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Licenciatura em Enfermagem

3º Ano – 1º Semestre

Orientado por:
Dra. Celeste Duque

Trabalho elaborado por:


Ana Isabel Bruno, nº 28799
Gina Pereira, nº 28808
Mara Rochato, nº 28815
Sandra Forra da Silva, nº 28821
Vera Andrade, nº 29145

FARO, Out. 2006


Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Abreviaturas
Etc. – et cœtera (e o resto)

Pag. – Página

Prof.ª – Professora

Siglas
OMS – Organização Mundial de Saúde

IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social

AEAPE – Associação de Educação e Apoio na Esquizofrenia

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

“As pessoas não compreendem que isso é uma doença. Dizem:


“não consegues simplesmente disciplinar teu pensamento” Mas
ninguém consegue disciplinar um vírus, um cancro ou uma perna
partida.”

Dean Kernohan, doente com esquizofrenia

“ Eu, sem os medicamentos, nunca passava da cepa torta…


Porque era eu a lutar contra eu!”

Ana Cristina, doente com esquizofrenia

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Índice

I – Introdução .................................................................................................................4

II – Conhecer a esquizofrenia...........................................................................................5

1. Aspectos históricos...................................................................................................5

2. Aspectos epidemiológicos ........................................................................................7

3. Teorias etiológicas da esquizofrenia .........................................................................7

3.1 – Teoria Genética ................................................................................................8

3.2 – Teoria Neurobiológica......................................................................................8

3.3 – Teoria Viral.......................................................................................................9

3.4 – Teoria associada ao neurodesenvolvimento......................................................9

3.5 – Teoria familiar ...............................................................................................10

3.6 – Teoria psicanalítica.........................................................................................10

4. História natural da doença.......................................................................................10

5. Sintomatologia e diagnóstico ..................................................................................12

6. Tratamento...............................................................................................................16

6.1 – Tratamento Farmacológico ............................................................................16

6.1.1. Efeitos secundários dos neurolépticos.......................................................17

Neurodislépticos: correspondem a uma rigidez muscular (distonia aguda),


principalmente ao nível dos músculos do pescoço, membros superiores e músculos
oculares. O seu aparecimento encontra-se associado a doses mais elevadas e aos
neurolépticos de maior potência. Estes efeitos secundários são habitualmente reversíveis
com utilização de um outro grupo de medicamentos designado por antiparkinsónicos,
como, por exemplo, o biperideno (Akineton®) ou o tri-hexifenidilo (Artane®)............18

Parkinsonismo secundário: ............................................................................................18

Tremor das mãos, ...........................................................................................................18

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Outras alterações do movimento....................................................................................18

Inexpressividade facial...................................................................................................18

Aumento de peso............................................................................................................18

Alterações hormonais.....................................................................................................18

Galactorreia (produção de leite através das glândulas mamárias)..................................18

Alterações menstruais.....................................................................................................18

Disfunção sexual.............................................................................................................18

Diminuição da libido......................................................................................................18

Impotência......................................................................................................................18

Anticolinérgicos..............................................................................................................18

Obstipação......................................................................................................................18

Visão desfocada..............................................................................................................18

Boca seca........................................................................................................................18

Dificuldade em urinar.....................................................................................................18

Sedação ou sonolência....................................................................................................18

Sialorreia – Aumento da produção de saliva..................................................................18

Acatisia: esta situação manifesta-se pela incapacidade de o doente estar quieto no


mesmo sítio, tendo uma necessidade imperiosa de permanecer em constante
movimento. Por vezes é confundida com ansiedade ou agitação psicomotora. Perante
este efeito secundário deverá ser feita a substituição do neuroléptico prescrito,
associando por exemplo ainda uma benzodiazepina (ansiolítico), havendo contudo
alguns casos de difícil tratamento....................................................................................18

Síndrome maligna dos neurolépticos: é uma situação bastante rara, mas de grande
gravidade. Os sintomas instalam-se habitualmente ao fim de dez dias de terapêutica com
neurolépticos e os principais sinais clínicos são: hipertermia, rigidez muscular, alteração
do estado de consciência, taquicardia, hipo ou hipertensão arterial, diaforese ou
sialorreia, tremor e incontinência dos esfíncteres. É uma situação de urgência médica e
deve ser tratada em ambiente hospitalar, de modo a reduzir as eventuais complicações
graves dela decorrentes. ..................................................................................................18

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Discinesia tardia: trata-se de um efeito secundário com aparecimento tardio, geralmente


ao fim de alguns anos de medicação neuroléptica. Surge com maior frequência em
indivíduos do sexo feminino, verificando-se ainda a presença de um factor de uma
sensibilidade individual. Caracteriza-se pelo aparecimento de movimentos involuntários
e repetidos, envolvendo com maior frequência os músculos da boca, face e língua. Este
efeito secundário tem características crónicas e é de difícil tratamento..........................18

6.2 – A electroconvulsivoterapia.............................................................................19

6.3 – Psicoterapia.....................................................................................................20

6.4 – Psicoeducação.................................................................................................21

Melhorar o autoconhecimento face à doença;................................................................21

Melhorar a adesão à terapêutica;....................................................................................21

Diminuir o risco de recaída;...........................................................................................21

Detectar e intervir precocemente nas recaídas;..............................................................21

Adoptar estratégias concretas durante a crise psicótica..................................................21

Aspectos diagnósticos;....................................................................................................21

Prevalência da doença;...................................................................................................22

Etiologia;........................................................................................................................22

Evolução;........................................................................................................................22

Terapêutica;.....................................................................................................................22

Factores de stress;...........................................................................................................22

Recursos comunitários;...................................................................................................22

Abuso de substâncias; ....................................................................................................22

Aspectos legais;..............................................................................................................22

Sinais de recaída.............................................................................................................22

6.5 – O internamento...............................................................................................22

Dificuldade de diagnóstico diferencial e necessidade de realizar exames


complementares de diagnóstico;......................................................................................22

Controlo de efeitos secundários mais graves, como a acatisia ou a síndrome maligna


dos neurolépticos;............................................................................................................22

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Resistência à terapêutica;................................................................................................22

Com o objectivo de retirar o doente de um ambiente sociofamiliar conflituoso para um


ambiente terapêutico;.......................................................................................................22

Necessidade de realização de tratamentos especiais;.....................................................22

Risco de suicídio ou presença de comportamentos violentos e agressivos;...................22

Perante um surto psicótico em que ocorra recusa da terapêutica ou não exista um apoio
familiar adequado............................................................................................................22

7. Características associadas ao sexo ..........................................................................22

7.1 – As mulheres e a esquizofrenia........................................................................23

7.1.1. Gravidez e esquizofrenia...........................................................................23

7.1.2. Maternidade e esquizofrenia .....................................................................25

8. Parentalidade e esquizofrenia .................................................................................26

Fronteiras: quando se cresce com pais que invadem todos os aspectos da suas vidas de
maneira imprevisível e por vezes perigosa, não se consegue aprender quando dizer não
ou quando deixar de depender dos outros, etc. ...............................................................27

Problemas de lealdade: algumas vezes, especialmente, quando os pais são paranóicos,


a criança é colocada repetidamente numa situação onde precisa de provar que eles não
fazem parte dos vilões. Este é parte dos problemas de fronteiras – é um problema
complexo, tentar manter a sua sanidade enquanto tentam bloquear uma pessoa insana
sendo uma criança...........................................................................................................27

Aptidões sociais: quando chegam à idade adulta os filhos de pais esquizofrénicos têm
dificuldade em saber a quem e como se abrirem com outras pessoas, ou como confiar
nos próprios instintos e em geral como lidar com pessoas “normais” pois eles foram
isolados do resto do mundo tanto físico como psicológico devido aos pais...................27

Actividades de vida: os pais esquizofrénicos, apresentam dificuldades em ensinar os


filhos a realizar as suas actividades de vida, o que vai fazer com que muitas vezes, estes
mesmos filhos não sejam capazes de cuidar de uma casa e de se tornarem independentes
futuramente tão facilmente como os filhos de pais sem doença mental..........................27

Lidar com a raiva, depressão e stress: as crianças de pais esquizofrénicos têm muita
tendência para a depressão sendo que muitos têm terapeutas pessoais, estão envolvidos
em grupos de aconselhamento e suporte, ou tomam medicação para distúrbios de
depressão, ansiedade e comportamento...........................................................................27

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Lidar com a culpa: estas crianças são especialmente susceptíveis a sentir muita culpa
acerca de tudo, sendo que muitos passam por uma fase de se culparem a eles próprios
pela doença dos pais. Quase todos sentem-se angustiados por não fazer o suficiente (ou
por fazer demais) pelo progenitor, outros irmãos, ou pelo resto da família. ..................28

Medo: as crianças revelam medo de ficar doentes como o progenitor, mudando o


trajecto de vida de muitas crianças. Os filhos de pais esquizofrénicos acabam por ter
filhos tarde por medo de transmitir a doença aos filhos; casar-se tarde porque não
querem ter filhos ou porque não querem magoar alguém especial por se tornarem
doentes mentais no futuro. ..............................................................................................28

Problemas em assumirem compromissos: muitos evitam compromissos, ou tornam-se


envolvidos em compromissos abusivos ou demasiado exigentes...................................28

Perdão: é normalmente confundido com aceitação. Aceitar a doença mental de um


progenitor é um passo importante para a auto-cura e recuperação..................................28

9. O papel do doente, da familia e dos enfermeiros na esquizofrenia.........................29

Permanecer fiéis ao tratamento;.....................................................................................29

Ter cuidado em conservar um ritmo de sono e vigília correcto, com as necessárias horas
de sono;............................................................................................................................29

Evitar o stress;................................................................................................................29

Ter um quotidiano como o das outras pessoas;..............................................................29

Evitar o consumo de drogas;..........................................................................................29

Ter uma vida organizada;................................................................................................29

Fixar um programa de actividades para cada dia;..........................................................29

Permanecer em contacto com outras pessoas;................................................................29

Manter o contacto com o psiquiatra e equipa de saúde mental;.....................................29

Praticar desporto pelo menos uma vez por semana........................................................29

10. Estruturas de apoio comunitário............................................................................32

10.1 – Hospitais de dia e área de dia.......................................................................32

10.2 – Residências terapêuticas...............................................................................32

10.3 – Fórum sócio-ocupacional.............................................................................33

10.4 – Treino de aptidões sociais.............................................................................33

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10.5 – Associação de educação e apoio na esquizofrenia .......................................34

Intervir, a todos os níveis na defesa dos direitos, legítimos interesses e qualidade de


vida das famílias como prestadores informais de cuidados;............................................34

Sensibilizar as instâncias oficiais competentes no sentido do reconhecimento do papel


das famílias como prestadoras informais de cuidados;...................................................34

Proporcionar informação científica e pedagógica para a promoção da saúde, a luta


contra a doença, a prevenção de recaídas, a reabilitação psicossocial e a inserção social
dos doentes;.....................................................................................................................34

Promover acções de investigação, informação e formação, com destaque para o


combate ao estigma e exclusão social e a abertura a uma cultura de cidadania, co-
responsabilidade e solidariedade;....................................................................................34

Colaborar com instâncias oficiais centrais e locais e cooperar com instituições


nacionais e estrangeiras que prossigam fins similares;...................................................34

Promover a publicação de documentação especializada no âmbito da associação........34

III – Testemunho real......................................................................................................34

IV – Conclusão...............................................................................................................36

V – Bibliografia .............................................................................................................38

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I – INTRODUÇÃO
A esquizofrenia é uma das doenças menos compreendidas. Para que possamos
compreender realmente esta doença devastadora, é da maior importância desfazer os
mitos que a envolvem.

Ao contrário das ideias vulgarizadas, a esquizofrenia não é personalidade dividida, nem


uma personalidade múltipla. A grande maioria das pessoas que sofrem de esquizofrenia
não são violentas nem representam, como se julga, um perigo para os outros. A
esquizofrenia não tem origem em experiências da infância, em pais descuidados ou na
falta de força de vontade e os sintomas não são idênticos em todos os doentes. De forma
muito abreviada, a esquizofrenia é uma doença da fisiologia do cérebro, que prejudica
seriamente a capacidade de pensar de modo ordenado e de estabelecer relações humanas
normais. Alguns doentes com esquizofrenia têm grandes dificuldades em fazer a
distinção entre o real e o imaginário e de um modo geral são indivíduos que se isolam e
se tornam apáticos.

