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A DEMOCRACIA Hans Kelsen A ii Martins Fontes Vans Kelsen atingia, com a sun Teuriee Bune do Déein, o4pive do positvisma jutidico e representa ven ponte de zcfereneia obrigitério pura todas 2s teortas pastericres. A neettagdn do keiservanistw, hoje, came teoria de direito nto pareve plenamente compartithatls, Mites indieios, no coke, apomam pal un vivo inlereste pelureleiturs do Kelsen fildsofo da politica: paticrlarmenie 4s Kelsen tebrico -sigoreso e conseqtiente ~ da democracia politica, Revelande unt grune sensibilidide pelo problema da ceideiliaiio da democeacia com o ststetnia retubmicosocal fegentemenre considerade ineompativel com urat ‘ocganizacio polis de Gpa demeceatico. Para Keleett a demacrseia 1m penicesso que comporta variagdes entre wm miituy cum minima de Werle. Este process peomite a iauufeseyio de uma pieratiiice de valores que no sip abso. relutivos, ¢ tam na base a berdade politica Esta obra resine as reflexdes de Kelsen que Meseuvolven teoriamente 0 prontenn! dh Tihentade como problema cenal da democricia, Hans Kelsen nasceu eu: Praga, em 11 de ‘outubea We 1881, © momeu em Berkeley (TU, etn 19 de abel 6e 1973 Tecionow Direito Piblico ¢ Filosofia do Direito, Je 1911 a 1930, na Universidade de Viens, ¢ cpols Direko Ialemacional ¢ tilesofia a0 Diveiro em Cold. Deacon a slemanha com.o aivento do nacionaisocialismo, Yoi professor em Genebra, no [uslitut des ‘Maus Fudes Talemallonsles,¢ a semis os PUA, para onde se rrunsferia em 1940, ss Universidades de Harveed ¢ a Califécni. Suas obras esto senda publicaaas em pormgnes pela Maztins Fontes: Teorls Pura de Dineity, Teoria Gera do Direito e da Estado, O Problema as Justiga, O que &jussigae 4 Tussto da Fusing foagen davapa ter Maton Bron, Paha A DEMOCRACTA A DEMOCRACIA Hans Kelsen Traugio IVONE CASTILHO BENEDETTI JEFFERSON LUIZ CAMARGO MARCELO BRANDAO CIPOLLA, ‘VERA BARKOW Martins Fontes ‘S@o Pavio 2000 en ria ei ern Lon Mar Bane enema teint te Meio tata Lente sl Pe Prager i Ca, a tt i prc Todos x reir a ings porteens rez irae Martins Fonts Editor ide ur Const Ran 30.40 (1:28.090 So Pl SP aa Tel (11) 239-0077 Fas 18) 3105 0887 mui nfomarinitescom ‘psi mortnntes com indice Introduciio: Kelsen € a dovtrina pura do Direito .. PRIMEIRA PARTE ‘A DEMOCRACIA SEGUNDO KELSEN Esséncia e valor da democracia Preficio L.A liberdade IL. © povo IIL. O parlamento IV. A reforma do parlamento V. A representacao profisional VI. O principio da maioria VIL. A. administragio ... VIIL A escolha dos chefes osteo IX. Democracia formal e democracia social . X. Democracia e concep;o de vida 0 problema do partamentarismo ‘Fundamentos da democracia 1 Democracia ¢ filosofia ‘A Democracia como “governo do povo": um pi mento politico .rescsseseeeeessee ‘A doutrina soviética de democracia ‘Uma nova doutrina da representagao ...secseseeteee Absolutismo filoséfico e relativismo filosofico A iidéia de liberdade natural e social ‘A idéia metafisica de liberdade ... ‘A doutrina da demoeracia de Rousseau © principio do voto majoritirio ... 161 167 168, m 18 I um. © tipo demoeratico de personalidade principio de tolerancia r © cardter racionalista da democracia . problema da lideran Democracia ¢ paz .....