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Caros Participantes,
Dia 09 10
Manhã Inscrições ouvintes Apresentações
08h30min
Tarde: Apresentações Apresentações
13h30min
Noite Conferência ---
19h00min
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Apresentações de trabalhos III Encontro
DIA 09
MANHÃ
8:30-12:00 Inscrições para ouvintes
TARDE
1 13:30 Larissa Patron Chaves: A Sociedade Portuguesa
de Beneficência: caridade, assistência e poder no
Rio Grande do Sul
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DIA 10
MANHÃ
1 8:30 Carolina Bitencourt Becker: A análise dos
registros de óbitos como indicativo para o estudo
da sociedade escrava da primeira metade do
século XIX em Alegrete
2 8:45 Daniela Vallandro de Carvalho: Sob as marcas
da escravidão: Saúde e corpo cativo no Brasil
Meridional (Rio Grande de São Pedro. Séc.
XIX)
3 9:00 Natália Garcia Pinto: Nos meandros da saúde
escrava: estudo da mortalidade escrava na cidade
de Pelotas, 1830/1850, Século XIX
4 9:15 Paulo Roberto Staudt Moreira
Giane Caroline Flores
Thaís Bender Cardoso: O cadáver de um preto
escravo, vestido de mortalha: descrição da
população cativa da capital da Província do Rio
Grande de São Pedro através de seus registros de
óbito (Porto Alegre 1800/1888)
5 9:30 Tarcila Nienow Stein: “No hay mal que por bien
no venga”: um estudo dos necrológios das
Cartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai
(1645-1662)
6 9:45 Lorena Almeida Gill
Loren Nunes da Rocha
Marciele Agosta Vasconcellos
Micaele Irene: Narrativas de benzedores e
parteiras na região sul do Brasil
7 10:00 Roberto Poletto: Magia e ciência a serviço da
cura: uma análise dos saberes e das práticas
terapêuticas em tratados médicos dos séculos
XVII e XVIII
8 10:15 Leonor C. Baptista Schwartsmann: Mobilidades
geográficas e o aporte de especialidades
10:30-11:45 Debates
Almoço por adesão
TARDE
1 13:30 Lizete Oliveira Kummer: Avaliações
psiquiátricas de personalidades “anormais”: o
ponto de vista da psiquiatria forense do Rio
Grande do Sul (1925-1941)
2 13:45 Guilherme Astor Torres
Marília Gonçalves
Valentina Metsavaht Cará
4
Edison Cheuíche
Maria Helena Lopes Itaqui
Luis Gustavo Guilhermano: Ascensão, apogeu,
declínio e queda de um tratamento Psiquiátrico
Revolucionário
3 14:00 Marcelo Parker: A religião no mundo dos loucos
4 14:15 Tiago Neuenfeld Munhoz: História Oral de Vida
e Saúde Mental em Pelotas, RS
14:30-15:00 Debate
15:00-15:15 Intervalo
5 15:15 Aline Kassick Cadaviz:
Proletários de todo o mundo, higienizai-vos!: o
discurso higienista impresso nos jornais dos
trabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)
Até Pelotas!
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RESUMOS
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para 1938, concentra cerca de 30% dos estabelecimentos da União e cerca de 20% dos
estabelecimentos privados.
Na comunicação, exibir-se-ão evidências do afirmado.
Bibliografia
FOUCAULT, M. A governamentalidade. In: FOUCAULT, M. Microfísica
do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 277-293.
7
Proletários de todo o mundo, higienizai-vos!: o discurso higienista impresso
nos jornais dos trabalhadores (Porto Alegre: 1900-1919)
1
Mestra em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora das redes
municipais de ensino de Campo Bom e Sapiranga-RS.
2
Utilizo o termo leitor/ouvinte uma vez que nem todos os indivíduos que tinha acesso aos jornais eram
alfabetizados, sendo bastante comum a leitura dos jornais em grupos, oportunizando a todos o acesso à
informação.
3
Os periódicos destinados à classe operária analisados foram: A Democracia, Porto Alegre, 1905 a 1907;
A Luta, Porto Alegre, 1906 a 1909; Avante, Porto Alegre, 1908; A Voz do Trabalhador, Porto Alegre,
1912; Lúcifer, Porto Alegre, 1911; O Bisturi, Porto Alegre, 1910; O Exemplo, Porto Alegre, 1902 a 1911;
O Independente, Porto Alegre, 1908 a 1919; O Inflexível, Porto Alegre, 1919.
8
utilizados como veículos para a divulgação da ideologia de cada uma das correntes que
tinham entre a camada social menos favorecida de Porto Alegre, sua plataforma política.
O capítulo que privilegiarei neste trabalho, conforme citado acima, intitulado A
Batalha e suas trincheiras, traz uma apreciação concernente ao cientificismo que
inundava a sociedade de então, em que se estabeleciam debates acalorados sobre a
imposição de preceitos científicos no cotidiano dos indivíduos. Assim, o racismo
científico foi um dos temas recorrentes nas colunas dos jornais, que se dividiam entre
argumentos favoráveis e contrários, mas sem negar sua existência, fugindo ao lugar
comum que diz não haver racismo no Brasil. Outro assunto presente em matérias e
notas era a relação dos doentes com a medicina, igualmente suscitando opiniões
favoráveis à livre escolha do enfermo quanto à forma ou à pessoa de quem receberia
tratamento, enquanto que outros articulistas esmeravam-se em elencar os prejuízos do
estímulo às crendices e os riscos de entregar a saúde à pessoas não habilitadas por
diploma acadêmico. No fundo, a polêmica que se estabelece é quanto à licitude da
intervenção científica nos desígnios individuais.
Para balizar a análise das matérias dos jornais, valho-me de Michel Foucault e
Jürgen Habermas, principalmente no que concerne suas abordagens sobre o
cientificismo e a produção da “verdade”. Este aporte teórico possibilitará a compreensão
sobre os interesses envolvidos dos dois lados do discurso, enfocando seus objetivos nem
sempre explícitos.
Deste modo, pode-se perceber claramente a preocupação da imprensa operária
quanto ao método utilizado em seus textos, alternando discursos longos e de difícil
compreensão para o público-leitor/ouvinte com anedotas, quadrinhas e cartas dos
leitores, em que o mesmo conteúdo é apresentado de maneira leve e descontraída,
possibilitando não apenas o entendimento do leitor quanto a sua reprodução em larga
escala em seu convívio social.
Fosse de maneira sisuda ou bem-humorada, o fato é que percebemos como o
racismo e as alternativas de cura desfrutavam de tanto espaço nas colunas dos
periódicos devido ao grande interesse que despertava nos leitores/ouvintes, visto serem
questões ligadas ao seu cotidiano, dizendo-lhes respeito direta ou indiretamente.
Como a principal fonte aqui utilizada tinha como origem e fim a classe
proletária, sua conservação foi muito prejudicada, nos restando poucos números de
alguns títulos que circulavam por Porto Alegre no período abordado. Da mesma forma,
fica comprometida qualquer tentativa de verificar a repercussão de tais assuntos entre o
público-leitor/ouvinte, pois poucos eram os que se manifestavam através dos jornais,
fosse pela falta de espaço destinado a esse fim nos periódicos, fosse a falta de instrução
para tal iniciativa. Mesmo com suas limitações, encontramos nos jornais a mais próxima
expressão da consciência de uma classe em formação e já preocupada com o papel a ela
destinado.
Bibliografia:
BOLTANSKI, Luc. As classes sociais e o corpo. Tradução de Regina A. Machado. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
9
COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1983.
MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos
XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.
WITTER, Nikelen Acosta. Dizem que foi feitiço: as práticas de cura no sul do Brasil
(1845 a 1880). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
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A Sociedade Estudo e Caridade e suas Perspectivas: o Lar de Joaquina (Santa
Maria – RS, 1927 – 1970)
Beatriz Teixeira Weber1; Bruno Scherer2
1
Prof. Dra. Departamento de História-UFSM.
2
Graduando Curso de História-UFSM-Bolsista FIPE-UFSM
3
Correio do Povo, Porto Alegre, 18 fev. 1971. BPRS.
11
Santamariense, com o objetivo de coordenar as entidades e grupos existentes, cuja
primeira diretoria só assumiu em 1924. Além delas, foram fundadas instituições
importantes em 1929 (Sociedade Espírita União dos Fiéis), 1936 (Instituto Espírita
Leocádio José Correia, 1940 (Sociedade Espírita Discípulos de Jesus), 1946 (Sociedade
Espírita Amor a Jesus), 1949 (Sociedade Espírita Oscar José Pithan), 1955 (Sociedade
Espírita Dr. Antônio Victor Menna Barreto) (BASTOS, 2001). Tem-se a informação de
que há uma União Municipal Espírita, mas que ainda não conseguimos localizar.
Essas casas espíritas enfrentaram um contexto de contestação de sua legitimidade, sendo
atacadas por várias de suas práticas. Lauren Bastos relata o processo sofrido por Irmã
Rolica, que foi acusada de prática ilegal da medicina na década de 1920, tendo sido
defendida pelo advogado espírita Fernando do Ó, que participava da diretoria da
Associação Espírita Santamariense. Outros depoimentos orais concedidos à
pesquisadora relatam perseguições nos anos 40, quando um padre católico teria visitado
Santa Maria para combater o espiritismo. Após a II Guerra Mundial, o espiritismo
também chegou a ser relacionado a práticas comunistas, pois as atividades eram
bastante reservadas e envolviam a doutrina num véu de mistério, aproveitado pelos seus
detratores para acusarem o espiritismo de prática do demônio.
Esses vários aspectos indicam o quanto a prática espírita esteve presente na
cidade e foi um movimento importante na congregação de adeptos religiosos. Apesar
dessa importância, ainda existem pouquíssimos trabalhos acadêmicos tematizando essa
prática na região. O projeto de pesquisa “Representações e práticas sobre Saúde e
Doença entre Líderes e praticantes dos Centros Espíritas em Santa Maria”, desenvolvido
de 1999 a 2001 no Departamento de Ciências Sociais da UFSM, coordenado por
Zulmira Borges (que resultou no trabalho de conclusão que apresenta os dados
utilizados), é uma das poucas pesquisas sobre o tema. Daí a importância de
tematizarmos a história do espiritismo na cidade, visando dar visibilidade da um
importante movimento social.
Este artigo procura apresentar uma dessas sociedades, o Grupo Caridade e
Estudo, fundada em 1927 por um grupo de mulheres espíritas atuantes na cidade. Essa
instituição organizou o Abrigo Espírita Instrução e Trabalho em 1932, com o objetivo
de atender crianças desamparadas. A instituição passou a denominar-se Lar de Joaquina
em 1959, atuando até hoje como creche e escola de ensino fundamental para crianças
carentes. Especialmente, procura-se analisar como é articulada a idéia de assistência e
caridade na perspectiva desenvolvida pelo grupo durante seus primeiros cinqüenta anos.
A documentação utilizada são as atas do conselho deliberativo da Sociedade
Espírita Estudo e Caridade desde 1927, onde consta a situação administrativa e
organizativa do Lar de Joaquina, responsabilidade da sociedade.
Bibliografia:
BASTOS, Lauren Albrecht. Representações e Práticas sobre Saúde e Doença entre
Líderes Praticantes dos Centros Espíritas em Santa Maria. Santa Maria: Trabalho de
Conclusão do Curso de Ciências Sociais/UFSM, 2001.
CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda. São Paulo:
Pioneira, 1961 .
DAMAZIO, Sylvia F. Da Elite ao Povo: advento e expansão do espiritismo no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar. Medicina, religião, magia e positivismo
na República Rio-grandense. Santa Maria/Bauru: EDUFSM/EDUSC, 1999.
12
A análise dos registros de óbitos como indicativo para o estudo da sociedade
escrava da primeira metade do século XIX, em Alegrete
Carolina Bitencourt Becker1
1
Aluna do Mestrado em História – UFRGS, Bolsista CAPES e da Especialização em História do Brasil –
UFSM.
13
cuidavam das esposas de seus senhores nos partos e da família nas suas enfermidades, e
ajudavam a cuidar dos filhos das mesmas (FARINATTI, 2007).
Entre os óbitos encontramos 22 ocorrências (26,2% do total de assentos) no
grupo “Doenças Infecciosas e Parasitárias”. Desses, 9 assentos são referentes a varíola
que era também denominada na época de bexiga e é uma das causas morte com maior
incidência, 10,7% do total. Segundo Amantino (2007), o contágio desta doença se dava
de forma direta (suor ou espirro) ou pelo contato com as secreções de um doente que
poderiam contagiar outra pessoa que não estivesse imunizada ou pela vacina ou por já
ter tido a moléstia. Doença esta que acometia pessoas em todo o Brasil e representava
um grave problema de saúde pública para as autoridades brasileiras. As formas de
contágio dessa doença são facilitadas em regiões que possuem determinadas
características, como umidade ou insalubridade, propícias ao desenvolvimento desta e
de outras enfermidades.
Segundo a idade dos escravos falecidos usamos a seguinte classificação:
Inocentes (0 a 7 anos), Infantes (8 aos 14 anos), Adultos (15 aos 49 anos) e Idosos (50
anos ou mais). Muitas vezes a idade do escravo era suposta pelo seu senhor, quase
sempre com arredondamentos, o que pode evitar a precisão destes dados. Entretanto,
dos 158 registros de óbitos de escravos de Alegrete, somente 13,3% dos registros não
declaravam a idade do falecido, o que facilita uma melhor compreensão deste item. De
acordo com os dados encontrados pode-se perceber que a faixa etária com maior
incidência de mortes foi a dos inocentes, que representaram 38% dos óbitos. Dos 60
óbitos registrados nesta categoria apenas 17 apresentaram a causa morte, ou seja, 71,7%
dos registros não apresentam a causa, o que dificulta perceber quais as doenças que
mais acometiam essa faixa etária. Entre as causas encontradas estão: mal de sete dias,
moléstia ar, gangrena no umbigo, ataque de “poplexia”, defluxo, tosse, moléstia interna,
moléstia escarlatina e varíola.
Porém, contatou-se que 80% das ocorrências eram em recém-nascidos, de 0 a 1
ano de idade, e destes, 23,3% morreram antes de completar 13 dias. Assim, a maior
parte das mortes de crianças dava-se ainda nos primeiros meses, quando os riscos de
vida eram maiores pela exposição às moléstias. Como expõe Petiz, (2007), a morte dos
inocentes também ocorriam devido às lesões durante o parto que, em geral, era
realizado por parteiras ou curiosas que pouco ou nada podiam fazer quando nasciam
crianças prematuras, e os dias que se seguiam ao parto tornavam-se críticos devido à
ameaça do tétano neonatal. Dessa forma, percebe-se que a mortalidade infantil
representa um importante índice de uma situação social, tanto no passado como nos dias
atuais.
Assim como ocorre nas demais localidades da Província neste período, a
incidência é de mais homens do que mulheres na população. E com os registros de
óbitos não é diferente. Segundo o sexo, dos 158 assentos de óbitos encontrados, 96 eram
homens e 62 eram mulheres. Alguns dados reforçam a tese do peso do fator biológico,
como o fato de morrer mais homens e eles terem uma expectativa de vida menor que as
mulheres. De fato, a mortalidade infantil é maior para os homens, assim como as
mulheres são favorecidas geneticamente no campo das doenças infecciosas ou algumas
doenças cardíacas.
Por fim, ressaltamos a validade de uma metodologia baseada no estudo
demográfico quantitativo, mesmo estando ciente de suas limitações. Este tipo de
abordagem nos mostra apenas uma parcela da realidade vivenciada pelos escravos,
porém nos traz considerações pertinentes ao aprofundamento da pesquisa quando
relacionada a trabalhos qualitativos. Podemos usar essas informações como indicadores,
ainda que iniciais, das condições da vida cativa em Alegrete neste período.
