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Prática de Texto:
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leitura e redação
3ª edição – revista e ampliada
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Luiz Roberto Dias de Melo e Celso Leopoldo Pagnan
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Melo & Pagnan
A! Ed
ditora
(11) 3565-0142
3
2
Prática de texto: leitura e redação
3
Melo & Pagnan
Capítulo 1
Caracterização de texto
4
Observe ao lado
exemplo de texto verbal
e não-verbal, do
cartunista Angeli, pois
mescla palavra e
imagem.
a) A primeira
dessas características é,
como referimos, a do texto como um todo gerador de sentido, uma totalidade.
Um fragmento, uma parte (frase, palavra) não possuem autonomia, não podem
ser tomados isoladamente, na medida em que cada parte liga-se ao todo. Fora do
contexto (o texto como um todo), uma determinada parte poderá ter seu sentido
original alterado, impedindo a depreensão do que de fato se desejou transmitir –
o real significado do texto como expressão do autor. Há ainda uma propriedade
4
Prática de texto: leitura e redação
b) Por mais neutro que pretenda ser – como as instruções para uso de
determinado equipamento ou uma notícia de jornal –, um texto sempre revela a
perspectiva1 (a visão de mundo) que o autor constrói da realidade. Vale dizer
que os textos são dotados de certo grau de intencionalidade, fenômeno mais
notável em textos argumentativos, (conforme estudaremos no capítulo 9). Um
exemplo típico disso pode ser verificado na edição de 15 de maio de 2000, do
Jornal de Londrina, em que se lê na primeira página a seguinte chamada: "Os
poucos torcedores que foram ontem à tarde ao Estádio do Café deveriam receber
um prêmio. Além de assistirem a um péssimo jogo e verem o Tubarão perder
para o Paraná por 1 a 0, /../ ainda tiveram de aturar a arbitragem insuportável do
juiz e seus asseclas". Observe o efeito de trechos como: deveriam receber um
prêmio ou assistirem a um péssimo jogo e, por fim, de forma mais contundente a
arbitragem insuportável do juiz e seus asseclas. As palavras aí não são neutras,
revestem-se de um caráter judicatório, avaliativo, expressando um ponto de
vista, talvez o do torcedor ou do comentarista de futebol;
5
c) A visão de mundo que está na base do discurso de um autor pode ser
chamada de ideologia2, o processo de produção de significados, signos e valores
da vida social. O texto traz consigo, de modo mais ou menos evidente, valores
identificados com certa cultura e formação histórica e social na medida em que o
autor é um ator social que comunga com esses valores;
d) Pelo fato de ser um produto de uma época e de um lugar específicos,
há no texto as marcas desse tempo e espaço. Por isso, nenhum texto é um objeto
inteiramente autônomo, há sempre um diálogo estabelecido com outros textos e
com o contexto. O texto, ainda que implicitamente, incorpora diferentes
perspectivas a respeito de uma mesma questão3. O que se tem é uma inter-
1
Em que medida essa afirmação vale para um texto literário, um filme, uma escultura, um
quadro, um projeto arquitetônico? De modo simplificado, poderíamos responder que essas
formas textuais estão contagiadas de historicidade, possuem um caráter histórico, não como um
simples reflexo da realidade, mas como objetos construídos na História e, portanto, como
produtos pensados pelo homem em determinado tempo, de acordo com certas necessidades, de
natureza econômica, psicológica, existencial, religiosa, entre outras.
2
O conceito clássico de ideologia, como má consciência, será desenvolvido no capítulo 4.
3
Algumas teorias do discurso, apoiadas nos estudos de J. Derrida e M. Foucault, abordam
inclusive como a perspectiva do próprio leitor é capaz de dar novo sentido ao texto. A esse
respeito ver: Maria José R. Faria Coracini (org.). O jogo discursivo na aula de leitura. Campinas
: Pontes, 1995, especialmente pp. 13-20.
Melo & Pagnan
Provérbio revisto
Newton de Lucca
A voz do povo
é a voz de Deus...
Que povo?
Que Deus?
6
O que beijou Stálin?
O que delirou com Hitler?
Ou o que soltou Barrabás?
Totalidade
4
A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2ª ed., Campinas : Pontes, 1987, p.
275.
6
Prática de texto: leitura e redação
5
O eu-lírico é a voz de um poema, como o narrador o é em um romance ou conto, com a
diferença que, no poema, não se narra, necessariamente, uma história.
Melo & Pagnan
Perspectiva e ideologia
Exercícios
Todo natal é a mesma coisa. Parece que uma poção mágica nos inebria e 8
nos induz a um comportamento fraterno e reflexivo. Ficamos mais sensíveis às
coisas que realmente importam. Mas o ideal mesmo seria manter essa sensibilidade
durante todo o ano. Para a grande maioria dos mortais, o arrependimento e a
frustração são os grandes vilões que perturbam a paz que deveria anteceder nossos
momentos finais.
Pude comprovar isso quando eu era médico recém-formado. Na época, tive
a oportunidade de trabalhar num hospital de pacientes terminais. Trata-se de um
lugar onde é comum você acompanhar várias mortes por dia. Eu sempre dava um
jeito de estar junto aos pacientes em seus últimos minutos. Acompanhei muitos
deles no momento de sua passagem, e a grande maioria vivia a morte com muita
frustração e arrependimento.
Alguns diziam: “Doutor, sempre me sacrifiquei e agora que ia começar a
viver, estou morrendo. Não é justo...”
A maioria das pessoas morre frustrada por não haver aproveitado sua vida.
Elas passaram o tempo todo lutando pelas coisas erradas e se esqueceram de
cultivar a felicidade no seu dia-a-dia. Não entenderam a importância dos pequenos
momentos. Do almoço com a esposa, dos 15 minutos de brincadeira com o filho,
das amizades construídas ao longo da vida... jamais vi alguém arrependido por não
ter sido mais duro, por não ter se vingado, por não ter sido egoísta. Todos se
arrependiam por não ter amado mais, por não ter aproveitado a vida. A família, o
8
Prática de texto: leitura e redação
A mensagem publicitária
A mensagem publicitária é o braço direito da tecnologia moderna. É a
mensagem de renovação, progresso, abundância, lazer e juventude, que cerca as 10
inovações propiciadas pelo aparato tecnológico.
Ao contrário do panorama caótico do mundo apresentado nos noticiários
dos jornais, a mensagem publicitária cria e exibe um mundo perfeito e ideal,
verdadeira ilha da deusa Calipso, que acolheu Ulisses em Odisséia – sem guerras,
fome, deterioração ou subdesenvolvimento. Tudo são luzes, calor e encanto, numa
beleza perfeita e não-perecível.
Essa mensagem, contudo, não se limita ao mundo dos sonhos. Ela concilia o
princípio do prazer com o da realidade, quando, normativa, indica o que deve ser
usado ou comprado, destacando a linguagem da marca, o ícone do objeto.
Embora nem todas as mensagens surtam o efeito desejado, a onipresença da
publicidade comercial na sociedade de consumo cria um ambiente cultural próprio,
um novo sistema de valores, co-gerador do ‘espírito do tempo’. (...) De mãos dadas
com a taumaturgia publicitária, a sociedade da era industrial produz e desfruta dos
objetos que fabrica, mas sobretudo sugere atmosferas, embeleza ambientes e
artificializa a natureza – que vende de água mineral a sopinhas enlatadas.
Possuir objetos passa a ser sinônimo de alcançar a felicidade: os artefatos e
produtos proporcionam a salvação do homem, representam bem-estar e êxito. Sem
a auréola que a publicidade lhes confere, seriam apenas bens de consumo, mas
mitificados, personalizados, adquirem atributos da condição humana.
Nelly de Carvalho. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ed. Ática, 1996.
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Prática de texto: leitura e redação
a) O que a autora quis dizer com a seguinte afirmação: "a mensagem publicitária
é o braço direito da tecnologia moderna"?
b) Determine em qual trecho do texto fica clara a relação deste texto com um
outro texto ou contexto.
3) (Ita) Assinale a opção em que a manchete de jornal está mais em acordo com
os cânones da "objetividade jornalística":
d) A farra dos juros saiu mais cara que a da casa própria (Folha de S. Paulo,
13/06/1999.)
12
Há quem tome o cinema como lugar de revelação, de acesso a uma verdade por
outros meios inatingível. Há quem assuma tal poder revelatório
r como uma simulação de
acesso à verdade, engano que não resulta de acidente mas de uma estratégia. Discuto esta
questão especificando determinadas condições de leitura das imagens; ao mesmo tempo,
faço uma recapitulação histórica, pois o binômio revelação/engano se projeta no tempo,
referido a dois momentos da reflexão sobre cinema: o da promessa maior, aurora do
século, e o do desencanto, anos 70/80.
12
Prática de texto: leitura e redação
6
Segundo o dicionário Aurélio: “atitude política radicalmente infensa ao comunismo, e que se
desenvolveu nos EUA com a campanha desencadeada pelo Senador Joseph Raymond
MacCarthy [1909-1957]”. Nota dos autores.
Melo & Pagnan
Proposta de Redação
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Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
Capítulo 2
Repertório e escrita
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Prática de texto: leitura e redação
7
Convite à filosofia. 3ª ed., São Paulo : Ática, p. 159
Melo & Pagnan
... a maior parte de nossa memória está fora de nós, numa viração de chuva,
num cheiro de quarto fechado ou no cheiro duma primeira labareda, em toda parte
onde encontramos de nós mesmos o que a nossa inteligência desdenhara, por não
lhe achar utilidade, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas
as nossas lágrimas parecem estancadas, ainda sabe fazer-nos chorar. Fora de nós?
Em nós, para melhor dizer, mas oculta a nossos próprios olhares, num
esquecimento mais ou menos prolongado.
(Tradução de Mário Quintana)
A propósito da integração das partes do repertório na forma de uma rede
geradora de sentido, leia a crônica abaixo, na qual Zuenir Ventura faz referência
a uma série de dados da atualidade. É preciso que o leitor faça uma conexão
eficiente entre os fatos apresentados pelo autor para assimilar o sentido integral
do texto.
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Prática de texto: leitura e redação
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Prática de texto: leitura e redação
grandiosa ópera
diretor, protagonista
espetáculos de massa
tochas acesas
laranjas
clonagem financeira
corrupção
cédulas
fantasmas
Exercícios
2. Imagine que uma folha do seu caderno é uma página do seu diário. Reflita
sobre o que você fez no dia anterior (ou anteriores) a este e registre algo que
julgue importante para ser relido no futuro. (Não se prenda necessariamente a
fatos; se for o caso, privilegie uma reflexão sobre um sentimento, uma amizade,
um gesto...)
3. Qual ou quais são os assuntos que você gostaria de discutir em sala de aula
mas que nunca teve oportunidade de fazê-lo? Explique o motivo de sua escolha.
“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não
estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre
mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior”. (pp. 20-21)
a) Depois que você for capaz de decifrar o “enigma”, dê um título adequado ao texto, um título
que de imediato esclareça o leitor sobre a matéria que irá ler.
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Prática de texto: leitura e redação
Frei Beto
Revista Bundas, jul. 1999
Era uma vez um reino de bobos. Exceto um, é claro – o rei! O rei era o único
inteligente, culto, poliglota e, além de tudo, bonito. Um dia, para alegria dos reinóis,
ordenou Sua Majestade cunhar a moeda real. Decretou que ela seria tão forte
quanto as moedas dos mais poderosos reinos. Os bobos acreditaram que, com tal
moeda em mãos, teriam pela frente um futuro de prosperidade e fartura. 23
A moeda era forte, mas os salários, fracos. Os nobres, em cujas mãos se
acumulavam moedas reais, viram suas fortunas multiplicarem-se como coelhos do
reino. Os servos, obsequiados com míseros trocados, eram tragados pela miséria
que lhes assomava à porta.
O rei, contudo, julgando-se bondoso, quis poupar a capacidade produtiva de
seus súditos. Num reino com tantas praias, rios, lagos e belezas naturais, não seria
bom alvitre importar os produtos necessários? Assim, alegou o soberano, os reinóis
só teriam o trabalho de consumir, jamais produzir.
Logo, o reino passou a importar caravelas e caravelas de produtos. Inclusive
moedas mais fortes de outros reinos, para encher suas burras. Como os súditos
eram bobos, o rei considerou medida de somenos penhorar o reino ao Fundo
Majestático de Investimentos, uma instituição que administrava riquezas das cortes
poderosas e jamais permitia que um reino pobre viesse a ter melhor sorte.
Os bobos aplaudiram quando o rei decidiu entregar as fontes de riquezas do
reino aos grandes impérios. Tudo iria funcionar melhor, prometia o rei, e a corte
ficaria mais rica. Os bobos acreditaram, as fontes de riquezas foram repassadas aos
estrangeiros e o tesouro real engordou.
Porém, a aura de fortaleza da moeda real se desfez quando o poder dos magos
do reino entrou em crise e, em poucos meses, o tesouro real perdeu tanto de sua
fortuna que se tornou possível enxergar o seu piso. E os problemas com os serviços
Melo & Pagnan
CartIlha
a MATIlha
contra a Ilha
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Prática de texto: leitura e redação
Ilha recUSA?
Ilha reclUSA
USA e abUSA
América LATina
AméRICA ladina
LATe a MATilha
Ilha trIlha
CartIlha
Proposta de redação
A maior parte do que realmente preciso para saber como viver, o que fazer,
como ser, eu aprendi no Jardim da Infância.
A sabedoria não estava no topo da montanha do conhecimento, que é a
faculdade, mas sim, no alto do monte de areia do Jardim da Infância.
Essas são algumas das coisas que eu aprendi: dividir tudo; brincar dentro
das regras; não machucar ninguém; colocar as coisas de volta no lugar de onde
foram tiradas; arrumar a própria bagunça; nunca pegar o que não é meu; pedir
desculpas sempre que machucar alguém; lavar as mãos antes das refeições; dar
descarga; leite com bolachas fazem bem para nossa saúde.
Tirar uma soneca todos os dias.
Quando sair na rua olhar os carros, dar as mãos e ficar junto. Estar atento
às maravilhas. Lembra daquela sementinha de feijão no potinho de Danone? As
raízes crescem para baixo e as folhas para cima e ninguém sabe com certeza como
ou por que, mas todos nós somos exatamente como ela.
Peixinhos dourados, hamsters e ratinhos brancos, e até a pequena semente
de feijão no potinho de Danone – todos morrem – assim como nós.
E lembre do primeiro livro de leitura que você leu e das primeiras palavras
que você aprendeu. As maiores de todas: mamãe e papai.
Tudo o que você precisa saber está lá em algum lugar. Regras sobre a vida, o
amor, saneamento básico, ecologia, política, igualdade e fraternidade. Pegue
qualquer um desses temas e extrapole para sofisticadas palavras de linguagem adulta 26
e então aplique em sua vida familiar, no trabalho, no governo ou no mundo e tudo
continua firme e verdadeiro.
Pense como o mundo seria melhor se nós – o mundo inteiro – tomássemos
leite com bolachas às três da tarde, todas as tardes, e, depois, deitássemos com
nossos travesseiros no sofá da sala para uma soneca.
Ou então, se todos os governos tivessem como política básica sempre colocar as coisas de
volta no lugar de onde foram tiradas e também arrumassem suas próprias bagunças.
E continua verdade, não importa sua idade: quando sair para o mundo, dê
as mãos, fique junto.
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Prática de texto: leitura e redação
Capítulo 3
Desenvolvimento do Vocabulário
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Sem muito exagero, pode-se dizer que o vocabulário coloca-se ao lado dos elementos
grande parte, do livre arbítrio para ser assimilado. Transformações de natureza sócio-
correspondem, pelo menos em parte, às condições favorecedoras para tal fim. Trata-se, é bom
frisar, de manobras com certo grau de artifício, que poderão, além disso, ter esse caráter
acentuado, caso você se dê por satisfeito e não siga em frente com muita dedicação; os
28
Prática de texto: leitura e redação
Exercícios
comercial de comemorações do Dia dos Namorados. Não para que elas sejam
besteiras líricas e deliciosas que a gente não diz para qualquer pessoa, só para
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Prática de texto: leitura e redação
31
a) Explique o “deslize” (a falha no uso da língua) cometido no texto acima.
