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Revista de Economia Politica, vol. 20, n° 1 (77), janeiro-mar¢o/2000 Resenhas Economics & utopia: why the learning economy is not the end of history Geoffrey M. Hodgson Londres, Routledge, 1999 Geoffrey Hodgson é um dos mais ativos ex- poentes da heterodoxia econémica, reconhecido principalmente a partir da publicagao de Econo: ‘mics and institutions, de 1988. Seu projeto de ela- borar elementos para uma economia evolucionéia, compreendendo grande niimero de artigos em va- rios journals eo livro Economics and evolution de 1993, refina-se em 1999, numa oportuna hora em ‘que a idéia do neoliberalismo como estagio diltimo da histéria parece perder sustentagao. Com Eco- nomics utopia Hodgson clama a retomada da construgio do fururo, tentando mostrar a evolu- ‘go do que ele chama uma “learning economy” — sistemas econémicos cujo cerne dindmico esta cada vez mais baseado em conhecimentos complexos, fracionados, muitas vezes tacitos e contidos em ou exigindo instituigdes diferentes das presentes no capitalismo como tradicionalmente 0 vemos. Na Introdugao do livro, Hodgson apresen- ta os elementos centrais de sua andlise: a necess dade de termos uma utopia, ndo como algo ina- cessivel e sim como uma realidade socioeconémica nao existente mas desejavel por alguns (p. 4); a importancia crescente do conhecimento e do apren- dizado na evolugao das sociedades, e em especial de seu papel nas relagdes sociais de produgio; ea relevancia das instituiges na ligagdo entre os as- pectos micro e macro dos fendmenos sociais e, por- tanto, do comportamento econémico. As discusses do livro giram em tomno de cinco pontos principai (1) as utopias modernas das esquerdas tra- dicionais e da direita neoliberal sio impraticéveis, em parte por razdes prOximas: véem a natureza do aprendizado e do conhecimento de forma limi- tada ¢ pouco prezam a variedade estrutural em sistemas complexos; (2) hist6ria nao possui um caminho ou fim pré-ordenado de qualquer espécies (3) ha cenarios plausiveis para 0 futuro da humanidade, além da dicotomia entre o sociali ‘mo ou 0 capitalismo como fim da historia, desdo- brando-se a partir do crescimento da produgio in- tensiva em conhecimento; (4) é sempre possivel uma reagao da ordem decadente, calcada no contratualismo individualis- ta, mas a inaptidao em lidar com a crescente com- plexidade e especializacao do conhecimento a ex pie seriamente a gerar estagnacao econdmica ¢ de- sarranjo socials {5) a teoria econémica se expée & inntilidade a0 nao tratar de forma evolucionaria os sistemas econdmicos. Tanto 0 mainstream neoclissico ea escola austriaca como 0 marxismo carecem de ele- mentos adequados para vislumbrar cenarios pos siveis desejaveis. Para tanto, o institucionalismo de Thorstein Veblen, John Commons e Karl Pola- nyi seria o instrumental mais apropriado (aliado a insights de pensadores como Keynes e Schumpeter) Na primeira das trés partes da obra (“*Visions and illusions”), Hodgson utiliza dois capitulos para dar sua explicagao para o fracasso (teérico ¢ em- pirico) das eminentes utopias sécio-econdmicas do culo XX, ambas alicergadas em principios ilumi- nistas, principalmente no que se refere & possibil dade de uma organizacao social uniforme e harm nica (p. 28). © debate do célculo socialista é levan- tado e criticado por menosprezar as dificuldades de um agente central reunir, organiza, processar 17 informagdes, ¢ dar respostas razodveis ao sistema, Para tanto, Hodgson nao hesita em resgatar idéias, de Hayek, a quem criticara em seguida. A idéia do planejamento democratico esbatra nos mesmos obstaculos e ressalta ainda outras dificuldades, co- mo as de lidar com 0 componente tacito do co- nhecimento e incentivar inovagdes (sem as quais, se corre o risco de atrofia politico-social, de incapa- cidade de enfrentar imprevistos e de aversio e re ressao a0 novo ou diferente). Por outro lado, 0 individualismo absoluto de mercado como utopia, defendido pelas escolas aus- trfaca e neoclassicas, também se mostra infactivel. Numa sociedade em que o conhecimento se torna elemento de crescente importéncia na produgao, ficam mais evidentes suas caracteristicas tacitas € sociais, e,, hd crescente necessidade de integear conhecimentos especializados para um certo fim e de se confiar no conhecimento acumulado e res guardado