14
Referências Bibliográficas:
ADAM, Philippe; HERZLICH, Claudine. Sociologia da doença e da Medicina. São
Paulo: EDUSC, 2001.
ARQUIVO DA CÚRIA DIOCESANA DE URUGUAIANA. Livro de registros de
óbitos. Volume 1. 1822 à 1850.
CARVALHO, Diana Maul. Doenças dos escravizados, doenças africanas? In: PÔRTO,
Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas.
Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-2006. Rio de
Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
HONORATO, Cláudio de Paula. Controle sanitário dos negros novos no Valongo. In:
PÔRTO, Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas
terapêuticas. Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-
2006. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
KARASCH, Mary. A vida dos Escravos no Rio de Janeiro 1808 1850. São
Paulo:Companhia das Letras, 2000.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3.ed. São Paulo: Brasiliense.
2003.
NOGUEIRA, André. Feitiços e curas nas Minas do século XVIII. In: PÔRTO, Ângela
(org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas. Simpósio
Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-2006. Rio de Janeiro:
Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
PIMENTA, Tânia Salgado. Sangradores no Rio de Janeiro (século XIX). In: PÔRTO,
Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas.
Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-2006. Rio de
Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
15
Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=5775@2. Acesso em: 13 maio 2009.
PIRES, Ana Flávia Cicchelli. A participação dos sangradores no comércio de escravos.
In: PÔRTO, Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas
terapêuticas. Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-
2006. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil
escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SÁ, Magali Romero; HERZOG, Marilza Maia. Doenças de além-mar. In: PÔRTO,
Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas.
Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-2006. Rio de
Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
SCHNOOR, Eduardo. Documentos para a história da saúde dos escravos. In: PÔRTO,
Ângela (org.). Doenças e Escravidão: sistemas de saúde e práticas terapêuticas.
Simpósio Temático do XII Encontro Regional de História – ANPUH/Rio-2006. Rio de
Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
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“A Centúria das Misericórdias no Brasil”1: A existência e criação de hospitais em
meados do século XIX e a sua gestão pelas irmandades da Santa Casa.
Cláudia Tomaschewski2
1
FREITAS, Divaldo Gaspar de. As Misericórdias no Brasil. In: Actas do IV Congresso das
Misericórdias, Lisboa, 1959, Vol. 1, p. 253.
2
Graduada e mestre em História. Doutoranda em História pela PUC/RS, bolsista CNPq. E-mail:
ctomaschewski@yahoo.com.br.
3
Estas exceções feitas em favor das misericórdias mostram bem o seu poder. Isso pode ser observado
também no que diz respeito à relação destas irmandades com a Igreja e o Estado. Conforme Laurinda
Abreu o Concílio de Trento, realizado em 1563, procurava reverter “o caminho da racionalização e
laicização” que ocorria a partir da influência de Juan Luiz Vives, mas “paradoxalmente, o concílio cedia
às pressões portuguesas reconhecendo as Misericórdias como instituições de imediata proteção régia”
(ABREU, 2000, p. 399). Outra aparente contradição dá-se na sua relação com o Estado, pois ela é uma
confraria régia, incentivada e, por vezes, financiada pelo Estado, mas este “prima pela ausência”
garantindo uma quase total autonomia aos ricos locais que controlam a distribuição da assistência aos
pobres (ABREU, 2000, p. 398).
17
administração das misericórdias.4 A partir da leitura dos diversos relatórios é possível
perceber a heterogeneidade das práticas e denominações das entidades voltadas a
recolher os pobres e desfiliados (CASTEL, 2005) doentes para que estes não
permanecessem nas ruas. Os presidentes das províncias, normalmente nomeados pelo
governo central, procuravam intervir na organização da assistência local, mas
dependiam da aprovação e liberação de recursos das assembléias legislativas
provinciais, o que reforça as diferenças regionais e locais no financiamento e
distribuição da assistência. Ainda assim, é possível perceber uma tentativa de
uniformização a partir do nome Santa Casa de Misericórdia. A partir disso, posso
concluir que mesmo que houvesse consideráveis diferenças nas organizações locais e
suas relações com o Estado em suas diferentes esferas, a circunscrição das práticas
caritativas em torno das Misericórdias proporcionou uma uniformização necessária e
importante para a consolidação e manutenção do Império, proporcionando inclusive
uma rede de relações para os irmãos das misericórdias na sua mobilidade geográfica
pelo país.5
Neste trabalho procuro realizar um inventário parcial de instituições
consideradas “Estabelecimentos de Caridade”, ou, de uma forma mais geral, instituições
consideradas como de ajuda social. Para isso foi feita uma pesquisa nos relatórios de
presidentes das províncias do Brasil disponíveis na internet.6 A leitura dos relatórios foi
realizada para meados do século XIX, sendo que, para as províncias onde não existiam
instituições de caridade, procurei acompanhar o momento de sua fundação.
A partir do espaço dado a tais estabelecimentos nos relatórios, procuro
demonstrar que os “estabelecimentos pios”, especialmente os destinados a ajudar
terceiros, eram assuntos de Governo relevantes para os presidentes da província. Nos
seus textos eles procuravam convencer os representantes provinciais a financiá-los na
medida em que isso não obstasse a “caridade pública”.
A existência de estabelecimentos que alimentassem e curassem aqueles que
além da indigência também estivessem doentes e não tivessem meios de existência em
razão da prostração causada pela doença, era fundamental para a existência de uma
sociedade “civilizada” (apesar do regime de trabalho escravo, já bastante criticado à
época) da qual deveria ser ocultado o “espetáculo” da pobreza enferma nas ruas. A
pesquisa também mostra que há uma relação direta entre o crescimento das cidades e a
necessidade de tais estabelecimentos.
4
Eu já havia chamado atenção para isso em minha dissertação de mestrado (TOMASCHEWSKI, 2007).
Também Nikelen Acosta Witter (2007), em sua tese de doutorado, notou a importância atribuída pelos
governantes à assistência e saúde pública.
5
A questão do pertencimento às misericórdias ainda deve ser estudada, bem como a ligação dos irmãos
com a maçonaria, que fica bastante explícita para o caso de Pelotas em 1861, na importante cerimônia de
colocação da pedra fundamental do hospital. A pedra é carregada pelo provedor então Barão de Piratini,
mas a sua colocação fica a cargo do “pedreiro livre mais veterano desta cidade”, no caso, Jacinto
Antiqueira. Penso que o pertencimento à misericórdia poderia ser um fator que garantisse confiabilidade
para os negócios, pois ela era uma irmandade destinada à prática da caridade e seus membros
apresentavam-se como desinteressados ao dedicarem seu serviço aos pobres. Sobre a importância das
redes de relações para os negócios veja-se o interessante texto de Max Weber (1980) no qual analisa o
papel das seitas protestantes nas trocas comerciais e sociais nos Estados Unidos. Sobre as noções de
interesse/desinteresse que norteiam as ações humanas adoto a posição de Pierre Bourdieu (1996).
6
A consulta a estes relatórios só foi possível devido a sua disponibilização na Internet pelo CRL – Center
for Research Libraries, uma organização sem fins lucrativos que visa digitalizar e divulgar documentos
sobre diversas regiões do mundo. Ver: www.crl.edu. Não consegui consultar os relatórios da província do
Piauí, pois o link indicado na página não leva ao local correto.
18
Bibliografia citada:
MESGRAVIS, Laima. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1599? - 1884). São
Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1976.
SÁ, Isabel dos Guimarães. Quando o rico se faz pobre: misericórdias, caridade e poder
no império português, 1500-1800. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações
dos descobrimentos portugueses, 1997.
19
WITTER, N. A. Males e epidemias: Sofredores, governantes e curadores no sul do
Brasil (Rio Grande do Sul, século XIX). Rio de Janeiro: UFF, 2007. (Tese de
Doutorado em História).
Fontes citadas:
Sítio da Internet:
www.crl.edu
20
Sob as marcas da escravidão: Saúde e corpo cativo no Brasil Meridional (Rio
Grande de São Pedro, séc. XIX).
Daniela Vallandro de Carvalho1
“Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos
medos, dos choros”.
Caio Fernando Abreu.
Nossa proposta parte de uma tese que vem sendo desenvolvida sobre a
participação armada de escravos na guerra civil Farroupilha, esta pensada como um
tempo de possibilidades ampliadas para os cativos, onde inúmeros arranjos, estratégias e
redes puderam ser compostas (e também desfeitas) em virtude da belicosa conjuntura
instalada na província. Neste sentido, são tecidas algumas trajetórias de escravos que
tiveram suas vidas atravessadas pela guerra, fosse através de fugas para fazerem parte
dos exércitos em litígio, fossem através do recrutamento. Todavia, todos eles, de
alguma forma souberam, inteligentemente tirar proveito da guerra. Nessa nossa análise,
para fins metodológicos, acabamos por dividir as fugas de escravos de duas formas: em
fugas para dentro do território sulino e em fugas para fora, estas tendo em vista,
sobretudo o Estado Oriental, que em meio a revolta civil farroupilha deflagra o início de
seu processo de abolição da escravatura (1842), concretizado totalmente em 1846, com
a abolição no Cerrito.
A questão da abolição no Cerrito no ano de 1846 acarretou um tensionamento
das relações fronteiriças e um acirramento das fugas de cativos pela fronteira. Passam a
ocorrer confrontos entre proprietários brasileiros com posses em terras uruguaias e
autoridades orientais. Esta situação leva a intensas trocas de correspondência entre
proprietários brasileiros e autoridades, tanto brasileiras (sulinas) e orientais. Assim,
como forma de atender a uma intensa demanda de proprietários que passam a reclamar e
requerem seus bens cativos (muitos deles, confiscados no Estado Oriental, outros
fugidos espontaneamente) o presidente da província sulina Soares Andrea, através da
circular de 04 de outubro de 1848, encarrega os delegados e sub-delegados de polícia
que confeccionassem relações ou listas por municípios, daqueles proprietários que se
sentissem lesados com a questão. Sabemos da existência de diversas listas contendo
descrições especificadas dos escravos em fuga. A partir delas são possíveis inúmeras
questões sobre estes cativos que fugiam para o lado de lá da fronteira, todavia, entre as
inúmeras possibilidades de análise que as listas permitem, nos chamou bastante atenção
as descrições físicas destes indivíduos. Portanto, resolvemos nos valer desta fonte
específica dentre um conjunto maior trabalhado, para fazer um recorte de análise que
nos possibilite tecer algumas considerações – mesmo que preliminares - sobre a relação
existente entre a saúde, o corpo e as atividades desempenhadas por estes cativos
majoritariamente pertencentes a universo rural sulino. Para fins de amostragem,
trabalharemos aqui com três destas listas, referentes aos municípios de Pelotas, Rio
Grande e Rio Pardo. Trata-se de um montante de 262 cativos e 120 proprietários
reclamões.
Em termos teórico-metodológicos o trabalho é tributário de análises que tem
contemplado a micro-análise como possibilidade de apreciação. As listas de fugas de
escravos encontradas são parecidas, em seu conteúdo, com anúncios de fuga de
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, bolsista Capes.
dvallandro@yahoo.com.br
21
escravos. Esses anúncios foram destacados por Gilberto Freyre e Lilian Schwartcz por
seu potencial descritivo dos agentes cativos. Nosso método de cercamento destas fontes
primárias constou da leitura minuciosa das mesmas e da segmentação das informações
coletadas em uma tabela excell contendo as seguintes variáveis: nome, idade, cor,
origem, moradia, data da fuga, ocupação, marcas no corpo (ou descrições físicas). As
listas, assim como os anúncios de fuga, corporificam estes indivíduos, trazendo-nos em
sua figura humana, marcados no corpo pelas identidades africanas e pelos traumas da
exploração do cotidiano escravista. Essa tentativa de abordagem quantitativa não tem
sentido sem a paralela análise qualitativa de cada registro bem como um prolongamento
de pesquisa através do método onomástico. O nome, peça identificadora que acarreta
vários problemas ao pesquisador na análise da sociedade escravista, mas também por
vezes, como uma dose de sorte e muita pesquisa, pode ser um fio que poderá nos levar a
esboçar algumas trajetórias – na seqüência da pesquisa - destes cativos em debandada
fronteira afora.
As pesquisas sobre as condições de vida e trabalho dos escravos do mundo rural
sulino recém começam a aparecer. De forma tangencial, porém contundentes, alguns
trabalhos tem apontado para a necessidade de se aprofundarem pesquisas que
demonstrem tanto suas presenças (que constantemente, dentre a historiografia sulina
tem de ser reafirmada), sobretudo no mundo de pecuária, como as atividades
desempenhadas, e mais amplamente suas condições gerais de vida. Neste sentido,
clarificar estas questões, através do entendimento do ritmo de trabalho e dos desgastes
físicos no desempenho das nada fáceis atividades da lida campeira, pode ser um
caminho para a compreensão das condições de saúde daqueles indivíduos. Saúde aqui
pensada de forma bastante ampla, englobando as condições de trabalho, a relação com o
corpo, a expectativa de vida cativa. Desta forma, buscamos entender o que as marcas –
físicas e simbólicas - da escravidão podem nos acrescentar sobre estes trabalhadores,
habitantes de um mundo rural, fronteiriço e de belicosa naturalidade.
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25
Hospital Beneficência Portuguesa:
Presença e atuação na cotidianidade de Porto Alegre
(1854 – 1904) 1
Everton Reis Quevedo 2
Introdução
Esta comunicação versa sobre nosso projeto de tese que centra-se sobre a
história do Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, hospital que foi
inaugurado em 1858 e que permanece até hoje servindo a comunidade gaúcha. É
evidente que a instituição sofreu muitas mudanças ao longo dessa existência e nos
propomos a analisar ao longo do trabalho, exaustivamente, apenas uma conjuntura da
mesma, cujos marcos são: 1854, data de fundação da Sociedade Portuguesa de
Beneficência de Porto Alegre, mantenedora do Hospital, até o ano de 1904, quando a
República recém criada adota novas políticas para a saúde pública no Brasil.
Neste período, de 1854 a 1904, entendemos que a importância da instituição em
estudo foi muito marcante em Porto Alegre, principalmente, em nível econômico, a
partir das relações que se estabeleceram entre ela e a economia do Rio Grande do Sul.
Isto implica, naturalmente, na necessidade de mapear os investimentos do Estado na
área da saúde, o que implicará, por certo, em buscar as relações e os graus de
reciprocidade, de redistribuição e de trocas entre ela e o Governo regional.
Com tais pressupostos a tese que propomos pode ser assim sintetizada: A
presença e a atuação do Hospital Beneficência Portuguesa, além de lugar de importância
fundamental para o conhecimento dos procedimentos de cura, é também um espaço de
enorme importância à história da população que circulava no Rio Grande do Sul no final
do Período Imperial. Através dos registros, do acervo valioso que a instituição guarda e
que se encontra inédito, é possível traçar os perfis das pessoas que buscavam ajuda para
os seus males, bem como, do momento histórico caracterizado a partir de um ponto de
vista distinto: a saúde.
Metodologia
1
Proposta de tese apresentada aos Programas de Pós-Graduação em História da PCU/RS e UNISINOS
em 2010.
2
Mestre em História pela PUC/RS. Coordenador de Pesquisa e Acervo do Museu de História da
Medicina do Rio Grande do Sul (MUHM)
26
captar e analisar indícios que só atingem o geral a partir de sinais particulares
(VAINFAS, 1997, p. 152).
O hospital, segundo Foucault (1984, p.110), constitui-se em um campo
documental, não sendo somente um lugar de cura, mas de registro, acúmulo e formação
do saber. Neste sentido, o Hospital Beneficência Portuguesa de Porto Alegre possui
acervos inexplorados, que incluem livros de entrada e de saída de pacientes, livros-
caixa, documentação religiosa, processos internos, correspondências, memorandos,
estatutos, relatórios, etc. Todo esse material registra o cotidiano institucional, somando-
se aos arquivos iconográficos e a um campo que proporciona a realização do trabalho
também com fonte oral, uma vez que os atuais dirigentes têm ligação próxima aos
fundadores.
