Benito Bisso (org.) Trabalho, justiça e direitos no Brasil:
pesquisa histórica e preservação das fontes. São Leopoldo: Editora Oikos, 2010, pp. 09-
24.

16
Folha 47 do processo 249/39.

67
BIAVASCHI, Magda B. O Direito do Trabalho no Brasil 1930-1942. São Paulo: LTr-
Jutra. 2004.

GOMES, Angela de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Ed., 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33ª ed. São Paulo:
LTr, 2007.

SERRES, Juliane C. O Rio Grande do Sul na Agenda Sanitária Nacional nos anos de
1930-1940. Boletim da Saúde, Porto Alegre, v. 21, n 1, p. 39-50, 2007. Disponível em:
www.esp.rs.gov.br/img2/v21n1RS%20na%20Agenda.pdf Acesso em: 07 abril 2011.

68
A trabalhadora e o direito à licença maternidade: processos trabalhistas da
Comarca de Pelotas (1937-1947)
Micaele Irene Scheer1, Lorena Almeida Gill2, Lóren Nunes da Rocha3, Marciele
Agosta Vasconcellos4 e Beatriz Ana Loner5
Temos como objetivo problematizar a relação das trabalhadoras com a Justiça do
Trabalho, no que tange a garantia à licença maternidade e, consequentemente, com a
saúde materna no período de 1937 a 1947. Poucas eram as oportunidades em que as
operárias falavam por si, permanecendo assim na memória e nos meios escritos
representações masculinas destas. A investigação de suas histórias nos processos
trabalhistas possibilita enxergar, entre estes entraves, a mulher como agente social,
requerendo seus direitos e explicitando seu cotidiano, transparecem também a forma
discriminatória como era – e ainda nos dias atuais vemos resquícios destas concepções –
vista a mulher como trabalhadora, mesmo durante a gravidez, situação culturalmente
entendida como a “função sagrada” da mulher.
A construção dos processos discursivos em relação às trabalhadoras, durante
vastos períodos da História, fez com que se reproduzisse até os dias atuais a errônea
concepção da mulher como sendo incapaz de se igualar aos homens no que tange aos
mundos do trabalho. Esta seria responsável pela tranquilidade do lar, reprodutora da
espécie humana, sendo o homem o responsável em manter os filhos e a esposa,
pecuniariamente. Nessita Martins Rodrigues (1979) aponta para a existência de
períodos, raros e de rápida vigência, de “adormecimento” da ideologia “patriarcal”. Um
desses períodos foi durante a Segunda Guerra Mundial, em que o trabalho feminino era
mais aceito, tendo em vista a falta da mão-de-obra masculina, direcionada para as
atividades da guerra, a partir de meados de 1942. Período que, em parte, é analisado
neste artigo. Ocorre, entretanto que as mulheres, mesmo mais facilmente aceitas nas
fábricas e locais de produção, relutavam em procurar a justiça, devido ao ambiente de
trabalho, no qual imperavam chefes autoritários e a sempre instabilidade empregatícia.
No que tange o campo jurídico, o decreto n° 16.300, de 21 de dezembro de 1923,
do Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, é apontado como a
primeira medida legal, em âmbito nacional, de caráter protecionista à mulher
trabalhadora. Deste decreto até o período analisado, foram muitas as alterações. A
Consolidação das Leis Trabalhistas (1943) compilou leis trabalhistas conquistadas a
partir de 1933. No que se refere à proteção da maternidade 6 , garantiu o direito ao
afastamento da trabalhadora durante um período de 120 dias, sendo 28 dias antes e 92
após o parto, direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a
média dos 6 (seis) últimos meses de trabalho. Tal salário representa o que se

1
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista
FAPERGS.
2
Professora Adjunta do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas.
3
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista CNPq.
4
Graduanda do Curso de Bacharelado em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista
FAPERGS.
5
Professora Associada do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas.
6
Capítulo III, Seção V, da Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de
1943.

69
convencionou denominar salário-maternidade. A manutenção do posto de trabalho e o
salário estavam garantidos por lei, assim como os deveres dos empregadores após a
licença maternidade
Quando não houver creches que atendam convenientemente à
proteção da maternidade, a juízo da autoridade competente, os
estabelecimentos em que trabalharem pelo menos trinta
mulheres, com mais de 16 anos de idade, terão local apropriado
onde seja permitido às empregadas guardar, sob vigilância e
assistência, os seus filhos no período de amamentação.7
Com o intuito de analisar o cotidiano das trabalhadoras pelotenses,
principalmente em torno da questão da maternidade, foi feita a leitura e análise dos
processos 8 entre 1937 e 1947, organizando os dados de maneira qualitativa e
quantitativa, com o fim de facilitar o acesso às informações. Percebe-se que há um
crescimento gradual e significativo, a partir de 1943, na procura reivindicatória dos
trabalhadores em favor aos seus direitos, possivelmente relacionada à popularização das
leis trabalhistas pelo Estado Novo de Vargas.
Com estes objetivos encontramos dez dissídios nos quais a principal motivação
era a reclamação pelos direitos garantidos à mãe trabalhadora. Na sua maioria, as
reclamantes eram casadas, brasileiras e operárias da Sociedade Anônima Anglo,
importante indústria pelotense do ramo das carnes e seus derivados, durante o período.
Duas mencionaram sindicatos; à seis foi concedido o direito à Justiça Gratuita; em
somente quatro casos percebe-se a presença do advogado, nestes o nome de Antonio
Ferreira Martins foi unanimidade. Somente um caso foi julgado procedente.
Estas trabalhadoras foram dispensadas, ora antes do início do repouso garantido
por lei às gestantes, ora na sua volta ao trabalho, não havendo espaço, efetivamente9,
para questionar ou flexibilizar o período de repouso. Como consta no processo de Ester
Coelho da Costa 10 , operária na seção de conserva da Sociedade Anônima Anglo,
grávida de sete meses, que se viu obrigada a repousar, pois, conforme seu médico
particular atestou, estaria com albuminúria, porém, não foi o que constatou o médico do
IAPI11, desta forma a requerente foi demitida quando retornou ao trabalho. Mesmo com
o atestado em mãos, não recebeu nenhum benefício e essa postura da indústria foi
ratificada pelo Tribunal Regional do Trabalho.
Geni Dias da Silva12, também operária na seção de conservas do Anglo, declarou
à Justiça do Trabalho que trabalhou durante dois anos e dez meses nessa indústria sendo
demitida sem justa causa e sem aviso prévio, enquanto estava grávida. Dessa forma,
solicitou o pagamento das seis semanas anteriores e posteriores ao parto no valor de
Cr.$ 1.267,20. Em sua defesa, a empresa alegou que a reclamante foi suspensa por cinco

7
Capítulo III, Seção IV, Artigo 389, Parágrafo único, da Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-
Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943.
8
Os processos plúrimos e individuais da Comarca da Justiça do Trabalho de Pelotas encontram-se no
Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas.
9
Na Lei constava a possibilidade de aumentar o período de repouso. Art. 392. §2. “Em casos
excepcionais, os períodos de repouso antes e depois do parto poderão ser aumentados de mais duas (2)
semanas cada um, mediante atestado médico, dado na forma do parágrafo anterior”. [Texto original -
Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943].
10
Processo 235/1947. Caixa 024 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.
11
IAPI. - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários.
12
Processo 21/1947. Caixa 025 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.