em instituigées sociais. Por exemplo, um mercado de trabalho livre e flexivel desmotivara firmas a qualificar seu pessoal, ja que 0 conheci- mento repassado pode facilmente migrar para 0 mercado. Em outro aspecto, 0 suposto capitalismo puro do individualismo de mercado na verdade se apéia em instituicdes ndo-mercado, como firmas ¢ familias. Ainda mais, 0 argumento usual de que © individualismo de mercado é 0 maior motor de diversidade da hist6ria s6 pode se aplicar & diver- sidade de produtos, j4 que parece partir do prin. cipio de ura comum ¢ uniforme cultura pecunié- ria, néo admitindo pluralismo. Na parte II do livro ("The blindness of exis ting theory”), Hodgson analisa o que falam dife- rentes escolas a respeito de trés grandes temas: (1) em que medida as teorias abordadas se sustentam em hipéteses universais ou especificas; (2) a con- sideragdo de relagdes ndo-mercado pelas mesmas; € (3) suas concepgdes de ligacao entre os agentes individuais e a estrutura social. propésito é pre~ parar o terreno para decretar a continuidade da histéria. Sao trés capitulos a analisar tais questoes, em ordem, no mainstream neoclassico e na escola austriaca, no marxismo, € no institucionalismo, Para Hodgson, as respostas dos primeiros ficam muito aquém de satisfatdrias. J4 0 marxismo, em: bora angarie a simpatia de Hodgson por suas de- talhada explicagao do capitalismo e historici- dade para com o passado, incomoda por conter um determinismo universal para com o futuro ao tam- bem decretar um fim para a histéria, negando 0 poder do homem em construi-lo. As formas atuais, de capitalismo apresentam um espectro mais va- riado de relagdes sociais ¢ instituigdes do que se podia imaginar a época de Marx e cenarios varia- 178 dos podem se desdobrar a partir de causalidades cumulativas. Tais variedade e desdobramentos s6 podem ser entendidos ¢ analisados numa éptica evoluciondria sem procurarmos um fim (pré-de terminado ou nao). Nao se pode abrir mao das especificidades culturais e institucionais dos siste mas sécioeconémicos, e do “principio da impu- teza” (todo sistema deve conter a0 menos um sub- sistema estrutural dissimilar para funcionar e lidar ‘com mudangas} considerados no institucionalismo. As instituig6es como unidade de analise podem for: necer um objeto parcialmente estavel ¢ cultural mente varidvel a permitir a perseveranga das uto pias rechagar recorrentes apelos ao fim da his- t6ria (p. 143). O autor nao alega haver no futuro algo melhor ou pior que 0 capitalismo € que pos- sa ser descrito num manual, mas sim que havera algo diferente e € bom adequar nosso instrumental analitico para semear os cendrios do futuro. A parte III do livro (“Back to the future”) € a mais construtiva e inovadora e, portanto, a me- nos detalhada nesta resenha. Claro, isso é um con- vite & leitura. Nos cinco capitulos finais, Hodgson tenta detectar elementos estranhos ao capitalismo como 0 conhecemos. Fle ressalta a crescente im- portincia do conhecimento complexo nos proces- sos produtivos como fator de mudangas nao-tri- viais nas relagdes empregaticias. Lidar com 0 co- nhecimento ¢ com a informagao através dos merca- dos parece problematic, se se imagina a radicaliza- 40 do individualismo contratual e a busca da defi nigao nanométrica dos direitos de propriedade. Afinal, informagGes codificaveis podem ser repro- duzidas ¢ distribuidas por seu comprador, conti- nuam em maos do vendedor apés vendidas e nao se pode saber seu valor até que se as tenha com- prado (p. 191). Além do imperfeito sistema de pa- tentes, quem melhor podera julgar ou delimitar a propriedade do conhecimento ou defini-lo estri- tamente? E isso vale para 0 contrato de trabalho envolvendo trabalho intensivo em conhecimento tacito e/ou social. Em muitos casos, vé-se a fron- teira entre concepgao ¢ execugao ser atenuada, au- mentando o grau de controle das atividades pro- dutivas pelo trabalhador; isso parece conter um contrato com alguém auto-empregado, e nao um contrato de emprego capitalista classico. Para Ho- dgson esse é um exemplo de mudanga nas relagdes sociais de produgao que em algum grau nos afas ta do capitalismo como 0 conhecemos (p. 208). No capitulo 9, Hodgson projeta sete cend- rios a partir de variagdes em seis elementos cruciais: (1) tecnologias ¢ organizacao da produgao; (2) pro- Priedade das unidades