Brinquedos incendiados
Uma noite houve um incêndio num bazar. E no fogo _______ desapareceram
___________ os seus brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles brinquedos
consumidos, de tanto mirá-los nos _____________ — uns, pendentes de longos
barbantes; outros, apenas __________ em suas _________. Ah! maravilhosas bonecas
_________, de chapéus de ________! pianos ________ sons cheiravam a _________ e
___________ ! __________ lanudos, de _________ no pescoço! piões ___________ ! —
e uns bondes com algumas letras escritas ao _________, coisa que muito nos
____________ — filhotes que éramos, então, de Mr. Jordain, fazendo a nossa
__________ concreta antes do tempo.
Melo & Pagnan
Clichês
32
Prática de texto: leitura e redação
Você com certeza já deve ter ouvido algum artista na televisão, diante de uma platéia,
"desculpe por alguma coisa". Seqüências vocabulares como essas são repetidas
automaticamente e, ao que parece, muitas vezes com a cerimônia de quem imagina ter
São idéias prontas que estão sempre à mão na falta de outra melhor e
mais expressiva. Os clichês (ou chavões) acabam qualificando ou especificando
muito mal aquilo a que se referem, pois, ao retomarem pela enésima vez a
mesma idéia, a sua carga informacional não desperta no ouvinte ou no leitor
qualquer surpresa, antes pelo contrário, pode chocar pela sua trivialidade.
Os clichês são idéias cristalizadas, não necessariamente ideológicas, lugares-comuns
que denunciam a estreiteza do repertório de quem os usa. A banalidade, do ponto de vista
lingüístico, dos dois primeiros exemplos acima, acaba revelando um pouco do senso estético do 33
falante, que não se deu conta do enorme número de vezes em que aquelas expressões são
repetidas.
O terceiro exemplo acusa uma atitude ingênua, algo como um sentimento de culpa sem
Existem clichês para todas as situações, mas sem dúvida os que merecem
maior censura são aqueles incorporados pela escrita. Clichês relacionados ao
universo familiar, ao amor, à paisagem, são algumas das categorias de
ocorrência do fenômeno, conforme os exemplos abaixo, coletados pela
professora Maria Thereza Fraga Rocco, no exame da FUVEST de 1978:
Familiar
"Estava triste pois minha querida mãezinha ainda nem havia me parabenizado.
Acalmei-me quando ela disse:
– Filhinha, você é meu tesouro; quero tudo, tudo de bom a você".
Melo & Pagnan
Amoroso
"Você meu amor só podia ter nascido no dia da Primavera. Você é uma flor".
Paisagístico
"É mais um dia que começa. Os passarinhos voam e cantam para homenagear os primeiros
raios de sol".
Existencial
É necessário, porém, contrabalançar o peso das restrições dirigidas aos clichês, lembrando
séries vocabulares que se instalaram na cultura como modelos dignos de serem repetidos. A 34
uma pessoa que não tenha o hábito da leitura, pode parecer que uma série vocabular como
"imenso mar azul" ou "a lua cor de prata navegava no céu" represente uma contribuição
se confunde com a ilusão da originalidade absoluta, o que implicaria, por sua vez, a criação
34
Prática de texto: leitura e redação
de uma nova língua. Diante disso, será preciso saber conviver com o lugar-comum até o
ponto em que ele não ocupe espaço demais no nosso pensamento, nos nossos textos e na
nossa vida.
Exercícios
Abrir com chave de ouro; acertar os ponteiros; a duras penas; dar a volta
por cima; agradar a gregos e troianos; alto e bom som; ao apagar das luzes;
aparar as arestas; a sete chaves; atingir em cheio; a toque de caixa; banco dos
réus; bater em retirada; cair como uma bomba; chegar a um denominador
comum; chover no molhado; colocar um ponto final; coroado de êxito; deitar
raízes; deixar a desejar; depois de um longo e tenebroso inverno; desbaratada a
quadrilha; dirimir dúvidas; divisor de águas; do Oiapoque ao Chuí; faca de dois
gumes; inserido no contexto; lugar ao sol; pôr as cartas na mesa; reta final; 36
trocar farpas.
3) Escreva uma frase com cada uma das expressões que você utilizou para
substituir os clichês.
4) O poema abaixo, de José Paulo Paes, é uma crítica à automatização, entendida como um
processo de condicionamento de nossa percepção, de estereotipação contínua em relação ao
mundo que nos cerca. Explique como ocorre essa crítica. Segundo o poeta, há algum setor da
vida social, capaz de resistir ao condicionamento?
PAVLOVIANA
a sineta a revolta
a saliva a doutrina
a comida o partido
a sineta a doutrina
a saliva o partido
36
Prática de texto: leitura e redação
a saliva o partido
a saliva o partido
a saliva o partido
a saliva o partido
o mistério a emoção
o rito a idéia
a igreja a palavra
o rito a idéia
a igreja a palavra
a igreja a palavra
a igreja a palavra
a igreja a palavra
a igreja A PALAVRA
37
Capítulo 4
Conceito de Ideologia
8
Ideologia: uma introdução. Rio de Janeiro : Unesp/Boitempo, 1997, p. 15.
Melo & Pagnan
38
Prática de texto: leitura e redação
acreditavam poder reconstruir a sociedade de alto a baixo sob bases racionais, sonhando
criaturas capazes de sobreviver sem ópio nem ilusão” (quer dizer, sem crenças), de outro lado
não eram capazes de perceber que tal causa encerrava em si mesma uma debilidade que se
tornou depois flagrante. É que ao julgarem que a consciência humana poderia ser
10
O Ancien Régime (Antigo Regime) é o termo pelo qual ficou conhecido o sistema de governo
baseado em um rei, em um monarca. A Revolução Francesa pretendeu derrubar esse tipo de
regime governamental para implantar outro baseado na razão do indivíduo.
Melo & Pagnan
natureza histórica bem definidos. A pobreza, por esse prisma, poderia ser
explicada por uma resistência ou inaptidão ao trabalho ou ainda por uma
incapacidade (nata?) de adaptação dos indivíduos a um mercado
ultracompetitivo sob o signo da globalização.
A ideologia como uma mitologia social, não pode ser superada por uma
ideologia não-falsa ou real, já que havendo ideologia estaríamos sempre no
âmbito da dominação de uma classe social por outra. O que deve ser feita é a
crítica da ideologia, a instauração de um contradiscurso, como diz a filósofa
Marilena Chaui, em busca de um saber real, expressão necessária da verdade. Ou
seja, para se chegar à verdade das coisas, é preciso desmascarar a ideologia
dominante através da crítica, através de análise, do exame das idéias e do seu
lugar nas relações sociais. Por exemplo, para se derrubar a ideologia do
machismo, é preciso criticá-la através de um discurso contrário ao machismo,
um discurso que prega a igualdade entre os sexos, um contradiscurso, pois.
Destaque-se, portanto, que, segundo essa visão, a ideologia seria sempre
um fenômeno “negativo” que deve a todo custo ser repudiado – um fenômeno
que não pode ser confundido como um corpo de idéias característico de uma
determinada classe social, independentemente de qual seja. A seu modo, a
ideologia é uma linguagem, um discurso, ou como parece ser mais adequado
dizer, este último é que se torna suporte da ideologia; os discursos podem 41
cristalizar a ideologia, uma visão de mundo parcial, como um valor absoluto e
universal (na forma de um provérbio, por exemplo), válido para todas as
pessoas.
Como o compromisso daquele que escreve deve ser idealmente com o
conhecimento (a literatura, às vezes, tomada como um exercício
“descompromissado”, é também uma forma de conhecimento), numa operação
crítica de apreensão do mundo, julgamos necessário, a título de exemplo e
reflexão, enfocar nas linhas seguintes o fenômeno da ideologia em diversas
situações. Por representarem uma visão de mundo comprometida com certos
interesses de classe, os temas dos tópicos abaixo dispõem-se como uma
“conjuntura de discurso e poder” cuja marca dos “produtores” a análise tenta
elucidar. Os discursos e seu respectivos comentários poderão servir para debate
na sala de aula ou como referência para a crítica de outros discursos.
• Na publicidade
Melo & Pagnan
11
São Paulo : Summus, 1981, pp. 37-39.
42
Prática de texto: leitura e redação
Toda uma geração cresceu ouvindo que os EUA invadiram o Vietnã (ou
interferiram em algum país da América Latina) para “salvar a liberdade”
ameaçada pela ofensiva comunista. Reportagens da época do conflito no Vietnã
demonstravam, no entanto, que os soldados americanos repetiam esse slogan
sem ter a exata noção de quem era o inimigo a combater, em que medida o
comunismo implicava o fim da liberdade e, finalmente, qual liberdade se
defendia: a dos vietnamitas, oprimidos pelos guerrilheiros vietcongs, a dos
americanos ou a do mundo ocidental (leia-se capitalismo) que, por extensão do
avanço do comunismo, segundo se julgava, corria perigo. Essas questões,
contudo, não davam conta do próprio conceito de liberdade, tão obsessivamente
resguardada e ao mesmo tempo tão sujeita a distorções que, afinal, reduziam-na
a uma mercadoria para uso da propaganda ideológica.
Palavras como “liberdade”, “conservador”, “reacionário”, “liberal”,
“nacionalista”, “livre-empresa” e tantas outras possuem um campo semântico
(de sentidos) muito amplo, dando margem a várias interpretações sob o efeito
das ideologias. Hoje em dia tornou-se comum defender o neoliberalismo com
seu vocabulário peculiar: globalização, abertura de mercado, privatização, 44
especialização...
Porém, em determinados meios, quando alguém é tachado de
“neoliberal” pode significar que essa pessoa esteja servilmente atendendo aos
interesses do que no passado recente se denominava “imperialismo”, o poder
político econômico exercido em escala mundial pelos países centrais (sobretudo
pelos Estados Unidos).
Resistir à abertura, muitas vezes indiscriminada, de mercado é atitude
comum aos “nacionalistas” que, além desse rótulo, são classificados como
“conservadores” pela ala dos liberais (grupo que de igual forma recebe a mesma
pecha dos oponentes). Em decorrência do excesso de sentidos absorvido por
essas palavras, deve-se procurar usá-las com o máximo rigor, já que, conforme o
contexto, correm o risco de designar muitas coisas e nada a um só tempo. Neste
caso, a polissemia (vários significados) não se reveste de um valor positivo,
como se observa na literatura, em que o fenômeno passa a ser condição, entre
outras, do efeito estético obtido pelas palavras usadas num romance, por
exemplo. Rigorosamente, pois, não teríamos apenas o fenômeno da polissemia,
mas também o da "polarização" – a tendência acusada por certas palavras em
apresentar sentidos de natureza oposta, cujo uso se conforma a contextos de
ocasião, como os referidos acima.
44
Prática de texto: leitura e redação
• Na pesquisa científica
chegando a ser confundida com este, sem prejuízo para o fato de que a própria noção de
si mesma ideológica, pois oculta toda a dimensão das condições em que a Ciência foi gerada
especializado, é abstraída, sendo seu lugar ocupado pelo discurso científico em forma de
pesquisa.
Como o trabalho científico é patrocinado pelo Estado ou financiado por empresas, nem
num caso nem noutro a sociedade participa ou sequer chega a tomar conhecimento das
45
políticas e interesses que o determinam.
falso das pesquisas, a autora, Cynthia Crossen, discute o papel daquelas pesquisas tão
Cynthia, editora do Wall Street Journal, conta o caso das fraldas descartáveis, alvo de
uma entidade ecológica, que afirmava ser o produto prejudicial ao meio ambiente. A
denúncia provocou uma queda sensível de vendas do produto no mesmo período – 1988 a
demonstrou que o consumo de água e energia para lavar as fraldas de pano e de óleo diesel,
Melo & Pagnan
usado pelos navios para o transporte dos tecidos, representava uma ação tão prejudicial ao
• No discurso competente
12
Reunido em CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas.
São Paulo, Cortez, 1982. As referências ao ensaio têm como base o texto da 7ª edição, publicada
em 1997, pp. 3-13.
46
Prática de texto: leitura e redação
50
Prática de texto: leitura e redação
• Na cultura de massa
Segura o tchan
Pau que nasce torto nunca se endireita,
Menina que se requebra, mãe pega na cabeça (bis)
Domingo ela não vai, vai, vai
Domingo ela não vai não, vai, vai, vai
Então segura o tchan
Amarra o tchan,
Melo & Pagnan
13
Observe como o diálogo entre os textos (letra da música e provérbio) é positivo.
14
Será possível ainda e leitura segundo a qual o apelo é dirigido à menina ou à mãe desta? mas
nesse caso a expressão "tchan", no sentido desenvolvido a seguir, apareceria um tanto deslocado
ou mesmo de modo incoerente no contexto.
52
Prática de texto: leitura e redação
Exercícios
53
1. O texto que segue foi escrito por Oswald de Andrade, autor modernista,
participante da Semana de Arte Moderna (1922):
Você deve ter tido dificuldade com o sentido de várias palavras que o
obrigaram a consultar o dicionário. O uso ostensivo de preciosismos lexicais,
expressões latinas, maneirismos sintáticos e analogias pretensamente requintadas
possui a função de impressionar o público, em consonância com um estilo e uma
ideologia (a do bem falar, próprio dos bacharéis, dos letrados) reinantes nos fins
do século XIX e início do século XX.
O texto de Oswald de Andrade é uma paródia ao Parnasianismo, escola
literária com grande influência naquele período, cujo maior representante, Olavo
Bilac, é citado, assim como um dos seus versos (“Pátria, latejo em ti!”).
A paródia, como fenômeno discursivo, degrada e ridiculariza o discurso
parodiado, não o ratifica, entra em tensão com ele, negando-o. Essa negação é
54
Prática de texto: leitura e redação
55
2. Para a resolução deste exercício, faz-se necessária a leitura dos três textos
abaixo. Inicialmente, trecho do livro Linguagem e Ideologia (Ática, 1988), de
José Luiz Fiorin:
conciliação, mantêm entre si uma relação contratual. Um tipo de discurso segundo o qual o
homem deve conformar-se com sua situação na Terra para ganhar o reino de Deus está em
relação polêmica com outro para o qual o reino de Deus deve começar a ser construído aqui
na Terra pela implantação da justiça e que todos os homens devem lutar para que isso se
B- A derrota política dos pobres é tão grande que eles próprios se acabam
convencendo de que são um peso a comunidade e não merecem que os
mais favorecidos se sacrifiquem por eles. Nos Estados Unidos, muitos
acham que perderam o emprego porque não se esforçam o suficiente. (p. 8)
56
Prática de texto: leitura e redação
Geni e o Zepelim
De tudo que é nego torto/ Do mangue e do cais do porto/ Ela já foi
namorada/ O seu corpo é dos errantes/ Dos cegos, dos retirantes/ É de quem não
tem mais nada/ Dá-se assim desde menina/ Na garagem, na cantina/ Atrás do
tanque, no mato/ É a rainha dos detentos/Das loucas, dos lazarentos/ Dos
moleques do internato/ E também vai amiúde/ Co’os velhinhos sem saúde/ E as
viúvas sem porvir/ Ela é um poço de bondade/ E é por isso que a cidade/Vive
sempre a repetir/Joga pedra na Geni/ Joga bosta na Geni/ Ela é feita pra apanhar/
Ela é boa de cuspir/Ela dá para qualquer um/ Maldita Geni/
58
Prática de texto: leitura e redação
a) Reflita sobre a relação que a sociedade mantém com a prostituta e faça uma
analogia com a música de Chico Buarque, destacando as partes que justificam
sua argumentação.
Cidadezinha qualquer
Melo & Pagnan
b) Que valores estão implícitos no ponto de vista adotado pelo poeta no último
verso do poema?
60
c) A mesma oração repete-se nos versos 4, 5 e 6, mudando apenas o sujeito.
Exponha, com base no próprio poema, a intenção contida tanto na mudança
quanto na repetição.
60
Prática de texto: leitura e redação
6) Como é que o senhor pode sentir qualquer prazer em atirar sobre esses pobres
animais que estão pastando com tanta inocência, que estão ali na floresta sem
nenhuma defesa e que ignoram o que os espera, Herr Kersten? Na verdade, é puro
assassinato... A natureza é muito bela e os animais têm todo o direito de viver. É
este modo de ver que eu tanto admiro em nossos ancestrais... Esse respeito pelos
animais existe em todos os povos indo-germânicos. Outro dia eu soube, com o
maior interesse, que ainda hoje os monges budistas não saem para passear na
floresta sem um sininho de aviso aos pequenos animais em que poderiam pisar sem
ver, para que saiam de seu caminho para não lhes fazerem mal. E pensar que entre
nós ninguém hesita em pisar nas lesmas e que esmagamos os vermes!
apud Hans Magnus Enzensberger, "Reflexões diante de uma
vitrine", Revista USP (9), 1991, p. 15
O texto acima reproduz trecho de conversa que Adolph Hitler mantém com
seu massagista, Feliz Kersten, a quem censura o hábito da caça. No contexto
histórico dominado pela ideologia do nazismo na Alemanha, esse diálogo ganha
um significado inesperado. Explique.
61
Proposta de redação
62
Capítulo 5
Discurso
62
Prática de texto: leitura e redação
O discurso se
manifesta na voz de um 63
enunciador, no ponto de
vista que ele assume para
manifestar sua visão de mundo.