70
dias e, após a interferência do Presidente do Sindicato, resolveu transformar sua
suspensão em demissão, ocasião em que lhe foram pagas as devidas indenizações. Além
disso, a reclamada alegou que “a lei não veda a despedida de gestantes. Apenas veda
que, por esse motivo sejam as operárias despedidas” (fl. 04). Em audiência, a Junta de
Conciliação e Julgamento julgou improcedente a reclamatória com base no art. 391 da
CLT 13 entendendo que a reclamante foi demitida antes do período de repouso
obrigatório.
Esther Duarte de Quadros 14 , passadeira de Raphael Delias, proprietário da
Tinturaria Elite, recebia em média Cr.$ 10,00 por dia. Reclamou seus direitos, visto que
após dar à luz, seu empregador recusou-se a pagar as seis semanas anteriores e
posteriores ao parto. Sendo assim, a reclamante solicitou o pagamento dessas semanas,
na base do salário mínimo vigente à época (Cr.$ 12,00 por dia), perfazendo Cr.$ 864,00.
Esther solicitou, posteriormente, o acréscimo das indenizações por despedida sem justa
causa; pagamento do aviso prévio e das diferenças salariais. Em julho de 1947 foi
assinado o Termo de Conciliação no valor de Cr.$ 450,00. A reclamante arcou com
pagamento das custas processuais.
A Justiça do Trabalho em suas leis impunha várias limitações ao trabalho
feminino, com o suposto intuito de protegê-las, mas as privava de alguns espaços de
trabalho nas fábricas, legitimando seus baixos salários e determinando quais eram as
funções, horários e condições do espaço de trabalho. No âmbito do direito à licença-
maternidade, a Justiça normalmente indeferia os dissídios. Mostrando os subterfúgios
dos empregadores e o desamparo das trabalhadoras, mesmo com direitos previstos em
leis. Quando se optava por um acordo entre as partes, o pedido relacionado à
maternidade não era atendido. Os casos de arquivamento foram devido a não presença
da requerente, destas não sabemos as causas da desistência. Os dissídios destas
mulheres e suas motivações ao enfrentar seus empregadores no espaço público, faz com
que se possa conhecer e problematizar seu cotidiano nos espaços de produção, suas
relações com as políticas e leis trabalhistas.

Referências bibliográficas
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BASSANEZI, Carla (org.) História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997,
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constituição do fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 227.

PERROT, Michelle. Escrever uma História das Mulheres: relato de uma experiência.
Disponível em:

13
Art. 391 - Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver
contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.
14
Processo 78/1946. Caixa 021 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.

71
http://www.ifch.unicamp.br/pagu/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/pagu04.02.pdf.
Acessado em: 25 de out de 2010.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2008. p.
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RANSOLIN, Antonio Francisco. Experiências do Memorial da Justiça do Trabalho no
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Disponível em:
http://www.eeh2008.anpuhrs.org.br/resources/content/anais/1212180909_ARQUIVO_a
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RODRIGUES, Nessita Martins. A mulher operária: um estudo sobre tecelãs. São Paulo:
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SCOTT, Joan. As trabalhadoras. In: DUBY, G. e PERROT, M. História das Mulheres


no Ocidente. Lisboa: Afrontamento. 1994. p. 444-475.

72
Nos meandros da saúde escrava: um estudo da mortalidade escrava na cidade de
Pelotas, 1830/1850, Século XIX

Natália Garcia Pinto1

Corria o dia 14 de setembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo


de 1846, quando o subdelegado de Polícia de Pelotas Joaquim de Faria Corrêa recebeu a
notícia de ter aparecido na frente do portão do cemitério da cidade o cadáver de um
homem preto. A autoridade imediatamente mandou que seus subordinados
investigassem o caso, sendo produzido um corpo de delito feito pelo cirurgião-mor que
dizia ter sido encontrado:

o cadáver de um preto, que parecia ser crioulo, vestido de camisa de


chita cor de rosa, calça de algodão trançado branco, e envolvido por
um lençol de algodãozinho, tendo o dito cadáver uma ferida na
cabeça, faltando-lhe parte da carne do rosto, os olhos, as orelhas, e
polpa dos dedos do pé esquerdo, conhecendo-se visivelmente terem
sido aquelas partes do corpo sido comidas pelos ratos, talvez na noite
anterior, em qual exame nada fora encontrado que pudesse dar lugar
a suspeita de uma morte não natural. 2
Fazia parte do serviço ordinário e habitual da polícia da época “pôr em boa
forma os cadáveres encontrados nos caminhos ou nos campos, dando logo parte à
autoridade competente” (MOREIRA, 2009, p. 32). Assim, logo que recebeu parte
verbal da existência deste cadáver, o Subdelegado Joaquim de Faria Correa chamou seu
escrivão e mandou que ele intimasse dois cirurgiões e duas testemunhas para averiguar
o ocorrido. Foram estes cirurgiões que examinaram o cadáver ainda no cemitério e
redigiram o texto acima3. A questão era dirimir qualquer dúvida quando a ocorrência de
uma morte não natural, de um crime. Sendo natural o “que pertence à Natureza,
conforme a sua ordem e curso ordinário” (SILVA, 1922, p. 335). Do contrário, a
polícia teria em suas mãos um delito a investigar, um falecimento decorrente de uma
causa externa, possivelmente um ato violento.
Os peritos indicados descartaram a ferida na cabeça como causa da morte – o
que demandaria uma investigação mais minuciosa – e atribuíram aos roedores que
frequentavam o cemitério pelotense a carência de carne do cadáver. O cadáver do preto
que parecia crioulo deve ter sido desovado pelo seu senhor, querendo com isso
desonerar-se do custo de um enterro digno. Dificilmente parceiros de cativeiro
abandonariam o cadáver de um semelhante sem um tratamento adequado, o
abandonando aos rotineiros famintos habitantes do campo santo (REIS, 1991; SOUZA,
2002). A autoridade policial, após aparentar eficiência e preocupação, tratou de enterrar
o insepulto cadáver em uma cova rasa e o caso ficou esquecido (MOREIRA e PINTO,
2010; MOREIRA e PINTO, 2011).
Um dos objetivos primordiais deste texto é expor brevemente a potencialidade
dos registros eclesiásticos referentes à morte dos trabalhadores escravizados na cidade

1
Mestranda em História UNISINOS– Bolsista CNPQ
2
Auto de Exame de Corpo de Delito. Processo de número 132, Maço 4A, Estante 36. Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul, APERS.
3
Trata-se do cirurgião José Demazzine e do Doutor Justino José Alves Jacutinga e das testemunhas José
Duarte Silva e Manoel José da Costa.