A doença é comum em todo o mundo. Afectando cerca de 1% da população adulta e


atinge as pessoas sem distinções culturais, económicas ou sociais. Na maioria dos
doentes a doença inicia-se entre os 13 e 25 anos de idade, quando o corpo está sobre a
influência de grandes alterações hormonais e físicas. Visto que esta doença manifesta-se
em idade reprodutiva, muitos destes doentes vêm a ser pais, dai o tema do nosso
trabalho: “Parentalidade e Esquizofrenia”. Este tema despertou-nos a curiosidade e
quisemos saber mais sobre o modelo através do qual irão estes pais educar os filhos e
em que medida o ambiente familiar irá influenciar na construção da sua personalidade.

O presente trabalho foi elaborado com o objectivo de aumentar os nossos


conhecimentos sobre o esquizofrénico enquanto pai/mãe. Perceber a evolução histórica
da doença, quais os sinais e sintomas desta; descobrir o impacto que esta doença tem na
sociedade e a forma como influencia o indivíduo portador; conhecer as suas causas
predisponentes, os possíveis diagnósticos e tratamento existentes, a importância das
intervenções psicossociais e familiares na reabilitação do doente, bem como
compreender o papel do enfermeiro nesta situação.

Na realização deste trabalho recorremos a pesquisas bibliográficas que se efectuaram na


biblioteca municipal de Portimão, de Faro, da ESSaF, nas nossas bibliotecas pessoais e
Internet.

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II – CONHECER A ESQUIZOFRENIA

1. ASPECTOS HISTÓRICOS
As perturbações psicóticas, particularmente a esquizofrenia, encontram-se presentes em
todas as culturas.

As primeiras referências a esta patologia remontam às sociedades egípcias. De acordo


com o “Livro Egípcio dos Corações” dos papiros de Ebers (2000 A.C.), os sintomas
psicóticos eram considerados como provenientes do coração e do útero, associados aos
vasos sanguíneos, materiais fecais e purulentos, venenos e demónios.

Em 1400A.C. a civilização Hindu, nos seus principais textos do hinduísmo, considerava


a saúde como um equilíbrio estável de cinco elementos (Buthas) e três humores
(Dosas), referindo que o seu desequilíbrio levaria à loucura.

Em 1000 A.C. os chineses, no seu livro “O Clássico da Medicina Interna do Imperador


Amarelo”, descreveram os sintomas da insanidade, da demência e das convulsões.
Nestes textos a possessão demoníaca e sobrenatural era frequentemente implicada na
origem dos sintomas psicóticos.

Apesar destas “teorias de influência demoníaca” prevalecerem, em parte, na cultura


grega, as teorias racionalistas começaram a surgir.

Nos séculos V e VI A.C., Platão desenvolveu uma moderna concepção integrativa da


relação entre a mente e o corpo. Platão propôs também a noção de inconsciente e a
existência de processos mentais biológicos, sugerindo que todos os indivíduos teriam
capacidade para o pensamento irracional. Por outro lado, Platão referiu que quando a
alma, que é racional e ligeira na sua orientação, está a dormir e quando a parte que é
selvagem e rude, tendo satisfeitas a sua fome e sede, se solta afasta o sono e procura
consumar as suas práticas. Mais tarde, Freud apoiou-se nas especulações de Platão para
desenvolver as suas teorias do papel dos processos mentais e inconscientes da génese da
doença mental.

Hipócrates, o médico grego considerado como pai da medicina moderna, construiu o


seu saber sobre a tradição grega das explicações racionais e empíricas da natureza e do
comportamento. Rejeitou as ideias de possessão demoníaca na génese das doenças
psicóticas, sugerindo que doenças como a epilepsia, a “confusão” e a loucura teriam
uma origem exclusivamente cerebral.

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As classificações mais sistematizadas e precisas das perturbações mentais começaram a


surgir durante os séculos I e II A.C.

São Tomás de Aquino (1225-1274) abordou este tema, considerando a doença mental
como um estado em que o homem perdia a razão, ficando fora de si (Amens), delirante,
violento e inacessível a uma relação humana (furiosus). Ficava, desta forma, reduzido a
um estado animal, perdendo a alma espiritual, sede da razão, a qual possibilitava
desligar-se do material e chegar ao conhecimento de Deus.

A primeira descrição da esquizofrenia, enquanto doença do sistema nervoso, surge em


1674 sendo o médico Thomas Willis, responsável pela descrição anatómica do polígono
vascular de Willis na base do cérebro. Este, descreve uma doença observada em
adolescentes e adultos jovens, a qual transformava crianças “inteligentes, animadas e
positivas” em adolescentes “obtusos”. Desde esta data passam-se cerca de 150 anos até
surgirem os primeiros escritos descritivos dos médicos franceses Jean Esquirol e
Philippe Pinel.

Um contributo importante foi dado por Hecker em 1871, descrevendo um quadro


clínico caracterizado por uma deterioração mental e comportamentos regressivos, que
surgiram em indivíduos jovens e que denominou de hebefrenia. Cerca de três anos mais
tarde, Kahlbaum acrescenta uma outra forma clínica designada por catatonia, onde
predominavam as perturbações motoras e do comportamento. Na sexta edição do
Tratado de Psiquiatria (1893) foi acrescentado mais uma nova forma clínica desta
“demência precoce” – a paranóide.

No século XX o psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1911) introduziu a designação de


esquizofrenia. A palavra esquizofrenia deriva do grego e etiologicamente corresponde a
schizein, fenda ou cisão, e phrenós, que significa pensamento.

Os limites da esquizofrenia nem sempre foram claros e consensuais. Vários autores


criaram uma ruptura com a concepção dicotómica da psicose clássica kraepeliana
(demência precoce/ psicose maníaco-depressiva). Kasanin, em 1933, descreveu um
quadro clínico em que ocorrem simultaneamente sintomas típicos da esquizofrenia e
sintomas da linha afectiva. Segundo este autor esta seria uma forma atípica de
esquizofrenia a qual acabou por designar como esquizo-afectiva.

Quando falamos de esquizofrenia não podemos ignorar o movimento “anti psiquiatria”


que ficou associado a esta doença. Este movimento consistia no encerramento de
grandes hospitais psiquiátricos que proliferavam naquela época por todo o mundo, os
quais eram considerados por diverso autores “como verdadeiras prisões de indivíduos”.
Os principais aspectos teóricos deste movimento baseavam-se na negação da existência
da doença mental, incluindo a própria esquizofrenia. A esquizofrenia era considerada

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como um estilo de vida e não como uma doença mental. Deste modo, existia uma
dicotomia entre os doentes mentais, que eram oprimidos por um sistema totalitário, e os
opressores, que tinham como agentes os psiquiatras.

Para este movimento a doença mental não tem uma natureza biológica mas sim social,
política e legal. O doente mental é assim rotulado pela sociedade, só pelo facto de
quebrar as regras por ela imposta. O movimento “anti psiquiatria” acabou por perder
significado no final dos anos 1970, tendo contribuído para este declínio o encerramento
dos grandes hospitais psiquiátricos e o aparecimento de outras correntes de psiquiatria
mais voltadas para uma intervenção comunitária e de reabilitação, privilegiando a
reinserção socioprofissional dos doentes psiquiátricos e a sua permanência junto da
comunidade.

2. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
A esquizofrenia é uma das doenças mentais mais graves e mais importantes. Encontra-
se identificada praticamente em todo o mundo, atingindo todas as classes sociais e
raças. Em estudos epidemiológicos realizados em países industrializados observou-se
um maior número de casos em populações rurais e nas classes sociais mais
desenvolvidas.

A prevalência da esquizofrenia estima-se habitualmente entre 0,2% e 1% dos indivíduos


da população geral em todo o mundo, mas os valores observados podem variar de
acordo com os critérios de diagnostico utilizados e as populações estudadas.

Sendo distribuída de forma igual pelos dois sexos, manifesta-se habitualmente na parte
final da adolescência ou no início da vida adulta. O seu aparecimento para os indivíduos
do sexo masculino ocorre entre os 15 e os 25 anos de idade, no caso do sexo feminino a
doença ocorre com maior frequência um pouco mais tarde, entre os 25 e 30 anos de
idade.

Contudo, estudos mais fiáveis em patologias de baixa incidência na população como a


esquizofrenia têm encontrado taxas entre 0,15 e 0,42 para a população masculina entre
os 15 e os 59 anos e entre 0,12 e 0,49 para as mulheres, baixando para valores da ordem
de 0,08 e 0,17 quando se tem em conta todos os grupos etários. (OMS).

3. TEORIAS ETIOLÓGICAS DA ESQUIZOFRENIA


A explicação monofactorial de uma doença tão complexa quanto a esquizofrenia, que se
procurou durante tantos anos, apresenta muitas insuficiências e aspectos redutores. Os
estudos clínicos transversais e a sua observação longitudinal de seguimento realçam a
inevitabilidade, como em quase toda a patologia mental, da importância explicativa

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multifactorial. Esta ruptura com a concepção tradicional da etiopatogenia da doença


propõe o conceito de vulnerabilidade biológica, psicológica e social, agindo de forma
diversa e complexa e que, quando sujeitas a factores de stress de origem biológica ou
ambiental, desencadeiam a doença. Concorrendo entre si, estes múltiplos factores
etiológicos deverão ser entendidos como complementares, pois a sua importância
individual é muito reduzida. Um número crescente de modelos de investigação tem
contribuído para uma melhor compreensão da etiopatogenia da doença, com óbvias
implicações clínicas, terapêuticas e preventivas.

3.1 – TEORIA GENÉTICA


Para além dos factores psicossociais, existe uma componente genética na origem da
doença. Foram envolvidos no estudo genético da esquizofrenia vários cromossomas,
entre os quais os 5, 6, 8, 10, 13, e 22.

Apesar das investigações, o modo de transmissão da doença ainda é desconhecido, uma


vez que está posta de parte uma transmissão do tipo mendeliano (transmissão do tipo
recessivo ou dominante). Parecem então existir vários genes envolvidos e que, em
conjunto com os factores ambientais, contribuem para o aparecimento da doença.
Apresenta-se assim, um caso de transmissão hereditária complexa e com características
multifactoriais.

Sabe-se que a probabilidade de um indivíduo vir a sofrer de esquizofrenia aumenta se


houver um caso desta doença na família. No caso de um dos pais sofrer de
esquizofrenia, a prevalência da doença nos descendentes directos é de 12%. Na situação
em que ambos os pais se encontram atingidos pela doença, esse valor sobe para 40%.
No entanto, mesmo que não haja qualquer familiar afectado, isso não significa que não
venha a existir um elemento da família com esquizofrenia. Sabemos ainda que cerca de
81% dos doentes com esquizofrenia não têm qualquer familiar em primeiro grau
atingido pela doença e cerca de 61% não têm sequer um familiar afectado.

Apesar dos factores genéticos desempenharem um papel importante na etiologia da


doença não são por si só decisivos

3.2 – TEORIA NEUROBIOLÓGICA


As teorias neurobiológicas defendem que a esquizofrenia é essencialmente causada por
alterações bioquímicas e estruturais do cérebro, em especial com a disfunção
dopaminérgica, embora alterações noutros neurotransmissores estejam também
envolvidas. A maioria dos neurolépticos (antipsicóticos) actua precisamente nos
receptores da dopamina no cérebro, reduzindo a produção endógena deste
neurotransmissor. Exactamente por isso, alguns sintomas característicos da

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esquizofrenia podem ser desencadeados por fármacos que aumentam a actividade


dopaminérgica (ex.: anfetaminas). Esta teoria é parcialmente comprovada pelo facto de
a maioria dos fármacos, utilizados no tratamento da esquizofrenia (neurolépticos),
actuarem através do bloqueio dos receptores.

3.3 – TEORIA VIRAL


A possibilidade do envolvimento de um vírus, neste caso um vírus da gripe, na etiologia
da esquizofrenia foi levantado na sequência de um aumento do número de casos de
esquizofrenia em indivíduos cujas mães estiveram sujeitas à infecção por este vírus.

Segundo esta teoria os indivíduos sujeitos a uma gripe materna teriam um risco
aumentado de virem a sofrer de esquizofrenia. Contudo os estudos realizados não
permitiram confirmar uma relação directa entre a infecção viral e a esquizofrenia.

Os retrovírus também foram envolvidos na origem da esquizofrenia. A sua influência


seria feita através da incorporação do genoma e da alteração da expressão dos genes do
hospedeiro. Há autores que defendem que estes retrovírus, nalguns casos, provocariam
alterações neuroquímicas (esquizofrenia tipo I), enquanto noutros dariam origem a uma
encefalite produzindo uma degeneração neuronal e alterações estruturais (esquizofrenia
tipo II).