Nesse sentido, um discurso pode expressar os valores de um moralista, de
um ateu, de um indivíduo ligado à direita política, ou à esquerda, e assim por
diante. No entanto, essa visão que temos das coisas, da política, da religião, do
relacionamento amoroso etc., não é construída totalmente de modo individual.
Ou seja, ao expressarmos uma opinião, estamos, na verdade, expressando
concepções constituídas no âmbito de um discurso comum15.
Por exemplo, quando um indivíduo se diz favorável à pena de morte, ao
aborto, ao homossexualismo, ao sexo livre, ele pode, em verdade, estar
expressando não seu ponto de vista particular, e sim se utilizando de um discurso
corrente e dominante em dado momento da história dos homens. O mesmo
ocorre se for contrário às práticas enumeradas.
Assim, se um indivíduo quer, não apenas repetir um discurso dominante,
mas expressar sua opinião de modo seguro e convincente, é preciso que faça
15
Para uma reflexão mais ampla em torno da relação discurso e valores, ver o capítulo anterior,
"Conceito de ideologia".
Melo & Pagnan
uma reflexão sobre o mundo que o cerca, sobre os textos que lê, sobre as
informações que ouve, e assim por diante.
Leia-se, a exemplo, um texto escrito pelo ex-ministro – do Governo
Militar – e ex-senador Roberto Campos, em que expressa seu ponto de vista em
relação ao julgamento do ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet16.
A lógica do absurdo
O pedido de extradição do general Pinochet feito à justiça inglesa pelo juiz Baltasar Garzón
só faz sentido dentro da lógica do absurdo. Se o bom juiz, que se autonomeou defensor “global”
dos direitos humanos, fosse apostólico ao invés de exibicionista, priorizaria melhor seus alvos. No
atletismo da violência, no desprezo pela vida humana e na sofisticação das torturas, Fidel Castro,
beneficiário da longa experiência soviética, revelou maior determinação e melhor tecnologia do que
Pinochet. Matou mais gente, aprisionou mais gente, torturou e exilou mais gente do que o ditador
chileno. Baltasar Garzón parece desinteressado nessa contabilidade do terror.
Pinochet foi ditador durante 17 anos, e Fidel o é há 40 anos. Aquele aceitou deixar o poder
após plebiscito democrático, ao qual já se sucederam duas eleições presidenciais democráticas. Esse
rodízio de lideranças pareceria obsceno a Fidel. Atribuem-se à repressão chilena entre 3.000 e 4.000
mortos e desaparecidos. Fidel fuzilou 17 mil e não se sabe quantos pereceram nas prisões ou
devorados pelos tubarões do Caribe, como náufragos “balseros”. Cerca de 30 mil dissidentes
chilenos deixaram o país em protesto contra Pinochet. Dois milhões de cubanos (20% da
população) fugiram do paraíso de Fidel. O Chile é hoje a mais estável economia da América Latina, 64
e Cuba, o maior desastre econômico da região. Pinochet impediu que o Chile caísse vítima de um
experimento comunista, com seus conhecidos componentes: campos de concentração, ditadura do
partido e degradação econômica. (Note-se que o pioneiro na introdução de gulags foi Che Guevara,
que criou o “Campo de trabalho coletivo” na península de Guanaha). O que Fidel fez foi
interromper a evolução de Cuba de um regime mercantil-patrimonialista para um regime capitalista,
que no correr do tempo levaria a uma abertura política.
Se tivesse imparcialidade judicatória na defesa dos direitos humanos, o
ilustre juiz, simultaneamente com a extradição de Pinochet, promoveria a
extradição de Fidel. Este, aliás, estava geograficamente mais próximo das cortes
espanholas, pois participava de uma reunião em Portugal de chefes de Estado
ibero-americanos (cerimônia que Vargas Llosa chama de “palhaçada anual”). A
lógica implícita na sentença espanhola unilateral é que matar comunistas é crime
hediondo, que a comunidade internacional deve punir, mas fuzilar burgueses e
liberais é simples purificação ideológica.
Jornal Gazeta do Povo, 01 nov. 1998.
16
Como se sabe, o líder chileno conseguiu escapar desse julgamento na Espanha, mas, ao que
parece, sofrerá um processo no próprio Chile. Em agosto de 2000, o ex-presidente e senador
vitalício perdeu a imunidade parlamentar, abrindo uma possibilidade de ser julgado pela
acusação dos crimes cometidos durante o período em que governou o Chile (1973-1990).
64
Prática de texto: leitura e redação
Análise
17
Note-se que o texto de Campos é datado de novembro de 1998, época em que as relações com
os Estados Unidos continuavam tensas, em decorrência do bloqueio econômico. A Revolução
Cubana, ocorrida no final da década de 1950, pôs fim ao domínio norte-americano na ilha. Em
1962, inicia-se o embargo econômico contra a ilha, o qual, no entanto, pouco a pouco vem sendo
suspenso como resultado de iniciativas do Congresso americano, que aprovou, em junho de
2000, uma lei autorizando a venda de alimentos e de remédios para Cuba. Outros países, a
exemplo do Canadá, Espanha e França, voltaram a negociar com a ilha caribenha, e outros, como
Itália, México e o próprio Canadá, investem conjuntamente mais de US$ 1,5 bilhão de dólares
por ano.
Melo & Pagnan
Cuba e o socialismo
66
Um triste espetáculo é a alegria feroz com que os políticos e cidadãos que se dizem
democratas, os jornais, o rádio, a TV descrevem as dificuldades de Cuba, na alvoraçada
esperança de uma derrocada do seu regime. Parece que lhes dá prazer noticiar e comentar
que falta alimento e roupa, as máquinas agrícolas estão sendo puxadas por animais, a
bicicleta substitui o automóvel. Com certeza esperam que o regime odiado acabe na fome,
na miséria e na desgraça coletiva, a fim de pagar os sustos que deu.
Um dos pressupostos desta atitude é que o socialismo não funciona. Provavelmente, para
esses críticos eufóricos o que funciona é a “democracia” brasileira, que só pode ser
mencionada entre aspas, pois tem não apenas mantido, mas cultivado e agravado a miséria
de um povo que, cinco séculos depois do Descobrimento, não sabe ler, vive doente, sofre
todas as privações, e portanto, serve de boa massa para os demagogos elegerem quanto
aventureiro consiga vender a sua deteriorada mercadoria política. Isso, quando as classes
dominantes não resolvem salvar a pátria por meio do singular instrumento “democrático”
que são os golpes mais ou menos militares.
Mas o fato é que (repita-se pela enésima vez) o regime cubano conseguiu o que nenhum
outro tinha conseguido na América Latina: tirar o povo da sujeição torpe e dar-lhe o
sentimento da própria dignidade, graças à aquisição dos requisitos indispensáveis – saúde,
alimentação, relativa equivalência de oportunidades, afastamento mínimo possível entre os
salários mais altos e os mais baixos. Note-se que isso não é uma vaga esperança; é uma
18
Raciocínio construído pela “interpenetração de contrários”, uma forma de captar a totalidade
do real, visando uma síntese.
66
Prática de texto: leitura e redação
realidade. E mesmo que o regime cubano dure apenas o tempo de uma geração, ele terá
mostrado que o socialismo é possível nesta parte do mundo, permitindo uma vida de teor
humano em contraste com a iniqüidade mantida pelas oligarquias.
Não há dúvida de que existem em Cuba muitos erros e violências, como os há infelizmente
em toda a parte, mesmo nos momentos em que predominam as boas tendências de
humanização do homem. Em Cuba é negativo haver coisas como governante imutável,
hegemonia de um partido único, pouca liberdade de opinião, imprensa sem vida,
dissidentes podados quando ultrapassam os apertados limites estabelecidos. Os cubanos
sabem disso e com certeza já teriam adotado medidas de desafogo e correção se não
vivessem praticamente em estado de guerra, numa espécie de acampamento sitiado, com
uma guarnição norte-americana plantada na ponta ocidental da ilha e todo o poderio militar
dos Estados Unidos a cento e tantos quilômetros, mais ou menos como daqui a
Guaratinguetá.
No entanto, embora seja importante discutir se há ou não métodos democráticos em Cuba,
creio que neste momento é ainda mais importante perguntar se o regime cubano propiciou
ou não um modo de vida que pode ser considerado socialista. A resposta é afirmativa,
porque ele realizou nesta parte do mundo o que os regimes oligárquicos conservadores
nunca fizeram, e na verdade nunca quiseram efetivamente fazer. E realizou mediante a
tentativa de um novo tipo de Estado, que se relaciona de maneira diferente com a
sociedade, demonstrando a possibilidade de superar o capitalismo predatório a que estamos
acostumados.
Para esse fim, é certo que teve de trocar de dependência, pois no mundo contemporâneo,
67
cada vez mais interligado, quase não há lugar para os pequenos países, obrigados a integrar-
se em sistemas mais amplos. Antes, Cuba pertencia à esfera dos Estados Unidos. Depois da
revolução de 1959 pôde não apenas sobreviver, mas cumprir o seu programa nacional,
ligando-se à União Soviética. Qual a diferença, admitindo que se trate de duas dependências
configuradas? A diferença é que no primeiro caso ela vivia, como os demais países latino-
americanos, tutelada pelo capital devastador de uma grande potência que mantinha as
estruturas oligárquicas de espoliação, inclusive a mais importante, a mais rendosa e decisiva:
o abismo entre rico e pobre, que faz do rico um súdito da grande potência e do pobre um
servo espoliado. A passagem para a esfera soviética permitiu as conquistas humanizadoras
que todos conhecem e reconhecem. Enquanto os Estados Unidos apóiam e cevam os
Batistas, os Somozas, os Estradas Cabreras, a União Soviética facilitou a atividade
construtora e transformadora de um grande e generoso líder popular, cuja estatura Alceu
Amoroso Lima equiparou à de Bolívar.
O projeto nacional de Cuba fez que a sua ligação com a União Soviética não fosse, como
foi noutros países, uma subordinação, mas de fato uma cooperação. Tal projeto se baseia
na tradição das guerras da Independência, a partir das quais formaram-se um conceito e
uma prática de povo armado, que mais tarde renasceram na guerrilha revolucionária e
asseguraram uma espécie de democracia de acampamento, da qual emergiu o tipo singular
de relação do povo com os líderes.
Por tudo isso, ela pôde efetuar uma síntese original e realizar nesta América encharcada de
iniqüidade uma vida mais justa e mais igualitária, que representa algo insuportável para a
prepotência imperialista. Por isso, Cuba desperta em todos os conservadores um ódio
Melo & Pagnan
quase irracional, que agora se traduz na alegria selvagem que ficou assinalada no começo
desse artigo. (...)
Recortes. São Paulo : Companhia das Letras, 1993, pp. 162-164
68
Prática de texto: leitura e redação
Discurso direto
Uma noite, o velho José Paulino tossia. [Maria Alice] levantou-se e foi como
uma filha dedicada dar uma dose de calmante ao velho. Conversou com ele
uma porção de tempo, repetindo duas, três vezes, para que ele ouvisse, a
mesma coisa. De manhã, me procurou para falar da saúde dele:
– Escrevi para Antonio me mandar um ótimo remédio que ele tem em casa. O coronel
não dormiu nada a noite de ontem.
Agradeci o interesse. Viera ali para descansar e estava fazendo de
enfermeira.
Melo & Pagnan
– Que nada. Não tenho mais coisa nenhuma. Os médicos me faziam doente e o pior é
que o meu marido acredita.
José Lins do Rego. Bangüê.
Esse tipo de verbo, ainda que não imprescindível, é utilizado com muita
freqüência para introduzir o discurso direto. Outras marcas caracterizam este 70
tipo de discurso:
70
Prática de texto: leitura e redação
Discurso indireto
Uma senhora de nossa igreja conversava com a neta de 4 anos sobre o que
ela gostaria de ser quando crescesse. A menina respondeu que queria ser
bailarina. Em seguida, perguntou à avó o que sua irmã Juliana havia
decidido ser. A avó, conhecendo a vontade da outra neta, respondeu que ela
queria ser missionária. A netinha de 4 anos quis saber então da avó o que
era ser missionária. A boa senhora disse que era alguém que falava de Jesus
para outras pessoas. A menina parou por um instante e depois, em tom de
repreensão, disse que falar de Jesus era feio, pois era fazer fofoca.
Seleções Reader’s digest - texto modificado
Melo & Pagnan
Veja que neste caso temos também um narrador e duas personagens: avó e
neta. Tanto uma quanto outra falam no texto, porém essa fala, esse discurso, não
chega até nós, leitores, diretamente; é um discurso revelado pelo narrador, por
isso chamamo-lo de indireto. O discurso é construído por avó e neta, mas
revelado, transcrito, pelo narrador.
Em outras palavras, no discurso indireto, a fala da pessoa ou personagem
é filtrada pelo discurso do narrador:
A avó, conhecendo a vontade da outra neta, respondeu que ela queria ser
missionária. A netinha de 4 anos quis saber então da avó o que era ser
missionária.
Mais até que o jornalismo, do qual foi paradigma e referência, uma espécie
de velho sábio da tribo, quem perde com a morte de Barbosa Lima
Sobrinho é o país. Ele o deixa em plena crise, uma das mais graves vividas
por uma testemunha de 103 anos, que atravessou dois séculos e, por pouco,
por menos de seis meses, não entrava no terceiro.
(...)
Para ele, porém, a desesperança, o desencanto e o pessimismo atuais não tinham como
motivo apenas essa conjuntura de corrupção e impunidade. A causa fundamental teria
19
Cf. Diana Luz Pessoa de Barros. Teoria Semiótica do Texto. 3ª ed., São Paulo : Ática, 1997, p.
56.
72
Prática de texto: leitura e redação
• Segundo ele...
• De acordo com... 73
• Para fulano...
• Conforme sicrano...
74
74
Prática de texto: leitura e redação
Outro exemplo
– O Senhor [Georges Dumézil] emprega o termo ideologia. Esse termo designa muitas
vezes representações falsas; mas não é nesse sentido que o senhor o emprega.
– De fato, além dos mitos, quis demarcar idéias-mestras que chamei de ideologias. Não
emprego esse termo no sentido filosófico; para mim, trata-se de uma palavra geral, como
representação. Não faço julgamentos de valor. Quando estudo a mitologia indo-européia,
esforço-me por restituir as representações.
Civilizações: entrevistas do Le Monde. S. Paulo : Ática, 1989, p. 90
76
Prática de texto: leitura e redação
Exercícios
2) (Fuvest) Tentei ri, para mostrar que não tinha nada. Nem por isso permitiu
adiar a confidência, pegou em mim, levou-me ao quarto dela, acendeu vela, e
ordenou-me que lhe dissesse tudo. Então eu perguntei-lhe, para principiar,
quando é que ia para o seminário.
– Agora só para o ano, depois das férias.
Machado de Assis. Dom Casmurro.
Neste excerto, que narra um fato ocorrido entre Bentinho e sua mãe,
observa-se o emprego do discurso direto e do discurso indireto.
78
Prática de texto: leitura e redação
ruins e péssimas. O Provão é obrigatório. O formando pode até tirar zero, sem nenhum problema,
já que seu desempenho individual não está em discussão. O que não pode é deixar de participar, sob
pena de ficar sem diploma.
A soma das notas dos alunos de cada faculdade irá formar uma média, a
da faculdade. Pelas médias, o MEC poderá perceber se a estudantada desse ou
daquele curso conseguiu acertar a totalidade, metade ou um terço da prova, por
exemplo. O objetivo do MEC não é identificar as ilhas de excelência, mas
anunciar ao país quais são os cursos que não reúnem as condições mínimas para
formar profissionais dignos desse nome. A meta do Provão é tão-somente
desmascarar as arapucas. “Só assim os pais, os alunos e a sociedade de um modo
geral poderão cobrar um melhor desempenho das faculdades”, afirma o ministro
da Educação, Paulo Renato de Souza. Os cursos que obtiverem uma avaliação
favorável serão beneficiados na hora de receber verbas oficiais.
Principal iniciativa do governo na área do ensino superior, o Provão fez sua
estréia debaixo de uma saraivada de protestos. As críticas podem ser classificadas
em dois grupos. As entidades estudantis alegam que o exame acabará por prejudicar
os próprios alunos das faculdades picaretas, que não têm culpa por receber um
arremedo de ensino. “Uma nota baixa no Provão irá manchar a vida profissional do
formando”, afirma o presidente da UNE, Orlando Silva. O alegado prejuízo para o
aluno da má escola é uma coisa muitíssimo remota. Lembra o MEC que está
79
garantido o sigilo na divulgação do desempenho individual dos estudantes. Nada
impede, é claro, que, na hora, de procurar emprego, a nota do Provão venha a ser
pedida por uma ou outra empresa mais exigente. A multinacional Johnson &
Johnson, por exemplo, já informou que pretende incluir a avaliação do MEC como
“mais um elemento no processo de seleção de um candidato”.
