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Dieta moral

O professor de bioética em Princeton Peter Singer fala sobre


seu livro "Como Nos Alimentamos", discute a opção pelo
vegetarianismo e defende a condenação religiosa da gula

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

P ela primeira vez na história da humanidade, há mais pessoas


obesas do que famintas no mundo. Os acima do peso respondem
hoje por 1 bilhão da população mundial, ante 800 milhões que
passam alguma forma de privação na alimentação. Os cálculos são
do professor Barry Popkin, epidemiologista da nutrição da
Universidade da Carolina do Norte, nos EUA.

Ser gordo, e não passar fome, é o principal problema na área do


acadêmico hoje. A causa são más dietas e sedentarismo, e o
"monopólio da fome" não é mais dos menos favorecidos
economicamente -se espalha igualmente pelas classes sociais.
Popkin se baseia nos números fornecidos pelos programas de
saúde e os de combate à fome da Organização das Nações Unidas
(ONU). No Brasil, calcula, haveria um mesmo percentual de
indivíduos acima do peso e de pessoas malnutridas.

Outro estudo adiciona mais água ao feijão da discussão nutricional


do século 21. Em 2005, 12% da população dos EUA
involuntariamente não tiveram acesso a comida por algum período,
segundo relatório anual do Departamento da Agricultura norte-
americano -foram 35 milhões de pessoas que "experimentaram
seguridade alimentar muito baixa".

No ano passado, no país mais rico e poderoso do mundo e também


no que primeiro registrou uma epidemia de obesidade em sua
população, o equivalente à população de duas São Paulo passou
fome por algum período. Esse "novo paradoxo nutricional" tem
mobilizado cientistas e filósofos.

Talvez quem mais barulho vem fazendo nesse campo seja um


filósofo utilitarista australiano de 60 anos que não teme associar seu
nome a temas e causas polêmicas: Peter Singer. Ele é o titular da
cadeira de bioética da Universidade de Princeton, em Nova Jersey,
nos EUA, e foi chamado pela revista "New Yorker" de
"provavelmente o mais controvertido filósofo vivo".

A última vez em que Singer ganhou o noticiário foi no chamado


caso Terri Schiavo, em 2005, em que defendeu o direito do marido
da mulher em estado vegetativo de desligar a máquina que a
alimentava -o que efetivamente aconteceu, depois de uma briga na
Justiça que envolveu até o então líder da maioria republicana na
Câmara, Tom DeLay.

Agora, volta ao assunto da ética alimentar em novo livro, "The Way


We Eat - Why Our Food Choices Matter" (Como Nos Alimentamos -
Por Que Nossas Escolhas Alimentares Importam, Rodale Books,
288 págs., US$ 25,95/R$ 56) -escrito em parceria com Jim Mason-,
em que defende que sejam aplicados cinco princípios éticos para
uma escolha consciente na hora das refeições: transparência,
equilíbrio, humanidade, responsabilidade social e necessidade.
Singer conversou com a Folha por telefone de seu escritório em
Princeton sobre se há ética na obesidade, por que razão é "melhor"
ser vegetariano e até sobre a defesa do "revival" do conceito
religioso de que a gula é ruim.

FOLHA - É mais ético ser vegetariano do que onívoro?


PETER SINGER - Em geral, sim. Ser vegetariano evita participação
em práticas cruéis com animais e também geralmente tem um
impacto menor no ambiente do que comer carne ou outro produto
animal.

FOLHA - Mas como ser ético com a alimentação no dia-a-dia?


SINGER - Em primeiro lugar, há muitas possibilidades diferentes
que as pessoas podem escolher, umas mais éticas do que outras.
Um dos pontos que nós defendemos muito fortemente no livro é
que você não tem de ser vegetariano para fazer escolhas éticas
razoáveis.
Você pode dizer: "Eu vou evitar produtos de "fábricas de carne",
mas ainda vou comer alguns produtos animais, mas garantir que
venham de fazendas orgânicas sustentáveis". Isso já é dar um
passo ético importante. Não será tão grande quanto ser
vegetariano, mas ainda assim é um grande passo ético. Essa é a
primeira coisa.
A segunda é: não é tão difícil ser vegetariano, pelo menos se você
vive numa cidade ou numa sociedade em que há várias escolhas
alimentares. É claro que será difícil para algumas pessoas em
certas circunstâncias -se você vive de caça, se é um esquimó ou
um aborígene australiano ou não tem muitas escolhas alimentares,
seria compreensível-, mas, para aqueles que entram num
supermercado e compram grande variedade de comidas, não é tão
difícil quanto as pessoas pensam.