3.4 – TEORIA ASSOCIADA AO NEURODESENVOLVIMENTO


A hipótese neurodesenvolvimentista baseia-se na possibilidade de a doença ter origem
numa perturbação do desenvolvimento ou maturação do cérebro no período perinatal.

Após ter ocorrido esta anomalia no neurodesenvovimento cerebral, existiria um período


de latência entre a constituição das lesões cerebrais e o aparecimento da esquizofrenia.
Deste modo as lesões surgiriam precocemente mas a doença só se manifestaria mais
tarde, neste caso no final da adolescência ou no início da vida adulta.

Durante o segundo trimestre da gravidez, ocorrem uma série de eventos importantes no


desenvolvimento cerebral, nomeadamente a migração celular para o neocórtex dos
neurónios jovens. Ocorrendo nesta fase um importante crescimento cerebral.

Esta hipótese assenta na possibilidade de surgir, nesta fase do desenvolvimento, uma


perturbação da migração neuronal resultante de factores genéticos ou ambientais.

Ainda segundo esta teoria, as complicações obstétricas poderiam constituir um factor de


risco no aparecimento da esquizofrenia. Os principais factores de risco envolvidos
foram a prematuridade, o baixo peso à nascença, a utilização de fórceps à nascença e
outras complicações causadoras de hipoxia.

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3.5 – TEORIA FAMILIAR


As teorias familiares, surgidas na década de 50 do século XX, apesar de terem bastante
interesse histórico, são as que menos fundamento científico têm. Baseando-se umas no
tipo de comunicação entre os vários elementos da família e aparecendo outras mais
ligadas às estruturas familiares.

As primeiras abordagens teóricas sobre o envolvimento da família na origem da


esquizofrenia foram centralizadas na relação mãe/filho, uma vez que este elemento era
considerado o mais importante no processo da socialização da criança. As várias
observações clínicas dessa relação acabaram por revelar a existência de um número
elevado de casos em que as mães dos doentes com esquizofrenia tinham em comum o
facto de serem super protectoras e dominadoras relativamente aos seus filhos. Com esta
atitude, estas mães acabariam por impossibilitar um desenvolvimento adequado do ego
da criança numa perspectiva do desenvolvimento inspirada nas ideias psicanalíticas de
Freud. Foi assim que surgiu o conceito de “mãe esquizofrénica”, sugerido pelo
psicanalista Fromm-Reichmann em 1948.

3.6 – TEORIA PSICANALÍTICA


As teorias psicanalíticas ou de relação precoce têm como base a teoria freudiana da
psicanálise, e remetem para a fase oral do desenvolvimento psicológico. Nesta a
ausência de gratificação verbal ou da relação inicial entre mãe e bebé conduz
igualmente a personalidades “frias” ou desinteressadas (ou indiferentes) no
estabelecimento das relações. A ausência de relações interpessoais satisfatórias estaria
assim na origem da esquizofrenia.

Apesar de existirem todas estas hipóteses para a explicação da origem da esquizofrenia,


nenhuma delas individualmente consegue dar uma resposta satisfatória às muitas
dúvidas que existem em torno das causas da doença, reforçando assim a ideia de uma
provável etiologia multifactorial.

4. HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA


A esquizofrenia inicia-se normalmente na fase final da adolescência ou no início da
idade adulta, como foi referido anteriormente. O início pode ser súbito e a doença
manifestar-se rapidamente, evoluindo em escassos dias ou semanas, ou por outro lado,
apresentar-se de forma mais lenta, demorando vários meses ou até anos para que seja
possível ser feito o diagnóstico, passando despercebida aos pais, familiares e amigos.

O aparecimento tardio, embora raro, observa-se num maior número de casos no sexo
feminino. Este facto foi associado com o efeito antidopaminérgico dos estrogénios

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(hormonas sexuais femininas) que funcionam como um factor protector relativamente


ao aparecimento da doença.

Estima-se que cerca de um terço dos casos apresentam uma forma de início lenta,
enquanto que os restantes dois terços surgem de forma aguda.

No caso da evolução lenta da esquizofrenia, o diagnóstico precoce é bastante difícil,


uma vez que o isolamento, a quebra de rendimentos escolares e as alterações de
comportamento que estes doentes por vezes apresentam, são, na maior parte dos casos,
atribuídos às crises da adolescência, sendo por esse motivo frequentemente
desvalorizados.

A observação de uma sintomatologia psiquiátrica durante a infância e a adolescência de


alguns pacientes esquizofrénicos milita a favor de um início muito precoce da doença,
muitos anos antes da descompensação clínica que aparece habitualmente no adulto
jovem.

Spoerry (1964) em estudos verifica que um terço dos indivíduos que se tornam
esquizofrénicos, tem dificuldades antes dos cinco anos de idade, incluindo acidentes
perinatais, atraso da marcha, dificuldades alimentares, perturbações da linguagem e
perturbações do comportamento. Dos seis anos à puberdade, o trabalho escolar é
medíocre, em dois terços dos futuros doentes, com perturbações da linguagem,
perturbações psicomotoras, dificuldades de socialização, atraso do desenvolvimento
afectivo e ideias bizarras. Todas estas perturbações acentuam-se no momento da
puberdade, com dificuldades de inserção, conflitos familiares ou sociais e insucessos na
aprendizagem.

Para além destas alterações do comportamento, o adolescente sente-se muitas vezes


perplexo, desconcentrado, sentindo dificuldade em descrever aquilo que se está a passar.

As vivências somáticas podem assumir características pouco familiares e o próprio


corpo é percebido com alguma confusão. Com alguma frequência o jovem ou
adolescente, passa longos períodos de tempo em frente ao espelho a observar o seu
corpo revelando a presença de alterações do seu esquema corporal que podem surgir
associadas à vivência psicótica. Isto não acontece só ao nível do corpo, mas também na
consciência de si próprio, apresentando neste caso sentimentos de despersonalização. O
indivíduo responde a estas experiências disruptivas através de uma série de mecanismos
de defesa que passam pela negação e isolamento.

Um terço dos futuros doentes são considerados pelos seus professores como
desagradáveis, anti-sociais, tristes, afectivamente inadaptados, emotivos, negativistas,
egocêntricos e não terminam as tarefas iniciadas.

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McGlashan (1984,1986) refere que no início de um seguimento de 15 anos desta


doença, 41% dos pacientes são considerados incapazes de cuidarem de si próprios, 23%
são considerados marginais e 14% apresentam uma forma ligeira da doença. No entanto,
segundo Miller e Cohen (1987), é necessário assinalar que, mesmo ao fim de muitos
anos, as melhoras continuam sempre a ser possíveis.

Apesar de a mortalidade do conjunto dos pacientes psiquiátricos hospitalizados ter caído


significativamente, a mortalidade relativa dos esquizofrénicos manteve-se sem
mudanças e continua a ser cerca de duas vezes mais elevada do que a da população
geral.

5. SINTOMATOLOGIA E DIAGNÓSTICO
A esquizofrenia apresenta um conjunto de sintomas bastante diversificado e complexo,
sendo por vezes de difícil compreensibilidade. Estes sintomas envolvem aspectos
ligados ao pensamento, à percepção, ao rendimento cognitivo, à afectividade, a défices
interpessoais e a uma perda de contacto com a realidade.

Ao longo da história, foram feitas várias descrições dos sintomas da doença. Foram
muitos os que deram o seu contributo. Bleuler distinguiu dois tipos de sintomas
presentes nos vários quadros clínicos da doença. Os sintomas primários ou
fundamentais (ambivalência, autismo, perturbações afectivas e perturbações na
associação de ideias) que se observam em qualquer momento da evolução da doença e
os sintomas secundários ou acessórios que só se revelam em certos períodos da
esquizofrenia.

Por outro lado, Kurt Schneider (1954) tentou dar um carácter predominante clínico e
objectivo na descrição da sintomatologia dividindo-a em: sintomas de primeira ordem e
sintomas de segunda ordem. Nos sintomas de primeira ordem Kurt frisa percepções
delirantes, pensamentos audíveis, alucinações auditivo-verbais com comentários de
vozes, eco do pensamento, alucinações somáticas, sentimentos e impulsos como
provocados ou influenciados por um agente externo. Nos sintomas de segunda ordem
estão incluídas alterações da percepção, ideias delirantes repentinas ou súbitas,
perplexidade, alterações do humor depressivas ou eufóricas e sentimentos de
embotamento emocional.

Uma outra forma clínica de agrupar os sintomas foi proposta por Liddle (1987),
dividindo os sintomas da esquizofrenia em três grupos: I pobreza psicomotora (pobreza
do discurso, embotamento afectivo, diminuição espontânea dos movimentos e
diminuição da mímica facial); II desorganização (alterações da forma do pensamento e
inadequação afectiva); III distorção da realidade (alucinações e delírios).

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Actualmente são aceites pela generalidade da comunidade psiquiátrica em todo o


mundo dois sistemas de classificação da esquizofrenia. O primeiro da Organização
Mundial de Saúde e o segundo protagonizado pela Associação Americana de
Psiquiatria. A divisão dos sintomas da doença em positivos e negativos, embora
controversa e provavelmente simplista, é utilizada neste caso com um objectivo
didáctico.

Os sintomas positivos estão presentes com maior visibilidade na fase aguda da doença.
Os delírios são considerados dentro dos sintomas positivos, estes são ideias individuais
do doente que não são partilhadas por um grande grupo, a temática dos delírios pode ser
diversa, mas normalmente predominam os temas de perseguição ou de ameaça para o
doente. No delírio de roubo e divulgação do pensamento os doentes acham que é
possível alguém adivinhar as suas ideias e pensamentos. O delírio de controlo ocorre
quando o doente acredita que alguém controla os seus movimentos e emoções. É ainda
necessário não confundir comportamentos, avaliando-os apenas segundo o nosso ponto
de vista social pois o que à partida aos nossos olhos pode parecer bizarro, para certas
culturas pode ser algo com muita tradição e significado.

As alterações da percepção são usuais. Pode aqui ser dado como exemplo o facto de
uma visita cumprimentar o doente com dois beijos na face e este acreditar que lhe
estavam a fazer aquilo porque ele estava infectado com um vírus mortal.

As alucinações são também frequentes na esquizofrenia, predominando as alucinações


auditivo-verbais que normalmente são críticas e ameaçadoras para o doente. As
alucinações podem ser de qualquer esfera sensorial (auditivas, visuais, tácteis, olfactivas
e cinestésicas), embora estas últimas sejam mais raras. Um exemplo de uma alucinação
auditivo- verbal poderá ser: “Pega fogo na casa, que aquilo está empestado de diabos
lá dentro, pega fogo antes que eles te ataquem!”.

Em relação ao pensamento, o doente pode fazer associações sobre assuntos sem


qualquer relação, pode ter dificuldades em manter conversas, fazendo pausas (bloqueios
do pensamento). O discurso pode ser completamente ilógico, incompreensível e ser
constituído por uma série de palavras isoladas sem qualquer sentido (salada de
palavras). Por vezes surgem ainda novas palavras inventadas pelo próprio doente,
sendo, neste caso, designadas como neologismos.

Os afectos podem encontrar-se alterados através por exemplo de uma rigidez afectiva,
não ocorrendo uma modulação dos afectos. Noutros casos verifica-se uma discordância
afectiva, quando surge uma inadequação entre o afecto e o discurso podemos dar como
exemplo o facto de o indivíduo se rir enquanto relata uma desgraça que aconteceu na
sua vida. A ambivalência afectiva pode também surgir durante o período psicótico,
coexistindo neste caso uma sobreposição de afectos contraditórios (amo-te, odeio-te).
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As alterações de comportamento fazem parte dos sintomas da esquizofrenia e podem


manifestar-se através da agressividade, isolamento ou de bizarrias. No caso da
esquizofrenia hebefrénica, o comportamento pode apresentar-se muito regressivo,
perdendo-se inclusivamente regras de comportamentos sociais e de higiene. Os
familiares relatam também, em certos casos, a presença de comportamentos estranhos,
encontrando por vezes o doente a falar sozinho num monólogo absurdo.

O contacto visual com o interlocutor pode ser alterado, o olhar pode ser evitado ou
noutros casos demasiado fixo e vazio.