73
de Pelotas, no período de 1830 a 1850, com o cruzamento de outras fontes qualitativas
como os processos-crimes e os Autos Exames de Corpo de delito. As fontes que focam
a morte de cativos (documentação policial, eclesiástica, jornais, processos crimes, etc.)
se manipuladas com rigor metodológico, sensibilidade analítica e um adequado suporte
teórico, podem ser usadas como vias de acesso ao entendimento da sociedade escravista
oitocentista (MOREIRA; PINTO, 2010, p. 2).
Pretendemos compreender em nosso estudo quais as principais causas de
falecimentos de cativos na sociedade pelotense oitocentista. De que morriam as almas
escravizadas? Morriam mais africanos ou crioulos? Quais as principais doenças que
ceifavam vidas dos trabalhadores escravizados? Deste modo, por meio dessas
indagações temos o intuito de apreendermos mais sobre esse universo das doenças e as
causas das mortes que atingiram a população escrava da localidade estudada.
Foram computados um total de 1.675 registros de falecimentos de escravos
relativos aos anos de 1830 a 1850, coletados nos Livros 1 e 2 destinados aos óbitos de
escravos da Catedral São Francisco de Paula. Essa fonte está custodiada no Arquivo da
Cúria Diocesana de Pelotas. Em relação às fontes qualitativas (processos-crimes e autos
de exame de corpo de delitos) estão preservadas no Arquivo Público do Rio Grande do
Sul (APERS).
Destacamos também em nosso trabalho, que da análise de nossas fontes não
ressaltarám apenas a questão das causas das mortes de trabalhadores escravos, mas
também contemplar o universo das relações familiares e de trabalho desses sujeitos
históricos.
Como variáveis, usamos o gênero, origem e causas das mortes. Em suma, nossa
pesquisa visa demonstrar os resultados até o dado momento computados na tentativa de
pontuarmos as singularidades da localidade apontada com relação à saúde e à morte de
homens e mulheres escravizados, trazendo à tona umas das faces da escravidão ainda
pouco conhecida na então Província do Rio Grande de São Pedro dos anos oitocentos.
A pesquisa tenta dar o entendimento das causas dos falecimentos dos escravos,
não apenas pelo viés da questão do desgaste físico ocasionado pelas extensivas horas de
trabalho que esses indivíduos estavam acoplados. Mas também relacionarmos as
doenças com as conexões entre o tráfico atlântico, o ambiente da localidade estudada,
determinados fatores biológicos, enfim um gama de fatores antes desprezados pelos
pesquisadores da escravidão. Além disso, enfatiza o outro lado da questão, de como os
escravos interpretavam as doenças que os acometiam, acionando práticas culturais
distintas para o processo de cura das enfermidades (BARBOSA, 2008; CHALHOUB,
1996). Neste ínterim, também são observados os ritos fúnebres desses indivíduos, com o
intuito de desvelar as práticas comportamentais a respeito do entendimento da morte
sob o prisma dos escravos, e não apenas destacando o olhar do homem branco sobre o
ritual de enterrar os seus entes mortos (REIS, 1991).
No tocante aos dados coligidos, percebemos uma significativa presença de
cativos africanos morrendo, em sua grande maioria, do gênero masculino. No que tange
à procedência dos escravos africanos, encontramos índices significativos de
falecimentos de indivíduos oriundos da região da África Central Atlântica, tendo como
principais grupos de origem: Angola, Congo, Benguela e Cabinda. Podemos observar
que os registros de óbitos são fontes ricas para analisarmos não apenas a morbidade da
população escrava, mas também a constituição dos laços familiares. Verificamos pelas
informações demonstradas, que o principal grupo de moléstia que ceifou vidas de
trabalhadores escravos foram às enfermidades infecto-contagiosas, seguidas das
doenças do sistema respiratório e digestivo (KARASCH, 2000; RODRIGUES, 2005;
FLORENTINO, 1997; SCHWARTZ, 1988; PETIZ, 2007).

74
Enfim, o esforço empreendido nessa investigação sobre a saúde escrava foi
de tentar explorar a fonte, mesmo estando cientes das limitações da documentação para
o exercício de examinar as doenças que acometiam esses indivíduos escravizados.

Bibliografia

BARBOSA, Keith. Escravidão, mortalidade e doenças: notas para um estudo das


dimensões da diáspora africana no Brasil. In: Anais do XIX Encontro Regional de
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FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do trafico de escravos entre a


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KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808-1850. São Paulo:
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MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Entre o deboche e a rapina: os cenários sociais da


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Tipografia Fluminense, 1922).

SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de


coroação do Rei Congo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

75
Modelos de asistencia médico-social para los trabajadores en Colombia, el caso de
la Empresa Minera el Zancudo 1865-1948
Oscar Gallo Vélez1
La Empresa Minera El Zancudo (EMZ, 1848-1948) se destacó en el panorama industrial
colombiano por los niveles y la complejidad de su producción, las novedosas estrategias
administrativas y las formas de organización del trabajo. En ese complejo escenario
industrial se puede identificar la historia del proceso de configuración de una medicina
del trabajo, de los conceptos de “enfermedad profesional”, “accidente de trabajo” y de
la legislación en este campo. Así mismo se pueden examinar las enfermedades de los
mineros, las formas de resistencia de los trabajadores, las responsabilidades, tensiones y
negociaciones para el control de los riesgos, las enfermedades y los accidentes. El
objetivo de este estudio fue analizar el proceso histórico de formación de los modelos de
asistencia médica, de intervención sanitaria y de protección de la vida de los
trabajadores de una población asociada a esta importante empresa minera. Se
consultaron fuentes que aportaran huellas sobre la minería, las condiciones sanitarias e
higiénicas, los avatares de la medicina del trabajo, la higiene y la seguridad industrial en
el ámbito regional, sobre todo rural. Los archivos consultados fueron: Archivo
Municipal de Titiribí, Archivo Histórico de Antioquia, Correspondencia e informes de
la Empresa Minera el Zancudo (BLAA), Sala de Historia Facu ltad de Medicina de la
Universidad de Antioquia, Archivo Central e Histórico de la Facultad de Minas,
Hemeroteca Nacional (colección de Tesis de la Facultad de Medicina de la Universidad
Nacional de Colombia), colecciones patrimoniales de la Biblioteca Central de la
Universidad de Antioquia.
Mediante un sistemático análisis de todo el material disponible para el periodo de
funcionamiento de la EMZ (1865-1948) se pudo observar las fracturas y
discontinuidades en las formas de asistencia en salud. Se constató la materialización de
varios modelos de asistencia médica para los trabajadores: el de 1865 a 1904,
caracterizado por un modelo en el que se enlazan caridad pública y beneficencia privada
dedicadas casi exclusivamente a enfrentar las epidemias y las necesidades propias de la
pobreza, aunque hubo casos esporádicos de atención médica para los mineros
accidentados o enfermos en el Hospital de Caridad. Del anterior modelo se avanzó en el
siglo XX hacia un servicio médico de la empresa minera (1905-1912) para los
trabajadores y sus familias. Durante ese periodo Miguel María Calle, médico de la
EMZ, realizó sus aportes al conocimiento de la anquilostomiasis y la EMZ emprendió
una transcendental campaña de profilaxis. En este segundo periodo la atención de los
trabajadores por el servicio médico de la empresa dependió mucho del Hospital de
Caridad del distrito cercano de Titiribí. Cierta amalgama entre los respectivos servicios
médicos del Distrito y de la Empresa muestra que los límites entre lo privado y lo
público eran aún muy borrosos en materia laboral y que la empresa no había asumido
plenas responsabilidades en la salud de los trabajadores. Los alcances de la
responsabilidad privada en la salud de los trabajadores estaban en el debate entre
diferentes dirigentes de la empresa. Un tercer periodo comienza con la organización del
Departamento Sanitario de la EMZ en 1912 y termina con su cierre en 1924. Este
periodo es el de la consolidación de un modelo empresarial de asistencia en salud para

1
Historiador y Magíster en Historia de la Universidad Nacional de Colombia. Actualmente estudiante del
doctorado en Historia de la Universidad Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil) en la línea de
investigación Trabajo, Sociedad y Cultura. Becario de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior –CAPES. Investiga la historia de la medicina del trabajo en Colombia. Correo electrónico:
oscargallovelez@gmail.com