Professores e reitores questionam a utilidade da prova, que consideram um indicador muito
pobre para avaliar uma instituição complexa como a universidade, na medida em que “não se pode
comparar uma universidade com uma fábrica de parafusos”, segundo o reitor da Universidade de
Santa Maria, Odilon Marcuzzo.
Para os defensores do Provão, tudo isso é desculpa de quem teme os efeitos
de uma avaliação negativa. “Não querer essa prova é agir como um time de futebol
que se recusa a jogar porque tem medo de perder”, fulmina o economista Cláudio
de Moura. O cientista político Wanderley Guilherme diz que o teste é bom, pois
obrigará a universidade a cuidar mais de sua eficiência.
a) O texto reúne diferentes pontos de vista (vozes) sobre uma mesma questão. Destaque quais
são esses pontos de vista.
Melo & Pagnan
b) Demonstre de que forma esses pontos de vista estão transcritos: por meio do discurso direto
ou do discurso indireto.
80
Agência DPZ
Propostas de Redação
80
Prática de texto: leitura e redação
81
A camponesa usa as botas na terra lavrada. Só aqui são o que são. São de
modo tanto mais autêntico quanto menos a camponesa pensa nelas enquanto
trabalha,
ha, e menos as olha ou inclusive as sente. Ela está nelas e anda com elas. É
assim como as botas realmente servem. (...) Por outro lado, enquanto nos
limitarmos a nos representar em geral um par de botas ou a contemplar no quadro
botas que estão aí vazias e sem uso, não faremos nunca a experiência do que é a
utensilidade de algo útil. Do quadro de Van Gogh não podemos inferir sequer o
Melo & Pagnan
lugar em que estão as botas. Em torno deste par de botas de camponesa não há
nada nem ninguém a quem pudessem pertencer, apenas um espaço indeterminado.
Nem sequer estão grudados nelas pedaços de barro do campo ou do caminho que
pudessem indicar o uso que se faz delas. Um par de botas de camponesa. e nada
mais. E no entanto...
No escuro vazio do interior gasto da bota fica plasmada a fadiga dos passos
laboriosos. No rude peso da bota fica retida a tenacidade da lenta marcha pelos
monótonos e dilatados sulcos do campo pelo qual corre um vento áspero. No
couro está depositada a umidade e a sagração do solo. Sob a sola se desliza a solidão
do caminho ao cair da tarde. Na bota vibra a chamada silenciosa da terra, seu calado
oferecer o grão que amadurece e sua misteriosa inatividade no árido ermo do
campo invernal. Este útil está perpassado pela inquietação latente, pela segurança
do pão, a calada alegria pela superação renovada da penúria, a angustiada espera do
parto e o tremor diante da ameaça da morte. Este útil pertence à terra e está
resguardado no mundo da camponesa. Esta pertença resguardada confere ao útil
sua identidade e substantividade.
Descobriu-se a utensilidade do utensílio. Mas, como? Não mediante a
descrição e explicação de um sapato realmente presente: nem mediante a descrição
do processo de confecção de sapatos; nem graças à observação do uso concreto
que for feito aqui ou ali de um sapato; mas pondo-nos simplesmente diante do
quadro de Van Gogh. Este falou. Na proximidade da obra estivemos subitamente 82
num lugar distinto daquele em que costumamos estar. O que acontece aqui? O que
é que está operante na obra? O quadro de Van Gogh é a manifestação do que é um
útil, o par de botas de camponesa, é na verdade. Este ente revela seu ser. Os gregos
chamaram a desocultação de um ente de aletheia. Nós dizemos verdade, e damos
pouco alcance a esta palavra. (...) Na obra-de-arte foi posta em ação a verdade do
ente. ‘Pôr’ significa aqui instalar. Um ente, um par de botas de camponesa, se instala
na obra na luz de seu ser. O ser do ente se manifesta de maneira estável.
Conseqüentemente, a essência da arte seria esta: ser posta em ação a
verdade do ente. Mas até agora a arte tinha a ver com o belo e a beleza, e não com a
verdade. As artes que configuram tais obras são chamadas belas-artes, de modo
diferente das artes artesanais, que produzem utensílios. Nas belas-artes a arte não é
bela, mas é chamada assim porque faz surgir o belo. A verdade, porém, pertence à
lógica. Mas a beleza fica reservada à estética. Ou será, talvez, que com a frase de que
a arte é ser a verdade posta em ação se revitaliza a opinião felizmente superada de
que a arte é uma imitação e cópia do real? A reprodução das realidades concretas
requer a adequação ao real, o ajuste ao mesmo; adaequatio, diz a Idade Média;
homoiosis, diz Aristóteles. A adequação ao real é vista há tempo como a essência da
verdade. Mas julgamos então que o quadro de Van Gogh reproduz pictoricamente
um par de botas de camponesa e é uma obra porque consegue fazer isso? Pensamos
82
Prática de texto: leitura e redação
que o quadro faz uma cópia do real e a transforma num produto de tipo artístico?
De modo algum.
Heidegger, M. Holzwege,
Holzwege p. 21-22 apud López Quintás, A. Estética, p. 52-53
Capítulo 6
Depreensão do tema
83
Agência F/Nazca
a) delimitação de um assunto;
20
Elisa Guimarães. A articulação do texto. 5ª ed., São Paulo : Ática, 1997, p. 17.
84
Prática de texto: leitura e redação
21
Trata-se aqui dos raciocínios dedutivo e indutivo, desenvolvidos no capítulo 8 – dissertação.
Melo & Pagnan
Análises
casa x rua
86
Prática de texto: leitura e redação
Casa e rua são, pois, duas figuras fundamentais para que depreendamos o
tema. No caso, o mais aceitável, seguindo a lógica das outras figuras, é
relacionar aquelas ao tema: prisão/opressão x liberdade.
(...)
Exercícios
88
Prática de texto: leitura e redação
Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva
[noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus
[dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e
[peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se
[enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
90
Prática de texto: leitura e redação
c) Conforme vimos em outro capítulo deste livro, um texto mantém diálogo com
outros textos e com um contexto específico. Qual o contexto subjacente ao
poema?
91
d) Qual a relação possível entre o contexto e as três figuras principais?
e) Essa relação pode nos sugerir o tema, a tematização do texto. Para você, qual
o tema central desse poema?
c) Os outros têm uma espécie de cachorro farejador, dentro de cada um, eles
mesmos não sabem. Isso feito um cachorro, que eles têm dentro deles, é que
fareja, todo o tempo, se a gente por dentro da gente está mole, está sujo ou
está ruim, ou errado... As pessoas, mesmas, não sabem. Mas, então, elas
ficam assim com uma precisão de judiar com a gente. (Guimarães Rosa)
e)
experimentar
colonizar 92
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em sua próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de com-viver. (Carlos Drummond de Andrade)
4) Faça a delimitação do tema dos seguintes assuntos:
a) questão agrária
b) internet
c) trabalho
d) economia
e) mulher
f) racismo
g) futebol
h) religião
i) publicidade
92
Prática de texto: leitura e redação
Propostas de redação
Capítulo 7
Gêneros de síntese
Resumo
Melo & Pagnan
Resumo indicativo
94
Prática de texto: leitura e redação
O Poder da intuição
Mauro Silveira
crucial que a intuição mostra seus méritos – e que os profissionais capazes de intuir
corretamente o que deve ser feito se valorizam. "Estamos falando de uma capacidade de
perceber dinâmicas que não são claramente visíveis, mas que apontam para o futuro",
afirma o sociólogo Alberto Moraes Barros Neto, professor do curso de MBA da Fundação
Dom Cabral e um dos sócios da Adigo Consultores.
4. Falar sobre intuição é sempre mais fácil do que entender exatamente o que ela
significa. O problema começa pela própria definição do verbo "intuir". Pergunte a dez
pessoas que se dizem intuitivas como elas definiriam essa característica e provavelmente
você obterá dez respostas diferentes. De maneira geral, no entanto, pode-se dizer que
intuição é uma espécie de percepção súbita de que algo é assim, ou deve ser feito de
determinada forma, ou vai gerar tais efeitos – em suma, um impulso que nos aconselha a
agir desta ou daquela maneira e que não se fundamenta em pressupostos rigorosamente
lógicos. (Embora a intuição também não tenha, é óbvio, de ir contra a lógica.) Não se trata,
naturalmente, de algo ligado ao "sobrenatural", de uma concessão à fantasia ou de uma
atitude meramente caprichosa. Na verdade, a intuição anda de mãos dadas com a razão.
Sim, ela pode dispensar informações precisas, fatos claramente definidos, estatísticas,
pesquisas, precedentes. Mas não dispensa, nunca, o ato de pensar. O caso do executivo
Marcos Nascimento, que trocou a gigante Pricewaterhouse- Coopers pela pequena
Amtec.Net, mostra bem isso. É claro que, ao receber a proposta, ele fez uma avaliação
realista das vantagens e dos riscos envolvidos. Analisou o potencial de crescimento da nova
empresa e do segmento de mercado em que ela atua. Informou-se sobre a filosofia do
grupo, as oportunidades de evolução na carreira que ela estava oferecendo e a política de
96
remuneração que adota. Com todas essas realidades em mente – e uma escolha difícil pela
frente –, Nascimento abriu espaço para sua intuição fluir, fazendo o que sentia associar-se
ao que pensava. E foi aí que ele escutou aquela voz interior lhe dizendo: vá em frente!
"Troquei uma empresa de dezenas de bilhões de dólares por outra de dezenas de milhões,
mas tenho a convicção de que fiz a melhor escolha", afirma.
5. A intuição se vale também de nossas experiências passadas para nos indicar qual o
melhor caminho a seguir. Se você viveu uma determinada experiência anteriormente e,
anos depois, se deparar com uma situação semelhante, seu "banco de dados" interior
possivelmente acusará a coincidência. "As pessoas são intuitivas porque desenvolvem a
habilidade de compreender os seus próprios sentimentos e de acessar esse banco de dados
de forma rápida", afirma Iaci Rios, professora de educação corporativa do curso de
psicologia social das organizações do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo. (...)
6. A 3M é uma das empresas que mais buscam profissionais intuitivos no mercado. E
existe uma boa razão para isso – a conhecida norma interna da organização, que estabelece
que 30% do faturamento anual do grupo venha obrigatoriamente de produtos lançados nos
últimos quatro anos. Produzir esse volume de novidades requer muita criatividade – e
intuição. "Nós sempre valorizamos a política do fazer a diferença e do poder errar", diz
Waldir Bevilácqua Júnior, gerente de unidade de negócios e mercados de reparação
automotiva. Para dar asas à imaginação dos funcionários do departamento técnico, há
alguns anos a empresa decidiu implantar um sistema que permite que cada um deles use
15% do seu tempo de trabalho da forma que bem entender. Eles podem visitar empresas,
trabalhar em projetos que nada têm a ver com suas funções, conversar com profissionais de
96
Prática de texto: leitura e redação
áreas diversas dentro e fora da organização e viajar para qualquer lugar que considerem
necessário.
Você S.A. jul. 2000
Mauro Silveira, em seu texto "O poder da intuição", aborda a intuição como
importante meio para se tomar determinada decisão. Para ilustrar o caso, parte
de um exemplo concreto do que seria uma atitude intuitiva, mostrando como um
executivo de uma grande empresa trocou a possibilidade de tornar-se sócio dessa
mesma empresa para ajudar a conquista do mercado em uma outra empresa que
acabava de se instalar no Brasil.
Na seqüência, estabelece um paralelo com a década de 80, quando uma
atitude desse tipo seria vista como irresponsabilidade, ao passo que iniciando um
novo século, ser intuitivo é justamente o que conta, pois, muitas vezes, devido às
rápidas mudanças que se processam no mercado, é preciso arriscar, é preciso
intuir que a estratégia empregada será vitoriosa.
Mauro tem o cuidado, no entanto, de mostrar que intuição não é agir sem
pensar, e sim agir com maior rapidez, descartando as avaliações mais
Melo & Pagnan
Exercícios
A captação da realidade
Nelson Werneck Sodré
Pela natureza mesma de seu ofício, o escritor é o homem que vive atento ao
espetáculo da vida. Faz-se, assim, a mais preciosa testemunha desse espetáculo.
Opera no duplo sentido da palavra testemunha, na dupla função que isso
98
representa: aquele que assiste, mas também que depõe sobre o que assiste. "O
escritor, diz ainda Gorki, não é simples testemunha dos acontecimentos; ele deve
aprender a captar, na torrente da vida, o que constitui a sua essência, o que é
precioso para os contemporâneos. É necessário estudar a vida das gentes e não
deixar deslizar por elas um olhar de passagem, de observador contemplativo".
Acrescenta: "É necessário aprender a ler, a estudar as gentes como se lêem e
estudam os livros, é necessário compreender que estudar as gentes é mais difícil do
que estudar os livros escritos sobre as gentes."
Para captar o essencial, entretanto, é indispensável que o observador seja
capaz de generalizar, isto é, de não apenas ter a compreensão da identidade dos
objetos e dos fenômenos mas também, e principalmente, a compreensão do que
lhes define a essência. A imagem sensível se transforma, por obra do pensamento
abstrato, em imagem conceitual. Se o conhecimento consiste em passar do
particular ao universal, e sem generalização não há conhecimento científico, a
captação da realidade só é possível quando à prática, que fornece o conhecimento
direto e imediato, junta-se o aparelhamento teórico, que permite desprezar os
aspectos secundários, essenciais, causais, genéricos e comuns.
Assim, da mesma forma que não interessa à ciência o mero arrolamento,
não interessa à arte a acumulação dos detalhes. A abstração que, em ciência, leva à
formulação da lei, isto é, do que não abarca todos os nexos e relações mas aqueles
98
Prática de texto: leitura e redação
Paráfrase 99
22
Claro que, quando se faz isso, deve-se tomar cuidado de citar a fonte, para que o caso não seja
interpretado como pura cópia, como plágio de idéias.
Melo & Pagnan
Paisagem nº 1
Mário de Andrade
Observe como o crítico João Luis Lafetá parafraseia esses versos de Mário
de Andrade:
“No verão da Paulicéia (São Paulo) a neblina e o vento frio se alternam com
o sol”.
"O texto, segundo uma nova abordagem vinculada às práticas sociais, deve
ser considerado como recurso à construção do sentido sócio-interacionalmente,
como diz Moita Lopes, por intersubjetividades, por todos os participantes do
discurso. Evidentemente, como princípio construtivista, essa abordagem do ensino
da leitura deve apoiar-se no pressuposto de que o determinante na aprendizagem é
o já existente, ou seja, o conhecimento prévio do aluno."
Exercícios
(a) estão unidas somente na luta pela cidadania e pela redução da importância do
Estado.
(b) estão unidas somente na luta contra as forças da direita.
(c) estão divididas quanto aos conceitos teóricos da globalização.
(d) sempre estiveram divididas em dois grupos: um, contra a direita e outro,
aliado a setores de direita.
(e) estão divididas quanto à visão dos problemas administrativos do Estado.
102
Prática de texto: leitura e redação
Resenha
Melo & Pagnan
descritiva: que procura determinar como foi produzido o texto, sem grandes
apreciações críticas e maiores comentários. Este é o tipo de resenha 104
apropriado para quando não se conhece a fundo o assunto tratado no texto a
ser resenhado, a ser analisado, ou quando oferece alguma dificuldade a mais;
Garçons jogam restos de comida no lixo. Fim de noite. Dois mendigos aparecem.
Não conseguimos ver bem os seus rostos, que se inclinam sobre as latas e logo refocilam
nos detritos. Esta é uma das primeiras cenas do filme Cronicamente inviável, de Sérgio
Bianchi. O espectador se sente incomodado, claro, e se pergunta se o filme todo seguirá
104
Prática de texto: leitura e redação
esse tom de denúncia explícita. Mas aí vem a primeira surpresa: uma voz em "off" começa
a criticar a cena. Diz algo como: "Não, isso está muito explícito, vamos refazer". Assistimos
então a uma variante do acontecimento – não tão nojenta, mas talvez ainda mais chocante.
