You are on page 1of 74

Ideologia e Cultura

Indígena na modernidade

A história tradicional e a Literatura regional


sobre as sociedades indígenas no Brasil

JEAN PAULO PEREIRA DE MENEZES


2

IDEOLOGIA E CULTURA
INDÌGENA NA MODERNIDADE

A história tradicional e a literatura regional sobre as sociedades indígenas no Brasil

(SP, GO e MT)
3
JEAN PAULO PEREIRA DE MENEZES
Professor de História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto Municipal de
Ensino Superior de Catanduva no Estado de São Paulo, com extensão em Arqueologia pela USP, ex-aluno
especial do programa de mestrado em História Social pela Unesp de Assis.

História e Literatura Local e Regional:


A história tradicional e a literatura regional sobre as sociedades
indígenas no Brasil

São José do Rio Preto – SP


2005
4
Título original: Ideologia e Cultura indígena na Modernidade: a história tradicional e
a literatura sobre as sociedades indígenas no Brasil.

Copyright©2005

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta

publicação, no todo, ou em parte, constitui violação de direitos autorais

como reza a Lei 9.610/98.

Capa: Chapada dos Guimarães – MT (foto-Jean)

Ficha de catalogação
Menezes, Jean Paulo Pereira de, 1976.

Ideologia e Cultura Indígena na modernidade: a história


tradicional e a literatura sobre as sociedades indígenas no Brasil.
. – Assis: Editora Independente, 2005.

1. Ideologia e cultura. 2. História tradicional.


3. Capitalismo. 4. História cultual. 5. História indígena.
Dedicações 5

Dedico este estudo a todas as etnias indígenas e aos meus


ex-alunos, de todas as regiões e escolas, pois foram eles que
mais contribuíram na formação do professor que hoje existe.
Para minha única e importante filha Letícia, minha
eterna Leticinha, aos meus primos-sobrinhos Wesley e
Renam, os quais tanto amo e que me fazem lutar com
engajamento por um mundo mais justo no qual eles e todos
possam viver em paz.
Para Mylena, sem a qual este trabalho não seria jamais
possível, pois é graças ao seu apoio e companheirismo nas
análises textuais, nos trabalhos de campo (no mato, poeira,
perigo, conhecimentos e aventuras), e que nas horas mais
difíceis esteve a meu lado, sempre com carinho e atenção.
Aos meus pais, Sueli e Jesus, e irmãos, Rosemeire, Fábio e
Janaína, sem os quais não seria um ser existente, que me
proporcionaram os estudos, o respeito e a coragem em todos
os momentos mais difíceis da minha vida.
Aos meus Professores – da Faculdade de Filosofia de
Catanduva, da USP, UNESP de Assis e do Museu de
História e Folclore de Olímpia (Maria Miranda) – as
secretárias de todas as escolas (que sempre com paciência e
educação entendiam o meu desrespeito ao calendário escolar,
ajudando-me sempre que parecia impossível), aos amigos,
Ricardo De Nadai, Adelson – índio Xavante da aldeia
Santíssima Trindade em Mato Grosso - extensivo a toda
nação Xavante, Kaingangue e Terena que nos receberam com
respeito e atenção, Rafael Tiozão, Douglas e Daiana, Prof.
Fernando (Zóio), Manga, Stela e Bruno da UEL, Patrícia da
UFSCar, Prof. Fernando Sabella Melancia (meu grande
irmão), Profª. Raquel, Prof. Mena, Alexandre Aldo - meu
grande professor de cinema brasileiro, Prof°. Samir, Prof.
Lázaro, Professores Eliana e Dilmo (grandes mestres),
professores Chico, Paulinho, Valdir, Becerra, Maria Lucy,
Edis, José Sant’anna, Níminon Suzel Pinheiro e Dominique
Tilkin Gallois (NHII-USP), Márcia Angelina Alves (MAE-
USP), Fernando Nascimento (meu camarada desde os anos
de primário), Profª. Gláucia e todo pessoal do Núcleo de
Estudos (NEPES) do PC do B de Rio Preto, João Pama – ex-
militante do Movimento Revolucionário em São Paulo no
período ditatorial (VPR), aos meus mais recentes amigos que
a existência me ofertou – Mônica e Amado – um casal de
intelectuais que sempre irá me inspirar a viver, e ainda, a
6

Em memória a:

Rafael Luís Fernandes, um irmão e ex-aluno, que sempre, ao seu modo, esteve
ao meu lado, não compartilhando das condenações que os “juizes” da vida
adoram executar com toda unilateralidade e sem qualificações, que redundam
em grandes injustiças .
7

Sumário
Prefácio...........................................................................65
Notas do Autor................................................................54

Parte I
A questão da Ideologia:
1. A questão da ideologia................................................07
2. Ideologia, cultura e crise cultural na modernidade.......6
3. A ideologia nas sociedades indígenas.........................18

Parte II
História e Literatura regional acerca das comunidades indígenas e suas
culturas no interior de São Paulo:

4. A história tradicional e a literatura regional em São José do Rio


Preto..............9
5. A História de Assis e a produção memorialista no Sudoeste do interior de
São Paulo...55
6. A Capital Nacional do Folclore: Olímpia e a produção da história
tradicional marginalizado ra da cultura
indígena.....................................................................78
7. A literatura regional e o tradicionalismo memorialista em outros estados do
interior do Brasil...............................................................................................21

Notas
finais........................................................................................................27
Referências
bibliográficas.....................................................................................28
Bibliografia pesquisada ..............................................................................9
Apêndice.......................................................................................................40
Anexos...........................................................................................................65
8
Prefácio

Professor Jean Menezes, sempre o tive como uma pessoa possuidora de


alma de artista desde os tempos em que, na faculdade, também se dedicava à
música. Sensível e dotado de espírito inquieto, preocupado com as mazelas da
política não comprometida com os direitos naturais para todos, dedicou-se à
análise da historiografia tradicional e da literatura regional sobre as sociedades
indígenas no interior do Estado de São Paulo, bem como o impacto observado
sobre essas sociedades que, na atualidade, assistem à desestruturação de sua
cultura original.
Para isso, a partir do embasamento teórico de teor marxista, fez uma análise
da estrutura econômica e social, a partir da criação do Estado, ocasião em que
“desenvolvem-se também as desigualdades econômicas, sociais, marginalização
étnica e política”, especialmente quando o processo se torna nacional e
absolutista, processo este que se perpetua e se justifica, através da valorização do
mito da figura do desbravador, do sertanejo como herói do sertão, em
detrimento do indígena, que vai perdendo seu espaço e oportunidade de
emancipação, mas que, mesmo assim, não abdica de suas manifestações
culturais.
Trata-se, pois, de um trabalho debruçado sobre questões relevantes no que
diz respeito a tais sociedades, fato que torna muito significativa para mim esta
apreciação.

Profª. Neusa Guarnieri Flosi,


Coordenadora do Curso de
História do IMES/FAFICA.

Catanduva,
06/07/2005.
9
Notas do autor

Era uma vez...Uma estória muito mal divulgada, muito mal


contada e mentirosa que fez com que grandes civilizações
indígenas fossem, infelizmente dizimadas, mal entendidas e
também discriminadas no sistema econômico em que vivemos
até os dias de hoje. Preparamos para os nossos leitores, textos
sobre a questão indígena em nosso país, especialmente sobre a
questão das ideologias, a marginalidade imposta secularmente
pelas produções memorialistas nas páginas da literatura
regional no interior do Estado de São Paulo, passando por
alguns momentos pelos Estados de Goiás, Mato Grosso,
apresentando ao leitor a oportunidade de uma reflexão
comparativa sobre a historia tradicional e regional produzida em
outros ambientes, porém provocando os mesmos efeitos: a
desclassificação da cultura indígena e o étnocídio que ainda é
ocultado por grande parte da literatura regional elitizada.
Não nos preocupamos, neste trabalho de cunho ensaístico,
em realizar uma linguagem textual extremamente acadêmica e
também nem tão didática com especificidade. Esperamos assim,
estar contribuindo para todas as classes de leitores,
independente do grau de intelecção de cada aluno ou professor
e interessados na história das populações indígenas no Brasil.
10
O propósito central deste livro é contribuir acerca de uma
melhor compreensão da questão indígena, que venha
proporcionar a reflexão crítica a respeito da abordagem
realizada pela história tradicional1 e regionalista no interior do
Estado de São Paulo sobre a cultura indígena no decorrer do
processo histórico brasileiro, proporcionando uma abordagem
alternativa em relação àquela que nos é imposta durante
séculos pelas classes dominantes.

J.P.P.M

arte I

1 Quando nos reportarmos a coloc ação história tradicional, est aremos nos referindo a históri a
oficial, narrada pelas institu ições e produtoras de uma séri e de mitos que falseiam a real idade
histórica.
11
O universo ideológico:
12
1. A questão da Ideologia

Ideologia é uma palavra delicada, pois em cada momento da


História ela foi empregada com uma determinada conotação. No
século XVIII, Napoleão Bonaparte a usou para designar os pensadores
metafísicos do seu tempo e, portanto com uma conotação pejorativa do
termo ideologia. No século XIX, Karl Marx utilizou o termo Ideologia
para conotar o conjunto de idéias das elites dominantes. Um
falseamento da realidade para manter ou conquistar o poder por
aqueles que compunham as partes dominantes ou a dominarem. De
acordo com Marx a realidade é falseada para que todos os
subordinados pensem que tudo vai bem quando na realidade a
verdade está escondida por uma série e pensamentos artificiais,
capazes de envenenar a consciência humana no sentido de roubar-lhes
a percepção do quadro real que o indivíduo compõe. Já no século XX,
um outro pensador, empregou o termo ideologia para designar o
conjunto de idéias da classe subordinada ao capitalismo e a sua elite
empresarial. Nesse momento podemos notar um diferente sentido para
o termo ideologia. Ela seria o conjunto de idéias de uma massa
revolucionária, também já identificada por Marx no século XIX, a classe
do proletariado. Essa classe social seria a única capaz de emancipar-se
do conjunto de idéias falseadas pelos capitalistas e instaurar a
sociedade socialista, em cima de uma ideologia revolucionária, capaz
13
de acabar com a alienação e todas as mentiras que a ideologia burguesa
pregara desde o século XVIII.
Bem como podemos observar, a palavra ideologia vem
ganhando diversos significados com o decorrer do processo histórico.
Com esses significados, diversificados de acordo com o contexto que
cada classe social está contida, temos um quadro de dominação.
Tomaremos como princípio o conceito que Karl Marx adotou, pois as
estruturas identificadas por este pensador estão ainda, marcando toda
a complexidade estrutural da economia mundial, ou seja, as bases
denunciadas por Marx ainda não foram superadas, que é a organização
da sociedade capitalista, guiada pela ideologia burguesa de dominação
social, política, cultural e econômica.
No mundo industrial contemporâneo composto por uma
historiografia tradicional a ideologia vem recheada com uma série de
agrados, os quais vão de encontro com os sonhos dos trabalhadores
indígenas ou não, fazendo com que estes acreditem ser possível uma
série de idéias apresentadas pelas classes dominantes. E, é nesse
contexto que surgem uma série de mitos que falseiam a realidade que
não deve ser esclarecida aos dominados para evitar qualquer conflito
direto entre dominados e dominadores. Nesse universo de mentiras e
sonhos, a ideologia burguesa é transmitida aos trabalhadores do
mundo atual, fazendo com que a cristalização do poder nas mãos da
classe burguesa seja a única realidade aceita pelas elites.
14
2. Ideologia, cultura e crise cultural na modernidade

A sociedade moderna capitalista passa por um grande período


de transição global. As estruturas capitalistas, promotoras da
modernidade, vêm mostrando as suas rachaduras, incapazes de
solucionar os problemas da fome, da corrupção, da exploração do
trabalho e a subordinação econômica de países dominados pelo
subdesenvolvimento2. Neste quadro é possível observar também a
subordinação cultural entre as sociedades modernas. A Globalização,
com todo o seu discurso do bem-estar e da integração de valores
culturais vêm promovendo uma verdadeira invasão cultural, no caso
brasileiro, iniciada no século XVI com o projeto colonizador português.