Existem ainda várias anomalias motoras que estão associadas à esquizofrenia, os


doentes adoptam algumas posturas bizarras (como um braço para cima sem que surja
um cansaço ou desconforto). Noutros casos o doente adopta uma resposta ou atitude
contrária à manifestada pelo interlocutor (negativismo). Outra alteração é designada por
ecopraxia e consiste na imitação repetitiva do interlocutor por parte do doente.

Passando agora aos sintomas negativos, podemos dizer que estes acompanham a
evolução da doença e que reflectem um estado deficitário ao nível da motivação, das
emoções, do discurso, do pensamento e das relações interpessoais.

O isolamento social é um sintoma negativo que se observa com frequência e que se


manifesta geralmente por uma recusa em sair de casa e de se relacionar com os outros.
Existe assim um desinteresse social e um desinvestimento no estabelecimento de
relações íntimas.

No embotamento afectivo os sentimentos tornam-se mais esbatidos e pouco


expressivos, sendo bastante difícil para o doente exprimir sentimentos e emoções.

Na pobreza do discurso, a comunicação é pouco espontânea e fica limitada a algumas


palavras. O conteúdo do pensamento é pobre, restringindo-se a um número reduzido de
temas e assuntos. O diálogo torna-se bastante difícil, podendo o doente passar longos
períodos sem verbalizar uma palavra.

Nalguns casos pode ser difícil distingui se estamos perante os sintomas negativos da
doença ou de uma quadro depressivo.

De um modo geral e resumido podemos dizer que dentro dos sintomas positivos
podemos incluir as ideias delirantes, as alucinações, os pensamentos e discurso
desorganizados, agitação, ansiedade e impulsos. Nos sintomas negativos podemos
incluir a falta de vontade ou de iniciativa, o isolamento social, a apatia, a indiferença
emocional e a pobreza do pensamento.

Depois de conhecidos e abordados os sintomas da esquizofrenia passaremos então ao


processo de diagnóstico.

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Ao contrário de outras doenças orgânicas como, por exemplo, numa infecção urinária
em que é possível detectar o agente através de exames laboratoriais e definir logo à
partida um tratamento eficaz, na esquizofrenia o diagnóstico é mais complexo e tem que
ser feito numa perspectiva longitudinal. Este só pode ser feito pelas manifestações
clínicas da doença, uma vez que não é possível efectuá-lo através de exames
laboratoriais ou imagiológicos. O diagnóstico da esquizofrenia é complexo e faz-se,
muitas vezes, afastando hipóteses de patologias com sintomas similares, como doenças
bipolares, algumas lesões cerebrais e doenças neurológicas, metabólicas ou infecciosas.
O consumo de drogas, alguns medicamentos e intoxicações por metais pesados também
podem ter efeitos semelhantes aos da esquizofrenia. O primeiro passo para identificar o
problema é analisar a história clínica do paciente. A partir desta, é possível averiguar os
antecedentes familiares e dados do período fetal, analisar casos de consumo abusivo de
álcool ou drogas e conhecer as doenças de que o doente já padeceu e os medicamentos
que tomou. Para obter esta informação é indispensável a colaboração do paciente e dos
seus familiares. O doente poderá também ser submetido a um exame físico e uma
avaliação neuropsicológica, o médico pode ainda recomendar analises ao sangue e
exames para avaliar, por exemplo, o funcionamento renal, fígado e tiróide, no entanto
nenhum destes exames laboratoriais vai servir para afirmar que o doente é mesmo
esquizofrénico.

Nalguns casos, antes da doença se manifestar, o paciente já apresenta um


comportamento anormal, expressando pouco as suas emoções, sem grandes aptidões
sociais e com tendência para o isolamento. Por vezes, os primeiros sintomas de alerta
são irritabilidade, medo e dificuldade de raciocínio. Os doentes revelam sentimentos de
estranheza e experiências, ao nível do pensamento, diferentes do habitual. Depois, a
doença pode manifestar-se de forma brusca, em poucos dias ou semanas, ou evoluindo
gradualmente. A última é mais problemática. A depressão, um problema frequente nos
esquizofrénicos, não esta definida como característica da doença, contudo quando existe
está associada a um pior prognóstico.

Por passar despercebida, o doente não recorre logo ao médico, o que atrasa o
tratamento. É ainda de frisar que existem outras situações psiquiátricas cujo diagnóstico
diferencial com a esquizofrenia deverá ser feito.

Existem vários critérios de diagnóstico para a esquizofrenia: a) sintomas característicos


como: ideias delirantes, alucinações, discurso desorganizado, comportamento
desorganizado e outros sintomas negativos. Salienta-se ainda que dois ou mais destes
devem estar presentes por um período de tempo significativo; b) disfunção
social/ocupacional, onde o relacionamento interpessoal ou o auto-cuidado estão

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marcadamente abaixo do nível atingido antes do inicio da doença; c) os sinais devem


ser contínuos e persistirem durante um período de pelo menos seis meses entre outros.

6. TRATAMENTO
Apesar de não haver cura para a esquizofrenia, o tratamento bem sucedido com
medicações antipsicóticas pode aliviar os sintomas da doença de forma que os
indivíduos possam levar vidas bem próximas do normal e produtivas do ponto de vista
pessoal e de trabalho. O desenvolvimento de várias medicações e intervenções psico-
sociais tem melhorado muito a perspectiva de pacientes com esquizofrenia. No entanto,
o tratamento completo da esquizofrenia requer abordagens farmacológicas, psicológicas
e sociais, dependendo do estágio da doença. A administração da medicação, o apoio
psicológico e familiar, a reabilitação vocacional e a ajuda da comunidade,
desempenham juntos, um papel fundamental para um excelente cuidado às pessoas com
esquizofrenia.

6.1 – TRATAMENTO FARMACOLÓGICO


Até ao início da década de 1950, o tratamento farmacológico era bastante limitado e
pouco eficaz. O arsenal terapêutico ficava assim praticamente limitado aos opióides,
barbitúricos, brometos e anti-histamínicos. Estes fármacos, por sua vez, limitavam-se a
controlar a ansiedade e a agitação de alguns dos doentes.

Na década de 50 surgiram os primeiros medicamentos antipsicóticos. Conhecidos como


antipsicóticos típicos. A sua acção farmacológica faz-se sentir através do bloqueio no
cérebro dos locais de actuação do neurotransmissor designado como Dopamina. Sendo
desta forma diminuída a actividade desta substância. Este bloqueio ao nível da via
dopaminérgica mesolímbica provoca uma diminuição dos sintomas positivos da doença
(alucinações, delírios, etc.). Por outro lado, o bloqueio das restantes vias
dopaminérgicas dão origem a alguns dos seus efeitos indesejáveis: agravamento dos
sintomas negativos, aumento da prolactina (galactorrela) e efeitos extrapiramidais.

Estas substâncias revelaram-se particularmente eficazes no controlo dos sintomas


positivos da doença, nomeadamente as alucinações, as ideias delirantes e outras
perturbações do pensamento. A sua actividade sedativa permitiu melhorar
significativamente o comportamento e a agitação destes doentes.

No entanto, apesar da sua eficácia no controlo destes sintomas, este grupo de


medicamentos tinha pouca actividade sobre os sintomas negativos da doença e os seus
efeitos secundários eram, por vezes, bastante incómodos e pouco toleráveis.

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Mais recentemente, na década de 90, surgiu uma nova geração de antipsicóticos,


designados por «novos antipsicóticos ou atípicos». Estes novos fármacos têm a
particularidade de serem igualmente eficazes no controlo dos sintomas positivos da
doença, de terem efeito sobre os sintomas negativos, ao contrário dos anteriores, de
terem ainda menos efeitos secundários, principalmente ao nível dos efeitos
extrapiramidais e de serem, por isso, melhor tolerados pelos doentes.

O mecanismo de acção de alguns neurolépticos atípicos, através do antagonismo de


vários receptores, nomeadamente, dopaminérgicos, colinérgicos, histaminérgicos, alfa-
adrenérgicos, serotoninérgicos, deixa antever a grande complexidade e interacção dos
vários neurotransmissores e dos seus receptores na fisiopatologia desta doença.

Podemos contudo considerar, em termos gerais, que a maioria dos neurolépticos atípicos
partilha um efeito antagonista a nível dos receptores dopaminérgicos e serotoninérgicos.

O aparecimento destes novos neurolépticos nos últimos anos tem vindo a levantar novas
esperanças no tratamento desta doença, já que a sua utilização tem permitido uma
melhor possibilidade de intervenção reabilitativa.

Os neurolépticos têm um efeito não só na fase aguda da doença como na fase de


manutenção, prevenindo o aparecimento de novos surtos psicóticos. Ao fim de um ano,
cerca de 60% dos doentes recaem. Este valor desce para cerca de 15%, se estiverem
medicados com neurolépticos

Alguns exemplos de antipsicóticos:

6.1.1. Efeitos secundários dos neurolépticos


Como já referimos, estes fármacos, nomeadamente os conhecidos por antipsicóticos
atípicos, têm uma série de efeitos secundários, sendo os mais frequentes:

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• Neurodislépticos: correspondem a uma rigidez muscular (distonia aguda), principalmente ao


nível dos músculos do pescoço, membros superiores e músculos oculares. O seu
aparecimento encontra-se associado a doses mais elevadas e aos neurolépticos de maior
potência. Estes efeitos secundários são habitualmente reversíveis com utilização de um outro
grupo de medicamentos designado por antiparkinsónicos, como, por exemplo, o biperideno
(Akineton®) ou o tri-hexifenidilo (Artane®).
 Parkinsonismo secundário:
• Tremor das mãos,
• Outras alterações do movimento
• Inexpressividade facial
 Aumento de peso
• Alterações hormonais
• Galactorreia (produção de leite através das glândulas mamárias)
• Alterações menstruais
 Disfunção sexual
• Diminuição da libido
• Impotência
 Anticolinérgicos
• Obstipação
• Visão desfocada
• Boca seca
• Dificuldade em urinar
 Sedação ou sonolência
 Sialorreia – Aumento da produção de saliva
 Acatisia: esta situação manifesta-se pela incapacidade de o doente estar quieto
no mesmo sítio, tendo uma necessidade imperiosa de permanecer em constante
movimento. Por vezes é confundida com ansiedade ou agitação psicomotora.
Perante este efeito secundário deverá ser feita a substituição do neuroléptico
prescrito, associando por exemplo ainda uma benzodiazepina (ansiolítico),
havendo contudo alguns casos de difícil tratamento.
 Síndrome maligna dos neurolépticos: é uma situação bastante rara, mas de
grande gravidade. Os sintomas instalam-se habitualmente ao fim de dez dias de
terapêutica com neurolépticos e os principais sinais clínicos são: hipertermia,
rigidez muscular, alteração do estado de consciência, taquicardia, hipo ou
hipertensão arterial, diaforese ou sialorreia, tremor e incontinência dos
esfíncteres. É uma situação de urgência médica e deve ser tratada em ambiente
hospitalar, de modo a reduzir as eventuais complicações graves dela
decorrentes.
 Discinesia tardia: trata-se de um efeito secundário com aparecimento tardio,
geralmente ao fim de alguns anos de medicação neuroléptica. Surge com maior
frequência em indivíduos do sexo feminino, verificando-se ainda a presença de
um factor de uma sensibilidade individual. Caracteriza-se pelo aparecimento de
movimentos involuntários e repetidos, envolvendo com maior frequência os
músculos da boca, face e língua. Este efeito secundário tem características
crónicas e é de difícil tratamento.

Estes efeitos secundários anteriormente descritos devem ser sempre comunicados ao


médico, para que este possa reduzir a dose ou eventualmente alterar a terapêutica
instituída.

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Relativamente ao tempo que o utente deverá fazer a medicação não existe consenso.
Cada caso deverá ser avaliado individualmente pelo médico psiquiatra, devendo este
considerar o risco/benefício para o doente na continuação da terapêutica de manutenção.

Habitualmente após um episódio psicótico com critérios de esquizofrenia, a terapêutica


devera ser mantida por um período mínimo de 1 a 2 anos. Se houver mais episódios
agudos da doença, o período deverá ser alargado. Com frequência, existem doentes que,
dado o número elevado de recaídas e a gravidade clínica das mesmas, necessitam de
manter a terapêutica de uma forma continuada.

