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RESENHA

PERSPECTIVA INÉDITA SOBRE A DOENÇA


COMPORTAMENTAL NO TRABALHO
Cecília W. Bergamini
Livre-Docente pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo – São Paulo – SP,
Brasil e Professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil
cecilia@ceciliabergamini.com.br

O livro inaugura para os leitores “neuroses de trabalho”. A obra não


brasileiros uma nova era de compre- aborda apenas a influência deletéria
ensão da interação homem-trabalho- do trabalho mas considerada que ele
organização. Não mais dentro de pode se caracterizar como atividade
uma perspectiva ingênua como criativa e meio de sublimação.
aquela divulgada pelos populares As patologias são subdivididas em
Manuais de Administração que pre- três grupos denominadas: da ativi-
tenderam simplificar e divulgar nor- dade, da solidão e indeterminação
mas gerais de como lidar com as no trabalho e, finalmente, aquelas
pessoas no contexto organizacional. associadas aos maus tratos e violên-
Para tanto, Pedro F, Bendassoli e Lis cia no trabalho. Para os autores o
Andrea P. Soboll, organizadores da sofrimento surge das solicitações de
obra, reuniram um conjunto de auto- cunho social, econômico e cultural.
CLÍNICAS DO TRABALHO: res de reconhecida competência em A tônica da maioria dos artigos é
novas perspectivas para a psicopatologia do comportamento propor que se reformulem os pressu-
compreensão do trabalho organizacional. Como os próprios or- postos das políticas organizacionais
na atualidade ganizadores admitem que “a clínica abandonando um exame superficial
do trabalho aproxima-se da clínica e levando em conta os processos de
De Pedro F. Bendassolli e Lis Andrea social, mas também contempla as subjetivação do sofrimento, retratan-
P. Soboll (org.), São Paulo,
Editora Atlas, 2011, 288 p.
vivências de sofrimento, neste caso, do o mundo interno de cada um.
ancoradas nas experiências objetivas Filiações Teóricas das Clínicas
e subjetivas” dos trabalhadores. O li- do Trabalho, proposto por Lhuilier,
vro contempla quatro teorias clínicas apresenta no segundo artigo dois en-
do trabalho - Clínica da Atividade, foques distintos que são as correntes
Psicossociologia, Psicodinâmica do teóricas da psicologia social clínica e
Trabalho e Ergologia. a psicopatologia do trabalho. A au-
Dividida em três partes, a obra tora sinaliza ser o trabalho, o ponto
propõe na primeira delas os Fun- fundamental para o encontro e tro-
damentos das Clínicas do Trabalho, ca com os demais, sem esquecer a
na segunda, as Perspectivas Fran- importância do conflito indivíduo-
cesas e finaliza com as Perspectivas organização e suas consequências.
Brasileiras. Na segunda parte do livro cabe a
Na primeira parte é feita uma Gernet e Desjours apontarem impor-
introdução que delineia aquelas si- tantes restrições sobre a Avaliação do
tuações que levam à insegurança e Trabalho e o Reconhecimento, res-
formação de conflito que configuram saltando que quando ela não retrata