Hoje, as minorias étnicas são marginalizadas de todo o processo


de integração nacional, especialmente no Brasil. A participação política
fica reduzida a representações despreparadas e desfocadas do seu
dever original que é o de levar a voz e as idéias dos grupos que
representam. O que observamos é um literal conjunto legislativo que se
limita ao assistencialismo paliativo, o qual não é capaz de solucionar
problemas estruturais.

Em nosso país há uma série de recortes étnicos que vivem em


uma situação complexa. Para melhor entendimento, quero citar aqui,
um outro estudo de caso, o qual se faz o objeto principal deste trabalho.

2 Touraine, Alain. Como sair do Liberalismo? EDUSC, 1999. Tradução de: Comment sortir du
libéralime? e: Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Dp&A editora - 5. ed. - Rio
de Janeiro, 2001.
15
Analisando as organizações indígenas em nosso território e também a
produção historiográfica sobre elas, observamos que o discurso da
modernidade, recheada por uma série de ideologias, está entre os
fatores determinantes na transfiguração cultural entre os nativos das
comunidades remanescentes. Fato este que pudemos observar no
Estado de São Paulo entre os Kaingang e Terena na Comunidade do
Icatu no interior Oeste do estado; entre os Guarani na cidade de
Olímpia (através de vestígios arqueológicos, mal interpretados, pelo
senso comum, dando vida a histórias irreais sobre o povo Guarani), no
centro-norte estado; dos Xavante no Estado do Mato Grosso, na reserva
São Marcos nas Aldeias de Santíssima Trindade, São Marcos, Nossa
senhora da Aparecida e Divina Providência; também entre os Pataxó
(em contato estabelecido com Marcio Santos, índio da reserva de Pau –
Brasil), no sul da Bahia, parente por linhagem direta do índio Galdino
Santos que fora assassinado por jovens que atearam fogo em seu corpo
enquanto dormia em um ponto de ônibus coletivo em Brasília e dos
Tuxucarra-mãe no Xingu. Vamos deter-nos a três etnias nesta
comunicação: a Kaingang, Terena e Xavante, todas pertencentes ao
Tronco lingüístico Macro-jê. Observamos que entre esses jovens, salvo
os Xavantes, há uma crise de identidade cultural violentíssima, no
processo de transfiguração étnica a que estão sujeitos. Problemática
esta que observaremos melhor nos seguintes tópicos que seguem nesta
nossa abordagem sobre a questão indígena no Brasil.
16
3. A ideologia nas sociedades Indígenas

As indústrias modernas, produtoras de um universo ideológico


voltado para o consumo, não são existentes única e exclusivamente
para os recortes sociais urbanos. A produção mitológica de idéias é
também abrangente às comunidades indígenas, que, próximas ou
isoladas, são receptoras de um discurso voltado para o consumo e as
idéias de um bem estar preconizada pela modernidade. Nesse
contexto, os sonhos e os desejos nativos são entorpecidos com as
propagandas ideologizadas transmitidas pelos veículos de
comunicação de massas, incluindo ai as produções da literatura
regionalista, divulgadoras, muitas vezes, de preconceitos e estereotipo
acerca das comunidades indígenas. E, com esse quadro, um outro fato
é observado: a crise na transmissão de valores culturais nativos às
gerações presentes, e se mantido como está, estender-se-á também as
gerações futuras.
A cultura nativa, como se referem os Xavante da Reserva São
Marcos, ou ainda, a cultura ancestral como no caso da comunidade do
Icatu, acaba por enfrentar um processo de atualização histórica
marcado pelo mito do processo de integração social que arrasta-se
desde o período colonial brasileiro.
Ao passo que os programas ideologizados chegam nas
comunidades indígenas, os valores religiosos, econômicos, políticos e
de organizações sociais, existe também um choque de valores
17
ancestrais nativos. E, históricamente, a religião é um dos maiores
pontos de impacto no processo de aceleração histórica sendo, na
maioria dos casos, propenços a redundam na transfiguração cultual. Os
valores aterritoriais, de acordo com Felipe de Alencastro no texto: O
Aprendizado da Colonização (Economia e Sociedade, p.135), foram
implantados nos séculos XV e XVI pelos portugueses colonizadores. Os
valores religiosos foram determinados pelo cristianismo católico
através da Companhia de Jesus aos nativos. E, nesse processo de
imposição cultural, os valores religiosos da cultura nativa foram
negados às gerações futuras, quando não descartados, julgados como
errôneos ou demoníacos. E com a criação ideológica de um Deus certo,
justo e verdadeiro, fizeram com que os nativos negassem os seus
Deuses a favor da santíssima trindade romana.
Simultaneamente à imposição religiosa estava a exploração
econômica, a subordinação política colonial, a submissão e
marginalidade sócio-cultural do indígena, contexto o qual o elemento
africano também está inserido. Um processo histórico conturbado e
composto por desrespeito sobre os valores étnicos existentes no
território brasileiro. Marcado por uma série de resistências das
classificadas “massas populares”, as quais desmascaram muitos
trabalhos academicos que pairam no ideal de passividade, não sendo
capazes de reconhecer o elemento indígena e negro como sujeitos na
América Portuguesa, e portanto capazes de se organizarem para
lutarem por um objetivo. Agora, se a dúvida é a falta de objetivos em
18
comum para tornarem-se um grupo com um ideal a ser reenvindicado,
acreditamos que a necessidade de sobreviver basta como laço ideário
para classificarmos os movimentos de resistencia indígena e
quilombola como existentes e antagônicos a passividade diante da
mostruosidade, que a ferros eram colocados!
Um conflito dialético agressivo, que no decorrer dos séculos se
fez presente e diria que ainda mais agressivonos dias atuais. Essa
problemática pode ser visualizada entre os jovens das comunidades
remanescentes, seja nas regiões Sudeste, Centro-oeste, Nordeste, Norte
e Sul do território nacional brasileiro. O mito da vida moderna na
sociedade de consumo capitalista é um dos muitos projetos ideológicos
que se faz presente nas mentalidades das novas gerações etnicas nas
comunidades indígenas brasileiras. O desejo de possuir as utensílios
industrializadas (“as coisas”,como se referem os Xavante da aldeia de
Santíssima Trindade no Mato Groso) e o sonho de “ter”3, é algo
marcante nesta nova organização social, resultado de todo um projeto
de dominação e assimilação cultural acelerada que intrumentaliza o
discurso do “mundo melhor”, do “ser moderno”, para concretizar os
seus verdadeiros objetivos acerca da política e da economia dos setores
dominadores. A vontade de morar na cidade, a vergonha de ser índio

3 Sobre o sonho de “ter”, em 200 4, quando estabelecemos contat o com a etnia Xavante,
conhecemos o senhor Adelson, um Xavante de seus trinta e pouc os anos, que nos conduziu pelo
caminho entre a cidade de Barr a do Garças até passarmos pelo território Bororo, chegando
finalmente a Aldeia de Santíss ima Trindade na Reserva Xavan te S. Marcos. No caminho de
aproximadamente 210 km, nos di sse ele que gostaria de ter um a criação de avestruzes, pois um
parente dele tinha conseguido um ovo desta ave e que agora estava rico porque o valor era bom e
ele queria poder criar também.
19
(em alguns casos), a estética, o futebol, as vestimentas, a lingüagem, a
religião, o trabalho, o dinheiro e o capital, são “coisas”almejadas e
desejadas pelas novas gerações indígenas constituindo assim a
comunidade indígena moderna, na qual se estabelece o contato com a
estrutura econômica da sociedade capitalista e suas ideologias de
consumo alienado, estabelecendo um vínculo direto com os centros
urbanos, portadores mas mercadorias produzidas, sejam elas materiais
ou não materiais, massivamente ideologizadas pelos veículos de
comunicação- do simples radinho à pilhas à Internet- criando através
de pesquisas mercadológicas o quê e como será inserido no mercado de
consumo, e, aqueles que vendem a sua força de trabalho talves
poderam possuir, diria, possuídos pelos produtos apresentados . E
constatando estes fatos através do trabalho de campo, confeccionamos
uma outra problemática: Seria possível possuir essas mercadorias
apresentadas pelos veículos transmissores de comunicação de massa?
Quais são as probabilidades de um jovem Xavante da Aldeia de
Santíssima Trindade no interior do Estado do Mato Grosso concretizar
essas idéias de consumo? Qual é a probabilidade de não desejarem os
bens de consumo industrializados pelo mundo moderno? Pergunto:
alguém, talves o governo através da FUNAI, realizariam os desejos de
consumo destes jovens indígenas? Não desejando o pessimismo, mas a
questão é muito mais complexa e perigosa, pois não trata-se de
comprar e presentear com chinelos Havaianas uma tribo indígena por
exmplo, o problema maior é desejar a Luana Piovani, a Priscila Fantim
20
e a Maria fernanda Candido aparecendo no quintal da sua casa
pedindo um copo de água gelada. Mais complexo ainda, portanto
muito mais problemático é desejar uzar o manequim da Gisele
Bunchen tratando-se um indivíduo morbido que sonha em participar
da novela Malhação fazendo o papel de Nathash ou de Letícia. E para
continuar com a exemplificação simples e didática, imagine um jovem
que não tenha a estética corporal ditada pelos programas televisivos,
como comerciais e telenovelas (...), um jovem que seja gordinho ou bem
magro, que seja afrodescendente ou mameluco (...), que more na favela,
como muitos indígenas estão morando na capital paulista (...), que seja
dependente do salário que a FUNAI as vezes repassa para as famílias
indígenas... imaginou? Então... independente do gêro ser o masculino
ou o femenino, como é que fica a mentalidade deste jovem nesse
moderno mundo, que transborda de coisas, formas e comportamentos
bacanas? É bem possível que esta seja uma situação próxima da sua,
seja nas aldeia indígenas, nas cidades, nas favelas,na zona rural, nas
comunidades ribeirinhas, nas comunidades quilombolas e também nas
comunidades de pescadores litoraneos.
Os veículos de transmissão ideológica vendem a possibilidade
infinita, veiculam o possível, mas não fornecem meios concretos para
podermos acreditar nas possibilidades criadas pelos ideólogos. O
rádio, os jornais, os livros, revistas e principalmente o cinema e a
televisão, são os grandes transmissores de idéias pouco possíveis de
serem efetivadas na realidade econômica estruturada com o modo de
21
produção capitalista. A apresentação de possibilidades falseadas, são
na realidade, projetos de comunicação em massa, muito mais violentos
que o processo da pólvora e da espada do século XVI na América
Portuguesa. Violentos porque não necessitam de sangue para imporem
a causa do dominador. Necessitam da linguagem comunicativa para
dominarem de forma sutil e tenaz milhares de pessoas que
provavélmente redundarão na crise de personalidade, pscológica,
social e cultural, agravando ainda mais o processo de marginalização e
desclassificação que são secularmente impostas a maior parcela da
sociedade brasileira, em nosso estudo, os povos indígenas, que
deveriam ser os donos de todo este território que o sistema capital-
mercantil roubou-lhes a partir da segunda metade do século XVI,
confinando-os posteriormente em verdadeiros campos de concentração
etnica em desfiguração como podemos identificar nos vários estados
deste território invadido por volta so século XV. Como se não bastasse
ainda, a sociedade brasileira acaba por ter que tolerar, por conta de
programas ideologizados, é claro, Senadores da República do Brasil
que defendem abertamente o extermínio das etnias indígenas,
contrapondo-se a homologação das terras indígenas alegando ser terra
de mais para pouca gente. Este porco parlamentar (pena que a TV
Senado não seja um canal aberto, você vê de tudo um pouco por lá; de senador
mal preparado intelectualmente, sem experiencias da vida popular, senador
burro e matuto; como também senadores de verdade, que com idealismo e
fidelidade ao povo cumprem o seu papel, embora eu conheça apenas uma entre
22
as mulheres!), representante do povo faminto de esperança em um país
de contrastes deveria questionar a concentração de renda e fundiária
da qual provavelmente é portador, do capital que detem através da
exploração do trabalho alheio e ainda do seu gordo salário o qual
pagamos para que se desempenhe a função de representar o povo
brasileiro.
23