A adesão a um tratamento prolongado é uma tarefa que infelizmente muitos doentes não
assumem. Umas vezes falha a persuasão médica, que não é suficientemente clara e
insistente, alertando para os riscos de uma interrupção da medicação. Poderão não ter
sido adequadamente informados sobre a necessidade e importância da mesma. Pode
também acontecer que, embora bem informado/a, o/a doente julgue que a medicação
não serve para nada, que “até faz mal”, pois não tem uma noção clara da sua doença,
que minimiza e nega. De notar que entre os sintomas de esquizofrenia conta-se a
dificuldade da pessoa em reconhecer as perturbações mentais como manifestação da
doença, vivendo-as como “verdades” que os outros não entendem, ou aceitando
passivamente o seu estado. Outras vezes são os efeitos adversos da medicação que
levam o paciente a interromper o tratamento. É possível reduzir esses efeitos ao
mínimo; cabe ao médico escolher o medicamento que melhor se ajusta a cada doente,
reduzindo, se possível, a dose, ou combinando medicamentos apropriados. De realçar
que uma dose insuficiente é causa de recaída, que pode ocorrer alguns meses mais tarde.

A possibilidade de evitar recaídas graves depende muito da adesão continuada à


terapêutica medicamentosa. Sem a medicação, a percentagem de recaídas no ano que se
segue a um surto agudo é de 75%. A manutenção de uma medicação apropriada permite
reduzir esse risco para 15%.

6.2 – A ELECTROCONVULSIVOTERAPIA
A electroconvulsivoterapia foi introduzida como técnica de tratamento da esquizofrenia,
em 1938, por Cerletti e Bini. O objectivo desta técnica é induzir, através de um estímulo
eléctrico, uma crise convulsiva no doente.

Ao longo dos anos têm sido várias as vozes que se ergueram, condenando este tipo, de
tratamento, considerando-o desumano e bárbaro. A realidade é que a
electroconvulsivoterapia, não só na data da sua introdução como ainda hoje, se revela
como uma forma de tratamento eficaz na esquizofrenia.

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Na aplicação da electroconvulsivoterapia, recorre-se à anestesia geral, ao relaxamento


muscular e a uma monitorização rigorosa dos principais sinais vitais. Sendo que o risco
para o doente é muito baixo, apresentando uma taxa de mortalidade de 1 para 10000.

Os principais efeitos secundários correspondem a náuseas, cefaleias, dores musculares,


alterações cognitivas, principalmente da memória. Contudo estes efeitos secundários
normalmente são moderados e transitórios.

Apesar de não ser considerado um tratamento de primeira linha para a esquizofrenia,


são várias as situações em que o seu uso se encontra indicado, nomeadamente em
situações refractárias à terapêutica farmacológica, nas formas de esquizofrenia
catatónica, em depressões severas com elevado risco de suicídio ou acompanhadas de
sintomas psicóticos, etc.

Existem ainda situações em que o seu uso se torna indispensável, designadamente


quando a terapêutica farmacológica se encontra contra-indicada ou desaconselhada,
como por exemplo na gravidez.

Habitualmente são programadas 6 a 12 sessões de electroconvulsivoterapia, com uma


frequência de duas a três vezes por semana, podendo estas serem repetidas se houver
justificação clínica.

As principais contra-indicações relativas da aplicação deste tipo de tratamento referem-


se a doenças cardiovasculares, como a presença de um enfarte recente, insuficiência
cardíaca congestiva, alterações da condução cardíaca, aneurismas, etc. A presença de
uma lesão tumoral intracraniana também pode limitar a sua utilização.

Em suma podemos afirmar que o uso da electroconvulsivoterapia no tratamento da


esquizofrenia mantém-se actual, embora como um tratamento de 2ª linha para situações
mais graves ou casos refractários ao tratamento farmacológico. As indicações clínicas
devem ser avaliadas caso a caso, tendo em consideração o risco/benefício deste
tratamento para o doente.

6.3 – PSICOTERAPIA
A psicoterapia é um tratamento psicológico, complementar ao farmacológico e que
ajuda o doente a elaborar e a integrar a sua experiência psicótica.

Após a saída da crise, o doente adquire alguma crítica face à doença, embora, muitas
vezes, tornando-se difícil para ele compreender e explicar o período de alienação e de
delírio em que se viu envolvido. Esta fase é vivida muitas vezes pelo doente com grande
angústia, levando-o a sentir-se só e deprimido.

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Foram várias as abordagens psicoterapêuticas utilizadas no tratamento da esquizofrenia.


Na maioria dos casos, os resultados eram pouco animadores ou de eficácia reduzida. As
psicoterapias dinâmicas influenciadas pela psicanálise de Freud acabaram por não
revelar eficácia no tratamento destes doentes.

A psicoterapia cognitivo-comportamental é uma técnica psicoterapêutica que tem sido


utilizada no tratamento da esquizofrenia com algum sucesso no que diz respeito ao
tratamento dos sintomas positivos da doença, designadamente nas ideias delirantes e nas
alucinações auditivas. Nesta o doente é ensinado a compreender e alterar o seu modo de
pensar, de forma a reagir de maneira diferente às situações que lhe causam ansiedade.

Com esta abordagem terapêutica procura-se, em conjunto com o doente, encontrar


modelos alternativos na explicação dos sintomas psicóticos da doença. Desta forma,
reduz-se o sofrimento associado à experiência psicótica.

Actualmente as abordagens psicoterapêuticas, como forma de tratamento único na


esquizofrenia, encontram-se desaconselhadas, uma vez que o tratamento farmacológico
deve estar sempre presente.

6.4 – PSICOEDUCAÇÃO
A psicoeducação, no contexto do tratamento da esquizofrenia, é uma técnica que visa
melhorar a compreensão da doença pelos doentes e suas famílias e, desta forma,
melhorar o seu comportamento e atitude face à doença.

Esta técnica deve ser encarada como uma parte do tratamento, devidamente enquadrada
num projecto terapêutico. Dentro deste contexto terapêutico, o indivíduo adquire um
papel activo no tratamento da sua doença. Procura-se assim fornecer informação aos
doentes sobre vários aspectos da própria doença, de uma forma sistematizada,
englobando áreas como os sintomas da doença, as suas possíveis etiologias, o
tratamento e o curso da doença, procurando melhorar a adesão à terapêutica e o próprio
insight do doente face à doença.

Os objectivos gerais dos programas de psicoeducação na esquizofrenia são:


• Melhorar o autoconhecimento face à doença;
• Melhorar a adesão à terapêutica;
• Diminuir o risco de recaída;
• Detectar e intervir precocemente nas recaídas;
• Adoptar estratégias concretas durante a crise psicótica.
Os programas psicoeducativos podem ser realizados em sessões modulares temáticas
englobando tópicos como:
• Aspectos diagnósticos;

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• Prevalência da doença;
• Etiologia;
• Evolução;
• Terapêutica;
• Factores de stress;
• Recursos comunitários;
• Abuso de substâncias;
• Aspectos legais;
• Sinais de recaída.
A experiência psicótica é sempre um processo individual, que pode ter um impacto
profundo na estrutura familiar e social do doente. A abordagem terapêutica deve ser
feita de uma forma suficientemente flexível, para que o doente e a sua família, tendo em
conta o seu perfil social e cultural, possam integrar as explicações dadas sobre a
experiência psicótica.

6.5 – O INTERNAMENTO
Por vezes, na fase aguda ou de crise da doença, torna-se necessário recorrer ao
internamento. Este pode durar algumas semanas ou por vezes meses. O objectivo
principal é estabilizar o doente para que seja possível o seu regresso à comunidade o
mais rapidamente possível.

Os motivos que normalmente levam ao internamento são:


• Dificuldade de diagnóstico diferencial e necessidade de realizar exames complementares de
diagnóstico;
• Controlo de efeitos secundários mais graves, como a acatisia ou a síndrome maligna dos
neurolépticos;
• Resistência à terapêutica;
• Com o objectivo de retirar o doente de um ambiente sociofamiliar conflituoso para um
ambiente terapêutico;
• Necessidade de realização de tratamentos especiais;
• Risco de suicídio ou presença de comportamentos violentos e agressivos;
• Perante um surto psicótico em que ocorra recusa da terapêutica ou não exista um apoio
familiar adequado.

7. CARACTERÍSTICAS ASSOCIADAS AO SEXO


As características associadas ao sexo dizem respeito à adaptação pré-morbida e às
particularidades clínicas e evolutivas da doença.

Entre as perturbações pré-morbidas da adaptação, os rapazes apresentam uma tendência


para os comportamentos anti-sociais e um comportamento de hiper-reactividade mais
acentuados do as jovens. Estas perturbações acompanham frequentemente uma

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personalidade esquizóide. Em contrapartida, apesar de apresentarem um maior número


de perturbações de tipo pseudoneurótico, provocadas por timidez e evitamento social, as
jovens conservam durante mais tempo uma melhor adaptação aparente, tanto durante a
infância como durante a adolescência.

Apesar das diferenças comportamentais pré-morbidas se desvanecererm à medida que


se aproxima a idade de eclusão dos primeiros sintomas claramente psicóticos, as
mulheres jovens pré-esquizofrenicas encontram-se melhor adaptadas do que os homens
antes da descompensação clínica da doença. Este fenómeno refere-se ao casamento
(40% das mulheres são casadas antes do primeiro internamento contra 30% dos
homens), o desenvolvimento psicossexual (somente 16% das mulheres nunca tiveram
relações sexuais com o individuo do sexo oposto antes do inicio da doença contra 40%),
mas também às relações sociais, de trabalho, etc.

Já no que se refere às particularidades clínicas e evolutivas da doença, diversas


investigações indicam uma tendência para a manifestação de sintomas positivos mais
abundantes e maior prevalência de sintomas timicos na mulher, ao passo que nos
homens os sintomas negativos parecem ser mais frequentes. Se bem que os resultados
não sejam homogéneos e as diferenças sejam, por vezes, de fraca amplitude.
Relativamente à evolução de longo prazo da esquizofrenia os estudos não demonstram
consenso. Aproximadamente metade destes estudos defendem uma evolução menos
grave nas mulheres, com menos recidivas, menos hospitalizações, internamentos de
menor duração e uma melhor adaptação social. Na outra metade, dos estudos, não
encontramos estes resultados, mas a grande heterogeneidade dos protocolos utilizados
torna a análise difícil.

Para além das particularidades clínicas acima mencionadas, as mulheres parecem ser
mais sensíveis às medicações anti-psicóticas. As jovens mulheres esquizofrénicas
necessitariam de neurolépticos menos fortes do que os homens, mas, acima dos 40 anos
de idade, elas necessitariam de doses mais elevadas.

7.1 – AS MULHERES E A ESQUIZOFRENIA


7.1.1. Gravidez e esquizofrenia
Muitas esquizofrénicas já são ou virão a ser mães. A sua transição para a maternidade
poderá ser problemática devido à própria doença e às muitas dificuldades psicossociais
associadas à perturbação mental crónica.

A taxa de gravidez em doentes esquizofrénicas tem vindo a aumentar desde a sua


desinstitucionalização, ocorrida há algumas décadas. Apesar de iniciarem a vida sexual
activa tão cedo quanto a população em geral, esta reveste-se de alguns aspectos

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particulares. O desejo e prazeres sexuais estão diminuídos (pela esquizofrenia em si ou


pelo tratamento farmacológico), a contracepção é inconsequente, o número de parceiros
sexuais é maior e as relações que estabelecem são menos estáveis, o que justifica altas
taxas de separação e divórcio, viverem muitas vezes sozinhas. São mais frequentes as
gravidezes não desejadas e não planeadas assim como a violência física, a violação e a
prostituição, quer antes quer durante a gravidez. O diagnóstico da gravidez é realizado
tardiamente devido ao facto de a doente não ter a capacidade de associar os sintomas de
uma gravidez e ainda devido às suspeitas de que os profissionais de saúde lhe possam
retirar o filho após o nascimento. As mulheres, com perturbações psicóticas, podem
fazer uma interpretação distorcida das mudanças e experiências associadas à gravidez.
Nomeadamente as esquizofrénicas experimentam uma intensificação das ideias
delirantes precipitadas pelos movimentos do feto. Também poderão ter dificuldades em
cooperar com os procedimentos pré-natais. O impacto da gravidez na esquizofrenia
depende da gravidade da doença, de variáveis psicológicas e sociais e das complicações
da própria gestação.