- ‘A democracia e a teoria do Estado .. _ na histéria das idéias politicas como relativismo politico Jesus ea democracia .. Democracia e religido .. A democracia como problema da justiva . positivismo relativista responsavel pelo totalita- rismo .... A teologia da justiga de Emil Brunner .... ‘A douttina crista do direito natural Lierdade ¢igualdade segundo a teolosa protes- tante A concepgao de Reinhold Niebuhr. A religiao é a base necessaria da democracia .. eae relativismo religioso 7 A tolerancia com base religiosa .... A filosofia da democracia de Jacques Maritain - ‘A democracia e 0 Evangelho Democracia economia .. apitalismo e socialismo em relagdio a democracia A doutrina marxista de que a democracia s6 € pos- sivel sob um sistema econdmico socialista .. Capitalismo ¢ ideologia politica ....... Uma “redefinigio” da democracia A alegada incompatibilidade da democracia com 0 socialismo (economia planificada) A “regra de Direito”” Democracia ¢ liberdade econdmica Democracia como governo estabelecido mediante concorréncia see seeeensnee Capitalismo e tolerancia Propriedade individual e liberdade na doutrina do ito natural de John Locke A propriedade coletiva na doutrina do direivo natural 180, 182 185 188 191 192 195 201 203 205 205 207 21 215 220 229 233 238 244 248 253 253 254 256 258 265 268 274 279 281 283, 287 Propriedade individual e liberdade na filosofia de Hegel ..... . 290 Propriedade individual e liberdade na teologia de Emil Brunner ... oe 294 SEGUNDA PARTE OS PRESSUPOSTOS DA TEORIA DEMOCRATICA DE KELSEN O conceito de Estado ¢ a psicologia social, com especial referéncia a teoria de grupo de Freud ..... 301 Absolutismo ¢ relativismo na filosofia e na politica ... 345 359 Introdugao Kelsen e a doutrina pura do Direito £ opinito amplamente generalizada que a cultura politico- juridica do século XX no Ocidente (em primeiro lugar conti- nental, ¢ em segundo lugar de lingua inglesa) foi notavelmen- te influenciada pelo pensamento de Hans Kelsen: seja em sen- tido positive, com 0 chamado sucesso do kelsenismo; seja em sentido negativo, com as batalhas, muitas vezes cruzadas, con- tra 0 kelsenismo. Sucesso e insucesso parecem estar ligados so- bretudo a Reine Rechtslehre ¢ a sua evolugo. A Festschrift, publicada na Austria por ocasido do nonagésimo aniversario do nascimento de Kelsen, abre-se significativamente com um censaio que tem como titulo “Das Lebenswerk Hans Kelsens: Die Reine Rechtslehre”’!. Nao hé diivida de que no complexo multiforme da pro- dugdo kelseriana a doutrina pura do direito assinala da forma mais nitida ¢ originalidade do estudioso; ¢ é também verdade que, justamente devido a essa originalidade, 0 proprio Kelsen reivindicava o mais alto grau de cientificidade, o status de teoria rigorosamente descritiva ¢ avaliativa®. As teses da doutrina pura sao bem conhecidas, mas nao parece inoportuno apresentar aqui as que so verdadeiros pon- tos pacificos em toda a sua evolugdo, em suma, as que cons- tituiram pontos de referéncia obrigatérios tanto para as ade sdes quanto para as criticas. Antes de tudo, a identificagao do Estado com o direito (ou, se preferirmos, a dissolugao daque- le neste): em segundo lugar, a exclusio (ou, se preferirmos, ‘a expulsdo) ca nogdo de direito (c portanto de Estado) de qual- quer referencia a valores, em especial aos de justi¢a, por irra- A DEMOCRACIA cionais; a elaboracdo, enfim, de um modelo normativo geral (€ de submodelos) valido para todas (ou quase todas) as orde- nagdes juridicas, Colocacao entre parénteses de contetidos, seja como con- tetidos “nominais” desta ou daquela ordenacao, desta ou da- Quela norma, seja como comportamentos cfetivos correspon: dentes ou nao aos conteiidos “‘nominais” (mas nao 0 desco- hecimento de que outras disciplinas possam e devam tratar disso}; estudo, por conseguinte, das estruturas formais das or. denagdes; atitude de rigorosa avaliatividade (que isso venha a ser depois efetivamente realizado é