Parte II
História e Literatura regional acerca das comunidades
indígenas e suas culturas no interior de São Paulo:
24

4. A História tradicional e a Literatura regional em São José do Rio


Preto

A História tradicional peca em relação a vários fatos, pois


difundi uma idéia elitizada sobre a nossa literatura regional. Há várias
formas de escrever a História e essas formas estão sujeitas às
concepções, valores e crenças daquele que as escreve: o historiador. É
clássico encontrarmos nos livros de histórias regionais a figura do
desbravador, do aventureiro corajoso entre outras colocações a respeito
dos fundadores de uma determinada localidade. Em São José do Rio
Preto e região não é diferente. Somente no findar do século XX, a
historiografia regional passou a dedicar em seus capítulos, tímidos
parágrafos sobre a grande parcela social que fora marginalizada pelos
historiadores tradicionais: os índios. Deve-se levar em conta a
produção da historiografia tradicional com a sua visão unilateral, pois
devido a sua existência é possível refletirmos criticamente sobre a
produção estereotipadas que se difundiu no imaginário popular sobre
as comunidades indígenas. Havia no interior do Estado de São Paulo
uma organização política, social e econômica muito bem
fundamentada na coletividade indígena. Contudo, encontram-se
poucas narrativas a respeito dos hábitos e costumes dos índios e
quando algo é dissertado, aborda-se de uma forma etnocêntrica a
cultura dessas comunidades. Tratava-se de uma exemplar organização,
com um desenvolvimento sustentável invejável até mesmo para os
25
teóricos do século XXI. As sociedades indígenas foram dizimadas pelo
processo de ocupação do interior do Estado de São Paulo,
principalmente no final do século XIX e início do XX. Esse genocídio
reflete-se na literatura regional, por meio de uma História tradicional e
conservadora, pois o processo de “atualização histórica”, no qual esses
povos foram engajados, se deu de forma compulsória em um sistema
mais evoluído, "com a perda de sua autonomia ou mesmo com a sua
destruição como identidade étnica" (Ribeiro, 1968).
Com a ocupação das terras do atual Oeste Paulista, as sociedades
nativas viram-se obrigadas a se adequarem ao projeto modernizador
pregado pela economia cafeeira ou migrarem para outras regiões, onde
as terras ainda se encontravam virgens aos olhos dos latifundiários.
Nesse momento (passagem do século XIX para o XX), a produção
historiográfica se fez necessária (mesmo não se tratando de uma
produção necessariamente acadêmica) para legitimar e eternizar os
desbravadores do sertão paulista como verdadeiros heróis, passando a
existir até mesmo historiadores por decretos municipais como é o caso
da cidade paulista de Mirassol. Em contrapartida, o indígena recebe
um tratamento moralista, pois ele é focalizado como um ‘bicho do
mato’, um indivíduo sem cultura e adjetivos do gênero4. A História
tradicional e conservadora ao produzir textos desse padrão cria um
discurso unilateral, gerador de preconceitos e de um etnocentrismo

4A despeito desta quest ão, ler Valle, Dinorath do. A História de São José do Rio Pr eto, 1969,
Biblioteca municipal de Rio Preto, pg - 14 e 18.
26
brutal, capaz de transmitir às gerações futuras errôneos saberes a
despeito da existência de um povo violentado pelos interesses da classe
dominante, na qual direta ou indiretamente existe “uma vasta sinfonia
de fraudes" (Bloch, 1949). Na realidade, pouco se produziu sobre os
primeiros habitantes da área conhecida como São José do Rio Preto e
região. Fala-se em estabelecimentos, fazendeiros e suas propriedades e
famílias tradicionais5. Mas onde estão os relatos sobre as famílias
indígenas que tiveram que continuar o longo processo de migração,
fugindo da pólvora e da espada do progresso? Como viveram aquelas
famílias nativas que ficaram e presenciaram o dito progresso
econômico da moderna sociedade capitalista? Seria o bugre o seu
representante mais direto? Verdadeiras protocélulas étnicas que
combinam fragmentos dos dois patrimônios dentro do enquadramento
de dominação (Ribeiro, 1988). Essas e muitas outras questões deixaram
de ser abordadas pelos historiadores do sertão, pois as etnias não
foram consideradas sujeitos de uma realidade a qual pertenceram.
Depoimentos que os tirariam da clandestinidade imposta pela
Literatura regional e tradicional6 . Narrativas que legitimariam aqueles
que defendiam as suas terras e suas famílias e que foram secularizados

5 Tomamos a priori as seguintes p ublicações: Pe. Bracci, Carlos Alberto Arantes. A História d e
um povo fiel - 1857-1879 - caput, A capela no arraial de Rio Preto. Valle, Dinorath do. História de
São José do Rio Preto,1969. Arantes, Lelé. Dicionário Rio - Pretense, 2001.
6 Tal afirmação tem por base teórica o texto desenvolvido por: Portelli, Alessandro. O massacre de
Cicitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 194 4) : mito e política, luto e s enso comum. In:
Ferreira, Marieta de Moraes e Amado, Janaína. Usos & abusos da História Oral, pg. 103, ed.
Fundação Getúlio Vargas, 1996.
27
como arredios e violentos. A sua religião, sua língua e os seus valores
foram apresentados às gerações posteriores, mas por meio de uma
história parcial, que não corresponde à realidade histórica.
Entre as obras analisadas sobre a Literatura regional, foram
encontradas produções que na sua maior composição pertencem à
narrativa elitizada e unilateral. Obras como a de Ariovaldo Correia
“Mirassol, Estruturas e Gravuras” - História - 1983; “Homens e coisas
de Mirassol” 1960; “Notas e Anedotas”, Crônicas, 1979 - que tratam da
questão da existência do município de Mirassol. Esse autor foi
designado, por meio de um decreto-lei, o responsável pela narrativa
que conta a História da cidade. Embora portador de um vasto
conhecimento, a sua produção focaliza os desbravadores do sertão e
seus “feitos heróicos”, ocasionando a produção de mitos na sociedade
envolvente.
No livro, “Mirassol, Estruturas e Gravuras” - História - 1983, o
autor inicia a narração com a chegada dos desbravadores em 1910.
Uma narrativa de inspiração bíblica, tendo a introdução o nome de
Gênesis. Chega ser ingênua a forma de abordar a bondade dos homens
e, embora seja louvável a criatividade do autor ao comparar a criação e
o desenvolvimento do município com a narrativa bíblica, utilizando a
estrutura narrativa da teologia.
Analisamos também outras produções como a de Candido Brasil
Estrêla e Dráusio Medina Estrêla, juntamente com Jesualdo D'Oliveira -
História de Bálsamo, 1970. Nesta produção, os autores preocupam-se
28
em fundamentar a produção histórica do seu município citando, sem
necessidade, o episódio do ovo, no qual o navegador Cristóvão
Colombo demonstra sabedoria em equilibrar um ovo em uma mesa.
Narrativa regional esta que se faz muito confusa pela ordem do
narrador e desnecessária quando tenta dissertar sobre a verdade
histórica da América não ter sido "descoberta" por Américo Vespúcio e
sim pelo navegador Colombo. Ignora a localidade e busca na História
da América Espanhola o início da narrativa, da existência de um
município fundado no século XX. Sobre a produção historiográfica de
S. J. do Rio Preto, obras como a de Leonardo Gomes, 1975, focaliza a
produção de uma História tradicional e personalista, não dedicando
capítulo algum aos indígenas, que no caso de Rio Preto, eram presentes
no momento do processo de ocupação geográfica. O livro de Agostinho
Brandiu, “Gente que Ajudou a Fazer Rio Preto” - 1852-1894 - roteiro
histórico do Distrito, Contribuição para o conhecimento de suas raízes,
2002 - trata da origem urbana, enfatizando o fato de não ser objetivo do
livro escrever a História de Rio Preto e sim analisar os fatos. Mesmo
sendo uma obra que se preocupa em não ser a guia mestra da verdade,
não faz significativas referências aos primeiros habitantes da
localidade, sendo que de uma forma indireta, acaba por comungar da
visão unilateral da História tradicional. Outra obra de grande valor
para o desenvolvimento da criticidade da literatura regional é o
trabalho de Dinorath do Valle, “A História de São José do Rio Preto”,
1969. Nesta produção, a autora dedica alguns capítulos aos indígenas,
29
mas com uma visão parcial e etnocêntrica, pois fundamenta vários
mitos a respeito do comportamento dos nativos da região. Com a
mesma parcialidade e um movimento que exclui da literatura as
comunidades indígenas, encontramos algumas outras obras, das quais
vale citar o trabalho desenvolvido por Lelé Arantes: “Dicionário Rio –
Pretense”, 2001. Nesta produção há uma referência os nativos
Kaingang, mas limita-se a citar (caingang-coroados), não trazendo nota
alguma na organização do texto. Uma produção predominantemente
elitista, tradicionalista e parcial. Encontram-se nomes e fotos de
personalidades que fizeram história na cidade. Mas falha infinitamente
por não dar destaque equivalente aos marginalizados e excluídos dos
processos político, econômico, social e cultural. Fica bem clara a idéia
econômica da obra, que se funde com a preocupação de perpetuação
histórica das personalidades tradicionais do município de São José do
Rio Preto.
Em menor proporção, encontramos produções críticas e nada
tradicionais, reveladoras de uma produção historiográfica nada
convencional. O trabalho de Alberto Lemos, “História de Araraquara”,
1999 - aborda de uma forma crítica a produção regional tradicional e
dedica um capítulo exclusivo para o debate a respeito da questão
indígena na região. No livro é abordado o fato de ser muito nebulosa a
explicação sobre os primeiros habitantes daquelas paragens. Tema
abordado em muitas outras obras regionalistas e de pouca conclusão
contemplável. Trata também do interesse em socializar o nativo para
30
concretizar os desejos da modernidade em expansão no interior do
estado de São Paulo. Outro trabalho de destaque crítico em nossa
pesquisa bibliográfica foi realizado por Reinidolch Caffagni, “Cultura
brasileira _ Contos urbanos, Contos regionalistas”, 1972. Trata-se de
uma coleção de contos regionalistas, da Faculdade de Filosofia Ciências
e Letras de Votuporanga. O livro IV da coleção trata do sertão de forma
áspera como realmente era. Sem fantasias parnasianas, o que não
significa o fim do belo por parte do narrador, mas sim o narrar de
forma realista, com o belo e o áspero convivendo em constantes
conflitos no interior do Estado de São Paulo.
Hoje muitos descendentes dessas gerações injustiçadas
continuam a existir de uma forma marginal. Vivem em pequenas
reservas, que mais se assemelham aos campos de concentração
humana - portadores de uma singularidade - cortejada pelo
sensacionalismo da mídia em cada “abril despedaçado”. Excluídos
politicamente, tratados pela sociedade nacional e pelo governo como
não responsáveis pelos seus atos. É assim que a História deve tratar os
que não possuem metais preciosos? Essa é a justiça que lhes cabe?
Ao desenvolver um estudo bibliográfico do caso, foi observado a
forma pitoresca e o acentuado espírito aventureiro - narrado pela
história tradicional regional - dos desbravadores7 do sertão paulista.
Produções inspiradas até mesmo nas narrativas bíblicas - como o livro
de Gênesis - onde Deus cria o mundo em algumas unidades de dias.