FOLHA - O sr. defende que é menos ético comprar alimentos vindos


de outros lugares que não aquele em que se vive?
SINGER - Nem sempre. É mais complicado do que as pessoas
pensam. Às vezes você pode comprar comida produzida
localmente, mas que pode ter sido produzida de maneira a
prejudicar o ambiente.
Por exemplo: as pessoas nos EUA compram alimentos locais que
usam muito combustível fóssil para serem produzidos; se
comprarmos alimento importado, mesmo que tenha levado alguns
anos para a viagem, pode ser que ele tenha causado um impacto
ambiental menor ao ambiente.
Especialmente se tiver chegado aos EUA por navio. Há grande
diferença entre alimentos exportados por navio ou por avião.
Alimentos transportados por avião não são "friendly" para o
ambiente. Mas, por navio, não tenho muitos problemas com a
importação. E isso pode ajudar países em desenvolvimento, o que
também é uma boa coisa a fazer.

FOLHA - Sendo de um país em desenvolvimento, tenho de


perguntar: como é possível balancear ética alimentar e fome?
SINGER - Você tem de priorizar a prevenção do sofrimento terrível
que está envolvido na fome. Se você está numa posição em que
suas escolhas alimentares vão ajudar a evitar a fome ou, de outra
maneira, outras pessoas não comerão por suas escolhas
alimentares, então é o que você deveria fazer.

FOLHA - Michael Pollan diz em seu livro "Omnivore's Dilemma" (O


Dilema do Onívoro) que, se todo o mundo se tornasse vegetariano,
as vacas seriam extintas e que existe um propósito em havermos
domesticado alguns animais.
SINGER - Acho que não necessariamente elas seriam extintas...
Temos vários animais domésticos que não foram extintos e que não
usamos como alimento. Criamos reservas, onde podem viver sua
vida natural.
Poderíamos fazer o mesmo com vacas, se escolhêssemos fazer
isso. Deixá-las viver a vida delas. Em vez de tirar os bezerros da
convivência delas, que é o que fazemos quando produzimos leite,
deixaremos os bezerros crescendo com elas, de uma maneira
normal, uma vida melhor para as vacas e os bezerros. Esse é o
jeito que escolhemos para viver, não estamos presos a uma
situação na qual, se não tivermos vacas produzindo leite
comercialmente, não haverá vacas. Essa é a escolha que
escolhemos fazer. Pode não haver tantas, mas isso pode acabar
sendo melhor para o ambiente, de qualquer maneira.

FOLHA - O sr. escreveu sobre a ética da obesidade e sugere que


revivamos o conceito bíblico de que gula é algo ruim. Pode explicar
melhor?
SINGER - Eu acho que nós tendemos a deixar de lado as visões
tradicionais, de que as pessoas não deveriam simplesmente
obedecer a seus apetites, pelo menos naquilo que diz respeito à
alimentação. É interessante notar que, pelo menos no campo
religioso, a igreja ainda nos diz que devemos controlar pelo menos
nossos apetites sexuais, mas parece ter abandonado a visão de
que devemos abandonar nosso apetite pela comida. O resultado
pode ser visto todos os dias em todas as grandes cidades norte-
americanas: há pessoas bastante obesas e muita gente que está
acima do peso. Isso não é ruim apenas para a saúde deles, é ruim
para o ambiente, porque, de novo, mais comida tem de ser
produzida, mais combustível fóssil é consumido. Portanto, acho que
seria útil ter essa idéia de que não deveríamos pegar mais do que
precisamos. E que, se o fizéssemos, seria uma falta de respeito
pelos outros e uma falta de respeito pelo ambiente. Não estamos
realizando partilha com aqueles que necessitam quando se tem
uma parte do mundo que luta seriamente contra a obesidade e
outra que não tem o suficiente para comer. Isso nos mostra que há
algo muito, muito errado.