76
los mineros jalonado por la creación del Hospital de la empresa y por la entrada de
prácticas de laboratorio en la práctica clínica y diagnóstica del servicio médico. La crisis
económica de la mina hizo que el Departamento Sanitario fuera cerrado en 1924 y los
trabajadores comenzaran a ser atendidos de nuevo en el Hospital del distrito. El cierre
definitivo de la mina fue en 1948. La documentación del periodo 1924-1948 mostró
grandes cambios en la relación salud y trabajo que hicieron emerger nuevos modelos de
salud para los trabajadores basados en la legislación laboral nacional y en la ampliación
de las ofertas médicas. En el lugar de un servicio médico centralizado dependiente de la
empresa se instalan numerosos oferentes de productos de salud, lícitos e ilícitos, las
empresas mineras subcontratan la atención médica de los trabajadores, el Hospital del
distrito se vuelve un oferente de salud entre muchos otros. Además, al final de este
cuarto periodo (1937-1945) surgió el movimiento sindical de los mineros en cuyas
reivindicaciones siempre estaba la del derecho a la salud, representada en la exigencia
de atención médica gratuita para los trabajadores y sus familias. Las tensiones entre el
movimiento sindical, los patronos y las autoridades locales en esa zona minera
desembocaron en el acuerdo de establecer el Reglamento Interno de la Arrendataria El
Zancudo y en las peticiones de los trabajadores de la pequeña minería, donde ya se ven
claramente enunciados deberes y derechos de los trabajadores y de la empresa. Un
ejemplo es el del respeto del derecho de cada trabajador a enfermarse, a ser protegido y
asegurado durante la enfermedad y a restablecer su salud. El historiador Pedro Laín
Entralgo lo resume como el paso “del acto de beneficencia al acto de justicia” (Martínez
e Tarifa, 168).
El itinerario por los avatares de la instauración de diferentes modelos de asistencia en
salud en la EMZ (1865-1948) permite observar tanto las fracturas y discontinuidades en
las formas de configuración de la seguridad social, la emergencia de un discurso sobre
la higiene industrial y “la medicina del trabajo”, como la aparición de nuevas
sensibilidades sobre el cuerpo del trabajador en Colombia. El conocimiento de este tipo
historias locales es esencial en la comprensión de los procesos históricos de
conformación de una medicina del trabajo y de configuración de la seguridad social.
Cuando se analiza las particularidades de estas acciones y se contrasta con otras formas
de asistencia médica o social a los trabajadores en el ámbito nacional e incluso
internacional es posible observar cómo se inscriben en un contexto más amplio de
sensibilización ideológica frente a la vulnerabilidad de la población trabajadora, las
condiciones de trabajo y la incidencia de las enfermedades profesionales.

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79
O Cadáver de um preto escravo, vestido de mortalha: descrição da população
cativa da capital da Província do Rio Grande de São Pedro através de seus
registros de óbito (Porto Alegre / 1800/1888)

Paulo Roberto Staudt Moreira1; Giane Caroline Flores2 ; Thaís


Bender Cardoso 3

Pretendemos nesta comunicação apresentar alguns dados de parte do projeto


intitulado “Curadores de Feitiços, Adivinhações, Mandingas: Saúde e Doença na
formação social escravista meridional (Porto Alegre / século XIX)”. As fontes que
focam a morte de cativos (documentação policial, eclesiástica, jornais, processos
crimes, etc) se manipuladas com rigor metodológico, sensibilidade analítica e um
adequado suporte teórico, podem ser usadas como vias de acesso ao entendimento da
sociedade escravista oitocentista. Mesmo que outras fontes empíricas tenham sido
acessadas para complementar e densificar a pesquisa, centraremos a lente de nossa
investigação nos registros de óbitos de cativos da capital da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul, entre 1801 e 18884.
Custodiados pelo AHCMPA os registros de óbitos de escravos nos trazem
informações diversas sobre a população negra local: origens (grupos de procedência),
cores, faixas etárias, rotas de tráfico, relações familiares, causas das mortes. A
metodologia de acesso a estas fontes e as informações que possui embasou-se na
transcrição paleográfica dos registros e da inserção dos mesmos em um banco de dados.
Durante a vigência do escravismo, a circunscrição eclesiástica de Porto Alegre
comportou cinco paróquias, nas quais foram registrados batismos, casamentos, óbitos e
outros documentos relativos a gestão espiritual daquele território. Eram elas: 1 – Nossa
Senhora de Belém (1831), 2 - Menino Deus (1884), 3 – Nossa Senhora das Dores
(1859), 4 – Nossa Senhora do Rosário (1844) e 5 – Nossa Senhora Madre de Deus
(1772). Das cinco paróquias acima, já encerramos a coleta de dados dos óbitos de quatro
delas, restando apenas a de Nossa Senhora Madre de Deus, a Catedral.
Explanar um pouco sobre os registros desta paróquia talvez torne mais
compreensível o projeto como um todo. Até o momento encerramos a pesquisa em
cinco livros de registros de mortes escravas, que abrangem o período de 1801 a 1856,
num total de 8.106 indivíduos falecidos nesta paróquia. Incluímos e já terminamos
também o levantamento do único livro de registro de óbitos de ingênuos desta paróquia.
Como se sabe, foram chamados de ingênuos os filhos de mães escravas nascidos após a
lei de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre. Esse livro abarca o

1
Professor UNISINOS, Doutor UFRGS - Contato/email: staudt@unisinos.br
2
Instituição: UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Tipo de Bolsa: UNIBIC – Bolsa de Iniciação Científica da UNISINOS
Contato/email: giane-flores@yahoo.com.br
3
Instituição: UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Tipo de Bolsa: PIBIC – CNPq/UNISINOS
Contato/email: thathabender@hotmail.com
4
Estes registros são custodiados pelo Arquivo da Cúria Metropolitana de Porto Alegre, (AHCMPA),
localizado na Rua Espírito Santo, nº 95 - 90.010 - Porto Alegre/RGS e atualmente podem ser acessados
no site: https://www.familysearch.org/

80
período de 1871 a 1885 e possui 329 anotações. Mesmo que as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia (1707) determinassem a existência de livros próprios para os
registros eclesiásticos de livres e escravos, as autoridades religiosas locais agiam de
acordo com suas consciências e condições materiais particulares. No caso específico da
Paróquia de Nossa Senhora Madre de Deus, de Porto Alegre, os párocos registraram os
cativos em livros específicos até o ano de 1856 e depois, inexplicavelmente, livres e
escravos passaram a compartilhar os mesmos códices. Assim, para que tenhamos em
mãos o total de óbitos de escravos (e ingênuos) de Porto Alegre entre 1801 e 1888, nos
falta apenas o levantamento dos falecimentos de cativos pinçados nos códices de livres
da paróquia da Catedral, entre 1856 e 1888.
O estudo da morbidade de uma sociedade 5 tem se baseado, entre outros
documentos, nos registros de óbitos. Como já percebemos, realmente estes documentos
são riquíssimos em informações, mas temos que nos prevenir de alguns estorvos. Um
dado irritante dos registros de óbitos é a heterogeneidade das anotações de falecimento,
sendo que os dados constantes parecem estar sob o absoluto capricho dos párocos que
as confeccionavam. Assim, existem dados como causa da morte, idade do falecido, etc.,
que às vezes constam e outras não, não havendo contínua homogeneidade.
Devemos ainda mencionar que a informação sobre a causa da morte nos trouxe
alguns momentos de insatisfação, mas que isso não deve ser atribuído somente aos
religiosos. Entre as causas das mortes, muitas são evidentemente referências a sintomas
aos quais os médicos não tinham condições de diagnosticar a que doenças pertenciam,
seja por incompetência profissional ou descaso (ou desconhecimento mesmo!) – como
diarreia, por exemplo. 6 Como veremos abaixo, muitas das crianças nem chegaram a
receber qualquer atendimento médico, sendo provável que a classificação da causa da
morte tenha sido feita por hábitos cotidianos de medicina popular. Ou então, a causa da
morte é mal definida ou genérica demais para abalizar qualquer estudo, como
falecimentos causados por moléstia interna, dor, moléstias crônicas, repentinamente,
etc.
O processo de coleta dos dados dos registros de óbitos tem seguido uma
padronização relativamente simples em termos de planejamento:
1º - Fotografia dos livros originais no AHCMPA;
2º - Transcrição paleográfica dos registros manuscritos;
3º - Indexação dos dados colhidos em um uma planilha excell;
Esta planilha comporta colunas com a data, nome, sexo, origem (grupo de
procedência), cor, dados gerais, idade, faixa etária, nome da mãe, dados sobre a mãe,
nome do senhor, dados sobre o senhor (geralmente itens de distinção), nome do pai,
causa da morte, tipo de doença, folha do livro, observações, sacramentos recebidos,
padre que procedeu a cerimônia, referência documental, etc.
Cruzando alguns trabalhos referidos na bibliografia abaixo (COSTA / 1976,
KARASCH / 2000, PETIZ/2007, SOUSA/2003), com dicionários de médicos
contemporâneos àqueles falecimentos (como Pedro Luiz Napoleão Chernovitz e
Theodoro Langaard), estipulamos uma classificação das doenças e causas mortes, para
que a diversidade das mesmas pudesse ser apreendida como variável explicativa. Tendo
em vista os limites possíveis da proposta desta comunicação deixamos para explanar
mais minuciosamente sobre a pesquisa no momento da apresentação, caso aceita a
presente solicitação.