7 Esta questão é muito bem abordada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, 1930.
31
Obras que dissertam sobre as pessoas que fizeram a construção da
história de uma comarca e produções particularistas, que violam com a
sua parcialidade os fatos reais do processo histórico. Encontramos
também algumas obras que analisam a questão indígena de uma forma
acadêmica, fartas em citações de outros estudiosos fundamentando as
suas argumentações sobre a questão indígena em debate. Mas estas
representam uma pequena parcela de um universo tradicionalista,
particularista e conservador na produção literária regional. Mantendo
assim, o imaginário social da figura folclórica pejorativa do elemento
indígena, dificultado o relacionamento cultural entre as etnias
indígenas e os elementos da sociedade nacional envolvente.
32
5. A História de Assis e a produção memorialista no Sudoeste do
interior de São Paulo

Durante séculos, as sociedades indígenas foram marginalizadas,


quando não dizimadas etnicamente. O histórico do relacionamento
entre as etnias nativas e a cultura herdada da Europa é marcado por
um constante conflito o qual pouco se preocuparam os memorialistas
que narraram e ainda narram parte do processo histórico. Pudemos
constatar na região Norte e Sudoeste do Estado, uma produção de
memórias históricas que se valiam dos depoimentos das elites
conservadoras dominantes, não dando as comunidades indígenas a
oportunidade e o espaço para narrarem a sua história. Em muitas
cidades da região Norte do Estado de São Paulo, como a de Olímpia,
capital nacional do folclore e a capital dos grandes lagos que é São José
do Rio Preto, a produção da história regional é direcionada para a
pseudoverdade dos desbravadores mineiros que desenvolveram o
sertão paulista, trazendo a modernidade mesmo que tardia, para estas
paragens. Documentos que registraram apenas um lado da História da
antiga província e deste atual Estado.
Na cidade de Assis, localizada na parte Sul do Oeste paulista,
distante do centro Norte do Estado de São Paulo, também pudemos
observar a produção de uma parcela de trabalhos literários e
memoriais, portadores de uma História tradicional e unilateral, onde o
indígena é tratado como um não portador de cultura, feroz e
33
responsável pelo retardamento do processo civilizatório em todo
século XIX no vale do Sertão do Paranapanema. Livros de memórias,
que, como nas demais regiões pesquisadas, sedo nos Estados de Goiás,
Mato Grosso e principalmente no de São Paulo, são perpetuadoras de
mitos que desclassificam as culturas indígenas, provocando
generalizações sobre a questão indígena, fazendo que gerações
posteriores dêem continuidade ao etnocentrismo marginalizador de
culturas.
O mito do herói desbravador, aventureiro de coragem singular,
foi identificado em todas as obras de História regional e em Assis,
também encontramos trabalhos comprometidos com a realidade no
processo histórico, onde a questão indígena é tratada com criticidade
em relação aos colonizadores mineiros do século XIX. Trabalhos com
este viés fazem parte da menor parcela da produção literária local e
regional, mas estão presentes, no que tange a unilateralidade da
história tradicional, produzida por memorialistas que são tidos como
“deuses” pela população ideologizada, incapaz de compreender a
crítica construtiva dos trabalhos escritos, que não os desclassifica nem
os nega, e sim, os trata como objeto de análise que objetiva contribuir
para uma melhor compreensão da História, que em nosso trabalho se
direciona as culturas indígenas no Estado de São Paulo.
Em Assis, pesquisamos na biblioteca da Fundação Assisense de
Cultura (FAC), no entro de documentação e arquivo da Unesp e na
biblioteca da Unesp. Em relação a cultura indígena no interior de São
34
Paulo, encontramos dados, que no mínimo, colocam em cheque, muitas
das argumentações da contidas em trabalhos de história e literatura
regional em outras localidades, como é o caso da cidade de Olímpia.
Pois muitos escritos dizem que quando os colonizadores de Minas
Gerais chegaram, não existia “bugre” algum por estas paragens. Fato
este totalmente mal analisado pelos autores da história tradicional.
Ao analisar os textos, de diferentes datas, nas mesmas cidades e
até em algumas distantes, como é o caso em relação a Assis,
observamos que as comunidades indígenas estiveram presente na área
invadida pelos colonizadores mineiros durante a maior parte do século
XIX e que só foram perdendo o seu espaço, conforme a invasão
“civilizadora” ia fincando cruzes e demarcando o território roubado
com a pólvora e o facão. Relatos em documentos que na invasão a tão
abordada geada que ocorrera por volta da segunda metade do século
XIX, mas, são documentos que possibilitam interpretar que as
comunidades indígenas que secularmente habitavam o interior do
Estado de São Paulo (na época, Província de São Paulo), não morreram
de frio oi foram embora devido aos efeitos da geada, e sim do impacto
cultural, das guerras e da transfiguração étnica imposta pelos “heróis
do sertão”, que ao meu ver, mais se autoclassificam como assassinos
hipócritas, os quais matavam populações indígenas e depois os
enterravam em cemitérios da igreja católica. Foram covardes,
assassinos, estupradores e ladrões, como já dissera o poeta brasileiro
Renato Russo.
35
Acredito ser de grande valia uma apresentação das obras
pesquisadas nesta outra localidade do interior do Estado, assim como
procedemos sobre a História tradicional e a Literatura regional em
outras cidades.
No ano de 2003, com apoio da prefeitura do município, Maria
das Graças e outros autores, publicaram o livro: Assis: cidade fraternal.
Neste trabalho, o primeiro que tive contato, identifica-se um capítulo
especial as etnias indígenas, embora curtíssimo, limitando-se a
identificar os grupos étnicos existentes na região do interior antes da
chegada dos desbravadores, mostrando-se atenta a uma pré-história de
Assis, quase não abordada por outros autores. E, como foi dito
anteriormente, não se rompe com o tradicionalismo das histórias locais,
sendo os autores, incapazes de compreenderem a mancha de sangue
que inundou o Sertão do Paranapanema no século XIX e XX, ou ainda,
possivelmente, não necessariamente incapazes de compreender, depois
de tanto tempo, a realidade histórica sobre a questão indígena, mas sim
por incapacidade de romper com o tradicionalismo marginalizador das
“minorias” socioculturais, que acabou por contribuir na publicação d
livro de autoria válida, mas que como este, não está imune a crítica do
presente e no futuro do tempo.
No primeiro capítulo: As Origens, os autores tratam da questão
indígena, como segue a citação:
“Os primeiros habitantes da região de Assis foram tribos indígenas : os
valentes e temidos coroados; os cayuás, os kaingang, provenientes do Paraguai,
36
e os xavantes,também conhecidos pelo nome de otis, vindos do Mato Grosso,
que ocupavam os campos e os cerrados.
A região já era conhecida pelos portugueses da Capitania de São
Vicente e pelos castelhanos do Paraguai, no século XVI, já que eles se
comunicavam pelas velhas trilhas indígenas e pelo rio Paranapanema. No
início do século XVII, os jesuítas castelhanos construíram, às margens do
Paranapanema, ao lado de território do atual Estado do Paraná, aldeias de
índios catequizados, conhecida como as reduções missionárias jesuíticas,
denominadas Santo Inácio e Loreto. As ruínas de tais construções ainda podem
ser vistas em território paulista.”(Pgs. 6 e 7).

Neste capítulo, identificamos uma única análise critica sobre a


questão indígena e o processo de invasão do sertão paulista. Observe
como se encontra:

“Eram nômades, mas hoje,


parcialmente dizimados pelo
homem branco, vivem em
pequenas aldeias, baseadas na
agricultura de subsistência”.
(pg. 7, Box 1)
Por ser uma obra tão recente, poderia oferecer para o leitor um
quadro mais realista sobre as comunidades indígenas aldeadas. Muitos
povos indígenas foram extintos, juntamente com sua cultura pelo
colonizador, no Paranapanema, no Tietê, no Rio Grande e Rio Turvo, o
que restou foi uma parcela pequenez de indígenas, com suas culturas
37
nativas violentadas, vivendo quem dera de uma agricultura de
subsistência! A sociedade capitalista, com sua ideologia de consumo,
exige muito mais que economia de subsistência, exige venda da força
de trabalho, para sustentar os desejos e vícios de uma sociedade de
consumo.
Já no segundo capítulo: Os Desbravadores; os autores escrevem:
“O território onde hoje se localiza Assis foi esquecido pelos
bandeirantes paulistas. Os desbravadores da região do sertão do
Paranapanema foram os mineiros. Um deles nascido em Pouso Alegre,
foi José Teodoro de Souza que, convidado pelo também mineiro
Coronel Tito Correia de Melo, rico morador de Botucatu, saiu de Pouso
Alegre, MG, com destino a Província de São Paulo, indo em direção a
Mogi Mirim e, em seguida, rua a Botucatu" (pg. 8)
“Teodoro de Souza e seus companheiros chegaram ao Sertão do
Paranapanema depois da promulgação da lei de terra de 1850, que para
combater a instituição das sesmarias, reconhecia como legítima apenas
a propriedade de terras compradas do Estado”. (pg. 8)
No terceiro capítulo, encontramos citações importantes sobre o
período da presença indígena o interior da Província no século XIX.
Observe:
“(...) Assis nogueira, a família e alguns amigos viajaram durante
36 dias em carro de boi, para as terras, que então eram habitadas por
índios. Para evitar o enfrentamento com eles, o grupo permaneceu, até
1898, na fazenda do amigo Machado de Lima.
Com a chegada de muitos posseiros à região, as estradas
começaram a ligar os núcleos povoados e os nativos foram
38
desaparecendo da área, sendo mortos em conflitos ou simplesmente
fugindo da chegada do homem branco.
Em 1898, finalmente, o Capitão Assis Nogueira se estabeleceu na
área que havia comprado e construiu uma casa" (pg. 12).
Deste capítulo em diante a questão indígena é praticamente
esquecida e o texto passa a dar, cada vez mais, atenção para o
fenômeno do processo civilizatório e o discurso da modernidade. É
claro que nesse dissertar, os autores fazem apontamentos
valiosíssimos, de personalidades e instituições que contribuíram para o
desenvolvimento tardio da economia de integração ao capitalismo.
Mas acaba por redundar em uma ideologização de uma cidade sem
fraternal, constituindo-se neste aspecto com muitas outras obras da
História do Brasil, que escrevem no inferno e publicam com patrocínio
do diabo, o mundo de Alice no país das maravilhas!
Um outro trabalho, escrito por Leoni Ferreira da Silva, intitulado:
Minha Terra-Assis; o estereótipo indígena e o etnocentrismo se faz
muito presente. Oferecendo ao historia dor do presente uma rica fonte
para pesquisa bibliográfica. Nesta produção o elemento indígena é
citado constantemente, embora seja para taxa-lo e concebe-lo como não
civilizado e perigoso. Como pode ser observado no capítulo, Povoados
extintos e origem de Assis, onde o memorialista demonstra um
saudosismo para com os “heróis do sertão”, registrado com a
publicação do livro em 1979. Observamos a preocupação latente em
abordar o verdadeiro fato histórico, mas o que ocorre é um narrar
39
redundante no tradicionalismo memorial, procurando fudamentar-se
em uma documentação escrita, concebendo os documentos como
verdadeiros apenas por terem sido escritos no século XIX, não
questionando, não problematizando a rica fonte documental que
trabalha. Limitando-se a reconhecer a autoridade documental,
refutando análises que diferissem dos escritos constatados nas fontes,
como se o documento fosse irrefutável. Uma abordagem enfatizada
pelo autor que nos convenceu da necessidade de apresentar a citação
total do capitulo como segue, com o nome - Uma prova Incontestável:
“digitar o texto e fazer a crítica...