FOLHA - E plantas ou animais modificados geneticamente, como o


chester? São práticas éticas?
SINGER - Devemos ter cuidado aqui. Não são necessariamente
não-éticos em si, mas acho que há um risco real de que venhamos
a criar fazendas que levem a um desastre ecológico, se
simplesmente permitirmos que sejam usados de modo amplo sem
uma supervisão estrita.

FOLHA - E quanto aos animais que vivem em espaços minúsculos


e não podem andar?
SINGER - Isso é ainda mais sério, porque caracteriza crueldade
animal. Há casos em que criamos animais que sofrem por conta
disso. Acho que é o caso de, virtualmente, todos os frangos hoje.
Eles têm de comer tão rápido que suas pernas não podem aguentá-
los. É o mesmo com as poedeiras, que estão o tempo todo
famintas. Nós levamos sofrimento exótico ao mundo animal, e acho
que isso é errado.

FOLHA - Comida orgânica é necessariamente mais ética?


SINGER - Falando em termos gerais, sim. É menos provável que
prejudique o ambiente, porque é produzida de maneira que não usa
fertilizantes, herbicidas e pesticidas, põe mais matéria orgânica no
solo, o que é melhor para o o aquecimento global, inclui
biodiversidade. Está se tornando mais produtiva e os custos estão
caindo. E são culturas mais éticas.

FOLHA - O sr. fez muitas pesquisas para o livro. O que o chocou


mais?
SINGER - Várias coisas. O fato de que os perus produzidos nos
EUA para o Dia de Ação de Graças têm peitos tão grandes que mal
conseguem respirar, de modo que têm todos de ser inseminados
artificialmente -isso é chocante. Mas também a quantidade de
combustível fóssil que é consumido por produtos de fazendas. Os
americanos poderiam economizar tanto combustível e emitir tão
menos gás carbônico se evoluíssem de uma dieta que é altamente
baseada em fazendas industriais... E também as condições gerais
das fazendas industriais. Já havia lido sobre elas, mas vê-las é
diferente. É degradante e chocante pensar que animais como
porcos são mantidos em gaiolas em que não podem se mexer, e
isso acontece com milhões e milhões de porcos neste exato
momento.

FOLHA - De acordo com sua teoria geral de ética, aborto e


eutanásia são atos justificáveis, já que, no momento dessas ações,
não haveria vida humana envolvida. Pode-se criticá-lo por se
preocupar demais com os direitos dos animais e nem tanto com os
dos seres humanos. Como o sr. responde a isso?
SINGER - Em primeiro lugar, quero fazer uma pequena correção.
Você tem razão, eu defendo o aborto e a eutanásia, mas não é
porque eu ache que não haja vida humana envolvida. No aborto, eu
acho que é uma vida humana, mas acho que não é uma vida
humana que esteja consciente ou que perceba o mundo ao seu
redor -pelo menos não no momento em que a vasta maioria dos
abortos é feita. É por isso que acho que o fato de ser um ser
humano seja relevante, mas, nesse caso, é a morte de um ser
humano que não pode sentir nada e que não tem esperanças ou
questões sobre sua vida. Quanto à eutanásia, depende do caso de
que falamos, se foi pedida ou não. De qualquer maneira, você não
está tirando a vida de alguém que quer continuar vivendo. Não acho
que eu dê um peso maior e injustificado aos direitos dos animais.
Acho que, em ambos os casos, sou movido pelo desejo de diminuir
o sofrimento. Em toda a nossa entrevista, eu não disse em nenhum
momento que as pessoas deveriam se tornar vegetarianas porque é
errado matar animais, mas, sim, que o sistema comercial está
arruinando e causando muito sofrimento aos animais. Minha
preocupação em apoiar a eutanásia e o aborto em algumas
circunstâncias é para reduzir o sofrimento. É a mesma questão em
relação aos animais de fazendas industriais. Portanto, não acho que
seja o caso de preferir animais a humanos... É só olhar para ambas
as situações e dizer: "Por que temos de ter todo esse sofrimento
que pode ser evitado?".

FOLHA - Nos EUA de hoje, é difícil pensar do modo como o sr.


pensa?
SINGER - É mais difícil ser efetivo, mas espero que as coisas
mudem e comecem a ir para outra direção. Assim poderemos ter
uma discussão produtiva dessas questões.