5
Morbidade: “De maneira geral, o conceito está relacionado ao estudo das doenças, enfermidades ou
moléstias de uma população”. NADALIN, 2004: 172.
6
Sobre medicina, recomendamos: WEBER, 1999 e WITTER, 2000.

81
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de escravos (1788-1822). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
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82
O Homem e a História de suas Doenças

Paulo Sergio Andrade Quaresma1

[...] fica-se bastante inclinado a crer que


com facilidade se faria a história das
doenças humanas seguindo a das
sociedades civis. [Discurso sobre a
desigualdade.
Jean-Jacques Rousseau.]

No cosmo dos eventos humanos e históricos, duas certezas – reais e


verdadeiras – permanecem intactas, desde a aurora dos tempos: os homens nascem e os
homens morrem. Mas, o sentido e o processo do nascer e do morrer não podem ser
considerados imutáveis ou estanques, porque o desenvolvimento e as transformações
processadas pelas sociedades, ao longo das eras, têm demonstrado que as atitudes e as
percepções dos indivíduos diante desses dois fenômenos sofreram mudanças profundas
e drásticas. Além desses fatos, é reconhecível que se os indivíduos não morrem nas
guerras, nos acidentes, durante o parto, de velhice ou de causas naturais, fatalmente,
sucumbirão em consequência das sequelas e da evolução de enfermidades parasitárias,
crônicas ou malignas, mas, principalmente, aquelas de caráter infecto-contagioso. As
principais causas de doenças que podem levar ao óbito – se não tratadas
convenientemente –, destacam-se: as bactérias, os fungos, os protozoários e,
notadamente, os vírus.
Da identificação dos agentes parasitários, crônicos e infecciosos, assim
como a descoberta de vacinas e antibióticos necessários para combater as doenças,
transcorrera um longo caminho, constituído pelo afinco e pelo trabalho de cientistas e
pesquisadores que, bravamente, contestaram e lutaram contra o tradicionalismo, as
superstições, os dogmas e o amadorismo em prol da ciência e da saúde pública. A
batalha travada entre esses atores e a incidência de patogenias contagiosas, verificadas
durante a eclosão de epidemias, produzem ações e episódios que inferem e se refletem
no cotidiano, no ritmo e na história das sociedades.
Portanto, ao lado da identificação, da nomeação e da classificação das
patogenias que transitam ao redor do homem, interferindo na sua saúde através de
diferentes patologias, existe uma história das doenças revelada através do depoimento
dos pacientes, do registro médico-hospitalar, das estatísticas oficiais, dos discursos
político-midiáticos, perpassando, inclusive, pela literatura, iconografia e outros tipos de
linguagens e expressões. O historiador Jacques Le Goff faz o seguinte comentário com
relação a esse amálgama: “É uma história dramática que revela através dos tempos uma
doença emblemática unindo o horror dos sintomas ao pavor de um sentimento de
culpabilidade individual e coletiva” (LE GOFF, 1991: 8). Se no passado, as doenças não
suscitam o interesse dos estudiosos, que de forma errônea e equivocada, são
pressentidas como desvio do curso normal dos acontecimentos e não tendo um papel
decisivo na história, as pesquisadoras Anny Silveira e Dilene Nascimento defendem
que: “Hoje, podemos falar de um campo de história das doenças, constituído por

1
Mestre em Letras (FURG). Aluno do curso de Mestrado em História da Universidade Federal de Pelotas
(RS). Bolsista da Capes.

83
“histórias” que, adotando perspectivas diversas, representam importantes contribuições
ao trabalho de reflexão sobre o papel das doenças na história” (SILVEIRA,
NASCIMENTO, 2004: 16).
Em parte, esse conhecimento é obtido porque os escritos e os registros
materiais expressam que as doenças crônicas e infecciosas surgem em paralelo a
importantes acontecimentos históricos, determinando ou conduzindo, em alguns casos,
o desfecho desses episódios. Nesse ínterim, é relevante lembrar que durante milênios as
doenças contagiosas, chamadas de pestilências, causaram mais vítimas que os principais
conflitos armados. Ademais, é possível afirmar com base no pensamento das
pesquisadoras Anny Silveira e Dilene Nascimento, que as doenças modificam o ritmo
de vida das pessoas, haja vista que:

[...] a doença é um fenômeno que a ultrapassa e a representação


não é apenas um esforço de formulação mais ou menos coerente
de um saber, também interpretação e questão de sentido. A
interpretação coletiva dos estados do corpo coloca em questão a
ordem social, revela-nos as relações existentes entre o biológico
e o social. Por meio da saúde e da doença temos acesso,
portanto, à imagem da sociedade e de suas imposições aos
indivíduos (SILVEIRA; NASCIMENTO, 2004: 29).

A história das doenças alcança repercussão e expressividade no campo


científico das pesquisas graças aos benefícios resultantes da expansão e da
transitoriedade dos rígidos domínios da história. Outrossim, claramente, desde o último
quartel do século XX, os novos objetos, problemas e abordagens elencados pelos
teóricos e estudiosos concedem um fôlego renovado aos estudos históricos relacionados
com as doenças. De acordo com Jacques Le Goff, esse cenário é possível e fora
solidamente construído nas décadas passadas, principalmente, porque a “doença
pertence não só a história superficial dos progressos científicos e tecnológicos como
também à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às
instituições, às representações, às mentalidades” (LE GOFF, 1991: 8).
Ao se retroceder no tempo, constata-se que as questões e os discursos
relativos ao binômio saúde-doença não podem ser observados e entendidos da mesma
maneira ao longo do tempo, pois os estudos demonstram que as sociedades apresentam
particularidades e especificidades em relação a esse fenômenos que as distinguem. Esse
fato exige uma interpretação variada por parte do historiador no manuseio de temas e
conceitos relacionados com a medicina, a epidemiologia, a transmissibilidade viral e,
principalmente, a saúde pública.
Assim, por meio dos componentes infecto-patogênicos é possível constituir um
campo teórico-metodológico no qual a história do homem e das sociedades possa ser
reconstruída. Seguindo essa linha de pensamento, é possível perscrutar, acompanhar e
analisar o passado a partir da evolução das doenças que acometem alguns indivíduos em
particular ou toda população num dado momento, porque os grupos sociais agem e
reagem diante das crises através de maneiras e atitudes distintas. Em consonância a essa
concepção, é oportuno trazer as palavras de Jean-Charles Sournia ao defender a ideia
“que as doenças têm apenas a história que é atribuída pelo homem. A doença não tem
existência em si, é uma entidade abstrata a qual o homem dá um nome” (SOURNIA,
1991: 359). Portanto, os fatos e os acontecimentos associados às doenças produzem e
agregam uma historicidade que se difere no tempo e no espaço, conforme a
peculiaridade e a particularidade de cada época, sociedade e homem.