Um terceiro dos vários trabalhos analisados, este, totalmente


singular aos demais no que tangue a cultura indígena e a questão do
índio no processo de invasão no interior de São Paulo no século XIX,
realizado por Adriano Campanhole, em 1985, sob o título: História da
Fundação de Assis; dedica um capítulo especial a cultura indígena e o
confronto entre estes e os invasores. Neste capítulo: Índios e Brancos
em Guerra, o método de abordagem nos faz recordar do antropólogo
Darcy Ribeiro em O índio e a Civilização, pois Campanhole realiza
uma análise crítica da ocupação do território pelos mineiros na
Província de São Paulo. Contrastando assim, com as demais obras
analisadas por nós, e, ainda a mais instrumentalizada para abordar a
40
questão das idéias no universo civilizatório dos mineiros e seu impacto
nas culturas indígenas em todas as regiões que realizamos o
levantamento bibliográfico para este trabalho. Observe algumas
citações do capítulo que nos referimos:
“Já não precisamos agora da nossa imaginação para concluir que
a mata densa foi sendo devastada (...) O índio, embora a custo, cedeu
seu passo ao branco invasor. E não seria demais que se curvasse – como
acontece – à valentia daquela atrevida gente que, além do mais,
aterrorizava os campos e as selvas com o troar irresistível implacável, e
impiedoso de suas armas de fogo.
Seria a morte em massa dos índios (...)
‘Nas matas do Rio Tietê ao Vale do Paranapanema e daí ao
Paraná viviam os índios conhecidos como Coroados que, segundo
parece, não despertaram os interesses dos bandeirantes como mão de
obra escrava, talvez por serem mais aguerridos e pouco numerosos em
relação ao grande número de indivíduos pacíficos que existiam mais a
Oeste ou talvez porque falando língua não incluída no Tronco Tupi e
que só conheciam uma agricultura primitiva, não dessem escravos
adequados ao tipo de trabalho que lhes seria imposto’ ” 8.
Em um subtítulo com o nome – Resistência Indígena - deste
mesmo capítulo, encontramos:
“Teodoro Sampaio fez amplo relato da resistência indígena
contra o branco invasor. A chapada dos Agudos era considerada como

8Delvair Montagner Melatti. Aspectos da Organização social dos Kaingangs Paulistas,


pág. 9. In: Adriano Campanhole – História da Fundação de Assis, pg. 20.
41
o ninho da bugrada não submetida. Os silvícolas assaltavam,
assassinavam, e deformavam os cadáveres.
‘O índio – diz o cientista – é de fato a maior dificuldade que
encontra o povoamento do Vale do Paranapanema. Obrigado a fugir
sempre diante do colono invasor, que lhe destrói as matas, que lhes
restringe dia por dia a área das excursões venatórias, o índio, antigo
senhor, reage como pode, mata e rouba à traição e jamais esquece a
vingança como nunca se modera em atrocidades. È já bem longa a lista
dos que pereceram vítimas da ferocidade do índio nestes últimos
quinze anos; famílias inteiras trucidadas, mulheres, meninos, animais
domésticos, tudo perece da maneira mais cruel. O índio é um inimigo
quase inatingível. Uma vez recolhido aos seus esconderijos, raro pode
ser surpreendido. E uma batida feita nas matas mais prejuízo dará aos
atacantes do que aos índios atacados’.9
Narra Nogueira Cobra a luta cruenta dos brancos chefiados pelo
Cel. Francisco Sanches (ou Sancho) de Figueiredo, contra os índios,
varridos por ele das matas da margem direita do Paranapanema e de
grande parte da Bacia do Rio de Peixe. As investidas contra os nativos
tinham o nome de dadas”.10
“Leiamos, de Nogueira cobra, a descrição de uma dessas
violentas sortidas:
‘Depois de longa e penosa caminhada, realizada em silêncio, o
chefe faz sinal de parada, porque o inimigo vem próximo. Dispões sua

9 Teodoro Sampaio, in Comissão Geográfica e Geológica do E. S. Paulo – Vale


do Rio Paranapanema – Vol. 4, 1890, págs 21 usque 30. Citação feita por
Campanhole, pg. 22 e 23.
10 Leoni Ferreira da Silva, ob. Cit., pág. 265. In: Campanhole,pg. 24.
42
gente. As sentinelas e os vigias nas árvores estão atentos. Esperam.
Ouvem-se assobios. O cão enraivece. Não há mais dívida: a hora do
ataque vai soar.
De repente saltam os índios de todos os lados. Como tigres
investem de tacape erguido e atiram flechas, enquanto seu chefe, que
está perto, anima-os e encoraja-os com gestos e com um grito de guerra
parecido com a seguinte interjeição que usamos: upa! upa! upa! ao
mesmo tempo batendo no tronco das árvores com um cacete para dar
ordem de ataque mais vigoroso e sem cessar.
Mas a luta é desigual. O branco usa armas de fogo que o silvícola
não possui. O combate não dura mais de meia hora. As mulheres são
mortas ou aprisionada. Alguns rapaizinhos são levados para a fazenda
de Sancho na situação de semi-escrsavizados’.
Quando os capuchinhos se dirigiam à área para organizar uma
catequese, acompanhados de bugreiros, foram atacados pelos índios.
Os padres, vendo a dificuldade da situação, isto é, a morte inevitável
para todos, gritavam ‘Atirem nos selvagens!’. A missão acabou, desta
forma, transformando-se numa dada.
Em 1911 – diz o mencionado autor – não havia mais índios na
região de Campos Novos”.

Em outros momentos desse mesmo caput, Campanhole


continua a denunciar a destruição das comunidades indígenas e
a transfiguração étnica no interior do Estado de São Paulo.
Observe mais algumas passagens:
43
“Com dor e sangue efetivou-se a ocupação do grande vazio
demográfico em que imperavam os índios brabos ou Coroados.
(...). A picadas foram marcadas pelas cruzes, que já não
simbolizavam a piedade cristã, mas sangrentos marcos miliários ou
quilométricos.
(...). Que teria desencadeado a violência entre o conquistador e o
íncola? Seriam os Coroados ou índios brabos agressivos por natureza?
Que fator gerou a luta de vida e morte em que se empenharam, quer no
litoral, quer no interior distante, o nativo e o branco?
(...). Se a luta com o silvícola chegou ao fim com o seu quase
extermínio, não cessaria, porém a batalha pela posse da terra, na qual se
empenhariam por vezes sangrentamente proprietários, posseiros e
grileiros “.

Como podemos analisar, o trabalho de Adriano Campanhole, A


História de Fundação de Assis, foge a regra de abordagem da história
tradicional no interior de São Paulo. Também não se enquadrando,
portanto, na composição da literatura regional que em sua grande
parcela, marginaliza ou simplesmente ignora as etnias indígenas no
interior do Estado de São Paulo. Diferente de outras produções,
Campanhole não a dota a verdade absoluta apresentada pelos
documentos. Ficando assim, longe de um olhar monolítico, que o
permite abordar a questão indígena e compreender a questão indígena
diante do discurso do colonizador que pregava a civilização no sertão
do Vale do Paranapanema. Uma visão que observamos ser muito
44
limitada em outros trabalhos, ou ainda, inexistentes e desta forma
sendo incapazes de compreenderem a questão do outro.
O município de Assis passa por um período de nostalgia, para
alguns, onde se comemora o ano 100 acerca da sua fundação, mas
também é importante refletir neste ano centenário sobre a
marginalidade, as omissões e mentiras sobre a cultura indígena que em
toda região da cidade de Assis serviram para justificar o mandonismo
local e regional que sempre existiram em favor das classes dominantes,
sejam coronéis, líderes religiosos ou políticos lacaios que falseiam a
realidade, apresentando um discurso ideológico capaz de iludir e criar
falsas verdades históricas no imaginário social de Assis e nas demais
regiões do atual Estado de São Paulo.
45