FOLHA - O que levou um filósofo utilitarista como o senhor a se


preocupar com questões alimentares?
SINGER - Porque a produção de alimento é a maneira pela qual os
seres humanos mais afetam diretamente o planeta. É a agricultura o
que mais transforma a superfície da Terra, mais do que qualquer
outra atividade. Afeta um grande número de seres, talvez 50 bilhões
de animais por ano, é um sofrimento inacreditável que poderia ser
reduzido. Então, acho que essa é uma questão ética com que um
utilitarista pode lidar, como qualquer outra.

FOLHA - Presumo que o sr. ainda seja vegetariano, certo?


SINGER - Sim, não radical, porque não creio que seja como uma
religião. Então, às vezes como alimentos vegetarianos que tenham
produtos animais. Mas, essencialmente, sim, sou vegetariano.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em inglês podem ser
encomendados no site www.amazon.com
Deficiências nutricionais dividem especialistas
DA REDAÇÃO

Em tempos em que comer carne pode ser considerado


politicamente incorreto, cientistas que questionam a demonização
da proteína animal podem passar por dificuldade. Foi o caso do
finlandês Uffe Ravnskov, cujo "The Cholesterol Myths" (Os Mitos do
Colesterol) foi queimado em um programa de TV de seu país.

Ele argumentava que não há comprovação válida da relação entre


níveis de colesterol no sangue e problemas cardíacos, chegando a
apresentar estatísticas que comprovam a longevidade dos
comedores de gordura.

A controvérsia também é viva entre especialistas. Analisando os


riscos para quem não come carne de nenhum tipo, a professora
titular de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP Sophia
Szarfarc, que estuda a deficiência de ferro, rebate: "Deficiência de
ferro existe, mas nas populações de baixa renda do Brasil, que não
podem comprar carne e derivados de leite". Para os vegetarianos,
diz Szarfarc, as deficiências de ferro, cálcio ou vitamina B12 se
evitam com suplementos e alimentos enriquecidos.

Já a nutricionista Mônica Inez Elias Jorge, também da USP, não vê


relação entre o modo como os animais são criados e abatidos e
conseqüências negativas para a carne: "Não conheço pesquisas
sérias que tratem disso. O stress tem conseqüências apenas na
rigidez da carne".

Estresse na fazenda
Para filósofo, métodos industriais de criação são ineficientes e
aumentam as doenças cardíacas e digestivas

PETER SINGER

Segundo previsões, o consumo global de carne deverá duplicar até


2020. Na Europa e na América do Norte, há crescente preocupação
sobre a ética dos métodos de produção de carne e ovos.
O consumo de carne de vitela caiu de modo acentuado desde que
se tornou amplamente conhecido que, para produzir a vitela
"branca" -na verdade, rosada-, os bezerros recém-nascidos são
separados de suas mães, deliberadamente deixados anêmicos e
mantidos em baias tão estreitas que não podem se mover.

Na Europa, a doença da vaca louca chocou muita gente, não


apenas porque destruiu a imagem da carne bovina como um
alimento saudável e seguro mas também porque se soube que a
causa da doença era alimentar o gado com cérebro e tecidos
nervosos de carneiros.

Nada de pastar

As pessoas que acreditavam ingenuamente que o gado comesse


capim descobriram que o gado de corte pode comer qualquer coisa,
desde milho a ração de peixe, dejetos de galinhas (com
excrementos e tudo), além de lixo de abatedouros.

A preocupação sobre como tratamos os animais de criação está


longe de limitar-se à pequena porcentagem de pessoas que são
vegetarianas ou "vegans" – que não comem nenhum produto
animal. Apesar dos fortes argumentos éticos a favor do
vegetarianismo, ainda não é uma postura dominante.

Mais comum é a opinião de que comer carne é justificável, desde


que os animais tenham uma vida decente antes de serem mortos. O
problema, como Jim Mason e eu descrevemos em nosso recente
livro, é que a agricultura industrial nega aos animais uma vida
minimamente decente. As dezenas de bilhões de frangos
produzidas hoje nunca vêem a luz do dia. Eles são criados para ter
um apetite voraz e ganhar peso rapidamente, mantidos em galpões
que podem abrigar até 20 mil aves.