Uma das idéias que se torna, para nós, transparente é que o cotidiano é o fulcro
da existência do homem por inteiro: o homem do trabalho (intelectual/ físico), da vida
privada, dos lazeres, do descanso, das diversas atividades sociais, dos intercâmbios, do
sagrado, da purificação, como bem menciona Agnes Heller. O cotidiano é, assim, a
instância onde os homens produzem as coisas, as idéias, os valores, os símbolos, as
representações. Onde produzem toda a sua vida, no teor de sua completa inteireza:
produção do mundo e produção de si mesmos, em um ininterrupto e criador fazer
histórico, onde o particular e o genérico, o individual e o universal, a parte e o todo
ganham uma existência eminentemente dialética, plena de conflitos e de contradições
(HELLER, 1992, p.18).
Seguindo a idéia de que é mais importante o entendimento da teia social
concreta onde os “atores” se movem (VAINFAS, 2002, p. 116-117), procuramos
compreender os argumentos gerais que norteavam o pensamento sobre as doenças na
sociedade brasileira no período abordado, bem como compreender quais necessidades
faziam parte do rol de preocupações dos gaúchos e dos imigrantes aqui estabelecidos –
o que culminou na criação de uma série de entidades de mútuo-socorro.
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29
Vantagens e Desafios de uma História Comparada da Medicina Veterinária: O
Caso da Brucelose Bovina
Fabiano Ardigó1
1
Universidade de Oxford.
30
novidade. Todos estamos familiarizados com esse roteiro dedutivo que nos conduz do
geral ao específico.
No entanto, embora essa metodologia seja importante para um conhecimento
preliminar de uma instituição e de suas pesquisas, ela nos dá uma visão muito
particularizada da primeira e apenas superficial da segunda. Algumas das razões para
isso são facilmente compreensíveis. Dar conta do conjunto de fontes primárias, que em
uma instituição razoavelmente atuante costuma ser imenso, é por si só um desafio.
Além disso, quando não se dispõe de fontes secundárias em quantidade o terreno é
sempre movediço e o avanço muitas vezes dolorosamente lento. Mas por outro lado, ao
acabar nos envolvendo demais com apenas um grupo de fontes não conseguimos
identificar o que é realmente único naquela instituição, exatamente onde ela se destaca e
quais foram suas deficiências. Além disso, estudos institucionais são por excelência
regionalizados e seu intercâmbio com o exterior é muitas vezes visto pela perspectiva da
instituição local o que nos leva a uma visão quase sempre parcial do todo. Ainda mais
perigoso, corremos o risco de ficarmos tão envolvidos com nossas figuras institucionais
que podemos inadvertidamente incorporar alguns de suas interpretações e preconceitos
em nossas narrativas históricas.
É nesse ponto que a história comparada tem muito a contribuir. Essa abordagem
tomou força na Europa após os anos 50 justamente como uma reação ao nacionalismo
exagerado dentro da historiografia daquele período, como um esforço se expandir
horizontes. Tendo March Bloch como um de seus primeiros entusiastas, a história
comparada definiu seus contornos e foi ampliada para vários períodos e temas (Kedar
2009). A literatura a esse respeito é ampla, e no Brasil já existem condições suficientes
de usar os recursos metodológicos para trabalhos nesse sentido(Theml and Bustamante
2007).Voltando ao assunto da Brucelose vejamos quais seriam as vantagens e desafios
de abordar esse tema específico a partir do que sabemos das instituições.
Tratemos primeiro dos desafios. Uma das dificuldades apontadas por
historiadores é que para comparar é necessário conhecer as fontes primárias dos dois
elementos que estão sendo comparados. Quando se trata de países diferentes, transpor a
barreira do idioma pode parecer às vezes por demais desafiadora. Além disso, outra
dificuldade apontada é a quebra nas narrativas já que muitas vezes é necessário se
enfatizar o contraste e a análise em detrimento de um texto mais fluído. Por fim,
aponta-se que a análise de diferenças e semelhanças não possibilita o realce das
conexões, da interdependência entre os elementos estudados. Todas essas objeções tem
sido discutidas e é necessário consultar a bibliografia para entender as soluções
apontadas para cada uma delas (Kocka 2003).
Agora vejamos as vantagens. No caso específico da brucelose no Brasil
poderíamos indicar vários pontos onde a história comparada oferece oportunidades
interessantes. Em primeiro lugar, é possível usar o território brasileiro como ponto de
partida já que contrastes regionais são suficientemente marcantes em diversos
momentos de nosso passado(Baldwin 2004). Além disso, podemos expandir nossos
horizontes de análise ao observar como diferentes instituições conduziram a pesquisa e
interagiram com seus pares, autoridades e consumidores finais. Sob a luz comparativa,
estatísticas de vacinação e a eficácia de programas de erradicação adquirem contornos
completamente diferentes. Isso pode ser visto claramente ao comparar o Rio Grande do
Sul com o Paraná no começo do século XX. Em Curitiba a análise de menos de 5% do
rebanho do estado era apresentado como uma vitória da pesquisa local. O instituto de
pesquisas veterinária de Curitiba, de fato, era apontado como um “sentinela” no
combate aquela doença (IBPT 1953). Já em Guaíba-RS, os pesquisadores do IPVDF
tinham uma abordagem completamente diferente. Eles diziam que testar não era
31
suficiente, já que só conquistando a confiança dos criadores seria possível pensar na
erradicação da doença(Correa 1943). A análise individualizada dessas duas perspectivas
poderia levar, como já aconteceu, a interpretar essas trajetórias institucionais igualmente
bem sucedidas, enquanto a comparação aponta para um complexo proceso de seleção e
adaptação (Bacila 2001). Por fim, uma última vantagem da história comparada é que
institutos de pesquisa veterinária intercambiavam publicações e portanto é possível ter
uma idéia sobre eixos de influência, alianças e conflitos sem ter que se deslocar até a
instituição que produziu a fonte usada pelo historiador.
Em conclusão, estudos sobre a medicina veterinária podem ser
consideravelmente expandidos através dos métodos da história comparada. A brucelose
é apenas uma das áreas que ainda sabe-se muito pouco, embora a proximidade com a
história da tuberculose bovina e portanto da humana não justifique essa carência.
Bibliografia
32
A Peste em Santa Maria
Resumo
Ressaltar a importância da chegada de uma epidemia de peste bubônica em Santa Maria
em um período em que esta passava por um significativo crescimento socioeconômico.
Além de contribuir para a historia da cidade, no sentido de ampliar o conhecimento
sobre o período estudado, através da ocorrência da doença e do tratamento aplicado
pelas representações médicas locais.
Introdução
A proposta inicial de nosso projeto baseou-se em apresentar um estudo sobre a
disseminação da peste bubônica na cidade de Santa Maria, entre os anos de 1912 a
1924. Para isso, se fez necessário enfatizar o processo de crescimento da cidade e do
surto populacional promovido pela estrada de ferro entre os últimos anos do século XIX
e os primeiros do XX. Além de ressaltar a importância da ferrovia, enquanto
promovedora de contatos com as diferentes regiões do estado do Rio Grande do Sul.
Logo após, apresentamos os problemas que esse crescimento acelerado trouxe para a
cidade. Questões como a falta de saneamento básico, construções desordenadas e a parte
invisível de tudo isso, ou seja, a proliferação de germes e bactérias, responsáveis pela
chegada de novas doenças.
Metodologia
Dando continuidade a nossa pesquisa, passamos a tratar da peste bubônica propriamente
dita em sua incursão pela região. Para contribuir teoricamente com nosso tema,
buscamos primeiramente pesquisar fontes bibliográficas, que descrevessem tal
acontecimento.
As referências a peste bubônica apareceram em apenas duas obras, únicas a fazerem
alusões à epidemia em Santa Maria: O livro Santa Maria Memória, 1848-2008,
organizado por Neida Ceccim Morales - que traz informações de que houve oito casos
desta doença em Santa Maria. Sendo que a peste vitimou primeiramente um menino de
treze anos, que era filho do dono da panificadora Aliança. Na época está panificadora
foi apontada como o foco da infecção, sendo a peste, transmitida por ratos que vieram
em um carregamento de farinha saído do porto da Argentina.
A outra obra escrita pelo memorialista Romeu Beltrão (1979) Cronologia Histórica de
Santa Maria, também registra a proliferação desta doença na cidade segundo Beltrão, a
1
Licenciada em História pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA); E-mail:
Flavia_prestes@yahoo.com
2
Professora do Curso de História – Área de Ciências Humanas do Centro Universitário Franciscano; E-
mail: nikelen@gmail.com
33
epidemia de peste bubônica em Santa Maria foi um dos períodos mais trágicos de sua
história. Deixando um total de dezoito mortos.
Após a leitura das bibliográfias buscamos informações no Arquivo Histórico municipal
de Santa Maria, mais precisamente em jornais da época, que circulavam na cidade.
Encontramos reportagens sobre a peste no jornal O Diário do Interior. Este circulou no
Rio Grande do Sul de 16 de maio de 1912 até 1940 e foi um importante meio de
comunicação à época. No Diário as notícias sobre a epidemia passaram a circular no dia
dois de agosto de 1912, e estenderam-se até o dia dezessete de agosto, onde declara-se
“a extinção” da peste bubônica em Santa Maria.
Resultados
Seguindo a interpretação dessas fontes, deveríamos concluir que a peste bubônica em
Santa Maria foi um fato sem muita importância, com poucos casos e com rápida
passagem pela região. Contudo, ao cruzarmos as informações pudemos perceber que
estas estavam discordantes. A discordância começava pela quantidade de mortos, que
iam de treze (Neida Ceccim) a dezoito (Romeu Beltrão), chegando a vinte (O Diário do
Interior). Há também no livro de Beltrão informações de casos de peste bubônica nos
anos de 1919 e 1924.
A partir desses dados, e do acesso que tivemos a outras fontes, no caso: o relatório que
o doutor Astrogildo de Azevedo formulou ao Diretor de Higiene do Estado Ricardo
Machado datado do dia quinze de setembro de 1912, as Crônicas das Irmãs
Franciscanas durante os anos de 1912 a 1924 e os Prontuários do Hospital de caridade,
datados de 1903 a 1928 abriu-se uma ampla oportunidade de pesquisa visto que, estas
ao que parece nos proporcionaram uma visão mais ampla dos fatos ocorridos durante a
epidemia de peste bubônica na região. Além de estender nosso espaço-temporal até
1924, data em que a maioria das fontes concordaram ter sido extinta a peste em Santa
Maria.
Encontramos nos livros prontuários do Hospital de caridade uma relação de seis
falecimentos por peste, entre os meses de julho e agosto, o que nos chamou a atenção é
que essas pessoas não eram as mesmas relacionadas por Beltrão, pelo jornal e pelo
relatório do doutor Astrogildo. Aprofundando nossas leituras, relacionamos setenta e
um doentes, com vinte e três falecimentos por peste durante os anos de 1912 a 1924.
Conclusões
Visto que, o tempo para a pesquisa, e a elaboração de um trabalho final de graduação é
limitado, nos detemos em trabalhar apenas com os acontecimentos relativos a 1912.
Para isso, cruzamos os relatos do memorialista Romeu Beltrão, com o Jornal o Diário
do Interior, que apresentava notícias diárias da epidemia. Estas relatavam as
providências tomadas pelo corpo médico e pela administração política da cidade. Há
também informações sobre o isolamento dos doentes com a construção de um lazareto,
medidas de combate a epidemia como a higienização dos lares, vacinas e visitas as
residências para instrução quanto à limpeza, além do sentimento de “medo” que se
instaurou na região.
Este “medo” ocasionou a debandada de muitas famílias, que praticamente lotavam os
trens que passavam por Santa Maria diariamente, o fechamento dos colégios, e um
controle intensivo por parte de um serviço de policiamento que incluía a guarda
municipal, militares do exército e policiais federais.
Quanto ao relatório do doutor Astrogildo de Azevedo, as Crônicas das irmãs
franciscanas e os prontuários do hospital de caridade, foram utilizados apenas
informações que complementavam as já referidas acima. Portanto, nossa proposta não
34
foi inteiramente trabalhada, pelo contrário, muitas perguntas ficaram sem respostas,
novas questões surgiram. O que então nos instiga a dar continuidade a nossa pesquisa,
olhando mais atentamente para as fontes primárias que trazem informações em grande
parte inéditas sobre a epidemia a qual nos propormos a estudar.
Até o presente momento o que pudemos apurar é que Santa Maria, uma cidade da região
central do Rio Grande do Sul, apesar de localizar-se bem longe dos grandes centros não
ficou fora do alcance das grandes epidemias que já vinham assolando outros estados
brasileiros no início do século XX.
Referências
Crônicas das Irmãs Franciscanas, Santa Maria, 1912 a 1924. Museu Histórico e Cultural
das Irmãs Franciscanas (MHIF).
GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História Novos Objetos. Traduzido por Terezinha
Marinho. Rio de Janeiro: F.Alves, 1995.
Livros Prontuário, Santa Maria, 1903 a 1928. Arquivo do Hospital de Caridade Doutor
Astrogildo de Azevedo (HCAA).
MORALES, Neida Ceccim (org.). Santa Maria memória 1848-2008. Santa Maria:
Palloti, 2008.
O Diário do Interior, Santa Maria, maio 1912 a dez. 1924. Arquivo Histórico Municipal
de Santa Maria (AHMSM).
RANGEL, Carlos da Rosa; ANTONELLO, Idê Vitória; VAZ, Neusa Tavani. O Papel
da Ferrovia na Mentalidade Urbana de Santa Maria. VIDYA, Santa Maria, n. 29, p 109-
119, jan.-jun. 1998.
35
WEBER. Beatriz. As artes de curar: Medicina, religião, magia e positivismo na
republica Rio-Grandense-1889/1928. Santa Maria: Editora da UFSM; Bauru: EDUSC-
Editora do Sagrado Coração, 1999.
36
Ascensão, Apogeu, Declínio e Queda de um Tratamento Psiquiátrico
Revolucionário1
Guilherme Astor Torres2
Marília Gonçalves3
Valentina Metsavaht Cará 4
Edison Cheuíche 5
Maria Helena Itaqui Lopes6
Luiz Gustavo Guilhermano7
Introdução
A sífilis é uma doença bacteriana sexualmente transmissível causada pela
espiroqueta de nome Treponema pallidum. Essa doença tem sua evolução e
sintomatologia dividida em três fases: primária, secundária e terciária. A sífilis terciária
ocorre no período de um a dez anos após a infecção primária não tratada, podendo ter
manifestações gravíssimas, como a neurossífilis. Na apresentação neurológica, ocorre
como sinal, uma paralisia geral progressiva associada a alterações psiquiátricas que
evoluem invariavelmente para demência e, em muitos casos, para a morte. Previamente
ao advento da utilização da penicilina, medicações derivadas do mercúrio e do arsênico,
entre outras, eram utilizadas sem sucesso na tentativa de frear a evolução dos sintomas
nessa fase terciária, embora resolvessem a fase primária e secundária. Assim a medicina
descobriu que havia uma barreira hematoencefálica impedindo que moléculas grandes
chegassem ao sistema nervoso central; a humanidade ainda aguardava que fosse
descoberta uma medicação eficiente contra o Treponema pallidum (TP)– e pequena o
suficiente para ultrapassar a barreira sangue-cérebro. E isso, finalmente ocorreu, em
1943 quando a penicilina passou a ser usada para esse fim. Enquanto isso não acontecia,
Julius Wagner-Jauregg, psiquiatra e neurologista austríaco, observou que pacientes
neurossifilíticos, acometidos por um processo infeccioso, que apresentassem febre
muito alta, chegando a ter convulsões, caso chegassem a sobreviver, acabavam
melhorando da neurossífilis. A partir disso, procurou uma forma de desenvolver febre
alta em pessoas com sífilis terciária de modo que depois ele pudesse controlar a causa
da febre por ele mesmo provocada. Foi então que, em 1917, Jauregg introduziu a
utilização da malarioterapia para a cura da paralisia geral, através da inoculação de
sangue contaminado por malária, em neurossifilíticos. Depois, ele controlaria essa
1
Ante-projeto de Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria do
Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS, Porto
Alegre.