6. A capital nacional do Folclore: Olímpia e a produção da história


tradicional marginalizadorada
cultura indígena

De forma semelhante a Assis a cidade de Olímpia,


localizada na região Norte do interior do Estado de São Paulo,
também presencia a nostalgia do seu primeiro centenário.
Durante estes anos, que perfazem mais de um século, a
história deste município fora contada pelos descendentes dos
desbravadores e dos que foram portadores do poder da
literatura local e regional. Sempre iniciando o seu narrar,
desprezando e ignorando a questão indígena. Nos últimos vinte
e nove anos, foram raros os artigos e qualquer outra publicação
sobre a história local que se preocupasse e reconhece-se a
história destes povos que foram dizimados, ou ainda, como
narra a história tradicional: “foram para outras paragens a
46
procura de abrigo”. Em nosso país a narrativa histórica é
impregnada de um tradicionalismo assassino que viola a
realidade histórica das minorias. Possuímos durante muitos
séculos, a herança européia de um método narrativo incapaz de
analisar a cultura sincrética que se fez neste território
nacionalizado por portugueses vindos da ibérica. E, com efeito,
a tradição escrita, salvo raras exceções, manteve-se nas mãos
da classe dominante, que com o seu mandonismo local e
regional ditavam de forma única a “verdade” histórica da região
sob a sua tutela. Nações indígenas que viviam nas terras da
região de Olímpia foram ignoradas em nossos livros de História.
Nações que vieram da África receberam o chicote como presente
dos homens que se diziam senhores de outros homens e
mulheres. Ficando apenas um dia comemorativo, quando muito,
uma semana onde as escolas para cumprirem os conteúdos dos
parâmetros curriculares enfiam goela a baixo em seus alunos
uma história que lhes é estranha, pois raramente lhes ensinam
de forma adequada.
Uma certa vez em uma comunidade indígena próximo ao
rio Tietê, um jovem Kaingang perguntou-me, de forma
exclamativa e indignada: por que a nossa história não é
ensinada nas escolas do branco?!? Na hora não fiquei nada
surpreso com a indagação, pois não era a primeira vez que um
jovem indígena me fazia esta ergunta.
p
Como qualquer homem em sã consciência, respondi que
47
era devido a uma grande injustiça que historicamente se
perpetuou. E ele... Continuou indignado... Retirando-se.
Justamente por essa indignação que muitos desbravadores
mataram centenas de milhares de indígenas na época da
ocupação do interior do Estado de São Paulo. Os “heróis do
sertão” traziam as suas doenças, destruíam as matas para
plantarem, roubavam a terra, as mulheres, traziam a cachaça, o
papel e a cruz, dando aos indígenas uma pseudo lição de
civilização, não levando em consideração a sua cultura, a sua
religião e a sua organização política e social. E neste contexto,
coube aos memorialistas o dissertar de tais desbravadores,
“civilizados e possuidores de cultura”. Será real o que diz os
documentos da história local, seja em Olímpia e em qualquer
outra cidade? Quantos habitantes de Olímpia foram informados
sobre a religião dos Guarani que por lá viveram? Alguém sabe se
existiam casos de homossexualismo entre eles? O que faziam
quando contraiam alguma doença? Como era a sua língua? Será
que pagavam impostos a algum tipo de líder político? Eles
produziam cerâmica, metais ou qualquer tipo de arte? Possuíam
ídolos? Que tipo de roupa usavam? Como escovavam os dentes?
Como faziam as mulheres menstruadas? Andavam deixando
rastros de sangue pela aldeia? Do que brincavam as crianças?
Os pais batiam nelas? Eram proibidos de fazer alguma coisa?
Os jovens se masturbavam? Buscavam o prazer sexual ou
apenas a reprodução? Praticavam esportes? Estudavam? Como
48
era tudo isso?
Se o meu caro leitor soube responder a todas estas
perguntas, com certeza é um privilegiado neste universo de
império da literatura tradicional, pois dificilmente encontrarás
as informações nos livros de História da nossa cidade. Não que
neste momento eu escreva para criticar os memorialistas
tradicionalistas do nosso município... Pois faço isso todos os
momentos da minha existência como militante da causa
indígena no Brasil! O governo e nossas escolas (nossas sim,
porque pertencem ao povo!) de Olímpia pouco informam os seus
cidadãos a respeito deste outro lado da História da cidade. O
que o governo do povo faz para ensinar a história local em
nossas escolas? A Escola Silva Melo é uma grande exceção neste
quadro, pois o seu material didático, por exemplo, da quarta
série do ensino fundamental, trabalha com maestria a questão
indígena nacional, fugindo a regra do tradicionalismo
excludente das minorias. Porém, a história municipal não faz
parte das cartilhas de História do Governo Federal, fato muito
bem compreendido por nós, pois a história local dá vida a um
infinito número de programas de conteúdos escolares. Então...
O que o governo de Olímpia pode contribuir? O que poderia
fazer? Acredito que muita coisa, pois a Secretaria da Educação
no município tem o poder de incluir de forma digna a questão
indígena nas salas de aula. Não se trata de fazer um projetinho,
um muralzinho, um painelzinho, ou uma monolítica exposição
49
de fotos e quadros. Isso já vem sendo feito desde o período
colonial. Este ensaio propõe a reflexão coletiva e crítica sobre a
marginalidade indígena no interior do Estado de São Paulo.
Com métodos claros e exeqüíveis, que possam contribuir para a
formação do educando, do educador e das sociedades indígenas.
Métodos simples que agucem e despertem na envolvente
sociedade a busca da sua identidade local e o respeito a
diversidade cultural. Que os projetos desenvolvidos sejam
realizados não por obrigação pedagógica como podemos
constatar. Que o professor (infelizmente muito mal remunerado
em nosso país) possa dirigir a proposta aos seus alunos de
forma agradável e coletiva. Bem diferente do quadro constatável
em vários municípios onde o professor recebe uma ordem e
sozinho, tem que se virar para desenvolver determinados
projetos em prazos humanamente impossíveis.
Em que podemos ajudar? Ou fazemos algo... De
preferência em harmonia com as instituições que nos
representam, ou viveremos ingerindo goela baixo a historieta
corrompida e fétida que nos apresentam, a cada apagar de
velas, que mais representam o funeral da História sociocultural
e um constante sepultamento das culturas nativas.
Iniciando com essa problemática é que pretendemos dar
continuidade ao tema proposto acerca das representações das
culturas indígenas na história tradicional e na literatura
50
regional, tendo agora as produções memorialistas em Olímpia
como objeto de estudo crítico e construtivo.
Durantes anos morando em Olímpia e ainda, por algum
tempo trabalhando como pesquisador em História indígena no
Museu de História e Folclore Maria Olímpia, pude constatar que
a representação do elemento indígena nas páginas da história
local é eurocentrada, quando existente, e composta por
etnocentrismo. Os trabalhos escritos sobre a história da cidade,
salvo a raras exceções, são mera cópias do que se escreveu nas
décadas de 60 e 70. Nossa pesquisa bibliográfica foi centrada
em alguns trabalhos de grande expressão local, encontrados na
Biblioteca Municipal e na biblioteca do Museu, onde
pesquisamos estes últimos anos. Ao selecionarmos os trabalho
que seriam nossos objetos de estudo historiográficos, levamos
em consideração a sua representação acerca de seus objetivos e
métodos abordados sobre a história de Olímpia.
O primeiro trabalho é o livro: História dos Símbolos do
Município de Olímpia, escrito pelo Professor José Sant’ Anna,
com o apoio da Prefeitura Municipal e publicado em 1995.
Mesmo com o título recordado sobre os símbolos da cidade, o
trabalho também aborda a história da cidade, principalmente
acerca da sua fundação, justificando assim, o nosso interesse
no estudo. Um outro trabalho que nos chamou a atenção foi
escrito pelo professor Rothschild Mathias Neto, intitulado:
História de Olímpia, escrito em 1962; e ainda a Revista de
51
História, escrita por José Maria Marangoni. Entre os trabalhos
que constam na Biblioteca Municipal, pesquisamos as seguintes
obras, embora não sejam nossas fontes sobre a questão
indígena, mas que retratam a história de Olímpia ao seu modo:
O tiro de Guerra e Olímpia em Revista. Ano II, 1961. SGT
Lordêlo,tg32, onde apresenta uma história militarizada com
poemas, não tocando em momento algum sobre a cultura
indígena. Alguns aspectos da Paisagem Rural no município de
Olímpia. Ely Goulart Pereira de Araújo. Separata do Boletim
Paulista de Geografia, SP,1950. Este trabalho faz referencia a
questão indígena na região e mantém o discurso tradicionalista
como podemos citar: “Convém acentuar que o índio não
constituiu obstáculo às primeiras penetrações. Quando o
homem branco chegou, vindo do sul, não encontrou mais
nenhuma tribo, embora fossem inúmeros os vestígios de sua
existência. No local da cidade de Olímpia havia uma enorme
taba e até hoje, quando são feitas escavações, encontra-se
restos dessas tribos, talvez de Coroados: vasos funerários,
objetos de cerâmica, armas, esqueletos e ata o forno destinado
ao fabrico de utensílios de barro tem sido descobertos. Acredita-
se que os índios abandonaram o local, seguindo mais para o
Oeste, fugindo aos grandes incêndios, que castigaram a região
após a forte geada de 1870” (pg16).
Como é observável, a história da geada parece ser a grande
redundância na maior parte dos trabalhos escritos sobre o
52
processo migratório dos indígenas no interior do Estado de São
Paulo. Sempre a grande geada da segunda metade do século
XIX aparece como a grande responsável pelo desaparecimento
das etnias indígenas. Raramente falam da pólvora e o desejo de
ocupação das terras do sertão paulista!
Na seqüência desta pequena apresentação de trabalhos
encontrados citamos o livro: A História do Distrito de Baguaçu.
Realização: EMEIEF “Washington Junqueira Franco”. 2003.
Projeto Centenário de Olímpia.Embora os autores não citem a
fonte, encontramos uma informação interessante acerca da
presença indígena à época da ocupação do sertão, quando narra
a divisão das famílias pioneiras,vejamos: “ (...) Assim, essa parte
do clã sai de Alberto Moreira e passa por Cafundó, à procura
por Gliciuma (Guaraci), que já era formada, não a encontra e
chega no Capão do Baguaçu, onde encontra muitos coqueiros,
que no Nordeste brasileiro, são chamados de babaçu. Os índios
Tupi, aqui encontrados, chamavam-nos de baguaçu; gostavam
do lugar, água havia em abundancia e aqui ficaram” (pg.8).
Embora um tanto confuso o fragmento de texto citado, ele
nos oferece, no mínimo, o questionamento sobre a não
existência dos indígenas nas terras que hoje são Olímpia e
região. Fato este que abordaremos com mais profundidade
quando analisarmos as nossas maior
es referencias
bibliográficas neste estudo.
53
Outros trabalhos foram listados e analisados, como: O
Sertão Acabou. José Alvarenga.1998. Ministério da Cultura.
Trata-se de um trabalho de síntese a respeito da história dos
municípios do interior do Estado de São Paulo, onde o autor faz,
na página 226, referência à cidade de Olímpia, tratando-se de
um texto que já se encontra publicado por José Sant’ Anna,
anos antes, o qual não faz referência alguma a questão indígena
ao falar da história de Olímpia. Um outro trabalho, Revista
“Olímpia Querida Olímpia”, dirigida por Luiz Carlos Píton, 1970,
não escreve nada sobre a presença indígena, até mesmo porque
a finalidade da revista não é, na realidade escrever a História e
sim publicar os interesses da fraca elite olimpiense que deseja
ser grande. E, além destes livros e revistas, consultamos as
pastas com recortes de jornais e documentos diversos sobre a
história de Olímpia, sob os números 20.324, que nada consta
sobre a história indígena na região; 08.324, onde encontramos
um caderno especial de domingo, datando de 25 de agosto de
1996, Diário da Região: Indígenas viveram no Cafundó”; 39.324,
que possui processo do Sítio Arqueológico Maranata. Instituto
Brasileiro do Patrimônio Cultural, 9ª coordenadoria Regional –
São Paulo. Arqueóloga Maria Lúcia Branco Pardi (funcionária).
Ainda nesta pasta encontramos novamente, nas folhas 07 e 08,
referencias aos indígenas e a geada de 1870. Encontramos o
mesmo texto que está na história do distrito de Baguaçu, sendo
54
este, talvez, a fonte para a argumentação apresentada no livro
do distrito quando narra a presença tupi na região.
Mas como já foi apresentado ao nosso leitor, estes
documentos, sinteticamente apresentados, consistem em a
priori, no levantamento bibliográfico deste nosso trabalho, onde,
por coerência de pesquisa, selecionamos nossas fontes
principais para o desenvolvimento deste ensaio. Procuraremos
agora nos determos aos trabalhos de maiôs destaque sobre a
História de Olímpia, embora todos os livros e revistas em geral
tenham o seu grau de importância histórica, não sendo nosso
objetivo classificar nem um nem outro como superior ou
inferior.
O Trabalho produzido em 1963 pelo professor Rhothschild
Mathias Neto, sob o título: História de Olímpia; é uma das
nossas grandes referências bibliográficas. Iniciaremos por ele,
pois este livro nos subsidia argumentos qualitativos sobre a
história indígena no interior do Estado de São Paulo.
Trata-se de um trabalho de grande valor para entendermos
as história de Olímpia e de boa parte da região do Norte do
Estado. Sem a preocupação de agradar correntes políticas,
diferindo-se assim de uma das grandes características da
história tradicional, o trabalho do professor Rhothschild se faz
por dedicação ao magistério e por suas idéias que
contextualizadas na década de sessenta, são extremamente
inovadora, principalmente quando obta em levantar
55
problemáticas ao invés de rasgar elogios pelegos a grupos
políticos que articulavam o apoio ao golpe político e militar que
se concretizaria um ano depois. É claro que em História de
Olímpia Rhothschild, também acaba por contribuir para a
perpetuação do mito do herói do sertão, mas o fato de não ater-
se estritamente a este pondo, torna seu livro uma verdadeira
pérola para o estudo historiográfico local e regional. Para
demonstrar alguns exemplos, citaremos alguns momentos deste
trabalho, que pode nos ajudar a entender algumas contradições
existentes em trabalhos posteriores, vejamos então:
“ Sim, neste remanso selvagem espairava o perigo a cada
passo dos aventureiros que nele se embrenhavam para coloniza-
lo e transforma-lo como o céu e serenidade paz e harmonia”.
(Pg. 2)
Aqui podemos observar o tradicionalismo sobre o processo
civilizatório que marca a grande parcela das produções
memorialista, e continuando:
“Não estou fazendo discurso, nem uma crônica mas sim
procurando meios para glorificar os já citados pioneiros que com
coragem e bravura lutaram sem esmorecimento para dar-nos a
Olímpia de Hoje.
Infelizmente não encontro termos para isso, contudo espero
que estas expressões sirvam de hobjeto para abrilhantar a trilha
do desbravamento”. (pg.02)
56
Como é visível a apologia aos desbravadores do sertão
nestas duas citações procuramos o entendimento de tal
discurso. E, uma explicação hipotética levantada se estende aos
demais memorialista que é a formação oficial ditada pelos
projetos pedagógicos escolares pregados pelas autoridades
governamentais, que na realidade nunca se preocuparam com a
política indigenista e muito menos em narrar a história
indígena, porque até mesmo seria o narrar de muito sangue e
atrocidades executadas pelos “anjinhos do progresso e da
civilização moderna!
Mas o que nos chama a tenção no livro em análise é a
preocupação que o torna singular entre os trabalhos realizados
na história de Olímpia. Vejamos alguns momentos:
“Alem de tudo e após tudo, neste lugar outrora localizava a
fazenda Olhos D’ Água com treze mil alqueires de propriedade
de Antônio Joaquim dos Santos, que por volta de 1859 veio para
cá.” (Pg.02)
Nesta citação Rhothschild nos apresenta uma data de
grande valia no que diz respeito ao processo de ocupação do que
hoje é a região de Olímpia. Ele afirma que por volta de 1859 já
estavam na região os mineiros, representado por Antônio
Joaquim dos Santos. Uma datação importante, pois nos ajuda a
entender melhor a contradição existente na história tradicional
acerca das migrações das etnias indígenas da região de Olímpia
no interior do Estado, pois as demais análises, de outras obras
57
que afirmam não ter existido contato algum entre indígenas e
colonizadores, apontam datas posteriores para a saída completa
dos indígenas da região, que teria ocorrido após a geada em
1870.
Outro momento importante no trabalho de Rhothschild é a
problemática que levanta a respeito do processo colonizador no
sertão paulista: “ Sabemos lá as dificuldades que teve em cada
dia de sua existência aqui? (...) Se nós, que estamos já agora em
uma cidade civilizada com assistência médica, recursos fáceis
para tudo; temos nossas dificuldades imaginem então naquela
época com a falta de tudo isso. (...) Como se livraram das
febres? que são constantes nos sertões; como conseguiram
víveres? Pois estavam praticamente isolados da civilização; é..
nem é bom pensar; eles superaram tudo, tiveram que superar,
tiveram que sobreviver, para formar e deixar-nos uma cidade
civilizada”. (pg.02).
Além de uma datação importante para a realização de uma
análise critica sobre a desclassificação da história indígena na
história local e regional, Rhothschild nos apresenta uma
preocupação com fatos e possibilidades pouco levantadas na
produção historiográfica de Olímpia. E sobre oque é o nosso
grande objetivo nesta análise, que é a questão indígena, o
trabalho do professor Mathias Neto contribui com abordagens
que corroboram para o entendimento da história que fora
forjada pela classe dominante. Rhothschild Mathias Neto não
58
nos apresenta diretamente em História de Olímpia no ano de
1963, uma defesa indigenista ou ainda um texto que procure
abordar a cultura indígena no contexto histórico da ocupação
mineira no interior do Estado de São Paulo no século XIX, mas
proporciona informações que contribuem indiretamente para
uma melhor análise das ideologias dominantes e seu
relacionamento com as cultura indígenas na província de São
Paulo e atualmente no estado constituído após a proclamação
da República em 1889. Vejamos ainda angumas outras citações
que nos fornecem elementos para desbancar a afirmação da
grande geada e o “desaparecimento” dos indígenas nas regiões
invadidas no sertão paulista:
“Todos nós sabemos que o primeiro habitante desta terra
situada ao norte do estado de São Paulo foi o guarani, que
devifo a uma grande geada êste abandonou as margens do
Turvo e foi para as margend do rio Tietê.
Por volta de 1859 veio para região um pioneiro sertanista e
progressivo, Antônio Joaquim dos Santos Juntamente com seus
filhos em número de cindo e com 60 escravos, sua esposa
também o acompanhou chamava-se Maria Ignes de Jesus.(...)”
(pg. 05).
Neste capítulo: Fundação da cidade(pg.04), como
observamos nas citações acima, o autor se preocupa em citar a
existência da etnia Guarani, onde os classifica como os
primeiros habitantes destas terras, e ainda reafirma a tão
59
abordada geada que supostamente acabou por forçar as etnias
indígenas a migrarem para outras localidades do Estado.
Reforça ainda a data de 1850, onde a ocupação das terras
teriam se iniciado sob a chefia de um mineiro. E ainda,
apresenta a existência de escravos que acompanhavam os seus
senhores nesta empreitada de invasão das terras da Província
de São Paulo em meados do século XIX, que nos possibilita mais
uma indagação: porque ninguém escreveu sobre esses escravos?
Eles não possuíam uma história???
***