O nível de amônia acumulado no ar por causa dos excrementos faz


arder os olhos e os pulmões. Abatidos com apenas 45 dias de vida,
seus ossos imaturos mal suportam o peso dos corpos. Alguns caem
e, sem conseguir alcançar alimento ou água, morrem rapidamente
-um destino irrelevante para a economia da empresa em geral.

As condições são ainda piores, mesmo que pareça impossível, para


as galinhas poedeiras, colocadas em gaiolas de arame tão
pequenas que mesmo que haja só uma por gaiola não consegue
abrir as asas. Mas geralmente há quatro galinhas por gaiola, e
muitas vezes mais. Nessas condições de superlotação, as aves
dominantes, mais agressivas, tendem a bicar até a morte as
galinhas mais fracas.

Para evitar isso, os produtores serram os bicos de todas elas com


uma lâmina quente. O bico da galinha é cheio de tecido nervoso –
afinal, é seu principal meio de relacionamento com o ambiente –,
mas não se usa anestésico ou analgésico para aliviar a dor.
Os porcos talvez sejam os animais mais inteligentes e sensíveis
que costumamos comer. Quando criados numa aldeia rural, podem
exercer sua inteligência e explorar o ambiente variado.

Antes de parir, as porcas usam palha ou folhas e ramos para


construir um ninho seguro e confortável para alimentar suas crias.
Mas, nas fazendas industriais, as porcas prenhas são mantidas em
compartimentos tão estreitos que não podem se virar.

Os filhotes são tirados da mãe assim que possível, para que possa
cruzar novamente.

Os defensores desses métodos de produção afirmam que são


lamentáveis, mas necessários, diante da crescente demanda
populacional por alimentos. Pelo contrário, quando confinamos
animais em fazendas industriais, precisamos cultivar alimentos para
eles.

Os animais queimam a maior parte da energia desses alimentos só


para respirarem e manterem seus corpos aquecidos, por isso
acabamos com uma pequena fração -geralmente, não mais de um
terço e, às vezes, somente um décimo- do valor alimentício que
lhes fornecemos na alimentação.

Em comparação, as vacas criadas em pastos comem alimentos que


não podemos digerir, o que significa que aumentam a quantidade
de alimento disponível para nós.

É trágico que países como a China e a Índia estejam copiando os


métodos ocidentais e colocando os animais em enormes fazendas
industriais.

Se isso continuar, o resultado será o sofrimento dos animais em


escala maior que a existente hoje no Ocidente assim como danos
ambientais e um aumento das doenças cardíacas e cânceres do
sistema digestivo.

Também será terrivelmente ineficaz. Como consumidores, temos o


poder e a obrigação moral de nos recusarmos a apoiar métodos
agrícolas que sejam cruéis para os animais e ruins para nós.
Este texto saiu no "Guardian".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0312200607.htm
Jornal Folha de São Paulo – Folha Mais! – 03 de dezembro de 2006

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ENTREVISTA

MICHAEL POLLAN

Estaríamos melhor com banha de porco


que com margarina
Autor de livro sobre comida diz que dieta ocidental é invenção
da indústria e que tradição deve guiar o que as pessoas
comem
Alia Malley
Michael Pollan

OS MAIS NOVOS conselhos sobre dieta acabam de vir dos EUA:


primeiro, coma comida. Depois, não coma nada que sua avó não
reconheceria como comida. Se isso parece óbvio para você, diz o
jornalista americano Michael Pollan, vá ao supermercado -e tente
imaginar uma dona-de-casa de meados do século 20 tentando
decifrar dezenas de rótulos com ingredientes impronunciáveis de
"substâncias semelhantes à comida" nas gôndolas. Em seu novo
livro, "Em Defesa da Comida" (editora Intrínseca), ele lança um
ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação, que,
ajudados por um governo americano complacente e por jornalistas
confusos, transformaram a dieta ocidental em uma máquina de
adoecer.

Essa revolução maligna na maneira como os americanos -e, por


tabela, o resto do Ocidente- comem se instalou plenamente anos
1980. Nessa década, diz o livro, os alimentos deixaram de ser
vistos como entidades completas (uma cenoura, um tomate, um
bife) e passaram a ser comercializados pelo que continham de
nutrientes: caroteno, licopeno, proteínas. A indústria passou a
"engenheirar" a comida de forma a torná-la irreconhecível, tudo em
nome do lucro, disfarçado de benefício à saúde.