O que era puro incômodo físico para o espectador se torna, assim, fonte de um
desconforto intelectual: que diabo acontece neste filme, que nega, desfaz e refaz o que
acabava de ser apresentado? É esse jogo que torna Cronicamente inviável uma obra tão
interessante. "Interessante" é um adjetivo tímido. O filme é excelente, mas excelente de um
jeito que os filmes não costumam ser. Já assisti duas vezes a Cronicamente inviável e ainda me
sinto inseguro para analisá-lo. Melhor dizer o que o filme não é. Vemos uma série de
horrores do cotidiano brasileiro – assaltos, miséria, devastação do meio ambiente, violência
policial – em curtos quadros que entrelaçam vários personagens. Mas o que se denuncia
não é exatamente uma "situação social". Falar em "situação social" pressupõe que ela possa
ser mudada. Cronicamente inviável a partir do próprio título, não parece ter essa esperança. A
denúncia do filme é sobretudo moral. A dondoca atropela um menor de rua. Sai do carro e
nem se preocupa em ver se o menino está vivo ou morto: organiza apenas um discurso
para dizer que não teve culpa de nada. A cena se repete, com outra dondoca, mais adiante
no filme. E quase todos os personagens, na verdade, estão às voltas com o mesmo
problema: o de livrar-se de qualquer responsabilidade pelos horrores que acontecem no
país. Crítica à burguesia? Novamente, o filme de Sérgio Bianchi puxa o tapete do
espectador. Pois as "classes populares" não inspiram nenhum discurso otimista. O policial,
a gerente que teve infância pobre, o líder sem-terra parecem detestar, tanto quanto os ricos,
a classe de que se originam. Só parece haver solidariedade na opressão. Comentando várias
105
cenas, temos a personagem de um antropólogo que viaja pelo Brasil – de Salvador a
Rondônia, dali a São Paulo e a Porto Alegre. Suas frases são de uma total incorreção
política. Vendo o Carnaval da Bahia, ele considera que naquele Estado inventaram a mais
perfeita forma de dominação: a felicidade. Diz algo como: "Deixem o pessoal na miséria,
toquem uma música e logo está todo mundo dançando". Esses pensamentos "lapidares"
surgem a todo momento no filme, oscilando entre o acinte, a constatação, o manifesto
político e o xingamento. São tantas as frases desse tipo que terminamos sem saber direito o
que pensar. De certo modo, a violência das frases que aparecem em Cronicamente inviável
segue o mesmo padrão das imagens: o filme desorienta o espectador porque não se
consegue nunca saber se o que se diz, o que se mostra, é para ser entendido ao pé da letra
ou como ironia. Se fosse ironia, cada barbaridade pronunciada estaria a esconder um outro
ponto de vista, o "certo", o das convicções do autor. Mas é como se o filme mostrasse
todos os pontos de vista como "errados", sem que o "certo" seja ao menos sugerido. O
título de Cronicamente inviável já sugere essa ambigüidade: tem um ar de ser irônico, mas
desconfiamos que é isso mesmo o que o autor pensa do Brasil. Vem daí uma estrutura de
documentário, uma frieza, talvez, no registro isolado de cenas e mais cenas aberrantes. Ao
mesmo tempo, o filme não é um documentário, não é um puro "registro". É como se tudo
ali fosse real, "demasiado real": tão verdadeiro a ponto de ser irreconhecível. Irreconhecível
não é o termo, tampouco. Reconhecemos muito bem o absurdo do país no que vemos na
tela. Mas aí está a armadilha mais sutil deste filme: propondo-se como uma espécie de
caricatura, tende a suscitar a reação de que, afinal, o diretor está exagerando, as coisas não
são bem assim etc. Dizer isso, entretanto, seria reproduzir exatamente o jogo da má
Melo & Pagnan
consciência que o filme denuncia o tempo todo. Cada personagem engana os outros e
engana a si mesmo; o diretor engana o espectador o tempo todo, mas parece dizer que, se
propusesse qualquer "luz no fim do túnel", estaria fazendo mais uma enganação. Ninguém
se salva, nem mesmo o filme... O que o torna brilhante. Do mesmo modo, o enredo é
marcado por assaltos, desastres, ferimentos, contusões: os golpes e contragolpes (na
narrativa e no corpo dos personagens) se sucedem. O que equivaleria a dizer, bem
brasileiramente, que entre mortos e feridos salvam-se todos. Esta parece ser, para Sérgio
Bianchi, a maior tragédia – e o que torna o país, ao mesmo tempo, um objeto de sarcasmo
e compunção.
Marcelo Coelho. Folha de S. Paulo, 10 maio 2000.
Nesse outro exemplo, a seguir, temos uma resenha crítica, pois o autor,
além de resumir os principais tópicos do livro, procurou avaliá-lo.
Quinhentos anos é muito ou pouco para uma nação? São os anos da adolescência
ou maturidade? Depende dos rumos de cada uma. Nas nossas comemorações, os tutores
acharam que eram os da puberdade e deram aos afetos verbas para os divertimentos. Mas a
sociedade achava que já era adulta e não gostou da programação. Deu no que deu. Que
oportunidade se perdeu da nação se encontrar e as lideranças discutirem os nossos
problemas históricos! Mas era o velho Brasil cordial. E é o Brasil o tema do livro, Uma
Introdução ao Brasil: um banquete no trópico, publicado pelo Senac e organizado por
Lourenço Dantas Mota, que foge à programação tutelar, apesar do subtítulo. O restritivo 106
de lugar causa arrepio, normalmente vem prometendo paraísos, mas oculta um outro
sentido, o de amenizar um tipo de dominação que se aprofunda e se universaliza. E fica
difícil associá-lo ao diálogo de Platão, um banquete comemorativo entre cidadãos, na casa
do trágico Agatão, em Atenas, cidade que gestou a idéia de igualdade e isonomia, onde
discutem o amor, o caminho para o homem para se superar. O tema do Brasil, uma
sociedade com traços monstruosos, num banquete, poderia ser indigesto. Porém, quanto
ao restante, o livro realiza bem o que se propôs: fazer uma apresentação de algumas das
reflexões mais densas da nossa formação social. Dantas Mota organizou o livro com
diferentes estudiosos falando de uma obra dos autores escolhidos. Cada um pôde se
concentrar e, a seu modo, expor o livro, seguindo, porém, um roteiro comum: uma
pequena apresentação do autor, o resumo dos capítulos e maiores ou menores
contextualização e avaliação crítica da obra, dependendo do comentador. Com isso,
garantiu-se um mínimo de unidade, preservando-se a singularidade do apresentador. O
desejável seria fazer aqui uma apreciação de cada uma das leituras, mas não é possível, no
espaço apertado da resenha; sobra falar da concepção geral da obra. Quanto à seleção dos
livros, no geral, acertou: ela compreende os mais conhecidos e que estariam em qualquer
brasiliana. Mas, como toda escolha, essa também está sujeita a reparos, não é possível
contentar a todo mundo. A antologia procurou selecionar as melhores sínteses sobre o
país, ou as obras que, pela densidade da reflexão, tratando de um aspecto, acabaram
falando do todo. Assim, o Brasil pareceu à maior parte deles como um desafio ao conceito
e à comparação com os modelos civilizatórios conhecidos: uma fronteira onde se
misturavam os extremos de civilização e barbárie. A leitura das interpretações na ordem
106
Prática de texto: leitura e redação
Como deve ser redigida uma resenha? Como ela é estruturada? Vejamos:
central do texto;
análise: neste ponto, deve-se ter em mente como o texto foi escrito (qual a
linguagem empregada, qual o estilo do autor etc.), qual a relevância do
assunto e o tratamento dado a ele, ou seja, qual a importância das idéias, dos
argumentos desenvolvidos pelo autor;
23
Rever o capítulo 2, Repertório e escrita.
108
Prática de texto: leitura e redação
Crítico literário consagrado por dois livros magníficos sobre a obra de Machado de
Assis - Ao vencedor as batatas (1977) e Um mestre na periferia do capitalismo (1990) -, Roberto
Schwarz reúne em Seqüências brasileiras os ensaios, resenhas, orelhas, intervenções em
seminários e depoimentos à imprensa produzidos ao longo dos anos 90. (apresentação)
A variedade da procedência dos textos e a diversidade de seus temas à primeira
vista podem sugerir que falta organicidade à obra. Nada mais enganoso. Schwarz se dedica
aos textos breves com o mesmo rigor de seus trabalhos mais alentados. Mesmo nas
resenhas curtas ou nas orelhas, superficiais por natureza, saltam aos olhos a originalidade
do pensamento e a clareza das idéias do autor, que nunca se encastela na irrelevância dos
jargões acadêmicos e da erudição inútil. É assim, por exemplo, que suas análises dos 109
romances Estorvo, de Chico Buarque, e Cidade de Deus, de Paulo Lins, ou das Poesias reunidas,
de Francisco Alvim, não apenas contextualizam e lançam luzes inesperadas sobre três livros
importantes da nossa produção contemporânea. Elas também convidam à leitura, tarefa
que nem todo crítico é capaz. (análise)
Na primeira parte de Seqüências brasileiras, que traz quatro ensaios sobre Antonio
Candido e, mais particularmente, sobre sua Formação da literatura brasileira, o tom
inevitavelmente exegético de alguns momentos é amplamente compensado pela argúcia
com que se decifra o pensamento de um autor que já ganhou aura de mito e, por conta
disso, é hoje mais admirado do que lido. Schwarz mostra como a trajetória de Candido, que
imprimiu um novo estilo e um novo método ao raciocínio crítico nacional, se articula com
as transformações da realidade brasileira nos últimos 50 anos, incluindo uma atuação
importante de resistência durante a ditadura. Mostra, também, como a reflexão estética de
Candido está intimamente associada a uma crítica severa da iniqüidade das nossas relações
sociais - diferentemente do que acontece com muitos críticos famosos, que simplesmente
transplantam para cá as idéias e conceitos da moda na universidade americana ou européia.
Em "Altos e baixos da atualidade de Brecht" combina a admiração pelo
dramaturgo com as necessárias reservas de alguém bem informado sobre os males do
stalinismo no passado e os males do império da mídia no presente. Num livro sem pontos
fracos, Schwarz consegue brilhar mais do que o normal quando volta à análise de Machado
de Assis, inquestionavelmente o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Quanto mais
se escreve sobre Machado, mais se percebe como sua obra é inesgotável. Em Contribuição
de John Gledson, por exemplo, o autor dialoga com outro machadiano importantíssimo,
Melo & Pagnan
destacando, entre outros feitos de Gledson, a valorização da novela Casa Velha, tida
erroneamente como obra menor, e a releitura de Memorial de Aires, tido erroneamente como
o romance da reconciliação de Machado com a vida. (resumo e análise)
Na entrevista sobre Um mestre na periferia do capitalismo, Schwarz atualiza a reflexão
do seu já clássico ensaio "As idéias fora do lugar", ao explicar como os romances de
Machado refletiram as circunstâncias peculiares do liberalismo no Brasil do Segundo
Reinado, uma sociedade escravocrata e clientelista que, paradoxalmente, lutava para
ingressar na modernidade copiando o modelo europeu. Só é pena que o Brasil de hoje,
igualmente paradoxal e iníquo, não tenha um Machado de Assis para lhe revelar as mazelas.
(comentário final)
Luciano Trigo. Revista Istoé, set. 1999
Diga-se que tal divisão dos elementos estruturais de uma resenha atém-
se, didaticamente, ao que predomina nos parágrafos.
Exercícios
110
Prática de texto: leitura e redação
112
Prática de texto: leitura e redação
3) Escolha um livro, uma peça de teatro, um filme ou uma música e redija uma
resenha.
113
Capítulo 8
Dissertação
114
Prática de texto: leitura e redação
É Proibido Proibir
Adriano Silva - Revista Exame (junho 2000)
116
Prática de texto: leitura e redação
causadas pelo cigarro. O argumento usado pelo governo americano contra a indústria do
tabaco nos Estados Unidos parte do princípio de que não é justo que o dinheiro dos
impostos dos contribuintes, inclusive de uma provável maioria de não-fumantes, custeie os
gastos médicos de fumantes cancerosos. Essa linha de raciocínio é questionável por dois
flancos, o econômico e o filosófico.
Do ponto de vista econômico, é preciso levar em consideração que os fumantes,
ao comprar cigarros, pagam impostos extras em relação aos não-fumantes. (No Brasil, a
carga tributária do cigarro é de 87%.) Essa arrecadação específica poderia gerar recursos
específicos para o tratamento de doenças decorrentes do hábito de fumar. Outro
argumento utilizado pelos tabagistas é que, como sua expectativa de vida é mais curta, eles
onerariam por menos tempo os cofres públicos no fim da vida, comparativamente aos não-
fumantes, que viveriam mais sob os auspícios da Previdência. Isso geraria uma espécie de
compensação em relação ao que gastariam a mais no sistema público de saúde com seus
pulmões podres.
Do ponto de vista filosófico, o raciocínio de alocações perfeitas e equânimes do
dinheiro público, além de inexeqüível, parece tortuoso. Afinal, ao não querer que o
dinheiro de seus impostos seja gasto com fumantes carcomidos, o não-fumante está
admitindo que o morador do bairro de Pinheiros, em São Paulo, por exemplo, exija que a
sua cota de dinheiro público não seja gasta em Santo Amaro, outro bairro da capital
paulista. Uma maluquice. O erário é coletivo por definição e deve, sob esse ponto de vista,
alocar seus recursos de acordo com as necessidades da comunidade que participa dele, a
partir de uma definição de prioridades, sem discriminações de nenhuma ordem.
117
Um meio-termo entre uma e outra posição seria o sistema de saúde cobrar
contribuições diferenciadas de fumantes e não-fumantes. Os fumantes pagariam mais,
porque seu perfil envolve mais riscos. Alguém aí deve estar se perguntando se o mesmo
raciocínio valeria para diabéticos, cardíacos, chagásicos etc. A resposta é: não. Portar uma
doença ou um quadro clínico de risco não passa pela escolha do indivíduo. Fumar, e
contrair doenças decorrentes do cigarro, passa. E seria, portanto, justo que ele assumisse
responsabilidades proporcionais à escolha que fez.
Outra questão importante imbricada nessa disputa entre fumantes e antitabagistas
é a que envolve os chamados fumantes passivos. O raciocínio é simples: se restringir o
direito de uma pessoa de fumar é um gesto autoritário e antiliberal, também o é um
fumante impingir a um não-fumante a fumaça do seu cigarro. O risco assumido por quem
fuma deve ser individual. Se a sociedade não tem o direito de tomar decisões pessoais pelo
indivíduo, muito menos o tem um outro indivíduo. A fronteira do uso do cigarro na
sociedade deve ser precisamente o direito que o não-fumante tem de viver longe da fumaça
cancerígena de quem fuma.
Tendo discutido a questão basicamente na ponta da demanda - a dos
consumidores -, resta analisar a situação na ponta da oferta - a das empresas. O argumento
antitabagista é que a indústria do tabaco é a única que causa mal intencionalmente a seus
consumidores, constituindo uma ameaça à saúde pública. Por isso mereceria ser punida. O
que é preciso perceber é que a demanda gera a oferta - não é a oferta que gera a demanda.
Ou seja, são os fumantes que determinam a existência das empresas de cigarro, e não o
contrário. Sempre existiram e sempre existirão fumantes (o cigarro ainda nem existia e já
Melo & Pagnan
havia os "fumantes" que o inventaram), à revelia das nossas ilusões de uma sociedade ideal
ou de um ser humano perfeito. Assim como sempre haverá suicidas, maníaco-depressivos
etc.
Assegurado que a oferta de cigarros (ou de qualquer outro produto) venha
acompanhada da verdade nua e crua sobre suas propriedades e seus efeitos, e deixado claro
ao indivíduo que seu inquestionável direito à autodeterminação virá sempre acompanhado
de uma igualmente inquestionável responsabilidade individual pelas opções que faz, não
parece haver mais nada, dentro de um cenário democrático e liberal, que a sociedade, o
Estado, Deus, você ou eu possamos ou devamos fazer.
O texto dissertativo organiza-se em três etapas, cada uma das quais com
funções bem específicas que, em conjunto, oferecem ao leitor uma visão de
totalidade:
• indução
• dedução.
...............................................................................
120
Prática de texto: leitura e redação
123
Exercícios
Exercícios
1.
Telejornais: uma versão dos fatos, não a verdade absoluta
A TV pode levar o mundo até a casa do telespectador, permitindo que ele assista, ao
vivo, a eventos históricos como guerras e viagens espaciais. Acompanhados por milhões de
pessoas, os noticiários são capazes de mobilizar toda a sociedade em torno de movimentos
políticos, como a campanha pelas eleições diretas. Mas também dão espaço exagerado a
fatos irrelevantes, alguns deles ligados a figuras da própria televisão, como o nascimento da
filha de uma apresentadora. Mortes de personalidades, por sua vez, fazem com que a
cobertura abandone a frieza jornalística para investir na emoção.
Afinal, o telejornalismo também precisa contribuir para a conquista de audiência.
Quando assistimos a um telejornal, temos a sensação de que vemos um retrato do que
ocorreu de mais importante naquele dia em nossa cidade, no país e no mundo. Trata-se de
uma ilusão: até o mais amplo dos noticiários transmite um volume restrito de informações
– irrisório se comparado, por exemplo, ao número de notícias publicadas por um jornal
diário ou por uma revista semanal. Embora esse processo de seleção seja uma constante do
jornalismo, na TV ele aparece de forma mais acentuada, em virtude do tempo escasso.