2
Médico, Pós-Graduando do PPG em Psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS-
Porto Alegre.
3
Auxiliar de pesquisa, aluna da Graduação em Medicina FAMED-PUCRS.
4
Auxiliar de pesquisa, aluna da Graduação em Medicina FAMED-PUCRS, formada na
Faculdade de Cinema UNISINOS.
5
Consultor – Historiador do Memorial do Hospital Psiquiátrico São Pedro.
6
Co-orientadora, Professora e Coordenadora do Curso de Medicina da PUCRS.
7
Orientador, Prof. do PPG em Psiquiatria do Hospital São Lucas PUCRS, Vice-
Presidente da Associação Gaúcha de História da Medicina.
37
malária iatrogênica com quinino, um tratamento já disponível. A introdução artificial do
Plasmodium vivax (PV) revelou-se bastante eficaz para a remissão dos sintomas na
época, rendendo a Jauregg, em 1927, dez anos após a ampla utilização desse método
terapêutico, o único prêmio Nobel já recebido por um psiquiatra. Se levarmos em
consideração o Prêmio Nobel de 1903, recebido pelo russo Ivan Petrovich Pavlov, pela
descoberta dos reflexos condicionados, percebe-se que foi um fisiologista, e não
psiquiatra, que recebeu o prêmio. Não podemos esquecer que o português Antonio Egas
Moniz, vencedor do Nobel em 1948 pelo desenvolvimento Lobotomia Transorbitária
para tratamento da esquizofrenia, era neurologista. A malarioterapia passou a ser
empregada em Porto Alegre, em 1928, um ano após o Prêmio Nobel, sendo um avanço
em tecnologia médica para a época. Em 1938, o Hospital Psiquiátrico São Pedro
recebeu uma placa de bronze em agradecimento a Jaurreg pelo desenvolvimento da
malarioterapia. Essa placa foi um presente pelos pacientes recuperados para a família e
a sociedade por essa técnica terapêutica. Tal terapêutica médica foi a única que recebeu
tal honraria de pessoas beneficiadas por ela aqui no estado do Rio Grande do Sul.
Os mecanismos de cura da malarioterapia são discutidos desde que a
temperatura alta da febre terçã da malária pode eliminar os TP, ou desde que reações
imunitárias despertadas pelo PV possam ajudar o organismo a combater o TP.
Objetivos
Apresentar e debater esse pré-projeto com historiadores e profissionais da saúde
do IV Encontro Estadual de História da Saúde visando o seu aperfeiçoamento, evolução
crítica para obtenção resultados mais adequados. A pesquisa pretende revisar o emprego
da malarioterapia para o tratamento da neurossífilis em pacientes do Hospital
Psiquiátrico São Pedro e Clínica São José, ambos de Porto Alegre. Avaliar os resultados
de seu emprego. Realizar uma descrição histórica da utilização da malarioterapia para o
tratamento da neurossífilis. Comparar e contextualizar o momento da utilização desse
tratamento com a psiquiatria atual.
Métodos
É um estudo retrospectivo, coorte, onde os dados a respeito dos enfermos serão
pesquisados nos prontuários médicos de pacientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro,
que se encontram no Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul, e ainda nos
arquivos da Clínica São José de Porto Alegre. Será feita revisão bibliográfica de livros
de psiquiatria dos anos 40, além de tratados atuais de psiquiatria e livros de história da
psiquiatria. Busca no Pubmed (Medline) e Scielo artigos médicos sobre malarioterapia
nos últimos 10 anos. Dados referentes à malarioterapia serão coletados no Centro de
Memória da Associação Médica do Rio Grande do Sul e no Memorial da Associação de
Psiquiatria do Rio Grande do Sul e Museu de História da Medicina do Rio Grande do
Sul (MUHM). Serão analisadas as descrições da doença sifilítica realizadas por
profissionais da época, assim como serão abordados os tratamentos anteriores à
malarioterapia e o impacto nesta após o início da utilização da antibioticoterapia com
penicilina para o tratamento da sífilis e o desuso da malarioterapia. Para tal, será
desenvolvido um instrumento de coletas de dados com a finalidade de padronização dos
dados. Esse projeto deverá ser submetido aos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital
São Lucas da PUCRS e do Hospital Psiquiátrico São Pedro para que se possa dar
seguimento às outras fases da pesquisa após a revisão bibliográfica.
Referências
- TOURNEY, G.: The History of Therapeutics Fashions in Psychiatry, 1800-1966
American Journal of Psychiatry, 1967, vol. 124, pp.784-796
38
- GASTAL, F. L., LEITE, S. S. O., ANDREOLI, S. B., GAMEIRO, M. A., GASTAL,
C. L., GAZALLE, F. K., CREMA, F. B.: Tratamento etiológico em psiquiatria: o
modelo da neurossífilis, (1999) Revista Brasileira de Psiquiatria, vol. 21 (1).
- GUILHERMANO, L. G., SCHWARTSMANN, L. C. B., SERRES, J. C. P., LOPES,
M. H. I.: Páginas DA História da Medicina – Edipucrs, 2010
GODOY, J.G. –Psiquiatria no Rio Grande do Sul, 1955, Edição própria, Porto Alegre,
Malarioterapia, pp. 113-118
39
O Corpo e Gênero na Idade Média: Uma analise das relações de poder através de
Eleonora da Aquitânia
INTRODUÇÃO
Este estudo busca primeiramente fazer uma breve analise sobre a categoria
gênero e como ele se apresenta como poder modificador dos corpos na Idade Média.
Tendo em vista a subjugação vivida pelo gênero feminino neste contexto histórico, este
trabalho busca entender como estas duas categorias teóricas se comportam no contexto
da Baixa Idade Média, mais especificamente no século XII, através da ilustre
personagem Eleonora da Aquitânia (1122-1204).
A medievalista Jardim (2006, p.25) explica: “A posição de inferioridade da
mulher em relação ao homem marca os diferentes discursos que a sociedade medieval
produziu”, contudo algumas mulheres dominadas pelo saber conquistam um grande
espaço atuante na sociedade como o caso de Eleonora da Aquitânia. Isso comprova a
veracidade de Foucault (1979) ao dizer que quem tem saber tem poder, já que foi
através da vasta bagagem cultural adquirida por Eleonora que a permitiu ultrapassar as
barreiras discursivas de menosprezo a mulher e assim obter grande prestígio no mundo
medieval. Assim, as barreiras culturalmente construídas sobre os corpos na Idade
Medieval, se mostram como não sendo um limitador absoluto, afinal como Labarge
(1988, p.20) afirma: “A natureza geralmente desordenada da sociedade da sociedade
permitiu um marco de ação mais amplo para a influência pessoal das mulheres
sobressaírem.”.
40
Domenec (1986), Pernoud (1983) e Labarge (1988) foram de fundamental importância
para investigar e entender as relações de gênero no contexto histórico da Eleonora da
Aquitânia.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
CONCLUSÕES
41
REFERÊNCIAS
PORTER, Roy. História do Corpo. IN: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas.São Paulo: editora da Unesp, 1992. p. 291-326.
SCOTT, Joan. História das Mulheres. IN: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História:
Novas Perspectivas.São Paulo: editora da Unesp, 1992. p.63-96
JARDIM, Rejane Barreto. Corpo, Gênero e História. IN: PEREIRA, Nilton Mullet et all
(org.). Reflexões sobre o Medievo. São Leopoldo: Oikos, 2009. p. 225-246.
LABARGE, Margaret Wade. La Mujer En La Edad Media. San Bartolomé: Nerea S.A.,
1988.
JARDIM, Rejane Barreto. Ave Maria, ave senhoras de tofas as graças: um estudo do
feminino na perspectiva das relações de gênero na Castela do século XIII. 2006.
Dissertação (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas -
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
42
Implantação do Sistema Único de Saúde no Município de Santa Maria
1
Universidade Federal de Santa Maria, (Mestrando em História).
2
Universidade Federal de Santa Maria, (Pós-Doutora em História).
43
por uma nova forma de se praticar o atendimento em saúde no Brasil, tendo dela saído
os preceitos para a formulação do texto referente à saúde na constituição de 1988.
Porém, ainda em 1987, antes da promulgação da constituição, foi criado o Sistema
Único Descentralizado de Saúde (Suds) justificado pela necessidade de se aprofundarem
as discussões quanto à operacionalização e financiamento do novo sistema de saúde. E
que, mesmo após a criação do (SUS), permaneceu como alternativa, até que se desse à
municipalização da saúde em cada município. Para o caso de Santa Maria, alvo deste
estudo, o projeto de pactuação do atendimento via SUS só foi assinado em 1996. Logo,
o município esteve, dos anos de 1987 a 1996, integrado dentro da rede (Suds) que,
apesar de já estar alinhada a alguns dos preceitos do SUS, ainda pagava por
procedimento, favorecendo o regime de atendimento médico individual, combatido pelo
novo movimento sanitário.
Esta temática é amplamente trabalhada principalmente, nas Escolas de Saúde
Pública de todo o país. Destacando-se instituições como, Abrasco e Fiocruz – que
realizam grandes esforços para discutir, analisar e teorizar –, o Movimento de Reforma
Sanitária, as políticas e o sistema de saúde, desenvolvidos nas últimas décadas da
história do país. Esta também carrega, como diferencial, o fato de discutir a inserção de
Santa Maria nesse contexto, ou seja, historiar um trecho da vida política, social e
administrativa do município que ainda carece desse tipo de análise. Além disso, se
configura, através da análise do processo de municipalização da saúde, como um
esforço para complementar os trabalhos realizados pelas instituições e escolas acima
citadas.
A busca pelo direito a saúde, principalmente após a criação do estado
democrático de direito pela Constituição Cidadã, mostrou um potencial diferenciado
dos inúmeros outros mecanismos e motivações de mobilização. Não se reduziu a uma
causa sindical, de classe, ou de grupo corporativo. Mas, reuniu uma heterogênea massa
de cidadãos advindos de todos os ramos da sociedade e que, sem estarem inseridos
como militantes de um movimento organizado, ao menos manifestaram em suas idas a
Unidades de Saúde ou diante de representantes do executivo e do controle social, o
desejo de um bom atendimento. Ou seja, a necessidade de materialização dos ideais do
Movimento de Reforma Sanitária que não poderiam ser apenas registrados em uma lei,
fria, morta e inoperante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ESCOREL, Sara; As origens da Reforma Sanitária e do SUS. In: LIMA, Nísia Trindade
(Org.). Saúde e Democracia: História e Perspectivas do SUS. / Organizado Por Nísia
Trindade de Lima Silvia Gerschman e Flavio Coelho Edller. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ. 2005.
44
FLEURY, S.. Reforma sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989.
45
A Sociedade Portuguesa de Beneficência: Caridade, Assistência e poder no Rio
Grande do Sul do século XIX
Larissa Patron Chaves1
Introdução
Este trabalho objetiva apresentar pesquisa sobre parte da trajetória histórica das
Sociedades Portuguesas de Beneficência no Rio Grande do Sul e suas relações com o
trabalho assistencial desempenhado no Estado no período que compreende o Império e
república Velha. As Associações de Beneficência são instituições hospitalares criadas
por imigrantes portugueses no Brasil do século XIX, e no mundo colonial português,
sob o modelo das Misericórdias criadas em Portugal pela rainha Dona Leonor no século
XV. Ao processo de implantação das instituições lusas relaciona-se a importância da
imigração portuguesa para a região sul na segunda metade do século XIX, momento
considerado importante pela vinda do maior contingente imigratório europeu para o
Brasil, entre eles de portugueses, e do conseqüente papel dessas associações de
Beneficência na representação desse contingente.
Da mesma forma que no restante do país, no Rio Grande do Sul as instituições
prestam assistência aos sócios portugueses na enfermidade, na necessidade educacional
e na morte, desenvolvendo a prática da caridade a partir de uma perspectiva dual, pois
representam o ideário cristão pregado pela Igreja Católica ao mesmo tempo em que
agem na circulação social da caridade, favorecendo a sua auto-promoção e equilibrando
disputas de poder.
Uma Sociedade Portuguesa de Beneficência contrata empréstimos com qualquer
casa bancária capitalista, constrói edifícios, representa a si mesma em atos públicos,
evidenciando os domínios e poderes institucionais que propõe. Entretanto, a discussão
sobre a função assistencial e social, bem como da composição das suas diretorias
administrativas, acompanha grande parte do material documental encontrado sobre elas,
remetendo ao fato de que não existe uma aplicabilidade rígida das regras
administrativas, definidas nos estatutos, para a prática social, exposta nos relatórios.
Objetivos:
A pesquisa apresenta os seguintes objetivos:
Geral
Investigar as Instituições de Beneficência Portuguesa no Rio Grande do Sul a
partir de sua heterogeneidade, na análise de suas administrações, assistência e
representações em perspectiva comparada, de 1854 a 1910;
Específicos
Justificar a criação dessas instituições lusas, bem como analisar as condições
econômicas e culturais locais que permitem efetivar a criação de suas respectivas sedes;
Apontar as relações sociais, políticas e culturais que tais instituições, auto-
denominadas caritativo-filantrópicas, mantêm com a Monarquia Portuguesa;
Examinar, através dos meios discursivos (Atas, relatórios, estatutos, periódicos,
alvarás, entre outros), como tais instituições evidenciam a assistência desempenhada
tendo em vista as relações com as comunidades locais;
Contribuir para os estudos que se referem à presença portuguesa no Rio Grande
do Sul durante o Segundo Império e República Velha, em especial à relevância das
1
Doutora em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. Professroa
Adjunta da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.
46
Sociedades Portuguesas de Beneficência como instituições representativas dos
interesses dessas comunidades, pouco referendadas na historiografia oficial regional e
nacional.
Metodologia:
A pesquisa tem como referencial teórico-metodológico o trabalho em história
comparada desenvolvido por Marc Bloch. Para o autor, a comparação tem duas funções
importantes: pesquisar e entender aspectos científicos e gerais de cada fenômeno e
auxiliar e compreender as causas e origens de tais fenômenos (BLOCH, 1930:31-39).
Nesse sentido, pretende relacionar as instituições de Beneficência portuguesa
nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e Bagé, no que tange as suas normas
(estatutos e formas de assistências), práticas (assistência e atividades sociais, políticas e
culturais) e vida institucional.
Resultado e discussão
Parte da trajetória histórica das Sociedades Portuguesas de Beneficência mostrou
que mesmo afirmando a assistência a partir da alternância entre o dever interessado com
o dever desinteressado, nos diferentes casos analisados a espinha dorsal da caridade foi,
de fato, a espiritualidade. As diferentes formas como ela foi utilizada permitiram
visualizar as diferenças, mesmo dentro da história da uma única Sociedade de
Beneficência, a transferência do que significa um exercício espiritual e uma vida na
caridade para a vida prática recorre as questões da assistência, em especial da saúde.
As efemérides comemoradas nas quatro Sociedades Portuguesas de Beneficência
adquiriram significado de suma importância nessa trajetória, pois de diferentes formas,
as Associações procuraram ressaltar valores ideológicos que remetiam a sua
identificação enquanto portuguesas nas comunidades locais.