outra questo), essas so as condigdes minimas necessdrias para elaborar uma teoria cien tifica do direito, tal qual a Reine Rechtslehre sempre se pro. OS ser. Foi exatamente em torno desses nticleos da doutrina pura do direito que se construiram 0 sucesso ¢ 0 insucesso do kelse- nnismo. Do sucesso — e nele incluo as corregdes e os ajusta~ ‘mentos com que uma doutrina se enriquece — de se falar aqui Em vez disso, vale a pena tentar uma explicacdo, neces- sariamente parcial, do insucesso, porque, se ao primeito nao faltou generosidade para com Kelsen, o segundo foi sumamente injusto. A Reine Rechislehre certamente foi a contribuigéo mais Original de Kelsen para a filosofia do direito em nosso século, >mas ndo representa o Kelsen integral, que foi, entre autras coi. sas, jurista, ou melhor, estudioso do direito positivo em seus contetidos (especialmente do direito constitucional e do dire. to internacional), praticante do direito em altissimo nivel e, voltando a um plano mais tedrico, também historiador do pen. samento politico-juridico, antropélogo-socidlogo e, finalmente, fil6sofo politico. Ora, se os estudos feitos por Kelsen em his. t6ria das idéias, em sociologia-antropologia e, especificamen. te, em direito podem (talvez) ser lidos em si, é minha firme opinido que o Kelsen tedrico nao pode ser lido independente mente do Kelsen filésofo politico. Quanto a Reine Rechtslehre, realmente, todas as ordena- Ges so pouco definidas, com exceeao das diferencas estrutu- rais: o Sacro Império Romano, uma monarquia constitucio 3 inrRoDUCAO nal, um Estado fascista, um Estado socialista ndo so nem mais nem menos ordenagdes juridicas do que os Estados democr’- ticos. As liberdades negativas podem ser reconhecidas até mes- mo num sistema autocratico, assim como podem ser mais ou mene fortementeiitadas num sistema democrtio, Da mes ira, a li itica (ow r de gover- ma maneira, a liberdade politica (ou seja, © poder nar) pode ser mais ou menos estendida: a todos, a muitos, a oucos, em iltima instancia a um s6 pow produsdo das normas pode ser centralizada ou descen- tralizada, ¢ em ambos os cass em diferentes medidas. Nao €, portanto, tudo isso que subtrai ou acrescenta qual- quer coisa a juridicidade de uma ordenagao, que € tal por ra- zGes bem diferentes. - Ora, todas essas teses, € mais outras que poderiam ser enu- meradas,tese proprias da teoriageral do direito, também va- vara o Kelsen fildsofo da politica? ve om divide ev fa que io, elamentvel consatar que muitas vezes as teses da Reine Rechislehre foram lidas, sobre- tudo pelos detratores, como teses de filosofia politica, com to- das as instrumentalizagdes e os equivocos que disso podiam derivar. ; Uma leitura feita assim nao poderia deixar de qualificar aquela filosofia politica (se realmente fosse ilosofia politica), 10 melhor dos casos, como agnéstica eno por, como cinics entalizagao da mesma podia ava- analogamente, uma instrumentalizacao lzar um Estado burgués captalista, um Estado fascist, ou um Estado socialista. O que, para uma “‘teoria pura’, ¢ fra camente um pouco demasiado. As primeiras divulgacoes de Kelsen na Italia Entrtanto, no se pode der que a cultura italiana, mes- mo a que s6 Ié tradugdes, carecesse de instrumentos para um: Comparasio entre o Kelsen tebrico do distoe Kelsen i sofo politico. Os primeiras textos — salvo o primeirissimo, de- dicado a um tema especitico da teoria geral, ou seja, a distin- ‘edo entre direito puiblico e direito privado* — apareceram (o- dos naquela estranha (uso 0 adjetivo no bom sentido) revista

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