A força das imagens também leva muitas pessoas a acreditar que assistem à verdade
absoluta sobre cada fato. Outra ilusão: as reportagens – mesmo as mais extensas – dão
Melo & Pagnan
conta apenas de uma versão, entre inúmeras versões possíveis, da mesma notícia. Compare
reportagens sobre um fato transmitidas por diferentes telejornais, e perceba como as
imagens e o texto narrado variam. Alguns apresentadores também fazem comentários
sobre as notícias, reforçando um ângulo de análise; outros limitam-se a ler os textos, sem
emitir opiniões.
É fundamental lembrar também que o noticiário pode ser vítima de restrições políticas.
Durante a Guerra do Golfo, por exemplo, as informações sobre o conflito transmitidas
para o Ocidente eram filtradas pelo governo dos EUA. O único repórter a furar o cerco foi
Peter Arnett, da rede CNN, que transmitia ao vivo de Bagdá, capital do Iraque. Mais tarde,
porém, soube-se que nem mesmo Arnett era “independente”: ele havia firmado um acordo
com o presidente iraquiano Saddam Hussein, que “tolerava” o trabalho do repórter.
Além disso, os interesses dos proprietários das redes de TV podem influenciar o
conteúdo do noticiário, favorecendo, por exemplo, um candidato em época de eleições, ou
um ponto de vista sobre certo assunto. Cada telejornal oferece ao telespectador apenas um
“mundo possível”.
(Revista Nova Escola, fevereiro de 1999)
124
Prática de texto: leitura e redação
hipótese se admitem frases como: Demonstrando mais uma vez seu caráter
volúvel, o deputado Antônio de Almeida mudou novamente de partido. Seja
direto: O deputado Antônio de Almeida deixou ontem o PMT e entrou para o
PXN. É a terceira vez em um ano que muda de partido. O caráter volúvel do
deputado ficará claro pela simples menção do que ocorreu”.
2. A partir dos tópicos frasais abaixo, crie parágrafos que sejam compatíveis
com o que for enunciado em cada tópico.
3. .....................
Propostas de redação
a) “Quem ama não se apega apenas aos 'erros' da amada , não apenas aos
caprichos e às fraquezas de uma mulher; rugas no rosto e sardas, vestidos
surrados e um andar desajeitado o prendem de maneira mais durável e
inexorável do que qualquer beleza /.../. E por quê? Se é correta a teoria
segundo a qual os sentimentos não estão localizados na cabeça, que sentimos
uma janela, uma nuvem, uma árvore não no cérebro, mas antes naquele lugar
onde vemos – estamos também nós, ao contemplarmos a mulher amada, fora
de nós mesmos /.../. Ofuscado pelo esplendor da mulher, o sentimento voa
Melo & Pagnan
c) “Ao que tudo indica, ao longo da nossa infância nós perdemos a capacidade de
nos admirarmos com as coisas do mundo. Mas com isto perdemos uma coisa
essencial – algo de que os filósofos querem nos lembrar. Pois em algum lugar
126
dentro de nós, alguma coisa nos diz que a vida é um grande enigma. E já
experimentamos isto, muito antes de aprendermos a pensar”. (Jostein Gaarder,
O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo : Cia. das Letras, 1995,
p. 30)
e) “Não se deve tachar a televisão de anticultura: cada povo tem o programa que
merece”. (Júlio Camargo. A arte de sofismar.)
126
Prática de texto: leitura e redação
Capítulo 9
Argumentação
Segundo Perelman:
ouvintes [ou nos leitores] a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo
menos, crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento
oportuno.
128
Prática de texto: leitura e redação
129
um anúncio, como na peça abaixo em que somos levados a crer que um produto
à própria fruta:
Argumento é tudo aquilo que ressalta, faz brilhar, faz cintilar uma idéia.
vocábulo formado com o tema argu-, que está também presente nos termos
cintilar’”.24
e narrativos possam também fazer da argumentação sua razão de ser, tal é o caso
130
O texto faz um jogo de palavras entre o verbo “prever” e um fundo de previdência. Observe o
uso expressivo do verbo “torrar” e o apelo feito ao leitor para que invista o dinheiro poupado
24
Cf. José Luís Fiorin. Revista Gragoatá. UFRJ, n° 2, p. 19, 1° sem. 1997.
130
Prática de texto: leitura e redação
Estratégias argumentativas
Há diferentes
ferentes formas de provocar a adesão de nosso interlocutor ou
veicu- lada pela estatística. Note a reversão, com forte carga persuasiva, do
o da ciência.
132
alternância entre declarações com que o interlocutor ou leitor tenha maior
ou menor familiaridade, com graus distintos de exigência de comprovação:
há premissas em relação às quais nos desobrigamos a provar, como é o caso
de enunciados como esse: “No Brasil, a distribuição de renda não ocorre de
forma a poupar muita gente da mais extrema miséria”. A alternância entre
assuntos com diferentes graus de argumentação cria uma sensação de
“mistura” entre os pontos polêmicos da exposição e outros de fácil aceitação,
diminuindo perante o leitor/interlocutor o impacto dos primeiros e o risco
dele contestá-los;
repetição e acumulação de detalhes: a insistência sobre um tema
sistematicamente retomado por intermédio da mesma idéia ou por idéias
contraditórias torna-o mais familiar ao ouvinte/leitor, aumentando a
probabilidade de aceitação da tese defendida. No exemplo abaixo, o autor,
Peter Drucker, para sustentar sua tese (em itálico), lança mão de vários
detalhes sobre a questão abordada:
132
Prática de texto: leitura e redação
O impacto verdadeiramente revolucionário da Revolução da Informação está apenas começando a ser sentido. Mas não
é a informação que vai gerar tal impacto. Nem a inteligência artificial. Nem o efeito dos computadores
sobre processos decisórios, determinação de políticas ou criação de estratégias. É algo que praticamente
ninguém previa, que nem mesmo era comentado 10 ou 15 anos atrás: o comércio eletrônico – ou seja, a emergência
explosiva da Internet como importante (e, talvez com o tempo, o mais importante) canal mundial de
ela que está provocando transformações profundas na economia, nos mercados e nas estruturas de
indústrias inteiras; nos produtos, serviços e em seus fluxos; na segmentação, nos valores e no
comportamento dos consumidores; nos mercados de trabalho e de emprego. Mas talvez seja ainda
maior o impacto exercido sobre a sociedade, a política e, sobretudo, sobre a visão que temos do
"fim da história" e surgiu a idéia de batizar este como o "século americano". Mas havia
muito mais em curso do que apenas o delírio de Reagan e Thatcher de encarnarem o Adão
e a Eva de um novo mundo em versão "wasp". De fato, uma nova era estava surgindo.
Tomando como base o ano de 1975, quando os circuitos integrados alcançaram o pico de
12 mil componentes, a revolução da microeletrônica assumiu uma aceleração explosiva.
Segundo a lei de Moore, a tendência era que esse número duplicasse a cada 18 meses. Ou
seja, atingido um limiar máximo de densidade para um circuito integrado, esse equipamento
era então utilizado para produzir circuitos mais densos ainda, numa cadeia de
transformações cumulativas alimentando umas às outras. Segundo outra lei clássica da
engenharia, cada decuplicação da capacidade de um sistema constitui uma mudança
qualitativa de impacto revolucionário. O que significa que desde 75 passamos por algo
como dez revoluções tecnológicas sucessivas no espaço de duas décadas e meia. Uma
escala de mudança jamais vista na história da humanidade! Foi esse contexto fortuito que
proporcionou os meios para que Reagan-Thatcher consolidassem a agenda conservadora,
retraindo a ação do Estado em favor das grandes corporações e do livre fluxo de capitais,
abalando os sindicatos, disseminando desemprego, rebaixando a massa salarial e
concentrando a renda. Foi a grande epidemia das privatizações, das reengenharias e das
flexibilizações. Apoiada na dramática mudança tecnológica, essa onda foi tão poderosa que
acabou forçando a mudança do discurso das oposições. (...) Mas o veneno da maçã
proibida já se infiltrara nas veias dos novos líderes. A idéia não era mais garantir um bom
emprego para todos conforme a tradição socialista, mas disseminar o espírito da
concorrência agressiva por meio de uma nova agenda educacional, de modo que, num
134
mercado cada vez mais concentrado, os mais aguerridos, os mais individualistas e os mais
experientes prevalecessem, em detrimento dos desfavorecidos em todos os quadrantes do
planeta. E aqui se insere o conceito ampliado do destino manifesto, traduzido num novo
dogma chamado eficiência. Nas universidades, o que prevalece é o modelo da administração eficiente,
capaz de gerar seus próprios recursos estabelecendo nexos cada vez mais profundos com o mercado e com a
corrida tecnológica. A eficácia de desempenho é medida em termos de sucessos estatísticos, de capitais,
produtividade e visibilidade, todos conversíveis em valores de marketing para atrair novas parcerias, dotações
e investimentos.
Folha de S. Paulo, 6 jun. 2000
eficientes. Há uma atitude lingüística que orienta esse princípio, cujo modo de
134
Prática de texto: leitura e redação
135
Interrogação: é um recurso muito eficiente, que conduz o raciocínio na
direção desejada, expressando um julgamento, ao mesmo tempo que pode
servir para ironizar uma possível contra-argumentação. “O papel da
interrogação no procedimento judiciário é um dos pontos sobre os quais os
antigos, notadamente Quintiliano, enunciaram muitas observações práticas
que continuam atuais. O uso da interrogação visa às vezes a uma confissão
sobre um fato real desconhecido de quem questiona, mas cuja existência,
assim como a de suas condições, se presume. ‘Que o senhor fez naquele dia
em tal lugar?’ já implica que o interpelado se achava em certo momento no
lugar indicado; se ele responde, mostra seu acordo a esse respeito”. (Perelman
& Olbrechts-Tyteca, op. cit., p. 180)
136
Prática de texto: leitura e redação
opinião funciona como argumento, como uma iluminação que concede maior
138
139
Quanto mais
específica e menor a probabilidade de
particular a desacordo por parte do
tese, leitor/interlocutor,
menor a
necessidade de
comprovação.
Melo & Pagnan
Argumentos pragmáticos
140
Para certos teóricos, esta categoria de argumentos tem papel tão relevante na
inglês Locke critica o poder espiritual (baseado na natureza divina) dos Príncipes
140
Prática de texto: leitura e redação
Jamais se poderá estabelecer ou salvaguardar nem a paz, nem a segurança, nem sequer
fundamentado sobre a Graça e de que a religião deve ser propagada pela força das
de mudanças de um modo geral, sem se referir aos efeitos de tais medidas. 141
nova profissão de fé. Por outro lado, revistas especializadas na vida de gente rica
comprovação; para o telespectador, a relação entre causa e efeito pode ser vista
Erros de argumentação
142
Prática de texto: leitura e redação
melhor treinador. Sabemos que possui os melhores jogadores e o melhor treinador; por
Melo & Pagnan
conseguinte, é óbvio, vai ganhar o título. E ganhará o título, pois merece conquistá-lo. É
conclusões (no caso, a de que certo time merece ganhar por ser o melhor), que se
27
apud Senso crítico: do dia-a-dia às ciências humanas. 4ª ed. São Paulo : Pioneira, 1997, p. 31
144
Prática de texto: leitura e redação
da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Por isso, ali onde vemos coisas,
aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos, afastadas. Sob quase
Conhecimento científico
145
28
op. cit., p. 249
Melo & Pagnan
porque é pesado, mas o peso de um corpo depende do campo da gravitação onde se encontra
– é por isso que, nas naves espaciais, onde a gravidade é igual a zero, todos os corpos flutuam,
independentemente do peso ou do tamanho; um corpo tem uma certa cor não porque é
colorido, mas porque, dependendo de sua composição química e física, reflete a luz de uma
determinada maneira etc.;
• surpreende-se com a regularidade, a constância, a freqüência, a repetição e a diferença das coisas
e procura mostrar que o maravilhoso, o extraordinário ou o “milagroso” é um caso particular
do que é regular, normal, freqüente. Um eclipse, um terremoto, um furacão, embora
excepcionais, obedecem às leis da física. Procura, assim, apresentar explicações racionais, claras,
simples e verdadeiras para os fatos, opondo-se ao espetacular, ao mágico e ao fantástico;
• distingue-se da magia. A magia admite uma participação ou simpatia secreta entre coisas
diferentes, que agem umas sobre outras por meio de qualidades ocultas e considera o
psiquismo humano uma força capaz de ligar-se a psiquismos superiores (planetários, astrais,
angélicos, demoníacos) para provocar efeitos inesperados nas coisas e nas pessoas. A atitude
científica, ao contrário, opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo,
mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser
reconhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos.
Senso comum
146
146
Prática de texto: leitura e redação
Exercícios 147
A nova (des)ordem
Josias de Souza
29
apud Convite à filosofia, pp. 248-250
Melo & Pagnan
b) Para defender essa idéia o autor se vale de variados argumentos. Localize três
argumentos e dê o nome de cada um dos argumentos que você localizou,
conforme a tipologia estudada neste capítulo.
148
Prática de texto: leitura e redação
e) Você concorda com a idéia do autor e com os argumentos por ele utilizados?
149
2) A seguir, trechos do texto de Rafael Greca, quando ministro, para a Folha de
pássaros sobre a Terra, o Brasil vibra de energia musical. Contribuem para isso as
Foi por isso que, tendo recebido visita cordial de Chitãozinho, meu
próximo ano.
/.../
de julho (1999), Tom Zé, Alceu Valença e Gabriel, o Pensador, opinaram sobre a
150
Prática de texto: leitura e redação
questão. Tom Zé amaldiçoou a canção porque ela começa evocando uma arena de
rodeio; ele se recordou do partido que apoiava o regime militar e tinha essa sigla.
Acho que Chitão, pela sua juventude, nem se lembrou disso. Seus parceiros
tampouco.
e a criatividade nacionais para os anos 500 do Brasil, ano 2000 da civilização dita
cristã.
151
Prática de texto: leitura e redação
8
Prática de texto: leitura e redação
costas de Deus, aqueles nossos antigos parentes que por ali andavam, tendo
presenciado a espoliação e escutado o inaudito aviso, não só não
protestaram contra o abuso com que fora tornado particular o que até então
havia sido de todos, como acreditaram que era essa a irrefragável ordem
natural das coisas de que se tinha começado a falar por aquelas alturas.
Diziam eles que se o cordeiro veio ao mundo para ser comido pelo lobo,
conforme se podia concluir da simples verificação dos factos da vida
pastoril, então é porque a natureza quer que haja senhores, que estes
mandem e aqueles obedeçam, e que tudo quanto assim não for será
chamado subversão.
Posto diante de todos estes homens reunidos, de todas estas
mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicativos e enchei a
terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não
tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos
males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de
contrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano. Falando à
multidão, anunciou: "A partir de hoje chamar-me-eis Justiça". E a multidão
respondeu: "Justiça, já nós a temos, e não nos atende". Disse Deus: "Sendo
assim, tomarei o nome de Direito". E a multidão tornou a responder-lhe:
"Direito, já nós o temos, e não nos conhece". E Deus: "Nesse caso, ficarei
com o nome de Caridade, que é um nome bonito". Disse a multidão: "Não
necessitamos caridade, o que queremos é uma justiça que se cumpra e um
direito que nos respeite". Então, Deus compreendeu que nunca tivera,
verdadeiramente, no mundo que julgara ser seu, o lugar de majestade que
havia imaginado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que também ele tinha
sido vítima de enganos, como aqueles de que se estavam queixando as
mulheres, os homens e as crianças, e, humilhado, retirou-se para a
eternidade. A penúltima imagem que ainda viu foi a de espingardas
apontadas à multidão, o penúltimo som que ainda ouviu foi o dos disparos,
mas na última imagem já havia corpos caídos sangrando, e o último som
estava cheio de gritos e lágrimas.
Trecho inicial de prefácio do escritor português José Saramago para o
livro Terra, do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, publicação da Companhia
das Letras; apud Caderno especial da Folha de S. Paulo, 6 abr. 1997
Marcio, aqui vai uma imagem. Vou enviar para você depois.