O risco associado à gravidez não planeada e a necessidade de formação no planeamento


familiar é particularmente evidente nestas mulheres. As oito primeiras semanas de
gestação são fundamentais para o desenvolvimento neuronal, estando o cérebro
altamente susceptível aos agentes teratogénicos durante este período da vida
embrionária. Uma gravidez não planeada diminui as oportunidades de preparar e
optimizar as condições para o feto desde o momento da concepção. Este tipo de mulher
poderá estar sob o efeito de diversas modificações, a fumar muito ou a consumir
substâncias ilícitas. Devido a más condições sociais ou pobreza elas poderão não
satisfazer as exigências nutricionais adequadas. É possível que estes factores venham a
ter um impacto na adesão da mãe aos cuidados pré-natais, na sua capacidade de ser mãe
e no seu estado mental.

Entre os riscos da gravidez da mãe esquizofrénica, além daqueles vindos das próprias
alterações psíquicas que a gestação favorece, estão os efeitos secundários dos
medicamentos usados para essa doença. Esses psicofármacos anti-psicóticos podem
afectar o feto, principalmente quando usados nos três primeiros meses de gestação.

Quando a mãe usa psicofármacos no final da gravidez o filho pode sofrer complicações
de parto. As mulheres com esquizofrenia têm maior probabilidade de problemas,
incluindo períodos mais curtos de gestação e de baixo peso no recém-nascido.

A gravidez parece ter um impacto imprevisível e muitíssimo variável na saúde mental.


Relativamente a esse impacto, da gravidez na evolução da esquizofrenia, as conclusões
dos diversos estudos realizados são contraditoras, o que reflectirá talvez a variabilidade

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do seu impacto e dependerá não apenas do diagnóstico como também de uma gama de
variáveis psicológicas e sociais.

7.1.2. Maternidade e esquizofrenia


As pessoas com doença mental grave têm as mesmas aspirações de maternidade e
enfrentam os mesmos desafios associados do que os outros membros da comunidade. O
casamento e a maternidade são marcos esperados na vida da maioria das mulheres que
assinalam a transição para a idade adulta e são, muitas vezes, acompanhados por ritos e
cerimónias especiais.

Para algumas mulheres com esquizofrenia, a maternidade resulta numa melhoria das
redes sociais, na redução do sentimento de confusão, de identidade e de estigma. Mas
para outras a maternidade está associada ao sofrimento, perda e frustração. O estigma
associado à doença mental grave parece ampliar-se quando se trata de pais com estas
doenças.

As crianças com pais portadores de esquizofrenia têm maior risco de desenvolver a


respectiva doença apresentando taxas mais altas de perturbações comportamentais e
emocionais.

O impacto de um progenitor mentalmente doente no funcionamento da família é


mediado por interacções complexas que incluem factores relacionados com a doença
(por exemplo: os sintomas nucleares da doença, efeitos secundários da medicação e
necessidade de hospitalização) e factores psicossociais secundários (por exemplo: a
perda de competências de parentalidade, conflito conjugal, isolamento social, habitação
insegura e pobre, desemprego e pobreza, entre outros). Todos estes factores contribuem
para que ao stress, sentido pelas mulheres com esquizofrenia, se acrescentem mais
alguns devido ao próprio papel de mãe.

Os pais com esquizofrenia encontram-se muitas vezes, num ciclo vicioso – os stressores
do ambiente têm impacto no progenitor e na criança exacerbando os sintomas do
primeiro e os problemas de comportamento do segundo, contribuído para as
dificuldades de interacção entre ambos. Estes stressores adicionais exacerbam os
sintomas podendo conduzir ao internamento hospitalar do progenitor doente, e
consequentemente pode colocar a criança em cuidados alternativos. Isso é capaz de
causar stress no casal, podendo atrasar a recuperação do progenitor doente e criar
problemas de vinculação e de relacionamento nos membros da família. Estas famílias
geralmente enfrentam múltiplos problemas, uma vez que estão expostas a uma vasta
gama de stressores aumentando a probabilidade de disfunção familiar.

É indiscutível a importância do aleitamento materno no estreitamento precoce da


relação mãe/filho, na passagem de anticorpos protectores que aumentam a resistência às
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infecções do recém-nascido e também pelo seu valor nutricional. No caso das puérperas
portadoras de esquizofrenia a amamentação está formalmente contra-indicada se o
período de aleitamento coincidir com uma fase de surto. Em doentes compensados, sob
medicação e tendo em consideração que todos os anti psicóticos passam através do leito
maternos, a amamentação deve ser desaconselhada. Caso a mãe insista em amamentar
deve ser informada dos riscos da sua decisão, a qual implica a redução da posologia ao
mínimo eficaz.

Os indivíduos com esquizofrenia têm muitas necessidades relacionadas com a sua


doença principal e incapacidades associadas. As necessidades das mães com
esquizofrenia requerem uma atenção especial uma vez que os conhecimentos sobre a
maternidade escasseiam. As mães com esquizofrenia apresentam problemas
relacionados com o estigma da doença mental: dificuldades em lidar com as tarefas
rotineiras da maternidade; o impacto da gestão da doença mental e o medo de perder o
contacto com os filhos.

Estas mães necessitam de informações frequentes sobre o seu papel durante a


maternidade, necessitando igualmente de apoio por parte dos familiares saudáveis.
Outro factor, extremamente importante para que a progenitora esquizofrénica consiga
ultrapassar o impacto da doença na sua vida, é ter um marido compreensivo, transmissor
de confiança e de carinho ajudando a mulher na prestação de cuidados ao filho e nos
serviços domésticos.

O problema surge quando o marido também sofre de esquizofrenia, quer por factores
genéticos quer pelo contacto permanente com a sua mulher. Neste caso os serviços de
saúde e os familiares desempenham um papel importante para ajudar a família a atingir
o equilíbrio.

8. PARENTALIDADE E ESQUIZOFRENIA
As relações do esquizofrénico, com a sua família, têm sido exclusivamente estudadas
numa tentativa de se encontrarem padrões comportamentais e comunicacionais que
possam contribuir para a etiologia e compreensão da doença. A esquizofrenia manifesta-
se de diferentes formas no que respeita aos comportamentos e tarefas que têm de ser
desempenhados pelo pai ou pela mãe. A mãe com esquizofrenia é descrita como fria,
distante, agressiva, hiperprotectora e ansiosa relativamente aos filhos. O pai é descrito
como crítico, hostil e demasiado envolvente. Quando no sistema familiar ambos os
progenitores, ou apenas um deles possui a doença de esquizofrenia ocorre certamente,
alterações marcantes na dinâmica familiar. A existência de pais esquizofrénicos, numa
família, é altamente destabilizadora conduzindo frequentemente a alterações
comportamentais na criança (filho). Neste contexto a assistência terapêutica passa pela

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colaboração da família na recuperação do doente, contribuindo decisivamente para a


adesão ao tratamento e para o despiste precoce de eventuais descompensações.

A existência de filhos nascidos num casal em que um ou ambos os progenitores sofrem


de esquizofrenia levanta dois tipos de problemas. Por um lado coloca-se a probabilidade
de os descendentes virem a contrair a doença, por outro, a questão sobre a capacidade
dos pais se encarregarem da educação dos filhos, nascidos nestas circunstâncias. Na
maioria das situações tal é possível, desde que, em caso de descompensação da doença,
esteja assegurada uma alternativa educacional por parte de familiares próximos ou, em
alternativa, seja accionada uma resposta institucional.

Os filhos de pais esquizofrénicos enfrentam determinados problemas e preocupações


encarando este problema de forma muito singular. Contudo, a maioria destas crianças
cria mecanismos de defesa para lidar com esta situação.

Todas estas crianças, mais novas ou mais velhas, têm sentimentos fortes em relação aos
seus pais, à sua infância e à doença que os afecta, de múltiplas maneiras ao longo das
suas vidas. Muitos vão escolher (ou já escolheram) vários mecanismos de defesa para
ajudá-los a lidar com a sua situação particular, envolvendo-se (e culpabilizando-se),
revelando tristeza e pena, negação e exclusão defensiva (indiferença). Estes esforços de
protecção podem, eventualmente, conduzir ao longo do tempo a padrões emocionais
como “ansioso e ambivalente”, “preocupação compulsiva” ou a evitar os “laços
afectivos”.

Alguns dos problemas mais comuns levantados pelas crianças filhas de pais
esquizofrénicos são:
• Fronteiras: quando se cresce com pais que invadem todos os aspectos da suas vidas de
maneira imprevisível e por vezes perigosa, não se consegue aprender quando dizer não ou
quando deixar de depender dos outros, etc.
• Problemas de lealdade: algumas vezes, especialmente, quando os pais são paranóicos, a
criança é colocada repetidamente numa situação onde precisa de provar que eles não fazem
parte dos vilões. Este é parte dos problemas de fronteiras – é um problema complexo, tentar
manter a sua sanidade enquanto tentam bloquear uma pessoa insana sendo uma criança.
• Aptidões sociais: quando chegam à idade adulta os filhos de pais esquizofrénicos têm
dificuldade em saber a quem e como se abrirem com outras pessoas, ou como confiar nos
próprios instintos e em geral como lidar com pessoas “normais” pois eles foram isolados do
resto do mundo tanto físico como psicológico devido aos pais.
• Actividades de vida: os pais esquizofrénicos, apresentam dificuldades em ensinar os filhos a
realizar as suas actividades de vida, o que vai fazer com que muitas vezes, estes mesmos
filhos não sejam capazes de cuidar de uma casa e de se tornarem independentes futuramente
tão facilmente como os filhos de pais sem doença mental.
• Lidar com a raiva, depressão e stress: as crianças de pais esquizofrénicos têm muita
tendência para a depressão sendo que muitos têm terapeutas pessoais, estão envolvidos em
grupos de aconselhamento e suporte, ou tomam medicação para distúrbios de depressão,
ansiedade e comportamento.

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• Lidar com a culpa: estas crianças são especialmente susceptíveis a sentir muita culpa acerca
de tudo, sendo que muitos passam por uma fase de se culparem a eles próprios pela doença
dos pais. Quase todos sentem-se angustiados por não fazer o suficiente (ou por fazer demais)
pelo progenitor, outros irmãos, ou pelo resto da família.
• Medo: as crianças revelam medo de ficar doentes como o progenitor, mudando o trajecto de
vida de muitas crianças. Os filhos de pais esquizofrénicos acabam por ter filhos tarde por
medo de transmitir a doença aos filhos; casar-se tarde porque não querem ter filhos ou porque
não querem magoar alguém especial por se tornarem doentes mentais no futuro.
• Problemas em assumirem compromissos: muitos evitam compromissos, ou tornam-se
envolvidos em compromissos abusivos ou demasiado exigentes.
• Perdão: é normalmente confundido com aceitação. Aceitar a doença mental de um
progenitor é um passo importante para a auto-cura e recuperação.
Os descendentes de pais esquizofrénicos orientam-se melhor quando têm várias fontes
de apoio: relações apoiadas com o progenitor saudável (caso apenas um dos
progenitores seja esquizofrénico), nos familiares, nos amigos ou apoio dos profissionais
de saúde.

Dependendo da sua situação pessoal ou sentimentos, os filhos de pais esquizofrénicos


podem, ou não, ficar em contacto com o progenitor depois de se tornarem
independentes. Essa decisão vai depender das características pessoais do filho do
esquizofrénico, no entanto, o aconselhamento ou grupos de suporte podem ajudar a lidar
com inevitáveis culpas, frustração, ou incertezas acerca da decisão tomada.

A afectividade, definida como a capacidade de vivenciar sentimentos e emoções, é uma


experiência sentida pelo próprio e observada pelos outros. Esta encontra-se
profundamente afectada, na esquizofrenia. Estas alterações caracterizam-se por: redução
da resposta afectiva – nalguns doentes parece existir uma perda absoluta de toda a vida
emocional a qual se traduz por uma completa indiferença pelo seu bem-estar e pelo dos
outro. Nas formas menos acentuadas da doença a manifestação dos afectos é superficial,
fria e distante (esgotamento afectivo). O doente poderá ainda referir uma perda total de
prazer em actividades que anteriormente o satisfaziam. A ressonância afectiva, simpatia,
empatia, compaixão, características do ser humano, estão quase ausentes nos
esquizofrénicos, o que torna o relacionamento interpessoal difícil e pouco gratificante.
O esquizofrénico poderá reagir com um sorriso perante uma situação dramática, ou pelo
contrário, reagir afectivamente perante um acontecimento banal (incoerência afectiva).