produtoras; (3) importancia da propriedade dos meios fisicos de produtao; (4) significado estratégico do controle de validagao das informagdes; (5) controle de facto do processo pro- dutivo; e (6) modo tipico de controle e administra- ao da produgao. Pela importincia dada ao conhe- cimento e 4 informagao, no capitulo 10 0 autor ‘sugere uma medida de desenvolvimento dos siste- mas econémicos: um estoque de qualificagdes € competéncias, a delinear uma fronteira de aprendi- zado. Quanto mais r4pido se forma uma habilidade em uso, mais se afasta da origem a fronteira. Esse € um passo ousado. Hodgson admite haver proble- mas de ageegacao, embora no maiores do que os cenfrentados pelos indicadores de riqueza hoje usa- dos. O capitulo final (“Some normative and policy issues”) pareceria dever contar com proposigdes desafiadoras. Nao € 0 que acontece. Porém, nao. se pode julgar isso frustrante, ou estariamos a refu- tar a propria légica do pensamento instituciona- lista. Proposig&es normativas e de politica para uma evotopia (p. 255) dependem de detalhes his- t6ricos e empiricos de cada sistema socioecondmico. Assim, Hodgson traz sugest6es para a Inglaterra, indo contra 0 reacionarismo da era Thatcher ¢ dan- do crédito & nova esquerda briténica. Por fim, esforgo intelectual da construgéo dos cenarios alternativos tem varios méritos. Sio exercicios de consisténcia e coeréncia para rean mar 0 pensamento critico no nivel meta-utépico.. Se os cenarios projetados vio ou nao se realizar secundirio, como diz o proprio Hodgson (p. 262). (0 mais relevante, embora simples, é lembrarmos que, afinal, a maior regularidade ja vista na histo- ria da humanidade é a mudanga. Hudscar Fialho Pessali Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Parana Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal: a era Vargas acabou? Adalberto Moreira Cardoso Rio de Janeiro, Editora FGV, 1999 Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neo- liberal é um livro sobre a estrutura sindical bra Ieira e suas perspectivas de reforma, jé que “pela primeira vez em nossa historia, atores centrais do sistema nacional de relagdes do trabalho parecem realmente convencidos de que é necessario refor mar a estrutura sindical corporativa e a legislagao trabalhista” {p. 17}, © autor inicia o livro procurando mostrar que esse aparente consenso encobre diferengas no rumo que os diversos agentes econdmicos querem imprimir reforma. Enquanto empresarios ¢ go- verno federal buscam flexibilizar e desregulamen- tar 0 mercado de trabalho, trabalhadores ¢ sindi- calistas visam democratiza-lo através da disse nagio da aruacao no interior das empresas ¢ de maior autonomia frente a tutela estatal Com este pano de fundo, Cardoso apresen- ta uma breve deserigao do arcabouco institucional vigente no pais (CLT + Constituigo Federal). Dis- cute também o surgimento do novo sindicalismo a partir das greves de 1978, mostrando que, ape- sar de originado no interior da estrutura sindical oficial, esse movimento introduziu inovagdes im- portantes, entre elas: (a) tentativa de organizar os trabalhadores no local de trabalho; (b) ampliagao do contetido das pautas de reivindicagao apresen- tadas nas negociagées coletivas; e (c) autonomia inicial frente a partidos politicos. © capitulo seguinte aprofunda a discussio mostrando que, a despeito da permanéncia do ar- cabougo institucional corporativista, o movimen- to sindical renovou-se significativamente. Utilizan- do dados das pesquisas sindicais do IBGE, 0 au- tor mostra que: (a) A fragmentagio dos sindicatos nao indi ca somente pulverizagao de interesses. Existe uma correlagao entre a organizagao dos trabalhadores para intervir na vida politica e social brasileira e @ ritmo de criagao de sindicatos; (b) Apesar da pecha de “sindicalismo de por- ta de fabrica”, a organizacdo no local de trabalho {OLT) difundiu-se ao longo da década de 80; (c) A Justiga do Trabalho tem uma atu: primordial de mediadora, e nio de arbitro nos con- flitos trabalhistas. Somente 5,3% do total de ne- gociages coletivas em 1992 transformaram-se em sentengas normativass (d) A despeito da garantia da receita do im posto sindical, a principal fonte de receita dos sind catos brasileiros ver da contribuicao associativas ¢ (c) Aesmagadora maioria dos sindicatos bra 179

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