10
Prática de texto: leitura e redação
11
Melo & Pagnan
4.3) Neste texto, algumas relações frasais não são explicitadas pelo uso
de articuladores. Caso o publicitário resolvesse utilizá-los, mantendo os
sentidos do texto, as expressões mais adequadas para anteceder "Para os
brasileiros..." (segundo parágrafo) e "Na sua próxima viagem..." (terceiro
parágrafo) seriam, respectivamente, _________ e __________ .
a) Portanto – Porém
b) Porque – Assim
12
Prática de texto: leitura e redação
c) Entretanto – Portanto
d) Por isso – Além disso
e) Uma vez que – De modo que
Propostas de Redação
Schopenhauer
Gabriel Perissé
13
Melo & Pagnan
A razão pode dar golpes sujos. Esta foi a percepção de Arthur Schopenhauer
uso, ou o abuso que as pessoas, e sobretudo as que falam bem, fazem da inteligência e das
palavras. São 38 estratagemas que compõem a Dialética Erística, publicada entre nós pela
editora carioca Topbooks com o sugestivo título Como vencer um debate sem precisar ter
razão.
transforma-se na luta sem escrúpulos para confundir, lançando mão de todo tipo de
sofismas e desvios. Uma coisa é querer persuadir alguém de nossas convicções. Outra, bem
algum motivo, devo aproveitar para deixá-lo mais zangado ainda. Digamos que ele seja
espírita e eu digo que os espíritas precisam reencarnar dez vezes para conseguir entender
um argumento. Se ele ficar irritado, devo continuar a irritá-lo, dizendo, por exemplo, que
um espírita que recebe mensagens do além não pode receber os direitos autorais do que
escreveu... ou psicografou, pois suas idéias são emprestadas etc. Se eu conseguir que o meu
Outro estratagema é alegar, ironicamente, que não entendemos o que o outro diz.
A coisa pode soar assim: "Olha, meu amigo, a sua argumentação é tão profunda e eu sou
14
Prática de texto: leitura e redação
tão limitado que não consigo entender o seu pensamento." Dessa forma, estou insinuando
com ar de profundidade para que o outro se sinta humilhado e, fingindo que compreende,
acabe por aceitar tudo o que dissermos. Então, se eu digo: "O paradigma da interação
integra o jogo de inúmeras forças concêntricas que, sem privilegiar o efeito, anulam de
cumulativos que, sem dúvida, exigem uma nova percepção do fenômeno, você concorda?"
rotulado está proibido, numa sociedade tão democrática como a nossa, de defender suas
que é ateu por isso e por aquilo mas que nem por isso é um mau sujeito, ou que não é
dogmático embora acredite em dogmas por essas e por outras etc. etc., o que apenas
adversário afirmando que tudo o que ele disse está muito certo... na teoria, mas que na
prática não dá nada certo. Desse modo, desautorizo tudo o que o outro disse porque
pressuponho, baseado na observação da vida cotidiana, que, no final, tudo acaba mesmo
15
Melo & Pagnan
em pizza, piada e carnaval. O que não deixa de ser, também, uma interessante teoria sobre
nós mesmos...
linguagem complexa das ciências e sua tradução para linguagem do leigo, eu pergunto: será
que o mesmo vale para a microfísica? Para a biologia, por exemplo, será que pode não falar
em síntese dos ácidos, mas usar algo mais leigo? Por que o filósofo é sempre acusado de
usar uma linguagem estranha ao leigo? Mas a linguagem do leigo é mais simples? A
condenação conferida pelo juiz a um réu é efetivada por qual ação? Não é o fato de ele
dizer "condenado"? Mas qual ação ele realizou aí? Ele disse algo e, após, bateu com um
martelo na mesa. Mas em que momento ele condenou? Ao dizer? Ao bater com o martelo?
Ou em ambos? E isto é uma convenção ou não? Pode um juiz dizer "você está frito" e com
isto querer dizer "condenado"? E se em vez de bater com o martelo ele batesse palmas?"
ingenuidade de acreditar em tudo, em quase tudo, do que nos dizem os grandes oradores,
Crie um diálogo cujo tema (ver sugestões abaixo) possa gerar uma
16
Prática de texto: leitura e redação
TEMAS
a) Pena de morte;
b) Censura na Internet;
c) Censura na TV;
17
Melo & Pagnan
i) Clonagem;
18
Prática de texto: leitura e redação
Capítulo 10
Organização da narrativa
No universo dos tipos de textos, a narrativa tem como objetivo principal relatar
acontecimentos diversos. Estudemos, pois, como se organiza uma narrativa. Para isso
vamos analisar o texto abaixo:
O homem nu
Fernando Sabino
19
Melo & Pagnan
20
Prática de texto: leitura e redação
– É um tarado!
– Olha, que horror!
– Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que
era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se
lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora,
bateram na porta.
– Deve ser a polícia – disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.
In: O homem nu. Rio de Janeiro : Ed. do Autor, 1960.
30
A classificação proposta, de qualquer modo, é uma variação dos elementos
tradicionalmente aceitos nos estudos da narrativa, como: princípio, clímax e desfecho.
22
Prática de texto: leitura e redação
Este trabalho versou sobre a leitura e análise que fez Silvio Romero da obra de
Machado de Assis, cujo aspecto central passa pela questão da nacionalidade. Até
que ponto, para este crítico, Machado seria um escritor nacional? Ou por outra,
considerando um processo evolutivo, qual a posição de Machado de Assis na
literatura brasileira? Essas são algumas das questões postas no estudo de Silvio,
que, para provar o descompasso de Machado nesse processo, o contrapõe a Tobias
Barreto, legítimo representante da nova poesia, da nova literatura.
O trabalho apresentado teve justamente como objetivo analisar os principais
aspectos da leitura que Silvio Romero fez da obra de Machado de Assis,
contrapondo-a às leituras que da obra do romancista fizeram José Veríssimo e
Araripe Jr., outros dois importantes críticos do século XIX e início do XX.
23
Melo & Pagnan
1ª pessoa: (homodiegético)
24
Prática de texto: leitura e redação
3ª pessoa: (heterodiegético)
Seriam onze horas da manhã.
O Campos, segundo o costume, acabava de descer do almoço e
dispunha-se a prosseguir no trabalho interrompido antes. Entrou no
seu escritório e foi sentar-se à secretária. Ia fazer a correspondência
para o Norte. Mal, porém, dava começo a uma nova carta, quando
foi interrompido por um rapaz, que da porta do escritório lhe
perguntou se podia falar com o Sr. Luís Batista de Campos.
– Tenha a bondade de entrar, disse este.
O rapaz tinha seus vinte anos, tipo do Norte, franzino, amorenado.
– Que deseja o senhor?, perguntou o Campos.
O moço avançou dois passos, com ar muito acanhado; o chapéu de
pêlo seguro por ambas as mãos.
– Desejo entregar esta carta, disse, atrapalhando-se com o chapéu
ao tentar tirar da algibeira um grosso maço de papéis. Cheguei
hoje do Maranhão, acrescentou o provinciano, sacando as cartas
finalmente.
– Ora... o senhor é o Amâncio!
Aluísio Azevedo. Casa de Pensão.
25
Melo & Pagnan
A última crônica
Fernando Sabino
31
Antonio Candido. "A vida ao rés-do-chão". Prefácio de Para gostar de ler: crônicas /
Carlos Drummond de Andrade et al. S. Paulo : Ática, 1980, p. 12.
26
Prática de texto: leitura e redação
meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um
último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma
crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas
mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na
contenção de gestos e palavras, deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus
três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à
mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao
redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da
família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a
fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou
do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa,
como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem
e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se
da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.
O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um
bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e
o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer?
Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa a um discreto
ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer
coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda
também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de
mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia
do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola , o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a
um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força,
apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando
num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você ..."
Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o
bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com
ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe caiu ao colo.
O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do
sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele
se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar
e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como esse
sorriso.
A companheira de viagem. 2ª ed., Rio de Janeiro : Sabiá, 1972, pp. 179-182
27
Melo & Pagnan
Exercícios
Desenredo
Guimarães Rosa
28
Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
Tragédia brasileira
Manuel Bandeira
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma
facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de
casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General
Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí,
Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos,
Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado
pri de sentidos e
de inteligência, matou-aa com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la
encontrá caída em
decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
Propostas de redação
31
Melo & Pagnan
32
Prática de texto: leitura e redação
33
Melo & Pagnan
Capítulo 11
Descrição
O Consumidor
É nele que, tendo em vista a decisão de satisfazer necessidades,
tanto o Iniciador, o Influenciador, o Decisor, quanto o Comprador
efetivamente pensam ao definir uma compra. Portanto, visto o objetivo de
influenciar a tomada de decisão no processo de compra, pense nele você
também, e antes deles, para estruturar uma abordagem adequada e eficiente.
Note, entretanto, que geralmente Iniciador, Influenciador, Decisor,
Comprador e Consumidor são a mesma pessoa no processo de compra,
apenas que em estágios diferentes de ação. Veja que o Consumidor é o seu
próprio agente iniciador no processo de compra, no momento em que está
identificando e definindo uma sua necessidade decorrente de falta a ser
34
Prática de texto: leitura e redação
35
Melo & Pagnan
36
Prática de texto: leitura e redação
37
Melo & Pagnan
39
Melo & Pagnan
eu-lírico
írico do poema de Manuel Bandeira, ao descrever "Teresa", revela
seu estado emotivo.
Teresa
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
À desconstrução
trução da mulher amada corresponde a incompreensão
desse objeto nas duas primeiras vezes em que o poeta o vê; apenas na
terceira vez a imagem surrealista (primeira estrofe) e fragmentada
(segunda estrofe) é afastada pela visão do sublime.
Descrição técnica
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É bem verdade que isso nem sempre acontece, devido ao uso de um vocabulário
especializado, como em bulas de remédio.
41
Melo & Pagnan
Exercícios
Era em Roma. Uma noite a lua ia bela como vai ela no verão por
aquele céu morno, o fresco das águas se exalava como uma suspiro do
leito do Tibre. A noite ia bela. Eu passeava a sós pela ponte de... As luzes
se apagavam uma por uma nos palácios, as ruas se faziam ermas, e a lua
de sonolenta se escondia no leito de nuvens. Uma sombra de mulher
apareceu numa janela solitária e escura. Era uma forma branca. A face
daquela mulher era como de uma estátua pálida à lua. Pelas faces dela,
como gotas de uma taça caída, rolavam fios de lágrimas.
43
Melo & Pagnan
Vocês, que têm mais de 15 anos, se lembram quando a gente comprava leite
em garrafa, na leiteria da esquina? Lembram mais longe, quando a vaca-leiteira, que
não era vaca coisa nenhuma, era uma caminhonete-depósito, vinha vender leite na
porta de casa? Lembram mais longe ainda, quando a gente ia comprar leite no
estábulo e tinha aquele cheiro forte de bicho, de bosta e de mijo, que a gente
achava nojento e só foi achar genial quando aprendeu que aquilo tudo era
ecológico? Lembram bem mais longe ainda, quando a gente mesmo criava a vaca e
pegava nos peitinhos dela pra tirar o leite dos filhos dela, com muito jeito pra ela
não nos dar uma cipoada?
Mas vocês não lembram de nada, pô! Vai ver nem sabem o que é vaca. Nem o
que é leite. Estou falando isso porque agora mesmo peguei um pacote de leite -
leite em pacote, imagina, Tereza! - na porta dos fundos e estava escrito que é
pausterizado, ou pasteurizado, sei lá, tem vitamina, é garantido pela
embromatologia, foi enriquecido e o escambau.
45
Melo & Pagnan
Propostas de Redação
46
Prática de texto: leitura e redação
47
Melo & Pagnan
Capítulo 12
Correspondência comercial
Carta comercial
Exemplo:
48
Prática de texto: leitura e redação
Senhores: (vocativo)
49
Melo & Pagnan
índice ou controle
local e data
destinatário
destinatário específico
referência
vocativo
texto
fecho, cumprimento final
assinatura e cargo
iniciais do redator e do digitador
anexos
50
Prática de texto: leitura e redação
51
Melo & Pagnan
Ofício
Índice ou controle
Local e data completos
Vocativo
TEXTO
Saudação de encerramento
Assinatura
Nome
Cargo ou função
Destinatário
Iniciais do redator e do digitador
52
Prática de texto: leitura e redação
Exemplo
53
Melo & Pagnan
Magnífico Reitor,
Atenciosamente,
Ao Magnífico reitor
da Universidade Estadual de Londrina
Londrina - PR
ms/jl
54
Prática de texto: leitura e redação
Requerimento
Fecho
(Nestes termos,
pede deferimento)
Local e data
Assinatura do requerente.
55
Melo & Pagnan
Invocação
Texto específico
Fecho
Local e data
Assinatura
Exemplo:
Nestes termos,
pede deferimento.
Assinatura
56
Prática de texto: leitura e redação
Procuração
Exemplo:
PROC URAÇÃO
57
Melo & Pagnan
Características:
Ata
58
Prática de texto: leitura e redação
Características
Em geral, elege-se um secretário que irá redigir a ata, que deve ser
lida ao final da reunião, ou no início da reunião seguinte para que
todos os participantes tenham pleno conhecimento daquilo que foi
registrado na ata.
Uma ata não deve conter nenhum tipo de rasura. Caso ocorra algum
erro durante sua lavratura, deve-se proceder da seguinte forma: "O
diretor afirmou, digo, o presidente afirmou....". Caso o erro tenha sido
percebido apenas ao final da redação, usa-se a expressão "em tempo".
Assim: "Em tempo, onde se lê o diretor afirmou, leia-se o presidente
afirmou".
Por se tratar de um texto narrativo, ou seja, um texto em que se
narram acontecimentos passados, os verbos ficam, em geral, no
pretérito perfeito do indicativo, como em: "O presidente afirmou...",
"o diretor disse que...".
Deve-se redigir a ata em parágrafo único, sem espaço, a fim de que se
evitem acréscimos e dados não condizentes com o que ocorreu
durante a reunião.
As atas de empresas públicas ou privadas de capital aberto devem ser
publicadas em jornais para que todos tomem conhecimento sobre o
que foi discutido. Caso a ata seja muito extensa, pode-se publicar
apenas o sumário (os aspectos mais importantes).
Exemplo:
ATA N.º 5
Assembléia Geral Ordinária
Aos sete dias do mês de março do ano dois mil e dois, às dezenove horas,
no Residencial Vida Nova, Rua dos Alegres, 596, São Paulo/SP,
realizou-se a quinta assembléia geral ordinária dos moradores do referido
residencial, convocados em edital no dia quinze do corrente. Estiveram
presentes representantes de todos os 20 apartamentos. O Sr. Mário Solar,
morador do apartamento 18 e síndico, presidiu a reunião, e eu, Dinah
Silveira, do apartamento 15, fui indicada como secretária. O Sr. Mário
Solar lembrou os assuntos a serem discutidos: contratação de dois
funcionários para a portaria e a reforma da quadra de esportes. Quanto à
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Melo & Pagnan
Curriculum Vitae
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Melo & Pagnan
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Prática de texto: leitura e redação
Exercícios
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Melo & Pagnan
Propostas de Redação
Telinha indiscreta
Ana Santa Cruz
futebol. Mesmo que o jogo não seja lá essas coisas, você fica vendo, porque de
repente pode sair um gol", diz Paul Romer, produtor holandês do Big Brother,
programa pioneiro do gênero que faz sucesso em vários países do mundo. "O
princípio desses programas é o mesmo do das lutas de gladiadores, da Roma
antiga, que atraíam multidões interessadas em assistir ao sofrimento alheio", analisa
o psiquiatra Henrique Schützer del Nero, da Universidade de São Paulo. A onda da
VTV também significa que pessoas comuns estão se exibindo para outras pessoas
comuns e oferecendo como única atração o fato de serem elas mesmas. Isso tem
tudo a ver com a cultura da confissão pessoal, em que todo mundo parece ávido
por revelar suas intimidades em livros e depoimentos.
Os brasileiros podem ter uma amostra do gênero com o Real World (Na
Real), que já está em sua nona temporada na MTV. Durante meio ano, sete jovens
convivem isolados em uma casa montada pela emissora. Os conflitos e os
romances que surgem fazem com que o programa se pareça com uma novela. Na
Inglaterra, uma variante da fórmula com pretensões histórico-científicas está em
cartaz numa emissora chamada PBS. Uma família vive durante três meses numa
casa da era vitoriana, dispondo apenas dos utensílios domésticos existentes em
1900. O objetivo do programa é mostrar as mudanças tecnológicas ocorridas nos
últimos 100 anos. Significa viver sem facilidades como eletrodomésticos, fogão a
gás, água encanada, pasta de dentes, xampu e, evidentemente, televisão.
Os produtores de TV estão oferecendo ao telespectador uma fórmula
testada com sucesso na internet. Multiplicam-se os sites de pessoas comuns que
instalam webcâmaras em casa para revelar suas intimidades. A pioneira foi a
estudante americana Jennifer Ringley. Em 1996, ela espalhou câmaras pela casa
inteira e passou a exibir 24 horas por dia sua vidinha doméstica. Seu site, que
continua na rede, já foi visto por mais de 5 milhões de internautas. Quem prefere
associar-se a ela, paga até 5 dólares pelo duvidoso privilégio de vê-la pentear os
cabelos ou trocar beijos com o namorado. Estima-se que 10.000 webcâmaras
estejam jogando imagens como essas na rede. No Brasil, o que mais se aproxima
da fórmula adotada por americanos e europeus, por enquanto, são as pegadinhas.
Importadas por Silvio Santos, do SBT, no início dos anos 80, partem do mesmo
princípio da VTV: uma câmara (neste caso escondida) registra a reação de pessoas
comuns em situações estressantes, para divertimento de quem está em casa.