Comparativamente, o protetorado régio funcionou de forma desigual ao longo da
história das Instituições. Nas Associações de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande a
devoção ao rei se deu em função do próprio protetorado, pois o mesmo ao aprovar a
Instituição enviava carta declarando-se protetor. O estabelecimento dessa proteção
mostrou que através das relações com a monarquia portuguesa o poder simbólico havia
sido garantido, estando presentificado pelo poder real.
Ao realizar uma análise sobre o trabalho assistencial da Sociedade Portuguesa de
Beneficência, percebeu-se que se não houvesse a caridade desempenhada mesmo que
interessadamente, não haveria a possibilidade de atendimento hospitalar para além do
que foi oferecido pelo Estado. Como plano privado, a iniciativa da criação da entidade
portuguesa no século XIX foi bem sucedida porque partiu de uma mobilização coletiva,
num momento onde o Estado pouco faria devido ao pouco conhecimento dos reais
problemas sociais no Brasil. Embora a sua correlação com as elites locais existisse, e
persista ainda hoje como uma marca identitária das Associações, foi pelo fato de
convocar, e aproximar tanto a mística da religiosidade portuguesa ligada à caridade e
filantropia, quanto os costumes, festividades e cerimônias típicas de Portugal que as
Instituições subsistiram enquanto entidades nas diferentes localidades. Uma subsistência
determinada que se auto-projetou para ultrapassar o tempo.
Bibliografia
47
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In ROMANO, Ruggiero (org). Enciclopédia
Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da moeda, 1985. v. 5.
BLOCH, Marc. Comparasion. Revue de Synthèse Historique, Paris, vol LXIX, boletim
anexo, 1930 p 31-39.
DAVIS, Natalie Zemon. Essai sur le don dans la France du XVI siècle. Paris: Editions
du Seuil, 2003.
GUINZBURG, Carlo. Olhos de madeira – nove reflexões sobre a distância. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
HEINZ, Flávio (org). Por uma outra história das elites. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 2006.
Fontes Documentais:
Correspondência. Ministério do Reino – Maço 5018, Proc. 504, Liv. 03. Arquivo Torre
do Tombo. Lisboa, Portugal.
Camarista de Dom Fernando. Ministério do Reino – maço 2503. N. 424, Liv 29.
Arquivo do Cartório da Casa Real.
48
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Porto Alegre, Estatutos 1854,1865, 1867,
1886, 1887, 1893. Porto Alegre: Tipografia do Correio do Sul.
49
Mobilidades geográficas de médicos italianos e o aporte de especialidades
1
Doutoranda do PPG-História PUCRS
50
Entre os que se especializaram no exterior, as preferências eram pelas cidades de
Paris, Berlim e Bruxelas. Paris foi o local escolhido por três médicos para especialização
principalmente em doenças dermatológicas e venéreas. Há uma ligação de Bruxelas com
a disciplina de Medicina tropical. Dois médicos, Carotenuto e Motti fizeram esta
especialização e trabalharam na África antes de se radicarem no Brasil. Vicente
Bornancini especializou-se em oftalmologia e Marco Finocchio, em clinica geral e
cirurgia, em Berlin.
Salienta-se que o termo especialização ganhou sua justificação inicial como forma
de produção e de disseminação de conhecimento em vez de tipo de habilidade ou forma
de prática durante o século XIX. Não havia uma distinção acentuada entre especialização
como forma de conhecimento e especialização como prática; os dois modelos eram
inseparáveis porque o ensino médico e a pesquisa aconteciam em instituições devotadas à
prática clínica e não à pesquisa. O médico especialista, considerado como inovador, era
frequentemente visto como mais competente para tratar casos difíceis. Existia um forte
paralelismo no desenvolvimento e difusão das especialidades médicas tanto na Europa e
nos Estados Unidos, o que pode ser explicado pela comunicação entre as elites médicas,
através de contatos internacionais. (WEIZ, 2006)
Observa-se que médicos italianos estiveram presentes na fundação e/ou direção de
hospitais. Seis médicos dirigiam estabelecimentos hospitalares em Bento Gonçalves,
Erebango, Caxias, Farroupilha e Santa Maria. Quatro médicos desempenharam funções
em instituições públicas, entre eles está Paulo Rosito que desempenhou as funções de
delegado especial da Diretoria de Higiene em Getulio Vargas.
Conforme a listagem, havia quatro médicos que tiveram experiência prévia
militar. João Vassali era tenente médico do exército italiano e tornou-se médico da
Brigada Militar e da Santa Casa de Livramento. José Canessa foi oficial médico na Líbia
e na 1ª Guerra Mundial. Serviu às forças revolucionárias na Revolução de 1923.
Dedicou-se a clínica médica e a cirurgía. Trabalhou em Garibaldi, Getulio Vargas e
Erebango. Nesta última cidade fundou um hospital.
Em relação aos locais de atuação dos 29 médicos listados, observa-se que não
houve uma região preferencial de atuação. A distribuição destes médicos é bem diferente
daquela dos médicos italianos em São Paulo. Conforme Maria do Rosário Salles (1997),
neste estado mais de 50% dos profissionais se radicaram na capital.
Nota-se uma grande mobilidade destes médicos antes de se radicarem
definitivamente no Rio Grande do Sul. Há passagens pela cidade do Rio de Janeiro, por
São Paulo, onde havia importantes hospitais de origem italiana, e, também, por países
vizinhos como o Uruguai. Maffei trabalhou em São Paulo no Hospital Humberto 1º e
depois se radicou em São Sepé. Biasotti atuou nos Hospitais Ermelindo Matarazzo e
Humberto 1º de São Paulo, antes de se estabelecer em Mussum. Nicola Turi trabalhou no
Hospital Italiano de Montevidéu. Foi Diretor da Casa de Saúde da Cooperativa da Viação
Férrea do RS. e trabalhou no Hospital de Caridade em Santa Maria. Salvatore Mac
Donald Caruso empregou-se na Estrada de Ferro Paraná- Santa Catarina, após em
Alfredo Chaves e José Bonifácio. José Canessa, em Garibaldi, Getúlio Vargas e
Erebango. A trajetória de Pedro Turi inclui Pelotas, Cruz alta e Porto Alegre. Foi médico
do Posto de Higiene e médico da Viação Férrea do Rio Grande do Sul em Cruz Alta.
Riego Sparvoli é um médico que exemplifica as possibilidades de trabalho, o
aporte oferecido pela formação profissional prévia, as redes de sociabilidade, e a
contribuição profissional dos médicos italianos. Sparvoli radicou-se no Brasil devido aos
conhecimentos feitos em Roma com o embaixador brasileiro e com o cunhado desse, Dr.
Berchon D’Essarts, renomado médico de Pelotas, no ano de 1912. Após um período de
trabalho em Pelotas foi convocado como cirurgião da Cruz Vermelha Italiana na Primeira
51
Guerra Mundial. Retornou ao Brasil com a especialização de cirurgia.
(SCHWARTSMANN, 2008) Foi o mentor da criação e diretor do pavilhão da
Maternidade e do dispensário infantil da Santa Casa de Rio Grande, inaugurado em 1930,
época reconhecida como aquela onde ocorreram grandes modernizações neste hospital.
(RODRIGUES, 1985, p. 74).
Referências bibliográficas
CONSTANTINO. Núncia Santoro de. Italiano na cidade: a imigração itálica nas cidades
brasileiras. Porto Alegre, Passo Fundo: ACIRS, UPF, 2000.
RODRIGUES, Sued de Oliveira. Santa Casa de Rio Grande: a saga da misericórdia. Rio
Grande: Editora da Fundação Universidade do Rio Grande, 1985.
VIEIRA, Felipe Almeida; GRIJÓ, Luiz Alberto. Medicina e memória: O Panteão Médico
Rio-grandense (1943). In: GUILHERMANO, Luiz Gustavo; SCHWARTSMANN,
Leonor B. Schwartsmann; SERRES, Juliane C. P.; LOPES, Maria Helena Itaqui. Páginas
da História da Medicina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
52
Avaliações psiquiátricas de personalidades “anormais”: o ponto de vista da
psiquiatria forense do Rio Grande do Sul (1925-1941)1
Lizete Oliveira Kummer2
1
Este assunto foi abordado no capítulo 4 de minha tese de doutorado A psiquiatria forense e o
Manicômio Judiciário do Rio Grande do Sul: 1925-1941, defendida em setembro de 2010 no Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2
Doutoranda em História - UFRGS.
53
intrigante, simulador e outros, a caracterização do homossexualismo como sintoma de
doença mental são demonstrações das dificuldades enfrentadas pelos médicos para
estabelecer limites entre o conhecimento científico e os preceitos morais da sua época.
Apesar de considerar a perversidade instintiva como um dado congênito, em geral os
médicos desta época acreditavam na possibilidade de modificação da personalidade, por
meio da ação intimidativa da pena de prisão ou pelo que chamavam de “orientação
psico-pedagógica”.
Diversos estudos de história da psiquiatria no Brasil (Costa, Cunha, Engel,
Machado, Portocarrero) enfatizam a ampliação de seu objeto. Progressivamente os
psiquiatras teriam estendido a sua atuação para além da loucura, incluindo
comportamentos anti-sociais como sintomas de alienação. O primeiro manicômio
judiciário do Brasil, criado no Rio de Janeiro em 1921, foi estudado por Carrara (1988).
No texto, originalmente uma dissertação de mestrado, o autor busca explicar as
condições históricas do surgimento do louco criminoso e da instituição que dele se
ocupa, o asilo criminal. Carrara acredita que o manicômio judiciário não foi criado para
qualquer alienado que cometesse crime, seu alvo fundamental era o “fronteiriço”. Desde
o início do século XX o manicômio criminal foi proposto como uma instituição
destinada a “personagens (...) cuja peculiaridade era menos a de serem loucos
criminosos que a de serem loucos lúcidos, os anômalos morais, ou seja, a de estarem, de
certo modo, a meio caminho entre a sanidade e a loucura” (Carrara, 1998, p.158). O
autor utilizou como fontes textos doutrinários publicados por médicos e juristas no final
do século XIX; a prática judicial foi analisada a partir de um caso muito bem
documentado, o crime de Custódio Alves Serrão, ocorrido em 1896, e referência a
outros três casos médico-legais anteriores à criação do Manicômio Judiciário do Rio de
Janeiro.
Em minha pesquisa, realizada no arquivo do Instituto Psiquiátrico Forense,
utilizei os registros dos pacientes internados para avaliação desde a inauguração da
instituição até o final do ano de 1941. Para este período há um total de 541 registros,
dos quais localizei 534. Os indivíduos que permaneceram internados na instituição até o
falecimento foram diagnosticados como alienados e representam 16,5% do total de
avaliados. Os “fronteiriços” ou portadores de personalidade anormal foram
considerados responsáveis e encaminhados para julgamento. Meus dados, portanto,
contrariam a tese de Carrara. O peso que o laudo pericial e as avaliações morais nele
contidas tiveram no julgamento teria de ser avaliado por outra pesquisa, que
investigasse os processos criminais.
REFERÊNCIAS
CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na
passagem do século. Rio de Janeiro: EdUERJ; São Paulo: EdUSP, 1998.
54
MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: medicina social e constituição da
psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
55
Dados quantitativos da Justiça do Trabalho de Pelotas (RS): litígios que
envolvem saúde entre os anos de 1940-1945.
Lóren Nunes da Rocha,1; Lorena Almeida Gill2; Beatriz Ana Loner3; Micaele
Irene Scheer4; Marciele Agosta Vasconcellos5
56
motivo, conclusão, duração do processo). Ao ser identificada uma demanda
significativa por motivos de saúde, monta-se uma tabela que reúne estes litígios para
melhor localização.
Até o momento foram analisados todos os processos que constam no acervo
entre os anos de 1940-1945 que somam um total de 503. Dentre esses, 49 se referem à
saúde do trabalhador, sendo 35 movidos por homens e 14 por mulheres. Mesmo que os
homens representem maior número não se pretende com isso afirmar que eles adoeciam
mais e sim que havia mais funcionários homens. Duas motivações para as entradas das
ações destacam-se: a primeira se refere ao pagamento dos 30 primeiros dias de salário
do período de afastamento por motivo de doença9, os empregados pediam a licença, era
concedida, porém não recebiam durante o período e procuravam seus direitos através da
Junta de Conciliação e Julgamento. A segunda se vincula às demissões sem justa causa
e sem aviso prévio, então o trabalhador afastava-se por motivo de doença, apresentava o
atestado concedido por uns dos médicos do I.A.P.I e, mesmo assim ao retornar ao
serviço era exonerado, às vezes no mesmo dia e em outros casos dias depois, sem que
lhe apresentassem motivos justos
Os atestados médicos que foram encontrados anexados aos processos,
geralmente não fazem menção ao tipo de doença, dessa forma não permite que se faça
um levantamento das moléstias que proporcionavam maiores demandas. Ainda sobre os
atestados é importante destacar que somente os médicos do I.A.P.I tinham seus
atestados considerados verdadeiros pelas empresas, portanto, alguns processos tiveram
conclusões improcedentes, pois se julgava que os atestados eram “frios”.
Sobre os desfechos dessas ações tem-se para os homens: 15 procedentes, 7
improcedentes, 1 arquivamento e 2 procedências em parte e, para as mulheres, 5
procedentes, 2 improcedentes, 3 arquivamentos e 1 procedência em parte. Os advogados
que apareceram na quase totalidade dos processos foram: Antonio Ferreira Martins e
Alcides de Mendonça Lima. Embora a sindicalização fosse facultativa, o governo
estabeleceu que só os trabalhadores filiados aos sindicatos legalmente reconhecidos
poderiam gozar os benefícios da legislação que efetivamente começava a ser
implementada (GOMES, 2002). Apesar da filiação, como citado, ser “obrigatória”, não
se percebe nos processos ou pelo menos não fica explícito a filiação sindical. São raros
os processos que apontam se o empregado estava sendo representado pelo sindicato.
Entre os que foram incluídos neste levantamento quantitativo por motivos de saúde
apenas 10 foram identificados, sendo 7 para homens e 3 para mulheres e as conclusões
não foram diferentes dos demais por serem representados, pois indicam para mulheres
duas improcedências e uma procedência e para os homens quatro procedências, uma
improcedência e dois acordos.
A pesquisa sobre este viés está em fase inicial, mas através do levantamento de
dados se pode perceber como as empresas demoraram a se adaptar ao estabelecimento
da lei. Mesmo que as improcedências não se configurem em número maior, os
empregados adoeciam e tinham que dar entrada em ações que, às vezes demoraram mais
de dois anos para ser concluídas. Tinham ainda que recorrer à lei para desfrutarem de
direitos que deveriam ser gozados de maneira natural. Acredita-se que os anos seguintes
apresentem diferenças, como, por exemplo, na estrutura do processo que talvez possa
permitir identificar os sindicatos, as doenças nos atestados médicos e outras motivações
para os processos.
9
Estabelecido pelo Decreto-Lei 6.905/44 da CLT.
57
REFERÊNCIAS
GOMES, Angela de Castro. Cidadania e direitos do trabalho. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2002.
LOPES, Augusto. As leis trabalhistas e a situação da saúde nas fábricas paulistas. In:
ROIO, José Luiz del. Trabalhadores no Brasil: Imigração e Industrialização. São Paulo:
Edusp, 1990, p.119-126.
58
Narrativas de benzedores e parteiras na região sul do Brasil
1
Professora Adjunta da Universidade Federal de Pelotas. Doutora pela PUCRS.
2
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da UFPel. Bolsista do CNPq.
3
Graduanda do Curso de Bacharelado em História da UFPel. Bolsista da FAPERGS.
4
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da UFPel. Bolsista da FAPERGS.