84
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2003.

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SOURNIA, Jean-Charles. O homem e a doença. In: LE GOFF, Jacques. (org.). As


doenças têm história. Lisboa: Terramar, 1991.

85
Magia e ciência a serviço da cura: uma análise dos saberes e das práticas
terapêuticas em tratados médicos dos séculos XVII e XVIII.
Roberto Poletto1

Resumo

Introdução

Esta comunicação contempla resultados da minha participação como bolsista de


Iniciação Científica PIBIC-CNPq, junto ao projeto “Medicina e Missão na América
meridional: Epidemias, saberes e práticas de cura (séculos XVII e XVIII)”, coordenado
pela Profª Drª Eliane Cristina Deckmann Fleck, do Programa de Pós Graduação em
História da Unisinos. Minha inserção no projeto se deu em fevereiro de 2010, através do
subprojeto “Saberes e Práticas de Cura: Entre a Magia e a Ciência (séculos XVII e
XVIII)”, que enfoca, especialmente, a análise de tratados de medicina que integravam os
acervos das boticas e das bibliotecas dos colégios, residências e reduções das Províncias
da Companhia de Jesus na América meridional, bem como daqueles manuais e
receituários que foram produzidos por irmãos enfermeiros e jesuítas médicos. Dentre os
manuais relacionados em inventários feitos à época da expulsão dos jesuítas da
América, destaco Principios de Cirugia, de Ayala, Medicina Practica de Guadalupe, de
Sanz de Dios e Medicina y Cirugia Domestica, de Borbon – o que parece evidenciar o
uso dos mesmos por parte dos missionários europeus, e atestar, também, a circulação do
conhecimento médico, assim como a continuidade das práticas observadas nesses
tratados. Impregnados de saberes mágico-rituais ou populares e fundamentados na
teoria hipocrático galênica, esses tratados serão aqui cotejados com a Materia Medica
Misionera, obra escrita por volta de 1710, pelo irmão jesuíta Pedro Montenegro, que
após estudar Medicina no Hospital General de Madri, ingressou na Companhia de
Jesus.

Objetivos

Dentre os objetivos deste subprojeto estão os de identificar quais eram as concepções de


saúde e de doença vigentes na Europa nos séculos XVII e XVIII, e, ainda, quais eram os
saberes médicos e as terapêuticas curativas utilizadas neste mesmo período, a partir da
análise de Tratados de Medicina do período, bem como o de avaliar a aplicação e as
possíveis adaptações desta visão e destes procedimentos de cura nos Tratados
produzidos por missionários jesuítas nas diversas Províncias da Companhia de Jesus na
América meridional, em especial, no século XVIII.

Metodologia

Para nos familiarizarmos com a temática do projeto maior, realizei leituras de obras que
me possibilitassem entender as concepções de saúde e de doença, dentre as quais
destaco LE GOFF (1984), BLOCH (1993) e THOMAS (1991, 1996). Estes autores me

1
Graduando da Unisinos e bolsista PIBIC.

86
puseram em contato, também, com a História da Medicina e me permitiram constatar a
presença significativa e concomitante dos pressupostos hipocrático-galênicos e dos
saberes e práticas curativas populares neste período. Tendo em vista a análise dos
Tratados de Medicina foi necessária uma familiarização com termos médicos e com a
própria evolução da ciência médica e farmacêutica, razão pela qual recorri à leitura de
FURLONG (1947), MARTIN e VALVERDE (1995), MAÑE GARZÓN (1996),
GESTEIRA (2004), BELLINI (2005) TERRADA (2007) e FLACHS e PAGE (2010). A
análise de cada Tratado foi qualitativa, a partir de categorias previamente definidas. As
informações recolhidas foram armazenadas em um banco de dados, o que facilitou a
sistematização e a realização de análises comparativas que vêm sendo apresentadas em
Mostras de Iniciação Científica e em artigos de divulgação.

Resultados

A análise da Materia Medica Misionera revela que os conhecimentos apreendidos por


seu autor durante sua formação em Medicina na Europa influenciaram
significativamente a composição da obra. A centralidade da teoria hipocrático-galênica
fica evidenciada na aplicação do pressuposto de que as doenças deveriam ser tratadas
sempre pelo seu contrário, ou seja, doenças frias receberiam tratamentos quentes e vice
e versa. Também a classificação de todas as plantas descritas a partir de critérios como
seco e úmido ou quente e frio revela a aplicação dos princípios da teoria dos humores:
“Quatro son las qualidades, calor, humedad, frialdad y sequedad, en cada una de estas
se cuentan quatro grados, y los simples de q.e se trata en este libro tienen de estas
qualidades y sus grados en elas; calientes, humedos, frios; y secos; y rara vez se
hallara simple de sola una qualidade [...]” (MONTENEGRO, [1710], 1790,
advertências necessárias). As situações adversas enfrentadas pelos missionários, tais
como as frequentes epidemias e a dificuldade de acesso aos medicamentos tradicionais,
determinaram uma necessária – e cada vez mais eficiente e rigorosa – observação da
natureza que circundava as reduções e os colégios da Companhia, promovendo a
introdução de plantas medicinais nativas na composição dos remédios, como se pode
constatar na menção que o irmão jesuíta faz ao “ceibo: “ese remedio usa muchas veces
el tigre para refrigerar el ardor de sus uñas embenenadas [...] con lo qual se refresca y
queda muy ligero para sus cacerias y pesca]”. (MONTENEGRO SJ. [1710], 1790, p.
55). A importância que os padres jesuítas passaram a dar aos saberes indígena é
evidenciada em uma passagem em que Montenegro fala das qualidades do “bejuco ou
ipecaquahana: “[...] a todos aquellos q.e an dado yerbas o bocado q.e desahumando
ve con raices y bastagos reciben grande alibio en sus congojas maiormen.te aquellos
que toman certa cantidad de su cosimen.to segun estoy informado de barios medicos
índios los mas capaces.” (MONTENEGRO SJ. [1710], 1790, p.85). A conjugação de
saberes e práticas terapêuticas e, sobretudo, a busca cada vez maior do rigor na
experimentação e da aplicação de novos conhecimentos farmacêuticos, não impediu que
Deus ainda fosse colocado como o centro de onde irradiava todo o conhecimento,
inclusive, no campo médico, o que leva o irmão jesuíta afirmar que “[...] aquel Sumo
Architecto fabricador de cielos e tierra, luego q.e formo al hombre; conociendo su
flaquessa y enfermidades, a las cuales habia de estar sujeto: como Padre piedoso nos
enseño y cada dia nos enseña los remédios para ellas” (MONTENEGRO, SJ. [1710],
1790, Prólogo). A obra parece revelar o que se constituía a prática, tanto na Europa,
quanto na América: a concomitância de práticas racionais e mágico rituais, que, ao
invés de se anularem, somavam-se no combate às doenças, ainda tão deficitário no
século XVIII

87
Referências Bibliográficas

MONTENEGRO, Pedro. Matéria Médica Misionera. [1710], 1790 (manuscrito)


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89
“NO HAY MAL QUE POR BIEN NO VENGA”: um estudo dos necrológios das
Cartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai (1645-1662)