"Como o desfecho de tais situações não é previsível, os telespectadores
experimentam emoções semelhantes às de um filme de suspense", avalia a
psicóloga Ana Maria Nicolaci-da-Costa, professora da PUC do Rio de Janeiro.
Emoção na televisão, por mais barata que seja, é sempre garantia de sucesso.
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Melo & Pagnan
Capítulo 13
Denotação e conotação
Poema de Finados
Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
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Embora pouco utilizado no meio urbano hoje em dia, esse substantivo, segundo o
dicionário Aurélio, tem o seguinte significado: “carência daquilo que é preciso,
necessário ou útil”.
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Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
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In: Plural de nuvens. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990, p. 18-19
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Prática de texto: leitura e redação
A rosa de Hiroxima
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Rota (timbre fechado): esburacada; espedaçada; fragmentada; dispersa. No entanto,
essa é uma hipótese de leitura, já que podemos ler a palavra com timbre aberto. Assim,
“rotas” alteradas (rimando com “rosas cálidas”, abaixo) evocam a idéia de que a mulher,
o ser que dá à luz, e nesse sentido, o que entrega outro ser a seu destino, à sua rota, a seu
caminho, tivera essa sua condição “alterada” pela bomba. Nossa análise privilegia a
leitura com timbre fechado.
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Melo & Pagnan
A bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
/.../
A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
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Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
praticamente no meio deste, distinguir-se dos demais versos pela extensão, visualmente
considerada, e encarnar o apelo algo retórico do poeta.
É a partir daí que ingressamos no que podemos chamar de faixa sonora ou
ruidosa do poema, sustentada pela aliteração da alveolar vibrante / r / em todos os
versos dessa parte.
A imagem da rosa desabrochada – uma metáfora do cogumelo atômico –
domina a cena em versos de caráter conceitual, impulsionados pelo efeito da vibrante,
sugerindo o estrondo da bomba. Talvez o mais bem construído deles seja este: “A rosa
com cirrose” que, se utilizando da paronomásia (semelhança entre as palavras), fecha
em si mesmo um circuito sonoro e semântico, como se a doença, dinamizada pelo jogo
formal, compartilhasse com a flor a ação corrosiva, que extermina pouco a pouco.
A natureza hereditária da rosa, ou melhor, as marcas do aniquilamento que uma
geração passa a outra, devem permanecer na memória; a rosa “Estúpida e inválida”
afinal se impõe como uma anti-rosa (note como o adjetivo “inválida” soa de modo
ambivalente: algo sem valor, nulo, e, por outro lado, débil, mutilado). Essa imagem, em
tudo oposta ao caráter sublime da rosa, subtrai da flor os seus atributos (cor e perfume)
e por fim a própria flor, como que a reforçar o poder absoluto de destruição da bomba.
Exercícios
O asceta e o mangusto
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Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
5) Pode-se
se dizer que a peça publicitária abaixo, da F/Nazca S & S, foi
construída com base em um sentido conotativo ou denotativo? Explique.
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Prática de texto: leitura e redação
As armadilhas da semântica
sem
Roberto Campos
George Orwell, o escritor inglês que nos deu alguma das obras que melhor
iluminaram o ambiente dos difíceis anos que duraram da Depressão à Queda do
Muro de Berlim, entre elas as duas terríveis sátiras "1984" e "Animal Farm", foi
antes
es de mais nada um homem de excepcional integridade. Firme nas suas
convicções de esquerda, foi voluntário contra os franquistas, na Guerra Civil
espanhola. Ferido em combate (numa campanha admiravelmente contada em
"Homenagem à Catalunha"), enfrentou com coragem os comunistas, quando estes,
na tentativa de assumirem o controle do movimento, traíram seus outros
camaradas de esquerda. Foi depois objeto de um patrulhamento feroz que tentou
transformá-lo numa "não-pessoa".
pessoa". Morreu em 1950 aos 47 anos.
Águas políticas
íticas passadas, talvez. A União Soviética, a ex-formidável
ex Pátria
do Socialismo, não existe mais, esfarelada em repúblicas conflituosas. Para
felicidade do gênero humano não se realizaram as sombrias previsões orwellianas
de "1984" – uma sociedade hipertotalitária,
hiperto metida em guerras intermináveis,
impondo ao povo um brutal controle do pensamento e da expressão – o
"novopensar" (newthink) e a "duplafala" (doublespeak). A televisão não se tornou
um instrumento de massificação ideológica em favor do Big Brother,
Broth sendo ao
contrário um instrumento de denúncia, que dificulta o ocultamento de selvagerias
ditatoriais.
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Melo & Pagnan
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Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
Capítulo 14
Coesão e coerência
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Prática de texto: leitura e redação
• O povo vive num mundo de comodidade sem fazer esforço para que a crise da
contradição seja mais que o comodismo. (redação de aluno)
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Prática de texto: leitura e redação
37
Crise na linguagem: a redação no vestibular apud José de Nicola. Língua, literatura &
redação. 8ª ed., São Paulo : Ed. Scipione, 1998, p. 352. Alguns dos exemplos que
seguem foram extraídos do vestibular da PUC/PR apud Jornal Gazeta do Povo, 12 jan.
1999.
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Melo & Pagnan
Observe como a autora vai tecendo o texto de tal modo que não só
retoma o que foi escrito anteriormente como anuncia o que virá a seguir.
A coesão é, pois, um mecanismo de retomada de palavras (frases,
orações ou parágrafos inteiros), para "projetá-los" adiante como células
constituintes de sentido, assegurando a progressão textual. Em outros
termos, é um forma de fazer o texto "olhar" para trás e para frente.
A saída pode estar, por exemplo, nos conselhos da paulistana Denise Teixeira
Carvalho...
Mas uma dúvida o incomodava: saber se daria também para estudar turismo.
a) pronomes: cujo, onde, quando, eu, ele, este, esse, aquele etc.;
b) conjunções: mas, porém, pois, uma vez que, contudo, ou, à medida
que, portanto etc.;
Pronomes:
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Prática de texto: leitura e redação
Importante
Ao se escrever qualquer texto, é preciso estar atento ao
significado de cada palavra, de cada conectivo. Só assim podem-se evitar
os erros, as impropriedades na concatenação lógica das frases e dos
parágrafos.
Exercícios
1) (Provão/ Letras)
I. O assédio em si trás no meio um poder aquisitivo escondendo ao
trabalho, assim podendo fazer e refazer, adicionando o sentido, junto a essa
conduta de mulher ideal. Não querendo ser prejudicial ao método agressivo,
mas ao jeito decisivo a maneira pela força que o traz da forma de se agir. A
teimosia circunstancial vem devido a exotismo da participação com
credibilioso contraste à elevadicidade do adultério da simples cena de uma
turbulência a um ser precioso. (trecho de dissertação de aluno de 2º grau)
II. A safira pertenceu originalmente a um sultão que morreu em
circunstâncias misteriosas, quando uma mão saiu do seu prato de sopa e o
estrangulou. O proprietário seguinte foi um lorde inglês, o qual foi
encontrado certo dia, florindo maravilhosamente numa jardineira. Nada se
soube da jóia durante algum tempo. Então, anos depois, ela reapareceu na
posse de um milionário texano que se incendiou enquanto escovava os
dentes. (Woody Allen. Sem plumas.)
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Melo & Pagnan
Em cima:
Deus é fiel
E bem embaixo:
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Prática de texto: leitura e redação
PorqueparaDeusnadaé
PorqueparaDeusnadaé
impossível.
impossível.
É possível ler os dois adesivos em seqüência, constituindo um único
período. Neste caso,
a) Ela afetaria aqueles que acreditam que isso seria sinônimo de reduzir
o status adquirido e a influência política.
b) Reconhecer a mistura racial pode significar abrir as portas a uma
forma mais flexível de ver as raças.
c) Estados como a Califórnia, onde a imigração asiática e latina é forte,
são o palco ideal para essa reinterpretação.
d) Essa nova classificação deverá englobar as mudanças ocorridas na
população, que hoje é integrada, acreditam os analistas, por 1 a 2
milhões de descendentes de raças misturadas.
e) A classificação na categoria multirracial, entretanto, carrega
contradições, pois pode trazer problemas a muitos negros.
f) Há quase duas décadas os Estados Unidos estão usando as mesmas
quatro categorias raciais: índios americanos ou nativos do Alasca,
asiáticos ou vindos de ilhas do Pacífico, brancos e negros.
g) Agora, as autoridades federais perceberam que esse espectro não
define a complexidade racial e étnica do país e decidiram que é
necessária uma nova categoria multirracial, a ser incluída no censo do
ano 2000.
a) (Fuvest)
O homem age de forma predatória sobre a natureza.
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Melo & Pagnan
b) (UEL)
Eles estavam preocupados com o problema que causaram.
Eles apresentaram suas explicações.
As explicações não eram convincentes.
c) (UEL)
As escavações envolveram cinqüenta arqueólogos.
Eles trabalharam numa área de 70.000 metros quadrados.
Essa área equivale a mais de seis campos de futebol.
As escavações revelaram mais de 10.000 peças.
Essas peças têm inegável valor histórico.
7) Uma das maneiras de não se perder no momento de redigir um texto é produzir frases
não muito longas. Falta à frase abaixo justamente esse cuidado. Reescreva-a para que
fique mais clara e objetiva, e corrija os trechos que contenham erros.
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Prática de texto: leitura e redação
b) O texto que é escrito por Antonio José trata de um assunto que tem
sido muito discutido por aqueles que se interessam por economia:
desvalorização do Real.
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Melo & Pagnan
1.Veja – O senhor não tem medo de que os “anos Francisco Weffort” passem à
posteridade como a época em que a cultura brasileira teve como principais expoentes o
apresentador Ratinho, o escritor esotérico Paulo Coelho e o grupo musical É o Tchan?
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Prática de texto: leitura e redação
de mercado, que alguém traga do exterior tanto filme que faz tão pouca
bilheteria?
Weffort – Isso quem está dizendo é você. O que acho é que alguma razão
deve ter, e eu quero saber qual é. Precisamos criar um constrangimento
para esse tipo de coisa. Se houver um critério mais cuidadoso para
importar, menos salas serão ocupadas com porcarias estrangeiras. E, com
menos salas ocupadas, haverá mais espaço para o cinema nacional.
Weffort – Não sou leitor de Paulo Coelho porque seu gênero não me
agrada. De seus livros, só li trechos. Agora, acho que Paulo Coelho
cumpre uma função cultural extremamente importante. Tem muita gente
que não lê nada e lê Paulo Coelho. Isso é bom. Ele é um sujeito que
escreve muito bem e cria nas pessoas uma disposição favorável a ler.
Numa sociedade que cada vez mais está sendo estimulada a apenas ver,
ele consegue uma escala enorme de leitores. Paulo Coelho não é motivo
de vergonha para o Brasil. É motivo de orgulho. Eu me envergonho
quando dizem que no Brasil crianças de rua são mortas e as florestas são
queimadas impunemente.
11.1) Palavra-chave/Idéia-chave
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Prática de texto: leitura e redação
11.2) Coesão
Proposta de Redação
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Melo & Pagnan
Capítulo 15
Dificuldades da língua portuguesa
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Prática de texto: leitura e redação
O problema é que a nova geração não ocupou o espaço deixado pela que
acabara de destronar. Alguns autores, como o carioca Antonio Candido, por algum
tempo conciliaram a vida acadêmica com o trabalho nos jornais. Escritores que
depois virariam clássicos, como Jorge Amado ou João Cabral de Melo Neto,
estiveram entre aqueles analisados por Candido logo ao estrear. Ele também criou
polêmica ao apontar o "comodismo estético" do modernista Oswald de Andrade,
na Folha da Manhã, em 1943. Em 1959, porém, Candido publicou um livro com
jeitão de tratado, Formação da Literatura Brasileira, possivelmente o mais influente
estudo já produzido no país. Depois disso, foi se voltando cada vez mais para o
ensino na USP e para o ensaísmo. Nos últimos dez anos, quase não publicou.
"Tornei-me um simples leitor, o que é mais divertido", afirma. É verdade que, a
essa altura, Candido já formara uma ninhada de discípulos, cujas obras estão sendo
relançadas pela Editora 34 na coleção Espírito Crítico. Mas a maior parte deles – e
também dos teóricos de outras linhagens – é avessa ao corpo-a-corpo com a
produção atual, seja ela brasileira ou estrangeira.
O ensaísmo acadêmico brasileiro, dividido em correntes que se opõem,
poderia gerar polêmicas interessantes. Três de suas correntes mais fortes são a
"sociológica", a "formalista" e a "culturalista". A primeira descende diretamente de
Antonio Candido e trabalha com a idéia de que a estrutura social de uma época
normalmente está refletida não apenas no assunto, mas também na forma das
obras literárias. Ao estudioso cabe, assim, investigar tanto a literatura quanto a
sociedade. A essa corrente contrapõe-se outra, que poderia ser chamada de
formalista. Ela tem como quartéis-generais os departamentos de semiótica das
universidades, sobretudo o da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os
formalistas privilegiam a análise pura do texto, sem levar em conta nada que lhe
seja exterior. Principais representantes: os poetas concretistas Haroldo de Campos,
Augusto de Campos e Décio Pignatari. Finalmente, a corrente culturalista foi
buscar inspiração nos franceses Roland Barthes, Michel Foucault ou Jacques
Derrida. A leitura de tais autores ajudou ensaístas como o mineiro Silviano
Santiago a abrir linhas de pesquisa "politicamente corretas", preocupadas com
particularidades étnicas ou sexuais.
Esses acadêmicos às vezes se enredam em acalorados debates internos,
interpelam-se uns aos outros nos corredores da universidade e nas notas de seus
textos, mas é raro que polemizem diante do grande público. A última vez que isso
aconteceu foi há quinze anos. A querela envolveu o marxista Roberto Schwarz e o
concretista Augusto de Campos. O primeiro destruiu o poema Pós-Tudo, escrito
pelo segundo. Augusto respondeu irado. O curioso é que a crítica brasileira surgiu
sob o signo da polêmica. O grande responsável por isso foi o sergipano Sílvio
Romero, que na virada do século XIX arranjou confusão com quase todo mundo.
No calor do debate, Romero invariavelmente deixava de lado a polidez e partia
para o pugilato. Chamou, por exemplo, seu colega José Veríssimo de "basbaque
literário" e "patureba jabotínico" (seja isso o que for). Seguindo talvez o exemplo
de Romero, os críticos militantes do começo do século XX também recorreram
com freqüência à provocação. Muitas dessas polêmicas, iniciadas unicamente com
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Melo & Pagnan
Alguns conectivos
38
Ver capítulo 14, Coesão e coerência.
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Prática de texto: leitura e redação
• Onde: tal pronome deve ser usado apenas para indicar lugar.
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Melo & Pagnan
Neste caso, não cabe o pronome onde, exatamente por haver uma
referência temporal, por isto o correto é escrever:
Pontuação
• Vírgula:
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Melo & Pagnan
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Prática de texto: leitura e redação
• Ponto e vírgula:
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Erros comuns
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Prática de texto: leitura e redação
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Melo & Pagnan
1 - Você empresta esse livro para "mim" ler? O pronome mim não
pode ser usado como agente da ação, e sim como paciente, o que recebe a
ação; apenas o pronome eu pode ser sujeito. Assim: Você empresta esse
livro para eu ler?
Ortografia:
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Prática de texto: leitura e redação
5 - "Ao meu ver". Não se deve usar artigo nessas expressões: A meu ver,
a seu ver, a nosso ver.
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Melo & Pagnan
7 - Faço isso tudo "pôr" você. A palavra por na frase é uma preposição
e não recebe acento. Apenas o verbo pôr tem o que se chama de acento
diferencial. O mesmo ocorre com para, preposição, e [ele] pára, verbo.
Concordância:
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Prática de texto: leitura e redação
Exercícios
1) (Fuvest) “Os meninos de rua que procuram trabalho são repelidos pela
população”.
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Melo & Pagnan
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Prática de texto: leitura e redação
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Prática de texto: leitura e redação
11) (FGV) Nas frases abaixo, preencha o espaço com o pronome que,
antecedido ou não de preposição, conforme o caso:
12) (FGV) Em cada uma das frases abaixo, preencha cada espaço com o
pronome relativo adequado, antecedido ou não de preposição, conforme
o caso.
d) Um criança nasce hoje com uma expectativa de chegar aos 100 anos.
h) "Ao longo dos anos 40 e 50, onde a teoria literária começou a lançar
raízes nas universidades brasileiras e logo se mostrou hostil ao
trabalho dos "homens de letras sem especialização".
k) "Quando você não sabe onde quer chegar, todos os caminhos estão
errados". (propaganda da Samello)
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Prática de texto: leitura e redação
Proposta de redação
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