Qual foi o resultado? "Nossa saúde dietária é pior hoje do que era.
Há mais obesidade, mais diabetes", diz Pollan. O enfoque nos
nutrientes, que teve seu início nos anos 1960, virou uma ideologia,
o "nutricionismo". Segundo o americano, essa ideologia é baseada
na "ciência ruim" da nutrição, que é incapaz de produzir resultados
consistentes em estudos epidemiológicos sobre dieta. Isso porque
os nutricionistas buscam avaliar nutrientes, mas um alimento é
maior que a soma de suas partes.

[ Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a


condenação das gorduras saturadas de origem animal. ]

Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a condenação


das gorduras saturadas de origem animal. No lugar delas, os
nutricionistas nos deram as gorduras trans, que hoje o mundo
inteiro – o Brasil inclusive – se esforça para banir. "Estaríamos
melhor com banha de porco", disse Pollan à Folha. Leia a
entrevista. (CLAUDIO ANGELO)

FOLHA - O sr. diz que a comida virou presa da ideologia. Como


assim?
MICHAEL POLLAN - Meu argumento é que a maneira como
pensamos sobre a comida e como desenhamos a comida hoje em
dia caiu presa de uma ideologia que chamo de nutricionismo. O
nutricionismo é a crença de que o que importa na comida são os
nutrientes: as proteínas, os minerais, as vitaminas. E, se você
obtiver o bastante dos bons nutrientes e ficar longe dos ruins, esse
é o caminho para a saúde.
Essa é uma visão muito reducionista tanto da comida quanto da
saúde. A comida é mais do que a soma de suas partes nutrientes. O
propósito dessa ideologia é dar mais poder para a indústria da
alimentação, porque ela consegue redesenhar a comida de uma
maneira que a natureza não consegue, e dá também muito poder a
especialistas na nossa sociedade, sejam cientistas ou jornalistas.
A maior objeção é que pensar na comida dessa maneira não tem
funcionado. Nós estamos reengenheirando a nossa comida há 30
anos para ter mais coisas boas e menos coisas ruins, mas a nossa
saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais
diabetes, e tirar da comida a gordura -supostamente um nutriente
mau- não ajudou. Estamos comendo mais carboidratos e ficando
mais gordos e diabéticos.

FOLHA - Então não há nada errado com a gordura?


POLLAN - Excesso de qualquer coisa é ruim, mas a gordura não é
a vilã que achávamos que fosse. A gordura é um nutriente
criticamente importante, e há gorduras boas e ruins. Jogar todas as
gorduras no mesmo balaio foi um erro enorme. E afastar as
pessoas das gorduras animais e aproximá-las de gorduras
hidrogenadas vegetais também foi um erro. As gorduras trans
fazem muito mais mal.

FOLHA - O Ministério da Saúde do Brasil quer banir as gorduras


trans, mas está enfrentando uma enorme resistência da indústria,
que diz que isso seria "voltar à era da banha de porco". Isso é ruim?

POLLAN - Eu tenho duas respostas a isso: um, nós provavelmente


estaríamos melhor com banha de porco do que com gorduras trans.
Ela é mais saudável. Dois, há vários outros óleos vegetais que não
precisam ser hidrogenados. É tudo uma questão de economia. Eles
poderiam fazer batatas fritas com azeite de oliva e elas seriam
deliciosas. Só que custariam mais. Ameaçar o público com o retorno
da banha de porco, primeiro, não é tão assustador; segundo, não é
verdade.

FOLHA - O público não está saturado com pesquisas sobre dieta?


Hoje eu nem cubro mais estudos que dizem que o café faz mal ou
bem, pois o próximo desmentirá o anterior.
POLLAN - Sim, é essa a situação do leitor hoje. Nós temos feito
reportagens em excesso sobre uma ciência muito imperfeita. O
estado do conhecimento nutricional é muito primitivo. Não sabemos
o bastante para dizer se café faz bem ou mal...

FOLHA - Por que não dá para fazer estudos controlados com


comida.
POLLAN - Exatamente. Você tem uma miríade de fatores, como
estilo de vida, outras coisas que as pessoas comem, genética etc.
Então em que conhecimento podemos confiar? Meu argumento em
"Em Defesa da Comida" é que nós temos uma outra forma de
conhecimento, que é a tradição. A sabedoria das nossas avós. E,
quando se trata de comida, essa sabedoria pode ser mais profunda
e mais útil que a dos nutricionistas -até agora, pelo menos.