Tarcila Nienow Stein1

Nesta comunicação, apresento os resultados parciais de minha participação


como bolsista FAPERGS – desde fevereiro de 2011 – no subprojeto “O cristão no
espelho da morte: uma análise dos necrológios das Cartas Ânuas do século XVII e
XVIII”, que integra o projeto “Medicina e Missão na América meridional: Epidemias,
saberes e práticas de cura (séculos XVII e XVIII)”, coordenado pela Profª. Dr.ª Eliane
C. D. Fleck. Para uma familiarização com os temas do projeto e para uma compreensão
dos propósitos da atuação missionária da Companhia de Jesus, busquei os trabalhos de
FRANZEN (2008), FLECK (2004) e EISENBERG (2000), e para ter presente as
percepções de morte e de salvação vigentes nos séculos XVI e XVII, recorri às obras de
DELUMEAU (1990), LE GOFF (1984) e ARIÉS (1982).
Como atividade de pesquisa inicial, me coube a leitura das Cartas Ânuas da
Província Jesuítica do Paraguai produzidas pelos jesuítas em missão na América,
referentes ao período de 1645 a 1662. Tendo em vista os objetivos do subprojeto,
priorizei a análise dos necrológios, tópicos das Ânuas que se detém no relato das mortes
de missionários jesuítas.
Sobre os necrológios, cabe a advertência de que integram uma documentação
produzida pela Companhia de Jesus e para a Companhia de Jesus, devendo-se, por isto,
estar atento à finalidade destas fontes, e, sobretudo, para a sua condição de relato
edificante. Essa condição explica o tipo de discurso encontrado nas Cartas e a forma
como são relatadas as mortes destes jesuítas, com ênfase em suas virtudes e para atitude
demonstrada diante da morte iminente. Para a análise dos necrológios presentes nestas
Cartas foi fundamental a familiarização com alguns documentos fundacionais da
Companhia de Jesus – como os Exercícios Espirituais –, fundamentais para
compreender o entendimento que os jesuítas tinham do martírio e da santidade. Afinal,
o exemplo a ser seguido pelos demais cristãos e missionários, era o de uma vida de
doação, de virtude e encarada com destemor e de forma resignada diante das privações.
Ao concluir a leitura, sistematizei as informações qualitativas (privilegiando
temas com a boa morte, o martírio e os sacramentos administrados aos moribundos) e
tabulei as quantificáveis referentes aos cinqüenta padres falecidos que mereceram a
atenção dos padres relatores das Cartas Ânuas. Para a elaboração das tabelas, foram
consideradas informações como o nome, a idade, o tempo de Companhia, a redução em
que se encontrava ao falecer e a causa da morte.
Os aspectos acima referidos podem ser observados na Carta de 1647-1649, na
qual encontramos uma passagem que evidencia que, após sua morte, o Irmão jesuíta
Claudio Flores receberia grande honra. Abaixo, segue o trecho que selecionamos da
Ânua:
“[...] Al correr la noticia de la muerte del Padre, todo el mundo le
apellidó mártir, y habló con el mayor respecto de él, diciéndose que era un varón de
una virtud acabada, lleno de Dios y de un insaciable deseo de ganar almas para Cristo,
nuestro Señor, um espíritu emprendedor irresistible cada vez cuando se trataba de
promover la gloria de Dios.” (grifo meu) (C.A. [1647-1649], 1928, p. 62).

1
Graduanda do 6º semestre de História pela Unisinos. Bolsista PROBIC-FAPERGS

90
Como pude constatar, ao analisar estas Ânuas, morrer em martírio ou em razão de
qualquer outra privação (de alimento, por exemplo), não era algo assim tão temido pelos
padres – jovens ou já com idade avançada –, na medida em que entendiam que todo o
sofrimento enfrentado se reverteria numa morte gloriosa, como pode-se perceber neste
excerto da Carta Ânua acima referida:
“Murió en este colegio en 1647 el Padre José Quevedo, natural de
Córdoba del Tucumán, a la edad de 26 años, apenas acabados los estudios teológicos.
Era muy devoto de María Santísima, de su virginal esposo, y de nuestros Santos, en
cuyo honor había prometido ayunar en las vísperas de su fiesta a pan y agua. Así
preparado no era de admirar, que sin miedo esperase la muerte.” (grifo meu) (C.A.
[1647-1649], 1928, p. 07).
Dentre as referências à administração de sacramentos, me detive, em especial, na
extrema unção, que consiste na preparação da alma do indivíduo para o seu passamento.
Nas Ânuas, esta prática aparece referida, tanto aos padres, quanto aos indígenas, estando
associada à crença de que este procedimento garantiria a “boa morte”. Para ilustrar este
procedimento, apresento, primeiramente, uma situação em que um índio procura o padre
para que o sacramento fosse administrado:
“Otro semejante caso hubo, en que un matrimonio indio, después de
haber consultado inutilmente a los hechiceros para alcanzar la salud de su hijo ya
grande, contra su costumbre llamaron al sacerdote, el cual, fracasado el arte de
Hipócrates para salvar la vida temporal, le procuró la vida eterna, disponiéndolo para
recibir los sacramentos, y sanar con la sangre de Cristo.” (C.A. [1647-1649], 1927,
p.12 ).
A unção poderia, em alguns casos, salvar não apenas a alma do indígena, mas
restituir a saúde daquele que se encontrava enfermo, como se pode constatar neste
trecho que reforça a compreensão que os missionários tinham deste sacramento:
“Había un indio, el cual estaba muriéndose, y sin embargo tenía
miedo de recibir la Extrema Unción, porque pensaba que esto le mataría. Nuestro
Padre le quitó esta ignorancia, enseñándole que este sacramento era útil como
remedio. Dejó el índio administrárselo, y realmente, apenas acabado el sacerdote, se
mejoró y sanó, conociendo toda esta pobre gente que la Extrema Unción no era
mortífera, sino muy saludable para cuerpo y alma.” ( grifo meu) (C.A. [1647-1649],
1928, p. 08).
Mas, cabe ressaltar que, muitas vezes, este era o último recurso a ser
administrado, tanto aos nativos, quanto aos próprios padres da Companhia, como forma
de preparação para o descanso final:
“Era un hombre muy piadoso y mortificado, y muy fiel en el
cumplimiento de sus votos, y nadie le pudo sorprender en una falta contra ellos. [...].
Se le administraron los últimos sacramentos, después de lo cual decayó de fuerzas
rápidamente, y pronto murió.” (grifo meu) (C.A. [1652-1654], 1928, p. 15).
No momento, venho me dedicando à investigação das possíveis relações entre faixa
etária, condições climáticas das regiões de atuação missionária e os índices de
mortalidade, bem como das atitudes dos missionários diante da morte referidas nos
necrológios.

Referências
Fontes

91
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Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.
CARTAS ÂNUAS DE LA PROVINCIA DEL PARAGUAY (C. A). Anõs 1652-1654.
Tradución de Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires, 1928. Tradução Digitada, São
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Tradución de Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires, 1928. Tradução Digitada, São
Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.
CARTAS ÂNUAS DE LA PROVINCIA DEL PARAGUAY (C. A). Anõs 1660-1662.
Tradución de Carlos Leonhardt, S.J. Buenos Aires, 1928. Tradução Digitada, São
Leopoldo, Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994.

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LE GOFF, Jacques. O nascimento do purgatório. Madri, Editora Taurus, 1989.

92
História Oral de Vida e Saúde Mental em Pelotas, RS

Tiago Neuenfeld Munhoz1

O campo da saúde mental no Brasil vem ampliando suas formas de atuação.