Ao contrário do humor, que não tem objecto, e do afecto que se relaciona com objectos
(pessoas significativas) previamente conhecidos, a emoção relaciona-se com a situação
presente ou futura. As reacções emotivas da esquizofrenia variam de acordo com o tipo
de esquizofrenia e a fase da doença. Nos tipos de esquizofrenia que se caracterizam com
a indiferença ao mundo exterior, o esquizofrénico mantém esta indiferença em relação
aos estímulos que habitualmente despertam emoções mais intensas na maioria das
pessoas. Por outro lado, nas fases iniciais de uma esquizofrenia paranóide, o

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esquizofrénico vê-se sozinho contra o mundo que interpreta como estranho e


ameaçador. Daí que se encontre dominado por emoções intensas como o medo, a
perplexidade o desamparo, o desespero, a cólera, a ansiedade ou o pânico. Estas
emoções permitem compreender alguns dos seus comportamentos como a agitação, a
agressividade ou violência, quando se lhe tenta impor limitações que ele interpreta
como ameaças à sua autonomia e integridade.

O uso de anti-psicóticos, ao possibilitar internamentos menos frequentes ou mais curtos,


aliados a medidas de reabilitação e de ressocialização, tem levando a um aumento de
casamentos dos doentes esquizofrénicos. Apesar desse aumento, a taxa de casamentos é
muito menor do que a da restante população, traduzindo as dificuldades relacionais
características da doença. Por outro lado, a taxa de divórcios em doentes
esquizofrénicos está aumentada.

9. O PAPEL DO DOENTE, DA FAMILIA E DOS ENFERMEIROS NA


ESQUIZOFRENIA

É fundamental que o doente esquizofrénico normalize a sua vida e assuma todas as


tarefas possíveis, lutando contra a doença, mesmo que esta persista e que alguns
sintomas perdurem.

Segundo a Fundação Holandesa para doentes esquizofrénicos, estes devem:


• Permanecer fiéis ao tratamento;
• Ter cuidado em conservar um ritmo de sono e vigília correcto, com as necessárias horas de
sono;
• Evitar o stress;
• Ter um quotidiano como o das outras pessoas;
• Evitar o consumo de drogas;
• Ter uma vida organizada;
• Fixar um programa de actividades para cada dia;
• Permanecer em contacto com outras pessoas;
• Manter o contacto com o psiquiatra e equipa de saúde mental;
• Praticar desporto pelo menos uma vez por semana.
As pessoas que sofrem de esquizofrenia são mais vulneráveis aos efeitos nocivos e
destrutivos da maioria das drogas, uma vez que estas conduzem a um agravamento da
doença. As drogas são pois um factor de sabotagem da recuperação da saúde,
produzindo novos transtornos mentais e físicos, prejudicando a acção dos
medicamentos, contribuindo assim para a deterioração da personalidade e para a
desinserção social. Por todas estas razões o esquizofrénico deverá evitar por completo o
consumo de drogas.

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Para conseguir uma maior inserção, do doente esquizofrénico na sociedade e para que
aprendam uma profissão e consigam ser independentes, é importante desenvolver
programas de reabilitação. Infelizmente, no nosso país ainda existem poucos programas
deste género. Além das intervenções dos profissionais de saúde é imprescindível o apoio
da família e amigos. Estes devem evitar envolver o paciente em ambientes hostis,
carregados de crítica, gritos e incompreensão, mas também atitudes demasiado
protectora, que os tornam dependentes. Em ambas as situações a probabilidade de
recaída é maior. O mais indicado é um ambiente tolerante, onde haja apoio, mas que
fomente a capacidade de superação e independência do paciente. Os familiares do
doente devem estar bem informados sobre a doença a fim de poderem ajudar o doente
sempre que necessário. O enfermeiro deve dar toda a informação sobre a doença de uma
forma simples e compreensível.

A esquizofrenia é uma doença que afecta profundamente a família, que leva algum
tempo até à sua aceitação. Na nossa sociedade existe um grande estigma à volta das
pessoas que sofrem de doenças mentais, não existindo grande conhecimento sobre estas.
Quando a esquizofrenia surge, no seio de uma família, esta não sabe como agir com o
seu familiar, não compreende os seus comportamentos cada vez mais anormais e não
sabe a quem deve recorrer, por este facto fica cada vez mais sujeita a grandes pressões.

Quando uma pessoa é afectada por esta doença toda a sua família sofre com isso.
Depois do diagnóstico feito é perfeitamente normal que surjam na família sentimentos
de culpa, ressentimento, raiva, vergonha e amargura. Num primeiro instante tenta-se
esconder a doença por causa de dos preconceitos sociais. Quando alguém na família
adquire esquizofrenia é necessário que esta mude e se adapte para continuar a ser feliz
apesar da dor.

A presença de uma pessoa com esquizofrenia em casa pode resultar em sobrecarga


financeira, ser emocionalmente fatigante, bem como, afectar o trabalho e a vida social
dos restantes membros. Nem sempre a família lida bem com esta situação, acabando por
negligenciar o seu familiar, chegando mesmo a desejar a sua morte.

É importante que a família tenha em mente que deve proporcionar uma atmosfera calma
em vez de argumentativa, com atitudes previsíveis em vez de inconscientes, com apoio
e tolerância para o doente, em vez de rejeição.

Para que a família possa caminhar ao lado do doente, e não no sentido contrário, é
imprescindível que os vários elementos da família respeitem as necessidades de cada
um, devem decidir que tipo de comportamento é inaceitável e devem ser capazes de
impor esses limites. Quando é um dos elementos do casal, é importante manter um
equilíbrio de poder entre eles, ajustar os papéis dos membros para que o doente possa

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encontrar uma área de competência que contribua para o bem estar da família e
assegurar que o outro membro do casal possa ter um tempo para si.

O papel activo da família é essencial para o tratamento, reabilitação e reinserção social


do doente que sofre de esquizofrenia. Muitas famílias procuram o apoio junto dos
técnicos de saúde, permitindo assim que estas superem e sobrevivam às dificuldades
que encontram, no entanto, há aqueles que não o fazem, levando ao seu adoecimento, ou
seja, não conseguem lidar com as crises, conduzindo à sua desestruturação e destruição.
A família deve estar preparada para o facto do doente poder ter recaídas ao longo do
tempo, o que pode conduzir a um possível internamento hospitalar. É bastante
importante o apoio da família ao doente, durante o tempo da sua permanência no
hospital, através de reforço positivo, comunicação, visitas e mostrar interesse em saber
como vai a evolução da sua doença.

Para poder ajudar o doente e família é necessário que o enfermeiro conheça a


sintomatologia das alterações comportamentais. O plano de cuidados de enfermagem
deve ser centrado num ser pessoal, com as suas características específicas e reflectir
acerca das respostas comportamentais esperadas face a determinada alteração.

O planeamento dos cuidados à doente esquizofrénica deve ser centrado nos seguintes
aspectos: na independência da mãe, na vinculação à criança, na integração familiar, nas
competências parentais e cuidados à criança e na manutenção da gestão doméstica. É
vital que o plano de alta seja cuidadosamente desenvolvido com a colaboração da
família/equipa de saúde.

Nos cuidados à mulher com esquizofrenia o enfermeiro deve considerar os seus efeitos
na família: se a mãe não se sente bem, é incapaz de se adaptar a si própria ou à criança,
isola-se ou está tão fatigada que a família é inevitavelmente afectada. Os factores de
stress são agravados o que pode resultar no isolamento da mãe, alteração do
relacionamento com o companheiro ou impacto negativo na parentalidade. O
enfermeiro deve estar alerta para estes sinais de disfunção e preparado para promover a
vinculação mãe/filho indicando à família fontes de suporte e aconselhamento.

Visto que na doença abordada o doente, muitas das vezes, tem uma percepção diferente
da realidade por vezes acontece que a mãe se convence de que alguém lhe quer tirar o
bebé e agarra-se a este como forma de protecção, pode também acreditar que a criança
vai morrer, que tem alguma anomalia ou que Deus cuida dela e por isso não necessita de
cuidados.

O enfermeiro deve estar atento aos sintomas da doença presentes no doente. Estes
podem manifestar-se através da agitação psicomotora, alterações nos padrões de
sono/repouso, perda de interesse, pensamento lento ou concentração alterada e possível

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idealização do suicídio. A mulher pode ainda necessitar de assistência para a realização


de cuidados de higiene básicos.

O plano de alta feito pelo o enfermeiro tem por objectivo responder às necessidades da
criança enquanto a mãe está a integrar a sua experiência. Durante o internamento o
enfermeiro deve observar a mulher para verificar o comportamento de vinculação e
pertença. Os comportamentos de vinculação são demonstrados através de certos gestos
como: acarinhar, falar com a criança, chama-la pelo nome, olhar olho no olho, contactar
fisicamente, tocar, bem como iniciar os cuidados necessário quando apropriados (por
exemplo: mudar a fralda do bebé sempre que seja necessário).

O enfermeiro deve fazer os ensinos necessários encorajando a mãe, elogiando-a quando


fizer algo positivo, transmitindo-lhe sentimentos de auto-estima e auto-confiança. O pai
também deve ser inserido nos cuidados.

Se a mãe durante o internamento foi capaz de prestar cuidados com qualidade


permitindo o bem-estar da criança e da sua família será mais fácil adaptar-se, de forma
eficaz, a esta nova etapa da vida, desenvolvendo padrões de crescimento saudáveis.

10. ESTRUTURAS DE APOIO COMUNITÁRIO

10.1 – HOSPITAIS DE DIA E ÁREA DE DIA


Os Hospitais de dia e as áreas de dia são estruturas terapêuticas que reúnem uma série
de técnicos de saúde que proporcionam aos doentes com esquizofrenia, e com outras
doenças psiquiátricas, um programa terapêutico abrangente e junto da comunidade.

Estas estruturas oferecem aos doentes actividades terapêuticas como psicoterapia


individual ou em grupo, pela terapia familiar, terapia ocupacional e programas
psicoeducativos. O internamento em hospital de dia permite ainda uma intervenção
terapêutica baseada na mudança, uma monitorização da terapêutica farmacológica e um
ajuste terapêutico em função da evolução clínica do doente.

10.2 – RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS


As residências terapêuticas vieram contrariar o ambiente de institucionalismo
(internamentos prolongados em instituições psiquiátricas) a que estes doentes
anteriormente estavam condenados.

Nas residências terapêuticas, os doentes vivem em regime comunitário, de autonomia


variável, sendo supervisionados por um técnico de saúde mental. Sendo que a própria
residência funciona como um instrumento de reabilitação, já que permite o treino de
competências para uma vida mais autónoma e integrada na comunidade. O doente
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desempenha uma série de actividades domésticas que permitam satisfazer as suas


necessidades básicas, aprende regras sociais, de higiene e de controlo de despesas e
gastos económicos com o apoio do grupo, o que permite uma maior autonomia e
responsabilidade.

Estas residências procuram ainda estimular a toma individual da medicação reforçando


a importância desta no controlo dos sintomas da doença e das recaídas, reforçando deste
modo a adesão à terapêutica.

10.3 – FÓRUM SÓCIO-OCUPACIONAL


O objectivo terapêutico do fórum sócio-ocupacional é a ocupação dos tempos livres,
preenchendo assim os longos períodos de ócio a que estes doentes estão frequentemente
sujeitos. Nestes são programadas várias actividades ocupacionais manuais ou
intelectuais, com o objectivo terapêutico de promover a auto-estima e a tomada de
decisões. O planeamento do tempo livre e a sua ocupação com actividades estruturantes
e lúdicas é concretizado através de trabalhos manuais, ateliers de pintura, ateliers de
fotografia, etc., geridos por organizações não governamentais, com apoio e supervisão
do serviço local de saúde mental da área e financiamento da segurança social.

10.4 – TREINO DE APTIDÕES SOCIAIS


Esta é uma técnica frequentemente utilizada no tratamento e reabilitação dos doentes
com esquizofrenia. A simples tarefa de ir ao supermercado mais próximo, comprar um
pacote de açúcar, requer um conjunto de aptidões sociais que muitos destes doentes não
possuem.

Torna-se assim necessário treinar um conjunto de aptidões sociais que podem passar
pelo simples contacto com o olhar, a forma de iniciar uma conversa mantendo um
volume de voz adequado, seleccionar os tópicos adequados para mantê-la e saber como
terminá-la.

O treino de aptidões sociais pode ser dirigido quer aos comportamentos mais simples,
quer a outros mais complexos. Habitualmente, este tipo de intervenção terapêutica é
realizado com pequenos grupos de doentes, procurando-se, através da repetição,
promover a retenção de informação. São utilizadas com frequência nestas sessões
exercícios de role-playing, em que são simuladas várias situações práticas,
proporcionando, deste modo, aos doentes uma participação activa e directa no seu
processo terapêutico-reabilitativo.