FOLHA - Por outro lado, alguém poderia argumentar que as nossas


avós tinham um cardápio muito pouco variado, e elas também
morriam, e mais cedo que as avós modernas, na média.
POLLAN - A maioria dos ganhos na expectativa de vida vieram da
prevenção da mortalidade infantil até os cinco anos de idade. E
também tivemos coisas como ponte de safena e novos remédios.
Mas as taxas de obesidade e diabetes eram muito menores há cem
anos do que são hoje. Sim, a ciência e a tecnologia têm ajudado a
prolongar a vida, mas mas não por meio da dieta. A dieta tem
trabalhado na direção oposta.

FOLHA - Seu livro é sobre como as pessoas comem nos EUA, mas
a realidade de países como o Brasil é diferente. O que temos a ver
com isso?
POLLAN - O jeito americano de comer está dominando o mundo. O
Brasil e a Argentina estão rumando na direção da agricultura de
forragem. Vocês estão arrasando seus campos naturais para
plantar soja. E o que acontece com essa soja? Ela vira forragem
barata para gado, que vira comida processada.
Então, o hábito de ir ao supermercado, o hábito de ir ao fast-food,
essas coisas estão se espalhando pelo mundo. Minha esperança ao
publicar esse livro é que as pessoas que ainda não perderam sua
cultura alimentar lutem mais para defendê-la contra a onda de fast-
food.

FOLHA - O sr. defende um bocado a comida local e os orgânicos,


que são a nova moda nos países ricos. Mas nós vivemos num
mundo de mais de 6 bilhões de pessoas, e a agricultura precisa ser
industrial e usar pesticidas em grande escala.
POLLAN - Pode ser que os orgânicos não sejam a resposta para o
mundo inteiro, mas há modelos de agricultura em grande escala
que não usam muito pesticida e são mais sustentáveis. Se você
pensar na rotação que eles usam na Argentina, são cinco anos de
gado no pasto e três anos de grãos, você pode produzir a melhor
carne do mundo e três anos de grãos que podem ser plantados sem
fertilizante e sem herbicidas.

FOLHA - Embora a Argentina tenha mergulhado de cabeça na soja


transgênica...
POLLAN - Eu sei. Essa é uma das maiores tragédias do mundo
hoje. Eles estão abrindo mão de um produto muito superior, que é a
carne deles, em prol de um casinho passageiro com a soja
transgênica. Eu acho que eles olharão para trás em algum ponto e
se darão conta de que foi um grande erro.

FOLHA - As recomendações da FDA são seguidas ao redor do


mundo. Mas o sr. diz que a FDA não é exatamente confiável. Por
quê?
POLLAN - Qualquer país que siga a nossa pirâmide alimentar
precisa saber como ela é feita. E não é um quadro bonito. O
governo dos EUA precisa negociar cada mensagem sobre a comida
com a indústria afetada.
Eles não apenas incluem o consenso científico sobre quanto açúcar
você pode comer, mas têm de negociar com os usineiros, que
querem aumentar esse valor. Então, eles tentaram dizer que 10%
de açúcar na dieta era razoável, mas a indústria brigou e insistiu em
25%. Isso não é informação científica, é informação política,
negociada com a indústria. Você deve tomá-la com um grão de sal.

FOLHA - Não é meio ridículo escrever um livro ensinando bom


senso às pessoas?
POLLAN - (Risos) Eu jamais imaginei que pudesse vender um livro
que se baseia num conselho às pessoas para comer comida. Isso é
sintomático da nossa situação. Meu último livro dizia às pessoas de
onde a comida vinha. Nós nos desconectamos tanto da comida que
você precisa de jornalistas para dizer de onde a comida vem e que
é preciso comê-la.

Frase
"Eles [a FDA] tentaram dizer que 10% de açúcar na dieta era
razoável, mas a indústria brigou e insistiu em 25%. Isso não é
informação científica, é informação política, negociada com a
indústria"
MICHAEL POLLAN
jornalista americano, autor de "Em Defesa da Comida - Um
Manifesto", Editora Intrínseca, 2008.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2109200802.htm

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“E não é que o Kevin Trudeau tem razão?”


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