I S SN 0034-7590 © RAE n S ã o P a u l o n v. 5 1 n n . 3 n m a i o / j u n . 2 0 1 1 n 3 0 7 - 3 08 w 3 0 7
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a verdade pode remeter o avaliado ressaltam como funciona o recal- De maneira semelhante ao arti-
à “alienação mental, fazendo sentir que e a repressão no mundo da go anterior Silva, Barros e Lousada
seus efeitos na construção do sen- produção, não mais do trabalho. fazem um apanhado dos trabalhos
tido do trabalho”. A avaliação fide- Ainda dentro das perspectivas e publicações Yves Clot. O artigo
digna atende à expectativa humana francesas, Chanlat aborda o De- cobre os aspectos voltados a Clíni-
de servir-se do olhar do outro para safio social da gestão. Recomen- ca da atividade com um olhar his-
chegar à confirmação da própria da aos gestores a importância da tórico sobre a análise do trabalho.
identidade. melhor compreensão das dimen- Abordam também o trabalhar e o
Yves Clot apresenta no artigo sões centrais do comportamento “sair de si”como função psicológi-
seguinte a distinção entre a Clínica humano. O autor é bem claro ao ca do trabalho, as metodologias de
do Trabalho e Clínica da Ativida- propor a dimensão subjetiva da análise do trabalho e, finalmente,
de considerando que o cotidiano ação, uma vez que as pessoas têm os percursos da Clínica da Ativida-
é composto dos conflitos ocultos, desejos, sonhos e ambições enfati- de no Brasil.
o que pode exercer um papel no- zando a impossibilidade de disso- Carretero e Barros enfatizam no
civo diminuindo e restringindo as ciar a vida psíquica de cada um da artigo onze as Clínicas do traba-
pessoas. Com exceção do artigo experiência social concreta. Além lho: contribuições da psicossocio-
oito - Manifesto por um Ergoengaja- disso, levanta a importância do re- logia no Brasil divulgando nomes
mento - escrito por Yves Schwarts e conhecimento que está no coração dos inúmeros profissionais que se
do Prefácio assinado por Ives Clot - da dinâmica humana no trabalho. dedicam ao assunto. O artigo é es-
todos os artigos oferecem inúmeras Vários são os aspectos altamen- sencialmente teórico. Vale lembrar
sugestões bibliográficas de impor- te relevantes para aprofundar a que as autoras, embora não se apro-
tantes autores que podem e devem compreensão do comportamento fundem, abordam o problema da
ser consultadas pelos interessados propondo o autor “que o homem terceirização como fonte de insegu-
no assunto. é um animal que fala” e em decor- rança e impossibilidade de controle
A Nova Gestão Paradoxal (NGP) rência disso “ele fabrica significa- da própria vida.
de Vincent de Gaulejac propõe no dos e produz símbolos – isso é o O décimo segundo artigo é as-
quinto artigo o exame de confron- que o distingue do resto do mundo sinado por Lima que apresenta as
tações conflitantes entre os indiví- vivo”. Este é o único trabalho que Abordagens Clínicas e Saúde Mental
duos que uma vez pegos em erro, menciona na bibliografia Ketz De no trabalho. Trata-se de um enfo-
correm o risco de serem excluídos. Vries reconhecido pesquisador em que apenas teórico sobre a histó-
A evasão com muita freqüência é psicopatologia organizacional do ria cronológica dessas abordagens.
feita usando a doença que permi- INSEAD na França. A autora analisa essas abordagens
te fugir das exigências paradoxais Iniciando a terceira parte que no campo da clínica do trabalho na
e injunções que não têm sentido, aborda as perspectivas brasilei- França dando grande ênfase à obra
apesar do sentimento difuso de as- ras Mendes, Araújo e Merlo pro- de Christophe Dejours.
sédio que paira no ar. põem um trabalho sobre Prática O livro termina com um artigo de
Em Psicodinâmica do Trabalho Clínica em psicodinâmica do Athayde e Brito sobre o tema da Er-
e Psicossociologia, Gilles Amado e trabalho: Experiências Brasilei- gologia e Clínica de Trabalho indo
Eugène Enriquez apresentam for- ras, fazendo comentários sobre além do biológico, psicológico, so-
mas de conflito, entre dominantes a obra de Christophe Dejours e cial e institucional. A ergologia busca
e dominados, organizações formais apresentam a experiência empí- compreender e intervir no conjunto
e informais, nações, classes, religi- rica de pesquisadores que con- dos problemas gerados pelo processo
ões etc trabalhando dentro daquilo templa a pré-pesquisa, a pesqui- de produção. São mencionados aci-
que chamam de “psicossociologia sa propriamente dita, análise da dentes e adoecimentos, dificuldade
do conflito”, que nutre suas dire- demanda e do material da pes- de comunicação e de desenvolvi-
trizes na orientação psicanalítica. quisa, observação clínica, inter- mento de competências, produtivida-
Com reconhecida coerência, os pretação, validação e refutação de e qualidade aquém do esperado.
autores exploram como os fun- dos resultados. Finalmente iden- Provavelmente esta terceira par-
cionários não são mais avaliados tificam as diretrizes de apresen- te poderia sofrer uma revisão dos
pela qualidade do trabalho, mas tação e discussão com os parti- seus autores para que seja feito um
sim pela qualidade de vender a cipantes da pesquisa frente dos cotejamento entre os temas e não
imagem na empresa. Os autores resultados por ela obtidos. haja repetição de assuntos.

3 08 w © RAE n São P aulo n v. 51 n n.3 n maio/jun. 2011 n 3 0 7 - 3 0 8 ISSN 0034-7590

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