59
religião teve a sua formação realizada por Dona Maria Verena, já falecida, que
coordenava a “Tenda de Umbanda Nossa Senhora dos Navegantes” e que possuía filhos
de religião. Dessa maneira, benzer é uma rotina diária, que executa em vários momentos
do dia, assim como é uma prática que viabiliza quando está incorporada. Segundo ela,
aquilo que aprendeu durante a vida, procurou ensinar a sua filha, que hoje já cuida da
terreira e do seu cotidiano em alguns dias da semana.
Aparecem situações ainda exclusivamente relacionadas à um dom existente ou
obtido, mediante a vivência de algum momento traumático na vida, como foi o caso de
seu Dário, conhecido como Dário da Tunas, que após ser atropelado por um automóvel
em alta velocidade e ter passado por longo período de convalescença, diz ter recebido
mensagem divina que o habilitava a levar esperança aos enfermos.
Uma outra vertente de cuidado se refere ao caso das parteiras. São poucas as
ainda existentes, mas há aquelas que atendem nas casas das parturientes ou ainda em
hospitais, sobretudo em cidades do interior, algumas mais afastadas dos grandes centros
urbanos, onde se torna difícil manter um médico. Este foi o caso de dona Jaci Souza, 75
anos, moradora de Piratini.
Jaci atuou no hospital Nossa Senhora da Conceição, em Piratini, durante 40 anos
e iniciou como uma espécie de auxiliar de enfermagem, que se especializou no
atendimento às gestantes. Segundo ela, todo o procedimento era feito pela parteira e o
médico só era chamado a atuar em caso de algum problema com a mãe ou a criança.
A parteira afirma que poucas vezes conhecia a paciente ou sabia de sua história
familiar. Os atos eram praticados a partir do que a gestante revelava no momento o
parto. Para ela, os homens costumavam atrapalhar, pois muitas vezes passavam mal,
fazendo com que alguém precisasse ser deslocado para ver a situação do pai e deixando
de lado aqueles que precisavam de maior cuidado.
Jaci diz ter feito uma média de 30 partos por mês, pois atuou durante muitos
anos sozinha. Antes de se aposentar, ensinou a uma outra moça o ofício, sendo que esta
atualmente continua no hospital da cidade.
Ao realizar uma espécie de balanço de suas atividades, se mostra um pouco
descontente com sua rotina de trabalho, a qual incluía o fato de, às vezes, permanecer
longos períodos longe de sua casa e sua filha.
Com o desenvolvimento do projeto, pretende-se encontrar ainda o que se
convencionou chamar de parteiras de campanha, as quais percorriam diferentes lugares
levando atendimento às mulheres grávidas.
Considerações Finais:
60
assim, porém para a numerologia o número três representa o “equilíbrio”, a ordem
natural e, ainda para a religião católica vem associado a Santíssima Trindade,
conferindo um caráter sagrado ao ato.
Todos utilizam elementos da natureza tanto para o processo quanto no tratamento
com receitas feitas com ervas, partes de animais, chás naturais, xaropes. Por questões
culturais, a mulher está mais vinculada ao ato de “cuidar do outro”, talvez esta seja uma
hipótese a explicar porque há mais mulheres do que homens benzendo, porém os
mecanismos e os rituais praticados por eles são praticamente os mesmos.
A benzedura de tradição é a que mais vêm sofrendo com o processo de extinção,
uma vez que são poucos aqueles que dizem encontrar pessoas dispostas a aprender o
ofício. De toda a forma, como o ato envolve práticas populares há muito vivenciadas
pelas comunidades, acredita-se que essas formas de cuidado sobreviverão, mesmo que
seja através de maneiras novas de se concretizar.
No que diz respeito ao caso das parteiras, somente o desenvolvimento do projeto
permitirá estabelecer análises sobre esta trajetória profissional.
Referências Bibliográficas:
ALBERTI, Verena. Ouvir Contar. Textos em História Oral. Rio de Janeiro: Editora da
FGV, 2004.
BENJAMIN, Walter. O narrador. São Paulo: Brasiliense, 1994. In: Obras Escolhidas,
v.3.
FERREIRA, Marieta de Moraes (org.).História oral: desafios para o século XXI. Rio de
Janeiro : Editora Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz / CPDOC - Fundação Getulio Vargas,
2000.
MEIHY, José e HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São
Paulo: Contexto, 2007.
61
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana: mito e política, luto e
senso comum. In: FERREIRA, Marieta e AMADO, Janaína (Org.). Usos e Abusos da
História Oral. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
SOARES, Márcio. Médicos e mezinheiros na Corte Imperial: uma herança colonial. In:
História, Ciência, Saúde. VIII (2), 2001, p. 407-428.
62
A religião no mundo dos loucos
Marcelo Parker1
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). Bolsista CAPES-PROSUP.
2
CHEUÍCHE, 2011.
3
GODOY, 1955.
4
ibid.
5
GODOY, 1955, p. 386-387.
63
pregação ministrada pelas irmãs e pelos padres capuchinhos que conduziam as missas
dominicais. Sua chegada coincide justamente com o período de maior atuação católica:
REFERÊNCIAS
ENTREVISTAS
PAULINA, Irmã. Entrevista concedida em 17 de novembro de 2009. Informação verbal.
OUTROS
GODOY, Jacintho. Psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição do Autor,
1955.
6
PAULINA, 2009.
64
Insalubridade nos processos do Acervo da Justiça do Trabalho de Pelotas/RS
(1936-1945)
1
Aluna do curso de História-Bacharelado na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e bolsista
FAPERGS.
2
Professora Adjunta do Departamento de História e Antropologia da UFPel.
3
Aluna do curso de Licenciatura em História na UFPel e bolsista CNPq.
4
Aluna do curso de Licenciatura em História da UFPel e bolsista FAPERGS.
5
Professora Associada do Departamento de História e Antropologia da UFPel.
6
Processo do Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH/UFPel Reclamante Avelino
Tavares.
7
Processo nº 249/39 do Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas.
8
Em 18 de fevereiro de 1939, folha 02 do processo 249/39.
65
Na audiência, realizada em 9 de outubro de 1940, opostos confrontaram-se: o
patrão, Sr. Joaquim Oliveira, encontrava-se acompanhado de seu advogado, Tancredo
Amaral Braga; o empregado, Antonio Duarte, ao lado de Florindo Soares, presidente do
Sindicato dos Trabalhadores em Carga e Descargas Terrestres, do qual era associado.
Antonio Duarte tentou esclarecer o ocorrido alegando que se encontrava doente e
impossibilitado de trabalhar doze horas no local onde havia sido solicitada a
substituição, a seção de moagem ou “boca do moinho”, pois não havia ventilação e as
mínimas condições de higiene9, fato que agravaria sua doença. Em sua réplica, o chefe
da empresa afirmou que Antonio Duarte nunca apresentou atestado médico que
comprovasse sua enfermidade e que este deveria substituir seu colega por apenas alguns
instantes e não doze horas.
9
Fato comunicado em audiência realizada no dia 9 de outubro de 1940, processo 249/39. Acervo da
Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas, NDH-UFPel.
10
Para maiores informações sobre a atuação do Departamento Estadual de Saúde, dos Centros de Saúde e
das questões relativas a saúde pública no Rio Grande do Sul ver: SERRES, Juliane C. O Rio Grande do
Sul na Agenda Sanitária Nacional nos anos de 1930-1940. Boletim da Saúde, Porto Alegre, v. 21, n 1, p.
39-50, 2007.
11
Ofício enviado em 28 de fevereiro de 1939 ao Departamento Estadual de Saúde, Centro de Saúde n° 5;
folha 11 do processo 249/39.
12
Folhas 12,13 e 14 do processo 249/39.
13
Artigos 272 e 283, § 1º, do Decreto 7.481 de setembro de 1938, Regulamento Sanitário do Estado,
Capítulo Único, Título II, Higiene industrial, Locais de Trabalho e Ventilação e Iluminação.
14
As Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto 22.132/32) eram órgãos administrativos destinados a
dirimir os dissídios individuais do trabalho. Na cidade de Pelotas a primeira Junta instalou-se em 1946,
dessa forma os dissídios eram apreciados pela justiça comum, por meio do juiz de direito. No entanto,
encontra-se a denominação “Junta de Conciliação e Julgamento” antes da referida data de instalação.
15
Folhas 18;19 do processo 249/39.
66
quando o moinho trabalha para evitar que o assucar [sic] fuja de dentro do moinho,
para a rua ou que vá para dentro do escritório deixar tudo melado, em vez de ficar
dentro do moinho ou entrar para dentro dos pulmões dos operários, que no dizer do
Sr. Joaquim, até é fortificante...[grifo nosso]”. Em 10 de junho de 194216 a decisão da
Junta de Conciliação e Julgamento foi confirmada pelo Conselho Regional do Trabalho.
Serres (2007, p.46), ao tratar da saúde pública nacional no período, salienta que
o governo ditatorial de Vargas, “ao mesmo tempo em que controlava os problemas da
vida em sociedade, [...], estendia o aparato estatal e legitimava, por meio de políticas
públicas e respostas sociais, um Estado não legitimado democraticamente”. No mesmo
sentido, Gomes (2002) destaca que por meio da legislação trabalhista o governo tentou
promover os direitos sociais em detrimentos dos civis. No que se refere à saúde do
trabalhador e as condições de trabalho dentro de empresas e fábricas de Pelotas,
destaca-se que apesar da existência de órgãos destinados a dirimir os conflitos das
relações de trabalho, de fiscais do trabalho e higienistas, percebe-se a ineficácia destes
em certas situações, pois apesar de autuados os estabelecimentos em condições de
trabalho irregular, essas situações persistiam, principalmente devido à falta de
acompanhamento destes órgãos. Assim, muitos trabalhadores se frustravam diante da
ineficácia ou morosidade da regularização da situação, restando-lhes alternativas
diversas que não as vias legais; sendo uma das razões para o ínfimo número de
processos na Justiça do Trabalho de Pelotas. No entanto, destacamos a relevância de
outras fontes, como a história oral, para elucidar essa questão.
Referências
LOBO, Valéria Marques. O processo trabalhista como fonte para a pesquisa histórica.
In: I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DO TRABALHO – V Jornada
Nacional de História do Trabalho, 2010, pp. 01-16. Disponível em:
http://www.labhstc.ufsc.br/globalsouth/program.htm. Acesso em: 07 abril 2010.
16
Folha 47 do processo 249/39.
67
BIAVASCHI, Magda B. O Direito do Trabalho no Brasil 1930-1942. São Paulo: LTr-
Jutra. 2004.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33ª ed. São Paulo:
LTr, 2007.
SERRES, Juliane C. O Rio Grande do Sul na Agenda Sanitária Nacional nos anos de
1930-1940. Boletim da Saúde, Porto Alegre, v. 21, n 1, p. 39-50, 2007. Disponível em:
www.esp.rs.gov.br/img2/v21n1RS%20na%20Agenda.pdf Acesso em: 07 abril 2011.
68
A trabalhadora e o direito à licença maternidade: processos trabalhistas da
Comarca de Pelotas (1937-1947)
Micaele Irene Scheer1, Lorena Almeida Gill2, Lóren Nunes da Rocha3, Marciele
Agosta Vasconcellos4 e Beatriz Ana Loner5
Temos como objetivo problematizar a relação das trabalhadoras com a Justiça do
Trabalho, no que tange a garantia à licença maternidade e, consequentemente, com a
saúde materna no período de 1937 a 1947. Poucas eram as oportunidades em que as
operárias falavam por si, permanecendo assim na memória e nos meios escritos
representações masculinas destas. A investigação de suas histórias nos processos
trabalhistas possibilita enxergar, entre estes entraves, a mulher como agente social,
requerendo seus direitos e explicitando seu cotidiano, transparecem também a forma
discriminatória como era – e ainda nos dias atuais vemos resquícios destas concepções –
vista a mulher como trabalhadora, mesmo durante a gravidez, situação culturalmente
entendida como a “função sagrada” da mulher.
A construção dos processos discursivos em relação às trabalhadoras, durante
vastos períodos da História, fez com que se reproduzisse até os dias atuais a errônea
concepção da mulher como sendo incapaz de se igualar aos homens no que tange aos
mundos do trabalho. Esta seria responsável pela tranquilidade do lar, reprodutora da
espécie humana, sendo o homem o responsável em manter os filhos e a esposa,
pecuniariamente. Nessita Martins Rodrigues (1979) aponta para a existência de
períodos, raros e de rápida vigência, de “adormecimento” da ideologia “patriarcal”. Um
desses períodos foi durante a Segunda Guerra Mundial, em que o trabalho feminino era
mais aceito, tendo em vista a falta da mão-de-obra masculina, direcionada para as
atividades da guerra, a partir de meados de 1942. Período que, em parte, é analisado
neste artigo. Ocorre, entretanto que as mulheres, mesmo mais facilmente aceitas nas
fábricas e locais de produção, relutavam em procurar a justiça, devido ao ambiente de
trabalho, no qual imperavam chefes autoritários e a sempre instabilidade empregatícia.
No que tange o campo jurídico, o decreto n° 16.300, de 21 de dezembro de 1923,
do Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, é apontado como a
primeira medida legal, em âmbito nacional, de caráter protecionista à mulher
trabalhadora. Deste decreto até o período analisado, foram muitas as alterações. A
Consolidação das Leis Trabalhistas (1943) compilou leis trabalhistas conquistadas a
partir de 1933. No que se refere à proteção da maternidade 6 , garantiu o direito ao
afastamento da trabalhadora durante um período de 120 dias, sendo 28 dias antes e 92
após o parto, direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a
média dos 6 (seis) últimos meses de trabalho. Tal salário representa o que se
1
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista
FAPERGS.
2
Professora Adjunta do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas.
3
Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista CNPq.
4
Graduanda do Curso de Bacharelado em História da Universidade Federal de Pelotas e bolsista
FAPERGS.
5
Professora Associada do Departamento de História e Antropologia da Universidade Federal de Pelotas.
6
Capítulo III, Seção V, da Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de
1943.
69
convencionou denominar salário-maternidade. A manutenção do posto de trabalho e o
salário estavam garantidos por lei, assim como os deveres dos empregadores após a
licença maternidade
Quando não houver creches que atendam convenientemente à
proteção da maternidade, a juízo da autoridade competente, os
estabelecimentos em que trabalharem pelo menos trinta
mulheres, com mais de 16 anos de idade, terão local apropriado
onde seja permitido às empregadas guardar, sob vigilância e
assistência, os seus filhos no período de amamentação.7
Com o intuito de analisar o cotidiano das trabalhadoras pelotenses,
principalmente em torno da questão da maternidade, foi feita a leitura e análise dos
processos 8 entre 1937 e 1947, organizando os dados de maneira qualitativa e
quantitativa, com o fim de facilitar o acesso às informações. Percebe-se que há um
crescimento gradual e significativo, a partir de 1943, na procura reivindicatória dos
trabalhadores em favor aos seus direitos, possivelmente relacionada à popularização das
leis trabalhistas pelo Estado Novo de Vargas.
Com estes objetivos encontramos dez dissídios nos quais a principal motivação
era a reclamação pelos direitos garantidos à mãe trabalhadora. Na sua maioria, as
reclamantes eram casadas, brasileiras e operárias da Sociedade Anônima Anglo,
importante indústria pelotense do ramo das carnes e seus derivados, durante o período.
Duas mencionaram sindicatos; à seis foi concedido o direito à Justiça Gratuita; em
somente quatro casos percebe-se a presença do advogado, nestes o nome de Antonio
Ferreira Martins foi unanimidade. Somente um caso foi julgado procedente.