Um outro trabalho, esse de maior popularidade acerca da


história de Olímpia é o escrito por José Maria Marangoni, que
dedica o maior capítulo escrito sobre a questão indígena na
história de Olímpia, mas é também o que mais gastou tinta com
erros sobre a cultura indígena na região de Olímpia, mas que
valeu a ousadia ao abordar algo desconhecido por parte do
autor que mesmo indiretamente contribui de modo quantitativo
sobre o assunto, possibilitando esta e outras críticas
construtivas, como também está este nosso trabalho
historiográfico de cunho ensaístico sobre a história tradicional e
a literatura regional no interior do Estado de São Paulo.
Analisemos então a obra de publicada em ...
60
7. A Literatura Regional e o tradicionalismo histórico memorialista
em outros estados do interior do Brasil

Podemos constatar que na produção historiográfica em cidades


históricas no interior do estado de Goiás, o tradicionalismo
marginalizador da questão indígena se faz presente. Na cidade de
Pirenópolis analizamos algumas obras produzidas sobre a História
regional e, o fato não é diferente do qual observamos no interior do
Estado de São Paulo. Pesquisamos parte da bibliografia no IPHAN
(Instituto de Pesquisa Histórica e Artística Nacional), a qual apresenta-
se muito pobre em relação ao número de trabalhos desenvolvidos e

também por se tratar de um instituto histórico, muito mal estruturado


e pouco aparelhado. Os funcionários trabalham desempenhando o
papel apenas burocrático, e limitam-se a nos receber em sua área de
pesquisa documental, sem maiores auxilios. Entre as obras analizadas
61
por nós temos: Pirenópoles – coletânea – 1727-2000 – História
Turismo e Curiosodades; Adelmo de Carvalho. O autor é professor de
História e funcionário do IPHAN de Pirenópoles. Nesse trabalho há a
perpetuação da elite local/regional, não dando destaque a questão
indígena, apenas citando a etnia Kaiapó (Caiapó) em seu livro.
Tentamos ganhar a atenção do autor, mas foi inútil. Ao indagarmos
sobre a questão indígena o mesmo se comportou tresloucado e deixou-
nos sozinhos com alguns textos xerocopiados que tratavam da História
local. O trabalho de Adelmo tem o patrocínio do IPHAN e da
prefeitura local, e em Pirenópolis, é referência bibliográfica para
pesquisadores e turistas interessados no assunto. O escritor pareceu-
nos inseguro sobre o que ele próprio produziu, pois quando indagado
sobre as fontes que trabalhou, o mesmo nos informou que todas foram
queimadas em um “acidente” quando a igreja matriz Nossa Senhora
do Rosário ardeu em um incêndio. Não transmitia segurança em
relação a sua própria produção, como se fosse uma coleção de textos
antigos que foram compilados com fins politiqueiros e projeção
pessoal. Não conseguimos observar no autor a preocupação de um
historiador.
Neste mesmo instituto, sob orientação do professor Adelmo,
tivemos contato com o trabalho de Jarbas Jayme, ex- membro do
Instituto Geográfico Brasileiro e Histórico Geográfico de Goiás. Em
Esboço Histórico de Pirenópoles, primeira edição póstuma, 1971,
pudemos constatar uma produção comprometida com a realidade do
62
processo histórico regional, como segue as sitações das páginas 24 e 25,
denunciando a ação colonizadora: “ Devastadas e destruídas a ferro e
fogo as aldeias, até então pacíficas e tranqüilas, os silvícolas que
escaparam a fúria dos bandeirantes se iam refugiar nas solidões das
florestas, onde supunham estar a salvo de tão estranhos civilizadores;
mas embalde, que para êsses aventureiros, não havia deveras nem
distâncias, nem obstáculos insuperáveis.
E os que, porventura, procuravam na resistência salvar o direito
do seu lar, das suas terras e da sua liberdade, eram todos os anos
dizimados pelo ferro exterminador dos cabos da conquista ou
reduzidos ao mais execrável cativeiro.
Nunca tantas e tamanhas barbaridades foram cometidas a
sombra da civilização e do direito de catequeze!
Deste modo, muitas aldeias desapareceram, muitas nações
guerreiras foram extintas e, delas apenas restam hoje os nomes por que
eram conhecidas.
É triste, porem, de considerar-se que, até as prêsas feitas nessas
guerras de extermínio, auferise lucro o Estado, mandando vender os
cativos para cobrança dos respectivos quintos e indenização do
tesouro.
Por muito tempo, a conquista do índio não teve por fim a sua
redução ao grêmio da civilização cristã, dos gozos da vida social, muito
embora o direito escrito garantisse ao gentio o exercício de sua
liberdade, a escravidão foi, durante longo período, uma espécie de
63
negócio compartilhado pelo governo, autorizado por êle, apesar dos
constantes protestos dos missionários” (Jarbas Jayme).
Como podemos analizar, esta produção foge à regra
tradicionalista e unilateral, pois não preocupa-se em reproduzir heróis
mitológicos no sertão brasileiro. Este trabalho focaliza a questão
indígena com rigor, não deixando de produzir a crítica na produção
regionalista. São encontrados com facilidade, elementos que nos
ajudam a entender a realidade histórica e o projeto de modernidade no
interior do país e o seu impacto sob as sociedades nativas.
Na cidade de Goiás, conhecida regionalmente como Goiás Velho
ou ainda como cidade de Goiás, observamos a produção ideológica de
uma série de mitos. A figura do desbravador, o colonizador, é alvo de
grande êxtase entre a população local. O movimento de penetração
bandeirante tem como principal protagonista a figura do Sertanista
Anhanguera. No que diz respeito a produção historiográfica,
encontramos no IPHAN de Goiás, uma melhor estrutura e um melhor
preparo. Em nossa recepção fomos bem atendidos e o fornecimento de
trabalhos locais foram fartos. Em outra instituição, o Arquivo de Goiás
Velho, observamos a estrutura precária e a vasta produção
documental.
O mito do sertanejo como herói do sertão ganha espaço nas
páginas regionais da história em detrimento da questão indígena, que
pouco ou nada se sabe na região. Os depoimentos fornecidos
resumiam-se em alguns nomes étnicos e narrativas folclóricas.
64
No estado do Mato Grosso, pudemos observar a ideologia do
progresso, e de forma avassaladora nas comunidades indígenas. O
discursso da modernidade colocou-se de forma rígida nas
mentalidades e concepções nativas, não ultrapassando o campo das
idéias apenas. Nas cidades de Aragarças (Goiás) e Barra do Garças
(Mato Grosso), é notável a vida urbana e as tecnologias da
modernidade. Já na cidade de General Carneiro à aproximadamente
100 km de Barra do Garças, a modernidade tecnológica limita-se a um
posto de gasolina, bares e algumas dezenas de veículos motorizados.
Mas a ideologia do progresso não limita-se aos centros urbanos, pois a
Reserva Indígena de São Marcos e as suas aldeias também são
portadoras e receptoras da ideologia da modernidade e do progresso
na estrutura capitalista. Esse fato acaba por marginalizar o indivíduo,
tanto na prática como na produção da literatura regional. Fato este que
assemelha-se com o processo de produção da literatura regional e de
uma história tradicionalista no interior do estado de São Paulo. Se no
Centro-Oeste o impacto cutural é acelerado devido aos altos índices
das populações indígenas (mais elevados que São Paulo), no Sudeste a
atualização histórica se faz maior devido ao alto índice tecnológico nas
comunidades com índice populacional reduzido em conparação às
comunidades do Centro-Oeste do país.
Como podemos observar, o processo de atualização histórica se
faz constante e nesse contexto, temos a crise de identidade do sujeito. O
nativo perde-se entre tantos desejos, na ausência de sua etnia nos livros
65
de história, no fim da sua língüa, religião e na imposição de outros
métodos de produção econômica. Contribuindo para isso, a literatura
regional perpetuadora, na maioria das vezes, de uma ideologia
dominadora, de uma elite que através da imposição cultural, política e
econômica, dizimou e ainda impacta centenas de seres que já foram
milhões em nosso território, que na realidade os pertencia.
A influência dessas produções é indiscutível, uma vez que as
mesmas acabam por sufocar os excluídos, pois buscam na história
crítica o seu espaço na construção da sua identidade e preservação de
um legado. O particularismo, o tradicionalismo e parcialidade, também
fazem parte do processo de formação da identidade, mas trata-se de
um processo focalizado nas elites dominantes. A contribuição desse
legado literário elitizado é referência para podermos entender as
questões políticas, econômicas e sociais do contexto regionalista. Mas é
também alvo de um olhar crítico no século XX e XXI, que pode
contribuir para um melhor entendimento da formação da identidade
dos grupos sociais, por ser o resultado de pretéritas e presentes
exclusões e particularizações que marcam a luta de classes na
sociedade moderna, envolvendo todas as outras organizações
existentes no interior do Estado de São Paulo.
Analisando o processo histórico, é possível observar que a
manutenção da classe dominante no que diz respeito ao poder das
letras, capaz de ignorar e matar centenas de seres para justificar os seus
objetivos, é perpetuadora e produtora de ideologias, falseadoras de
66
uma realidade entorpecida pelo mito11. Permitir a continuidade da
unilateralidade historiográfica, das inverdades e mitos para gerações
presentes é imperdoável. Esperamos que este artigo possa contribuir
com a questão indígena ao apresentar parte12 da realidade ideologizada
produzida por representantes de uma elite, a qual só foi produzida
para garantir a dominação sob as comunidades indígenas e as suas
terras, impropriamente invadidas por falsos heróis colonizadores,
transmissores da marginalidade excludente das etnias destruídas e
ofendidas no decorrer do processo de ocupação no interior brasileiro.