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10.5 – ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E APOIO NA ESQUIZOFRENIA


A associação de educação e apoio na esquizofrenia (AEAPE) foi criada a 10 de Julho de
2002, com o estatuto de IPSS, com sede provisória no Hospital Júlio de Matos, em
Lisboa. A AEAPE tem como objectivo o apoio a pessoas com esquizofrenia e suas
famílias, dentro de uma perspectiva de humanização de cuidados e pleno respeito,
propondo-se, nomeadamente a:
• Intervir, a todos os níveis na defesa dos direitos, legítimos interesses e qualidade de vida das
famílias como prestadores informais de cuidados;
• Sensibilizar as instâncias oficiais competentes no sentido do reconhecimento do papel das
famílias como prestadoras informais de cuidados;
• Proporcionar informação científica e pedagógica para a promoção da saúde, a luta contra a
doença, a prevenção de recaídas, a reabilitação psicossocial e a inserção social dos doentes;
• Promover acções de investigação, informação e formação, com destaque para o combate ao
estigma e exclusão social e a abertura a uma cultura de cidadania, co-responsabilidade e
solidariedade;
• Colaborar com instâncias oficiais centrais e locais e cooperar com instituições nacionais e
estrangeiras que prossigam fins similares;
• Promover a publicação de documentação especializada no âmbito da associação.

III – TESTEMUNHO REAL


“Tudo começou (agora tenho consciência) numa noite fria de Inverno. Chovia
torrencialmente… Saíra há pouco tempo de casa dos meus avós, para ir viver com o
pai da minha filha. Depois de um dia de trabalho, preparo o jantar e espero que o meu
companheiro chegue. De repente toca o telefone, era ele dizendo-me para não esperar
por ele, pois iria fazer serão. Conformada, janto sozinha, arrumo a cozinha. Acendo
um cigarro, vou fumá-lo para a varanda. Continuava a chover… Subitamente começo a
ouvir passos vindos do meu quarto. Entrei em pânico, meu coração batia
descompassadamente. Era impossível ser alguém, pois estava sozinha! Continuava a
ouvi-los cada vez mais próximos de mim! Não via ninguém, e o ruído era cada vez mais
assustador… estava estática, de tanto medo que senti. Nessa noite, não "preguei olho".
Além dos passos, ouvia vozes de gente que não conhecia. Eram gritos aflitos de quem
precisava de ajuda. O que seria? Perguntava a mim mesma. Não contei a ninguém… O
tempo foi passando, e eu a olhos vistos piorava, continuando a não pedir ajuda, pois
achava que eram almas perdidas, pedindo-me auxílio. Fui a várias "videntes"e todas
elas me davam a mesma resposta: "É médium!" Estava assustadíssima. Não comia, não
dormia, começara a ter problemas no trabalho. Era uma incompreendida! (achava eu)

Entretanto engravido. Por incrível que pareça os sintomas da doença foram


diminuindo. Passei, a gravidez, sem sobressaltos. Apesar de continuar, a ver, sentir,
cheirar… (com menos intensidade).

/CDuque 2008-11-14 34
Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Nasce a Sara, e retomo a minha vida: trabalho, bebé, marido. Estava feliz! Mas más
notícias aguardavam-me. Minha querida avó falecera. Foi o choque. Nova recaída.
Achava que o espírito dela estava comigo, perseguia-me, por todo o lado, não para me
fazer mal, mas sim para me proteger e à minha filha.

Depois de 4 anos de união, separo-me. Vou para casa da minha (falecida) mãe. Foi
uma fase difícil, pois tinha que trabalhar, noite e dia para criar a minha filhota. Para
além dos sintomas já citados, sentia-me, triste, angustiada, vazia, pois a vida não me
sorria, parecia que o azar me perseguia. Fartava-me de trabalhar e nada tinha.
Relacionamentos falhados, excesso de trabalho, a incompreensão por parte dos meus
pais (achavam que estava metida na droga). Fui ao fundo do poço, julgava adivinhar o
futuro dos "meus amigos", tirei cartas, tinha visões de figuras bíblicas (incluindo
Jesus). Eu achava que era um "ser especial". Até conhecer o pai do meu filho. Estava
feliz (novamente) tinha uma casa, um bom ordenado, e mais abençoada com o meu
segundo filho. Tudo piorou 2 anos depois. Estava desequilibrada! Não conhecia
ninguém, não comia, não dormia, não cuidava da casa, faltava constantemente ao
trabalho. Só queria estar em Igrejas pois pensava, que era "solo sagrado" estando lá,
os espíritos largavam-me. Mas na realidade era bem diferente!

Estava a perder o juízo.

Fui abandonada pelo pai do meu filho.

Humilhou-me, tirou a minha dignidade, o meu filho, o meu dinheiro, a minha casa…
finalmente fui internada. Comecei a ter consciência do que estava a acontecer.

Nos primeiros 15 dias, continuava a viver no mundo da ilusão. Tinha medo… medo de
não ser boa pessoa, boa esposa, boa mãe, boa filha, boa irmã…

Mas graças ao médico que me assiste, a quem devo a minha gratidão tenho esperança
de um dia poder contar, principalmente aos meus filhos, o porquê do meu sofrimento,
meu, e de quem gosta de mim.

Presentemente, não tenho tido recaídas. Mas não me sinto como há 10 anos atrás. Era
uma rapariga alegre e desinibida.

Hoje sinto-me mais retraída, mais apática, por vezes com falta de iniciativa,
complexada (engordei 40 Kg) por vezes triste, pois quem eu julgava ser meu amigo,
simplesmente ignorava-me, achando que sou doida. Mas apesar de tudo isto, tomei
consciência da realidade e do meu problema, e tudo farei, dentro das minhas
limitações, para conquistar o meu amor próprio e o respeito por mim mesma e
simplesmente aceitar a minha actual condição.

/CDuque 2008-11-14 35
Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Faço-o por mim, pelos meus filhos e irmãos. (Tenho um irmão que sofre da mesma
doença.)”

Paula Santos

IV – CONCLUSÃO
A esquizofrenia foi durante muitos anos sinónimo de exclusão social. Estes doentes
eram, até há algum tempo atrás, frequentemente colocados em hospitais psiquiátricos ou
asilos para doentes mentais, ficando nestes locais durante muitos anos ou até o resto das
suas vidas.

A doença não é anónima. Tem nome. O nome é “esquizofrenia”. Não envergonha


ninguém. E se alguns usam o termo “esquizofrénico” com o intuito de ofender outra
pessoa deviam pensar melhor, pois o nome de uma doença, que aflige pessoas e
familiares, deve ser respeitado!

O nome não deve assustar. Maior problema está em não diagnosticar a tempo para evitar
uma maior deterioração ou minimizar a doença. Ou não fazer a terapêutica certa para
evitar recaídas e o consequente agravamento. A pessoa com esquizofrenia é uma pessoa.
Pensa, sente, avalia, age, tem as suas ideias sobre o que se passa consigo próprio. Tem
desejos, poderá ter projectos. Assim que lhe criem as condições de apoio para o seu
tratamento e recuperação para uma vida social activa. A pessoa pode e deve ser, com
todo o tacto, no momento certo, levada a saber sobre a doença, sobre os sintomas e
como evitá-los, sobre os tratamentos, etc. Deve poder aprender a queixar-se, a saber
avaliar os efeitos do tratamento, deve saber reivindicar os seus direitos, pode e deve
“desalienar-se” numa interacção aberta com os outros.

Por sua vez, o público em geral tem ainda muito que aprender sobre as doenças
psiquiátricas: são as doenças que mais dizem sobre a natureza humana, um livro por
abrir sobre os nossos limites e fragilidades.

A pessoa fala, tem direito à palavra, tem direito a ser ouvida, tem direito a ser
respeitada, mesmo no seu desacerto temporário ou persistente. Tem direito a saber mais,
a aprender, a ser reconhecida. Mas mal iríamos se, num grande salto para o erro, a
doença fosse subestimada, considerada nada, como se não existisse já, como se a
pessoa, por ter estatuto igual, pudesse ser sujeita ao mesmo stress, às agruras da vida,
sem protecção, sem apoio, sem a primazia do direito à saúde mental, só possível através
do conveniente tratamento psiquiátrico, incluindo uma necessária hospitalização ou vida
apoiada.

/CDuque 2008-11-14 36
Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Mal seria que não se desse a devida atenção aos limites e às possibilidades de cada um,
num voluntarismo desajustado, apenas válido para ensaios políticos e bonitos currículos
sem contacto real com pessoas portadoras de esquizofrenia. A dimensão da saúde
mental não se mede pelo rendimento da pessoa. Poderá medir-se pela aceitação do que
melhor se ajusta a cada pessoa sem prejudicar a saúde e o equilíbrio.

Fingir que a pessoa portadora de esquizofrenia não tem dificuldades e limitações é uma
normalização fictícia, inconsciente da realidade da doença e ignorante dos princípios
humanistas.

No que se refere particularmente ao esquizofrénico enquanto pai e/ ou mãe talvez os


maiores problemas sejam, realmente, na esfera da atenção parental e na possibilidade da
transmissão genética da esquizofrenia. Geralmente, apenas 30% das crianças filhas de
pacientes com problemas psiquiátricos graves (Psicose Puerperal, Esquizofrenia e
Episódios agudos de Transtorno Bipolar) recebem atenção parental satisfatória.
A melhor conduta que se pode idealizar, na questão das pacientes esquizofrénicas e do
ponto de vista científico, é prevenir a gravidez. Conhecendo os riscos, a própria
paciente ou, mais provavelmente, os familiares, devem optar por algum método
anticonceptivo constante ou até definitivo.

Eticamente, não se pode proibir que as pacientes psicóticas engravidem. Caso isso
aconteça, as atenções pré-natais devem ser redobradas, valendo-se de um psiquiatra
juntamente com o obstetra e com o apoio da família é possível que os pais
esquizofrénicos consigam educar os seus filhos.

Como já referimos a família tem um lugar essencial, sendo que quase sempre os
familiares são os maiores conhecedores das verdadeiras necessidades dos utentes,
necessidades assistenciais, reabilitativas, ocupacionais, habitacionais, jurídicas,
patrimoniais, etc… Uma família saudável, abnegada, dedicada, cria condições para uma
recuperação mais conseguida. Por outro lado um tecido familiar destruído, com
carências, pobreza, discórdia, terreno fértil para a pessoa doente ser mais um mal para
os outros e para o próprio.

Em suma podemos concluir que a esquizofrenia, pelas suas características, requer uma
abordagem terapêutica abrangente. É por isso necessário intervir não só ao nível
farmacológico, controlando os sintomas da doença, como também é importante intervir
ao nível social, psicoterapêutico, psicoeducativo, familiar e ocupacional… para que
serve controlarmos os sintomas da doença se não apoiamos o doente na sua reintegração
social? É importante para estes doentes sentirem que podem voltar a ter uma
oportunidade em desempenharem um papel activo na sociedade. E nós, como futuros
enfermeiros, vamos ter um papel essencial… é necessário acabar com esta
discriminação!
/CDuque 2008-11-14 37
Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

V – BIBLIOGRAFIA
AFONSO, Pedro – Esquizofrenia: Conhecer a Doença. 2ª Edição; Lisboa; Climepsi
Editores; 2002

AMARO, Thierry; DALERY, Jean – A Esquizofrenia: Investigações actuais e


perspectivas. 1ª Edição; Lisboa; Climepsi Editores; 2001

BASTEIRO, Sílvia; GIL, Carmen; MARÍN, Remédios – Guia para Familiares de


Doentes Mentais. 1ª Edição; Lisboa; Edições FNAFSAM; 2003

BRAGAN«A, Miguel; MATOS, Manuel; SOUSA, Rui – Esquizofrenia de A e Z. 1ª


Edição; Lisboa; Climepsi Editores; 2003

CASTLE, David; KULKARNI, Jayashri; McGRATH, John – As Mulheres e a


Esquizofrenia. 1ª Edição; Lisboa; Climepsi Editores; 2003

CUNHA, Inês; DINIS, Marina; NOBRE, Alice – A(s) Esquizofrenia(s). Lisboa;


Nastintas; 2001

Sites Consultados

http://www.aeape.pt

http://www.openthedoors.com/

/CDuque 2008-11-14 38

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