Estas trabalhadoras foram dispensadas, ora antes do início do repouso garantido
por lei às gestantes, ora na sua volta ao trabalho, não havendo espaço, efetivamente9,
para questionar ou flexibilizar o período de repouso. Como consta no processo de Ester
Coelho da Costa 10 , operária na seção de conserva da Sociedade Anônima Anglo,
grávida de sete meses, que se viu obrigada a repousar, pois, conforme seu médico
particular atestou, estaria com albuminúria, porém, não foi o que constatou o médico do
IAPI11, desta forma a requerente foi demitida quando retornou ao trabalho. Mesmo com
o atestado em mãos, não recebeu nenhum benefício e essa postura da indústria foi
ratificada pelo Tribunal Regional do Trabalho.
Geni Dias da Silva12, também operária na seção de conservas do Anglo, declarou
à Justiça do Trabalho que trabalhou durante dois anos e dez meses nessa indústria sendo
demitida sem justa causa e sem aviso prévio, enquanto estava grávida. Dessa forma,
solicitou o pagamento das seis semanas anteriores e posteriores ao parto no valor de
Cr.$ 1.267,20. Em sua defesa, a empresa alegou que a reclamante foi suspensa por cinco
7
Capítulo III, Seção IV, Artigo 389, Parágrafo único, da Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-
Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943.
8
Os processos plúrimos e individuais da Comarca da Justiça do Trabalho de Pelotas encontram-se no
Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas.
9
Na Lei constava a possibilidade de aumentar o período de repouso. Art. 392. §2. “Em casos
excepcionais, os períodos de repouso antes e depois do parto poderão ser aumentados de mais duas (2)
semanas cada um, mediante atestado médico, dado na forma do parágrafo anterior”. [Texto original -
Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943].
10
Processo 235/1947. Caixa 024 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.
11
IAPI. - Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários.
12
Processo 21/1947. Caixa 025 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.
70
dias e, após a interferência do Presidente do Sindicato, resolveu transformar sua
suspensão em demissão, ocasião em que lhe foram pagas as devidas indenizações. Além
disso, a reclamada alegou que “a lei não veda a despedida de gestantes. Apenas veda
que, por esse motivo sejam as operárias despedidas” (fl. 04). Em audiência, a Junta de
Conciliação e Julgamento julgou improcedente a reclamatória com base no art. 391 da
CLT 13 entendendo que a reclamante foi demitida antes do período de repouso
obrigatório.
Esther Duarte de Quadros 14 , passadeira de Raphael Delias, proprietário da
Tinturaria Elite, recebia em média Cr.$ 10,00 por dia. Reclamou seus direitos, visto que
após dar à luz, seu empregador recusou-se a pagar as seis semanas anteriores e
posteriores ao parto. Sendo assim, a reclamante solicitou o pagamento dessas semanas,
na base do salário mínimo vigente à época (Cr.$ 12,00 por dia), perfazendo Cr.$ 864,00.
Esther solicitou, posteriormente, o acréscimo das indenizações por despedida sem justa
causa; pagamento do aviso prévio e das diferenças salariais. Em julho de 1947 foi
assinado o Termo de Conciliação no valor de Cr.$ 450,00. A reclamante arcou com
pagamento das custas processuais.
A Justiça do Trabalho em suas leis impunha várias limitações ao trabalho
feminino, com o suposto intuito de protegê-las, mas as privava de alguns espaços de
trabalho nas fábricas, legitimando seus baixos salários e determinando quais eram as
funções, horários e condições do espaço de trabalho. No âmbito do direito à licença-
maternidade, a Justiça normalmente indeferia os dissídios. Mostrando os subterfúgios
dos empregadores e o desamparo das trabalhadoras, mesmo com direitos previstos em
leis. Quando se optava por um acordo entre as partes, o pedido relacionado à
maternidade não era atendido. Os casos de arquivamento foram devido a não presença
da requerente, destas não sabemos as causas da desistência. Os dissídios destas
mulheres e suas motivações ao enfrentar seus empregadores no espaço público, faz com
que se possa conhecer e problematizar seu cotidiano nos espaços de produção, suas
relações com as políticas e leis trabalhistas.
Referências bibliográficas
BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. In: PRIORE, Mary Del e
BASSANEZI, Carla (org.) História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997,
p. 607-639.
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em:
http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/10/1943/5452.htm. Acessado em: 04 de abr
de 2011.
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na
constituição do fabril. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 227.
PERROT, Michelle. Escrever uma História das Mulheres: relato de uma experiência.
Disponível em:
13
Art. 391 - Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver
contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.
14
Processo 78/1946. Caixa 021 – Acervo da Justiça do Trabalho da Comarca de Pelotas. NDH-UFPel.
71
http://www.ifch.unicamp.br/pagu/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/pagu04.02.pdf.
Acessado em: 25 de out de 2010.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2008. p.
190.
RANSOLIN, Antonio Francisco. Experiências do Memorial da Justiça do Trabalho no
Rio Grande do Sul na preservação de fontes documentais da Justiça do Trabalho.
Disponível em:
http://www.eeh2008.anpuhrs.org.br/resources/content/anais/1212180909_ARQUIVO_a
rtigoencontroreganpuh.pdf. Acesso em: 10 de Nov de 2010.
RODRIGUES, Nessita Martins. A mulher operária: um estudo sobre tecelãs. São Paulo:
Editora Hucitec, 1979. p. 146.
72
Nos meandros da saúde escrava: um estudo da mortalidade escrava na cidade de
Pelotas, 1830/1850, Século XIX
1
Mestranda em História UNISINOS– Bolsista CNPQ
2
Auto de Exame de Corpo de Delito. Processo de número 132, Maço 4A, Estante 36. Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul, APERS.
3
Trata-se do cirurgião José Demazzine e do Doutor Justino José Alves Jacutinga e das testemunhas José
Duarte Silva e Manoel José da Costa.
73
de Pelotas, no período de 1830 a 1850, com o cruzamento de outras fontes qualitativas
como os processos-crimes e os Autos Exames de Corpo de delito. As fontes que focam
a morte de cativos (documentação policial, eclesiástica, jornais, processos crimes, etc.)
se manipuladas com rigor metodológico, sensibilidade analítica e um adequado suporte
teórico, podem ser usadas como vias de acesso ao entendimento da sociedade escravista
oitocentista (MOREIRA; PINTO, 2010, p. 2).
Pretendemos compreender em nosso estudo quais as principais causas de
falecimentos de cativos na sociedade pelotense oitocentista. De que morriam as almas
escravizadas? Morriam mais africanos ou crioulos? Quais as principais doenças que
ceifavam vidas dos trabalhadores escravizados? Deste modo, por meio dessas
indagações temos o intuito de apreendermos mais sobre esse universo das doenças e as
causas das mortes que atingiram a população escrava da localidade estudada.
Foram computados um total de 1.675 registros de falecimentos de escravos
relativos aos anos de 1830 a 1850, coletados nos Livros 1 e 2 destinados aos óbitos de
escravos da Catedral São Francisco de Paula. Essa fonte está custodiada no Arquivo da
Cúria Diocesana de Pelotas. Em relação às fontes qualitativas (processos-crimes e autos
de exame de corpo de delitos) estão preservadas no Arquivo Público do Rio Grande do
Sul (APERS).
Destacamos também em nosso trabalho, que da análise de nossas fontes não
ressaltarám apenas a questão das causas das mortes de trabalhadores escravos, mas
também contemplar o universo das relações familiares e de trabalho desses sujeitos
históricos.
Como variáveis, usamos o gênero, origem e causas das mortes. Em suma, nossa
pesquisa visa demonstrar os resultados até o dado momento computados na tentativa de
pontuarmos as singularidades da localidade apontada com relação à saúde e à morte de
homens e mulheres escravizados, trazendo à tona umas das faces da escravidão ainda
pouco conhecida na então Província do Rio Grande de São Pedro dos anos oitocentos.
A pesquisa tenta dar o entendimento das causas dos falecimentos dos escravos,
não apenas pelo viés da questão do desgaste físico ocasionado pelas extensivas horas de
trabalho que esses indivíduos estavam acoplados. Mas também relacionarmos as
doenças com as conexões entre o tráfico atlântico, o ambiente da localidade estudada,
determinados fatores biológicos, enfim um gama de fatores antes desprezados pelos
pesquisadores da escravidão. Além disso, enfatiza o outro lado da questão, de como os
escravos interpretavam as doenças que os acometiam, acionando práticas culturais
distintas para o processo de cura das enfermidades (BARBOSA, 2008; CHALHOUB,
1996). Neste ínterim, também são observados os ritos fúnebres desses indivíduos, com o
intuito de desvelar as práticas comportamentais a respeito do entendimento da morte
sob o prisma dos escravos, e não apenas destacando o olhar do homem branco sobre o
ritual de enterrar os seus entes mortos (REIS, 1991).
No tocante aos dados coligidos, percebemos uma significativa presença de
cativos africanos morrendo, em sua grande maioria, do gênero masculino. No que tange
à procedência dos escravos africanos, encontramos índices significativos de
falecimentos de indivíduos oriundos da região da África Central Atlântica, tendo como
principais grupos de origem: Angola, Congo, Benguela e Cabinda. Podemos observar
que os registros de óbitos são fontes ricas para analisarmos não apenas a morbidade da
população escrava, mas também a constituição dos laços familiares. Verificamos pelas
informações demonstradas, que o principal grupo de moléstia que ceifou vidas de
trabalhadores escravos foram às enfermidades infecto-contagiosas, seguidas das
doenças do sistema respiratório e digestivo (KARASCH, 2000; RODRIGUES, 2005;
FLORENTINO, 1997; SCHWARTZ, 1988; PETIZ, 2007).
74
Enfim, o esforço empreendido nessa investigação sobre a saúde escrava foi
de tentar explorar a fonte, mesmo estando cientes das limitações da documentação para
o exercício de examinar as doenças que acometiam esses indivíduos escravizados.
Bibliografia
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro 1808-1850. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
REIS, João José. A morte é uma festa: rituais fúnebres e revolta popular no Brasil do
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SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
75
Modelos de asistencia médico-social para los trabajadores en Colombia, el caso de
la Empresa Minera el Zancudo 1865-1948
Oscar Gallo Vélez1
La Empresa Minera El Zancudo (EMZ, 1848-1948) se destacó en el panorama industrial
colombiano por los niveles y la complejidad de su producción, las novedosas estrategias
administrativas y las formas de organización del trabajo. En ese complejo escenario
industrial se puede identificar la historia del proceso de configuración de una medicina
del trabajo, de los conceptos de “enfermedad profesional”, “accidente de trabajo” y de
la legislación en este campo. Así mismo se pueden examinar las enfermedades de los
mineros, las formas de resistencia de los trabajadores, las responsabilidades, tensiones y
negociaciones para el control de los riesgos, las enfermedades y los accidentes. El
objetivo de este estudio fue analizar el proceso histórico de formación de los modelos de
asistencia médica, de intervención sanitaria y de protección de la vida de los
trabajadores de una población asociada a esta importante empresa minera. Se
consultaron fuentes que aportaran huellas sobre la minería, las condiciones sanitarias e
higiénicas, los avatares de la medicina del trabajo, la higiene y la seguridad industrial en
el ámbito regional, sobre todo rural. Los archivos consultados fueron: Archivo
Municipal de Titiribí, Archivo Histórico de Antioquia, Correspondencia e informes de
la Empresa Minera el Zancudo (BLAA), Sala de Historia Facu ltad de Medicina de la
Universidad de Antioquia, Archivo Central e Histórico de la Facultad de Minas,
Hemeroteca Nacional (colección de Tesis de la Facultad de Medicina de la Universidad
Nacional de Colombia), colecciones patrimoniales de la Biblioteca Central de la
Universidad de Antioquia.
Mediante un sistemático análisis de todo el material disponible para el periodo de
funcionamiento de la EMZ (1865-1948) se pudo observar las fracturas y
discontinuidades en las formas de asistencia en salud. Se constató la materialización de
varios modelos de asistencia médica para los trabajadores: el de 1865 a 1904,
caracterizado por un modelo en el que se enlazan caridad pública y beneficencia privada
dedicadas casi exclusivamente a enfrentar las epidemias y las necesidades propias de la
pobreza, aunque hubo casos esporádicos de atención médica para los mineros
accidentados o enfermos en el Hospital de Caridad. Del anterior modelo se avanzó en el
siglo XX hacia un servicio médico de la empresa minera (1905-1912) para los
trabajadores y sus familias. Durante ese periodo Miguel María Calle, médico de la
EMZ, realizó sus aportes al conocimiento de la anquilostomiasis y la EMZ emprendió
una transcendental campaña de profilaxis. En este segundo periodo la atención de los
trabajadores por el servicio médico de la empresa dependió mucho del Hospital de
Caridad del distrito cercano de Titiribí. Cierta amalgama entre los respectivos servicios
médicos del Distrito y de la Empresa muestra que los límites entre lo privado y lo
público eran aún muy borrosos en materia laboral y que la empresa no había asumido
plenas responsabilidades en la salud de los trabajadores. Los alcances de la
responsabilidad privada en la salud de los trabajadores estaban en el debate entre
diferentes dirigentes de la empresa. Un tercer periodo comienza con la organización del
Departamento Sanitario de la EMZ en 1912 y termina con su cierre en 1924. Este
periodo es el de la consolidación de un modelo empresarial de asistencia en salud para
1
Historiador y Magíster en Historia de la Universidad Nacional de Colombia. Actualmente estudiante del
doctorado en Historia de la Universidad Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil) en la línea de
investigación Trabajo, Sociedad y Cultura. Becario de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior –CAPES. Investiga la historia de la medicina del trabajo en Colombia. Correo electrónico:
oscargallovelez@gmail.com
76
los mineros jalonado por la creación del Hospital de la empresa y por la entrada de
prácticas de laboratorio en la práctica clínica y diagnóstica del servicio médico. La crisis
económica de la mina hizo que el Departamento Sanitario fuera cerrado en 1924 y los
trabajadores comenzaran a ser atendidos de nuevo en el Hospital del distrito. El cierre
definitivo de la mina fue en 1948. La documentación del periodo 1924-1948 mostró
grandes cambios en la relación salud y trabajo que hicieron emerger nuevos modelos de
salud para los trabajadores basados en la legislación laboral nacional y en la ampliación
de las ofertas médicas. En el lugar de un servicio médico centralizado dependiente de la
empresa se instalan numerosos oferentes de productos de salud, lícitos e ilícitos, las
empresas mineras subcontratan la atención médica de los trabajadores, el Hospital del
distrito se vuelve un oferente de salud entre muchos otros. Además, al final de este
cuarto periodo (1937-1945) surgió el movimiento sindical de los mineros en cuyas
reivindicaciones siempre estaba la del derecho a la salud, representada en la exigencia
de atención médica gratuita para los trabajadores y sus familias. Las tensiones entre el
movimiento sindical, los patronos y las autoridades locales en esa zona minera
desembocaron en el acuerdo de establecer el Reglamento Interno de la Arrendataria El
Zancudo y en las peticiones de los trabajadores de la pequeña minería, donde ya se ven
claramente enunciados deberes y derechos de los trabajadores y de la empresa. Un
ejemplo es el del respeto del derecho de cada trabajador a enfermarse, a ser protegido y
asegurado durante la enfermedad y a restablecer su salud. El historiador Pedro Laín
Entralgo lo resume como el paso “del acto de beneficencia al acto de justicia” (Martínez
e Tarifa, 168).
El itinerario por los avatares de la instauración de diferentes modelos de asistencia en
salud en la EMZ (1865-1948) permite observar tanto las fracturas y discontinuidades en
las formas de configuración de la seguridad social, la emergencia de un discurso sobre
la higiene industrial y “la medicina del trabajo”, como la aparición de nuevas
sensibilidades sobre el cuerpo del trabajador en Colombia. El conocimiento de este tipo
historias locales es esencial en la comprensión de los procesos históricos de
conformación de una medicina del trabajo y de configuración de la seguridad social.