Através da modificação na compreensão e entendimento do fenômeno dos transtornos
mentais, efetua sistemáticas mudanças na forma de legislar e atuar neste campo.
A Reforma Psiquiátrica (RP) no Brasil vem impulsionando a
desinstitucionalização da loucura através do redirecionamento das formas de atuação no
sistema de saúde – especialmente no sistema público. Esta reforma tem como objetivo
principal a reintegração do portador de transtorno mental grave ou persistente no
conjunto da sociedade, visando sua integração com o meio social através das relações
sociais cotidianas na família, no bairro, na cidade, no trabalho e como cidadão com
direitos.
Entende-se a RP como “[...] um conjunto de iniciativas de cunho político,
social, legislativo e cultural que visavam modificar a situação e tecer alternativas” à
organização da assistência e a compreensão do campo da saúde mental (GOULART,
DURÃES, 2010, p. 113). Esse movimento é resultado de diversas concepções,
representações e relações de poder produzidas historicamente pela sociedade e as
instituições frente ao fenômeno da loucura. Apesar de transformações no
redirecionamento da atenção em saúde mental, os padrões culturais, sociais e históricos
entre sociedade, os sujeitos com sofrimento psíquico e o fenômeno da loucura,
continuam trazendo estigmas, relações assimétricas e processos de exclusão para as
pessoas acometidas pelo transtorno mental (NUNES; TORRENTÉ, 2009).
Diversas pesquisas que analisam o campo da saúde mental no Brasil vêm
sendo desenvolvidas nos últimos anos, porém, é limitada a produção acadêmica sobre
história oral de vida de sujeitos com sofrimento psíquico. Podemos encontrar pesquisas
sobre história oral com uma diversidade de sujeitos (JOSSO, 1999; CARVALHO,
COELHO, 2005; GULLESTAD, 2005; DELORY-MOMBERGER, 2006; PINEAU,
2006; BENITES, BARBARINI, 2009; GALVANI, BARROS, 2010).
Diferentes trabalhos são produzidos sobre história e sua relação com o
fenômeno da loucura(HUMEREZ, 1994, 1996, 1998, 2000; ENGEL, 2001, 2008;
PORTOCARRERO, 2002; WADI, 2002, 2006, 2009; VIEIRA, 2005; SANTOS, 2005;
WEYLER, 2006; VASCONCELLOS E VASCONCELLOS, 2007; MENEGHEL, 2007;
FACCHINETTI, RIBEIRO, MUÑOZ, 2008; SILVA, SANTOS 2009; NUNES,
TORRENTÉ, 2009;).
A história singular de indivíduos com sofrimento psíquico, dentro da
metodologia de história oral de vida, será resgatada neste trabalho com o objetivo de
entender as histórias de vida e as relações destas histórias com o sofrimento psíquico de
usuários dos serviços de saúde mental em Pelotas, RS. O processo de (re) construção
das narrativas sobre as histórias de vida desses sujeitos pode fornecer nova compreensão
sobre as relações entre a sociedade e os indivíduos com sofrimento psíquico. Nessa
perspectiva, serãoapresentadas três histórias de vida de usuárias dos centros de atenção
psicossocial.

1
Mestrando em Ciências Sociais – UFPEL

93
A colaboradora 01 é solteira, tem 55 anos e tem 5 filhos. Frequenta o serviço a
11 anos. Viveu uma infância “muito boa apesar do meu pai ser alcoolista”. Sofreu
violência física do marido durante mais de 10 anos e de acordo com a sua narrativa, este
fato é responsável por profundas sequelas cognitivas e emocionais – além das
dificuldades econômicas, já que o marido era alcoolista e comprometeu as finanças do
casal. Esta colaboradora relata que desde a pré-adolescência apresentava sinais de
alterações psíquicas e sua família, frequentemente procurava auxílio na religião
(benzedeiras) e noutras práticas já que a dificuldade de compreender estes fenômenos
pela família, não proporcionava a procura de auxílio especializado naquele momento.
Ainda no final da adolescência, contrariando a vontade de seus pais, se envolveu no
relacionamento com o agressor, o qual veio se casar posteriormente. Relata que no
inicio ele a tratava muito bem e que ela não percebeu o envolvimento do marido com
álcool. O fato de o marido ser alcoolista, para ela, o fez tornar-se uma pessoa agressiva
que a “espancava dia e noite, sem dó nem piedade”. A agressão física, vivida por tantos
anos, levou-a ao transtorno de depressão psicótica, apresentando alucinações e delírios.
A colaboradora 02 não sabe indicar sua data de nascimento. É solteira, sem
filhos, é muito magra e fuma excessivamente. Frequenta o serviço a 12 anos e reside
com outra usuária do serviço de saúde mental no qual frequenta. Na pré-adolescência
foi abusada sexualmente pelo seu pai. Isto a fez fugir de casa e morar na rua por muitos
anos, até ser acolhida no CAPS e iniciar a participação em grupos de conversação. Na
primeira entrevista relata problemas de saúde em função de não conseguir se alimentar
normalmente. Segundo ela, ter morado por tantos anos na rua, fez com que seu
organismo não se acostumasse com a alimentação normal. Sua única atividade é
frequentar o CAPS e isto a deixa bastante feliz e realizada. Sente muita tristeza nos
finais de semana por ficar sozinha – já que sua companheira de residência nem sempre
está em casa. Não tem família e seus amigos são outros usuários do serviço. Sente-se
útil quando pode ajudar as pessoas e está sempre disposta para fazer isso. Sempre me
auxiliou quando eu estava no serviço.
A colaboradora 03 vive com companheiro, tem 38 anos, sem filhos. Frequenta
o serviço a 8 anos. Ajuda a cuidar do seu irmão, que tem 37 anos, e é usuário do CAPS.
Mora no mesmo terreno com a irmã e este irmão – apesar de serem casas separadas. Foi
criada pela sua vó materna, apesar de conviver com a sua mãe, a qual “até os sete anos,
achava que era minha irmã”. Sua vó decidiu cuidar dela porque a mãe não tinha
responsabilidade no cuidado, deixando-a em casa sozinha quando ainda era muito
pequena. “Minha avó sempre me contou tudo, me disse ‘olha to contigo e te criei, mas
tua mãe é ela, eu sou tua vó´. Sempre me explicou tudo direitinho.” Relata que sua mãe
nunca teve uma relação de cuidado e carinho com ela. Viviam em constantes brigas e
discussões. Segundo ela, sua mãe, constantemente, a agredia verbalmente. “Ela pegava
implicância comigo com tudo. Chegava e dizia que não era pra mim ter nascido, que eu
era uma pessoa... uma sarará do inferno, essas coisas, [...] hoje eu entendo”. Isto trazia
uma grande revolta e sofrimento para a colaboradora, ainda criança. Aos catorze anos
teve seu primeiro namorado, do qual engravidou por volta dos quinze anos. Perdeu este
filho, quando o bebê tinha onze dias de nascido. Após esse fato, nunca mais teve filhos.
O tema central das entrevistas sobre história oral de vida é o momento da
desrazão, o momento no qual o sujeito passou a desenvolver determinado sofrimento
psíquico. As agressões, de maneira geral, são o conflito desencadeante e central dos
transtornos mentais. A violência sexual, na qual o agressor foi o pai; a violência física,
na qual o agressor foi o marido; e a violência psicológica, na qual a agressora foi a mãe.
Estas violências, segundo os relatos orais de vida, são cruciais e direcionam a memória
das colaboradoras para os eventos a isto relacionados.

94
Dessa forma, podemos compreender o sofrimento psíquico pela ótica das
pessoas que vivem com este problema. As histórias de vida contêm diferentes situações
de sofrimento, que incluem condição social desfavorecida, abuso de substâncias
psicoativas, perdas afetivas importantes, fraco suporte social e limitadas alternativas
para recuperação da autonomia.

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