Considerações finais

11Sobre esse tema indicamos a leitura da Escola de Frankfurt, especialmente de Theodor Adorno,
fundador, juntamente com Marx Horkheimer da difusão do termo Indústria Cultural. Adorno e
Horkheimer. A dialética do esclarecimento, 1947.
12Parte, porque seria humanamen te impossível abordar todos os aspectos de um fenômeno tão
dinâmico e volátil domo é a ideologi a na História Contemporânea, o u ainda, no mundo pós -
moderno como classificam alguns pensadores como Foucault.
67

Referências Bibliográficas:

ADORNO, THEODOR E HORKHEIMER, MARX. A dialética do


esclarecimento,1947.
ARANTES, LELÉ. Dicionário Rio - Pretense, 2001.
BLOCH, MARC. Apologia da História. Publicado inicialmente
em 1949 por Lucien Febvre com o título: Apologie de L'histoire.
Publicado pela editora jorge Zahar, Rio de Janeiro - 2002. Pgs, 99 e 102.
BRACCI, CARLOS ALBERTO ARANTES. A História de um
povo fiel - 1857-1879 - caput, A capela no arraial de Rio Preto.
HALL, STUART. A identidade cultural na pós-modernidade.
Dp&A editora - 5. ed. - Rio de Janeiro, 2001.
PORTELLI, ALESANDRO. O massacre de Cicitella Val di Chiana
(Toscana, 29 de junho de 1944) : mito e política, luto e senso comum. In:
Ferreira, Marieta de Moraes e Amado, Janaína. Usos & abusos da
História Oral, pg. 103, ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.
68
RIBEIRO, DARCY. O processo civilizatório. Grandes Nomes do
Pensamento Brasileiro, 2000. Publicação da Folha de São Paulo, sedida
pela Cia das Letras. Pgs. 27 e 28.
TOURAINE, ALAIN. Como sair do Liberalismo? EDUSC, 1999.
Tradução de: Comment sortir du libéralime?
VALLE, DINORATH DO. A História de São José do Rio Preto,
1969, Biblioteca municipal de Rio Preto, pg - 14 e 18.
11. Bibliografia pesquisada:

CORRÊA, ARIOVALDO. Mirassol, Estruturas e Gravuras - História;


Publicação da Prefeitura Municipal de Mirassol, 1983
_____________ Homens e Coisas de Mirassol, 1960. Publicação
Oficial da Comissão Central Organizadora do Cinqüentenário de Mirassol.
_____________ Notas e Anedotas; Crônicas. Editora Soma Ltda. São
Paulo, 1979.
ARAÚJO, LOLA LAPA, Minhas Memórias de Neves Paulista , 1992.
Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas. História Pessoal.
BNOOKS, CLEANTH, E, WIMSATT, WILLIAM K. JR, Crítica
Literária. Lisboa 1971. ( Cap. XXIV - o Método Histórico: Uma
Retrospectiva.
BRANDI, AGOSTINHO. São José do Rio Preto - 1852 / 1894. Roteiro
Histórico do Distrito, Contribuição para o conhecimento de suas raízes; Ed.
Rio -Pretense: 2002.
CAFFAGNI, REINIDOLCH. Cultura Brasileira - Contos Urbanos -
Contos Regionalistas. Revista da Série: Arma Secreta n. IV. Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras de Votuporanga, 1972.
CARVALHO, ADELMO DE. Pirenópoles – coletânea – 1727-2000 –
História Turismo e Curiosodades.
ESTRÊLA, CANDIDO BRASIL, História de Bálsamo, I Parte (1920-
1955) e ESTRÊLA, DRÁUSIO MEDINA E D'OLIVEIRA, JESUALDO, II
Parte (1955-1970) - Edição de 1970.
GOMES, LEONARDO, Gente que ajudou a fazer Rio Preto.1975.
Editora Gráfica São José.
JAYME, JARBAS.Esboço Histórico de Pirenópoles, primeira edição
póstuma, 1971.
LEMOS, ALBERTO. História de Araraquara. Edição do Museu
Histórico e Pedagógico Voluntários da Pátria e Prefeitura municipal de
69
Araraquara: 1999. Isto é São Paulo! Edições Melhoramentos, I Edição. 99
Flagrantes da Capital Bandeirante. 1981.
VALLE, DINORATH DO. História do Município para Crianças. 1969,
Publicada pela Câmara Municipal em Homenagem ao 75 Aniversário do
Município.
70
Bibliografia específica:

15. Apêndice

Dados de Pesquisa:

No ano de 2003, quando lecionava a disciplina de História no


ensino fundamental, como professor e historiador, preocupei-me em
desenvolver uma coleta de dados quantitativos para posteriormente
fazer a análise qualitativa sobre a questão indígena na sala de aula,
com o apoio da coordenação escolar da instituição, para podermos
identificar qual era a situação da questão na Cooperativa de Ensino e
Cultura Albert Sabin ( COOPEC) da cidade de São José do Rio Preto no
Interior do Estado de São Paulo, entre os alunos do ensino
fundamental, nas sétimas séries e nas oitavas séries “a” e “b” com
alunos de uma faixa etária de 12 a 14 anos de idade aproximadamente.
Onde elaboramos uma série de 10 perguntas que foram aplicadas
inesperadamente aos alunos em um dia normal de aulas de História do
Brasil como determinava o planejamento escolar de ensino daquele
ano. O objetivo de identificar qual era a situação da questão indígena
71
na sala de aula foi despertado após sermos questionados pelas
lideranças indígenas do Posto Indígena do Icatu no Estado de São
Paulo, sobre o porquê da sua História (a indígena) não ser ensinada a
eles quando saiam para estudarem na cidade (referiam-se à cidade
paulista de Braúna), nas escolas dos brancos. Após este acontecimento,
nos preocupamos em saber como nossos alunos encaravam
determinadas questões e situações acerca as sociedade indígena de um
modo geral. E, é importante esclarecer que não nos preocupamos em
desenvolver uma pesquisa quantitativa com o rigor acadêmico de se
exigem nas universidades, e não foi o objetivo principal deste trabalho
identificar os indivíduos por categorias mais amplas como sexo, idade,
intelecção, classe social e condições econômicas. Mesmo assim,
concluímos que as informações obtidas são de grande relevância para
podermos entender a questão indígena sob a ótica da sociedade não
indígena entre os alunos.
A reação das salas e seus alunos sobre a atividade apresentou-se
muito receptiva, até mesmo com bastante euforia. Uma reação coletiva
clássica entre os alunos quando se apresenta uma proposta de ensino
diferente, distanciando-se da pedagogia conservadora das quatro
paredes e quadro negro. Observem abaixo os resultados obtidos
através da atividade proposta aos alunos e os índices identificados
sobre a temática proposta para estes jovens adolescentes de uma escola
cooperativa no centro urbano capitalista:
72

a) Quando perguntado se já tiveram algum contato com algum índio


as repostas foram:

70,0%
60,0%
50,0%
40,0% Sim
30,0% Não
20,0%
10,0%
0,0%
os
un
Al

b) Quando questionados se acreditavam que os indígenas são atrasados


em relação à vida das pessoas das cidades, obtivemos o seguinte resultado:

60%
50%
40%
Sim
30%
Não
20% Não sei
10%
0%
Alunos

b) Quando perguntamos de os índios conservavam a natureza as


repostas foram:
73

c) Perguntamos se os indígenas deveriam ser educados de acordo com a


nossa cultura as repostas entre os alunos foram:

90%
80%
70%
60%
Sim
50%
40% Não
30% Não sei
20%
10%
0%
Alunos

c) Perguntamos se o governo deveria deixar os índios se extinguirem,


as respostas foram:

90%
80%
70%
60%
50% Sim
40% Não
30% Não sei
20%
10%
0%
Alunos
74
d) Outra pergunta foi: o índio deixa de ser indo quando passa a viver
como o homem da cidade? Observe o gráfico:

60%

50% Sim

40% Não
30%
As vezes
20%
10% Não
responderam
0%
Alunos

e) Quando questionados: o índio tem capacidade de se desenvolver


como qual outro ser? Responderam:

90%
80%
70%
60% Sim
50% Não
40%
As vezes
30%
20% Não sei
10%
0%
Alunos

OBS: COMO O LEITO PODE OBSERVAR, ESTE MATERIAL ESTAVA


SENDO PREPARADO PARA PUBLICAÇÃO! (Jean Menezes)
Jean Paulo Pereira de Menezes

You might also like