Cuando se analiza las particularidades de estas acciones y se contrasta con otras formas
de asistencia médica o social a los trabajadores en el ámbito nacional e incluso
internacional es posible observar cómo se inscriben en un contexto más amplio de
sensibilización ideológica frente a la vulnerabilidad de la población trabajadora, las
condiciones de trabajo y la incidencia de las enfermedades profesionales.
Bibliografía
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79
O Cadáver de um preto escravo, vestido de mortalha: descrição da população
cativa da capital da Província do Rio Grande de São Pedro através de seus
registros de óbito (Porto Alegre / 1800/1888)
1
Professor UNISINOS, Doutor UFRGS - Contato/email: staudt@unisinos.br
2
Instituição: UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Tipo de Bolsa: UNIBIC – Bolsa de Iniciação Científica da UNISINOS
Contato/email: giane-flores@yahoo.com.br
3
Instituição: UNISINOS / Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Tipo de Bolsa: PIBIC – CNPq/UNISINOS
Contato/email: thathabender@hotmail.com
4
Estes registros são custodiados pelo Arquivo da Cúria Metropolitana de Porto Alegre, (AHCMPA),
localizado na Rua Espírito Santo, nº 95 - 90.010 - Porto Alegre/RGS e atualmente podem ser acessados
no site: https://www.familysearch.org/
80
período de 1871 a 1885 e possui 329 anotações. Mesmo que as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia (1707) determinassem a existência de livros próprios para os
registros eclesiásticos de livres e escravos, as autoridades religiosas locais agiam de
acordo com suas consciências e condições materiais particulares. No caso específico da
Paróquia de Nossa Senhora Madre de Deus, de Porto Alegre, os párocos registraram os
cativos em livros específicos até o ano de 1856 e depois, inexplicavelmente, livres e
escravos passaram a compartilhar os mesmos códices. Assim, para que tenhamos em
mãos o total de óbitos de escravos (e ingênuos) de Porto Alegre entre 1801 e 1888, nos
falta apenas o levantamento dos falecimentos de cativos pinçados nos códices de livres
da paróquia da Catedral, entre 1856 e 1888.
O estudo da morbidade de uma sociedade 5 tem se baseado, entre outros
documentos, nos registros de óbitos. Como já percebemos, realmente estes documentos
são riquíssimos em informações, mas temos que nos prevenir de alguns estorvos. Um
dado irritante dos registros de óbitos é a heterogeneidade das anotações de falecimento,
sendo que os dados constantes parecem estar sob o absoluto capricho dos párocos que
as confeccionavam. Assim, existem dados como causa da morte, idade do falecido, etc.,
que às vezes constam e outras não, não havendo contínua homogeneidade.
Devemos ainda mencionar que a informação sobre a causa da morte nos trouxe
alguns momentos de insatisfação, mas que isso não deve ser atribuído somente aos
religiosos. Entre as causas das mortes, muitas são evidentemente referências a sintomas
aos quais os médicos não tinham condições de diagnosticar a que doenças pertenciam,
seja por incompetência profissional ou descaso (ou desconhecimento mesmo!) – como
diarreia, por exemplo. 6 Como veremos abaixo, muitas das crianças nem chegaram a
receber qualquer atendimento médico, sendo provável que a classificação da causa da
morte tenha sido feita por hábitos cotidianos de medicina popular. Ou então, a causa da
morte é mal definida ou genérica demais para abalizar qualquer estudo, como
falecimentos causados por moléstia interna, dor, moléstias crônicas, repentinamente,
etc.
O processo de coleta dos dados dos registros de óbitos tem seguido uma
padronização relativamente simples em termos de planejamento:
1º - Fotografia dos livros originais no AHCMPA;
2º - Transcrição paleográfica dos registros manuscritos;
3º - Indexação dos dados colhidos em um uma planilha excell;
Esta planilha comporta colunas com a data, nome, sexo, origem (grupo de
procedência), cor, dados gerais, idade, faixa etária, nome da mãe, dados sobre a mãe,
nome do senhor, dados sobre o senhor (geralmente itens de distinção), nome do pai,
causa da morte, tipo de doença, folha do livro, observações, sacramentos recebidos,
padre que procedeu a cerimônia, referência documental, etc.
Cruzando alguns trabalhos referidos na bibliografia abaixo (COSTA / 1976,
KARASCH / 2000, PETIZ/2007, SOUSA/2003), com dicionários de médicos
contemporâneos àqueles falecimentos (como Pedro Luiz Napoleão Chernovitz e
Theodoro Langaard), estipulamos uma classificação das doenças e causas mortes, para
que a diversidade das mesmas pudesse ser apreendida como variável explicativa. Tendo
em vista os limites possíveis da proposta desta comunicação deixamos para explanar
mais minuciosamente sobre a pesquisa no momento da apresentação, caso aceita a
presente solicitação.
5
Morbidade: “De maneira geral, o conceito está relacionado ao estudo das doenças, enfermidades ou
moléstias de uma população”. NADALIN, 2004: 172.
6
Sobre medicina, recomendamos: WEBER, 1999 e WITTER, 2000.
81
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82
O Homem e a História de suas Doenças
1
Mestre em Letras (FURG). Aluno do curso de Mestrado em História da Universidade Federal de Pelotas
(RS). Bolsista da Capes.
83
“histórias” que, adotando perspectivas diversas, representam importantes contribuições
ao trabalho de reflexão sobre o papel das doenças na história” (SILVEIRA,
NASCIMENTO, 2004: 16).
Em parte, esse conhecimento é obtido porque os escritos e os registros
materiais expressam que as doenças crônicas e infecciosas surgem em paralelo a
importantes acontecimentos históricos, determinando ou conduzindo, em alguns casos,
o desfecho desses episódios. Nesse ínterim, é relevante lembrar que durante milênios as
doenças contagiosas, chamadas de pestilências, causaram mais vítimas que os principais
conflitos armados. Ademais, é possível afirmar com base no pensamento das
pesquisadoras Anny Silveira e Dilene Nascimento, que as doenças modificam o ritmo
de vida das pessoas, haja vista que:
84
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85
Magia e ciência a serviço da cura: uma análise dos saberes e das práticas
terapêuticas em tratados médicos dos séculos XVII e XVIII.
Roberto Poletto1
Resumo
Introdução
Objetivos
Metodologia
Para nos familiarizarmos com a temática do projeto maior, realizei leituras de obras que
me possibilitassem entender as concepções de saúde e de doença, dentre as quais
destaco LE GOFF (1984), BLOCH (1993) e THOMAS (1991, 1996). Estes autores me
1
Graduando da Unisinos e bolsista PIBIC.
86
puseram em contato, também, com a História da Medicina e me permitiram constatar a
presença significativa e concomitante dos pressupostos hipocrático-galênicos e dos
saberes e práticas curativas populares neste período. Tendo em vista a análise dos
Tratados de Medicina foi necessária uma familiarização com termos médicos e com a
própria evolução da ciência médica e farmacêutica, razão pela qual recorri à leitura de
FURLONG (1947), MARTIN e VALVERDE (1995), MAÑE GARZÓN (1996),
GESTEIRA (2004), BELLINI (2005) TERRADA (2007) e FLACHS e PAGE (2010). A
análise de cada Tratado foi qualitativa, a partir de categorias previamente definidas. As
informações recolhidas foram armazenadas em um banco de dados, o que facilitou a
sistematização e a realização de análises comparativas que vêm sendo apresentadas em
Mostras de Iniciação Científica e em artigos de divulgação.
Resultados
87
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89
“NO HAY MAL QUE POR BIEN NO VENGA”: um estudo dos necrológios das
Cartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai (1645-1662)
1
Graduanda do 6º semestre de História pela Unisinos. Bolsista PROBIC-FAPERGS
90
Como pude constatar, ao analisar estas Ânuas, morrer em martírio ou em razão de
qualquer outra privação (de alimento, por exemplo), não era algo assim tão temido pelos
padres – jovens ou já com idade avançada –, na medida em que entendiam que todo o
sofrimento enfrentado se reverteria numa morte gloriosa, como pode-se perceber neste
excerto da Carta Ânua acima referida:
“Murió en este colegio en 1647 el Padre José Quevedo, natural de
Córdoba del Tucumán, a la edad de 26 años, apenas acabados los estudios teológicos.
Era muy devoto de María Santísima, de su virginal esposo, y de nuestros Santos, en
cuyo honor había prometido ayunar en las vísperas de su fiesta a pan y agua. Así
preparado no era de admirar, que sin miedo esperase la muerte.” (grifo meu) (C.A.
[1647-1649], 1928, p. 07).
Dentre as referências à administração de sacramentos, me detive, em especial, na
extrema unção, que consiste na preparação da alma do indivíduo para o seu passamento.
Nas Ânuas, esta prática aparece referida, tanto aos padres, quanto aos indígenas, estando
associada à crença de que este procedimento garantiria a “boa morte”. Para ilustrar este
procedimento, apresento, primeiramente, uma situação em que um índio procura o padre
para que o sacramento fosse administrado:
“Otro semejante caso hubo, en que un matrimonio indio, después de
haber consultado inutilmente a los hechiceros para alcanzar la salud de su hijo ya
grande, contra su costumbre llamaron al sacerdote, el cual, fracasado el arte de
Hipócrates para salvar la vida temporal, le procuró la vida eterna, disponiéndolo para
recibir los sacramentos, y sanar con la sangre de Cristo.” (C.A. [1647-1649], 1927,
p.12 ).
A unção poderia, em alguns casos, salvar não apenas a alma do indígena, mas
restituir a saúde daquele que se encontrava enfermo, como se pode constatar neste
trecho que reforça a compreensão que os missionários tinham deste sacramento:
“Había un indio, el cual estaba muriéndose, y sin embargo tenía
miedo de recibir la Extrema Unción, porque pensaba que esto le mataría. Nuestro
Padre le quitó esta ignorancia, enseñándole que este sacramento era útil como
remedio. Dejó el índio administrárselo, y realmente, apenas acabado el sacerdote, se
mejoró y sanó, conociendo toda esta pobre gente que la Extrema Unción no era
mortífera, sino muy saludable para cuerpo y alma.” ( grifo meu) (C.A. [1647-1649],
1928, p. 08).
Mas, cabe ressaltar que, muitas vezes, este era o último recurso a ser
administrado, tanto aos nativos, quanto aos próprios padres da Companhia, como forma
de preparação para o descanso final:
“Era un hombre muy piadoso y mortificado, y muy fiel en el
cumplimiento de sus votos, y nadie le pudo sorprender en una falta contra ellos. [...].
Se le administraron los últimos sacramentos, después de lo cual decayó de fuerzas
rápidamente, y pronto murió.” (grifo meu) (C.A. [1652-1654], 1928, p. 15).
No momento, venho me dedicando à investigação das possíveis relações entre faixa
etária, condições climáticas das regiões de atuação missionária e os índices de
mortalidade, bem como das atitudes dos missionários diante da morte referidas nos
necrológios.
Referências
Fontes
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CARTAS ÂNUAS DE LA PROVINCIA DEL PARAGUAY (C. A). Anõs 1645-1646.
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92
História Oral de Vida e Saúde Mental em Pelotas, RS
1
Mestrando em Ciências Sociais – UFPEL
93
A colaboradora 01 é solteira, tem 55 anos e tem 5 filhos. Frequenta o serviço a
11 anos. Viveu uma infância “muito boa apesar do meu pai ser alcoolista”. Sofreu
violência física do marido durante mais de 10 anos e de acordo com a sua narrativa, este
fato é responsável por profundas sequelas cognitivas e emocionais – além das
dificuldades econômicas, já que o marido era alcoolista e comprometeu as finanças do
casal. Esta colaboradora relata que desde a pré-adolescência apresentava sinais de
alterações psíquicas e sua família, frequentemente procurava auxílio na religião
(benzedeiras) e noutras práticas já que a dificuldade de compreender estes fenômenos
pela família, não proporcionava a procura de auxílio especializado naquele momento.
Ainda no final da adolescência, contrariando a vontade de seus pais, se envolveu no
relacionamento com o agressor, o qual veio se casar posteriormente. Relata que no
inicio ele a tratava muito bem e que ela não percebeu o envolvimento do marido com
álcool. O fato de o marido ser alcoolista, para ela, o fez tornar-se uma pessoa agressiva
que a “espancava dia e noite, sem dó nem piedade”. A agressão física, vivida por tantos
anos, levou-a ao transtorno de depressão psicótica, apresentando alucinações e delírios.
A colaboradora 02 não sabe indicar sua data de nascimento. É solteira, sem
filhos, é muito magra e fuma excessivamente. Frequenta o serviço a 12 anos e reside
com outra usuária do serviço de saúde mental no qual frequenta. Na pré-adolescência
foi abusada sexualmente pelo seu pai. Isto a fez fugir de casa e morar na rua por muitos
anos, até ser acolhida no CAPS e iniciar a participação em grupos de conversação. Na
primeira entrevista relata problemas de saúde em função de não conseguir se alimentar
normalmente. Segundo ela, ter morado por tantos anos na rua, fez com que seu
organismo não se acostumasse com a alimentação normal. Sua única atividade é
frequentar o CAPS e isto a deixa bastante feliz e realizada. Sente muita tristeza nos
finais de semana por ficar sozinha – já que sua companheira de residência nem sempre
está em casa. Não tem família e seus amigos são outros usuários do serviço. Sente-se
útil quando pode ajudar as pessoas e está sempre disposta para fazer isso. Sempre me
auxiliou quando eu estava no serviço.
A colaboradora 03 vive com companheiro, tem 38 anos, sem filhos. Frequenta
o serviço a 8 anos. Ajuda a cuidar do seu irmão, que tem 37 anos, e é usuário do CAPS.
Mora no mesmo terreno com a irmã e este irmão – apesar de serem casas separadas. Foi
criada pela sua vó materna, apesar de conviver com a sua mãe, a qual “até os sete anos,
achava que era minha irmã”. Sua vó decidiu cuidar dela porque a mãe não tinha
responsabilidade no cuidado, deixando-a em casa sozinha quando ainda era muito
pequena. “Minha avó sempre me contou tudo, me disse ‘olha to contigo e te criei, mas
tua mãe é ela, eu sou tua vó´. Sempre me explicou tudo direitinho.” Relata que sua mãe
nunca teve uma relação de cuidado e carinho com ela. Viviam em constantes brigas e
discussões. Segundo ela, sua mãe, constantemente, a agredia verbalmente. “Ela pegava
implicância comigo com tudo. Chegava e dizia que não era pra mim ter nascido, que eu
era uma pessoa... uma sarará do inferno, essas coisas, [...] hoje eu entendo”. Isto trazia
uma grande revolta e sofrimento para a colaboradora, ainda criança. Aos catorze anos
teve seu primeiro namorado, do qual engravidou por volta dos quinze anos. Perdeu este
filho, quando o bebê tinha onze dias de nascido. Após esse fato, nunca mais teve filhos.
O tema central das entrevistas sobre história oral de vida é o momento da
desrazão, o momento no qual o sujeito passou a desenvolver determinado sofrimento
psíquico. As agressões, de maneira geral, são o conflito desencadeante e central dos
transtornos mentais. A violência sexual, na qual o agressor foi o pai; a violência física,
na qual o agressor foi o marido; e a violência psicológica, na qual a agressora foi a mãe.
Estas violências, segundo os relatos orais de vida, são cruciais e direcionam a memória
das colaboradoras para os eventos a isto relacionados.
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Dessa forma, podemos compreender o sofrimento psíquico pela ótica das
pessoas que vivem com este problema. As histórias de vida contêm diferentes situações
de sofrimento, que incluem condição social desfavorecida, abuso de substâncias
psicoativas, perdas afetivas importantes, fraco suporte social e limitadas alternativas
para recuperação da autonomia.
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96