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0. Introdução …………………………………………………….
1. A contraprodutividade no ensino…………………………….
Toda a situação criada por estes dois últimos documentos (ECD e ADD) faz-me lembrar
a “história do burro” que é uma bela alegoria do que está acontecer-nos como
professores (titulares ou não). A história reza o seguinte:
“Um dia, o burro cansado, sobrecarregado pelo camponês a mando de quem trabalhava,
com tantos e tantos fardos às costas, caiu num poço mandado fazer pelo próprio
lavrador na ânsia de encontrar água e fortuna. O animal chorou fortemente durante
horas e horas, apesar do camponês, disfarçadamente, tentar mostrar-lhe que fazia algo
para o tirar do poço, para o seu bem.
Finalmente, o camponês decidiu que o burro já estava velho e o poço já estava seco e
necessitava de ser tapado de qualquer modo, que realmente não valia a pena tirar o
burro do poço. Convidou todos os seus vizinhos para que viessem ajudá-lo. Cada um
agarrou uma pá e começaram a atirar terra para o poço. O burro deu-se conta do que
estava a passar-se e chorou horrivelmente. Mas, para surpresa de todos, depois de umas
tantas pazadas de terra, acalmou-se.
O camponês finalmente mirou o fundo do poço e surpreendeu-se com o que viu... com
cada pazada de terra, o burro estava fazendo algo incrível: sacudia a terra e dava um
passo por cima da mesma; outra pazada de terra e o burro de novo a sacudia e dava um
passo encima dela. E assim por diante. De repente toda a gente viu, surpreendida, como
o burro chegou até à boca do poço, passou por cima da borda e saiu a trote...”
Moral da história:
O inimigo – o próprio diabo ou através de outras pessoas ou situações – vai atirar-te
terra, todo tipo de terra... O truque, para sair do poço, é sacudi-la e usá-la para dar um
passo acima. Cada um dos nossos problemas é um degrau até ao cimo. Não podemos
sair dos mais profundos buracos se no nos damos por vencidos... Usa a terra que te
atiram para seguir adiante.
Com a chave da metáfora, agora, é só reler a história e pôr em prática a lição que ela nos
dá. Foi o que eu e muitos outros fizemos.
1. A contraprodutividade no ensino.
3º - A frustração dos professores por terem investido tanto esforço e tempo e terem
colhido tão magros resultados.
3
O aluno encara a própria avaliação escolar como algo externo que lhe é imposto de forma heterónoma; a
verdadeira avaliação é uma auto-avaliação, ou melhor, uma aprendizagem autónoma que resulta, como
dizia Descartes no seu Discurso…, do sucesso ou fracasso que cada um experimenta quando põe à prova,
nas diferentes situações ou desafios da vida (que pode ser uma prova na escola ou de candidatura ao
ensino superior feita pelas e nas próprias universidades, ou uma prova de selecção para um determinado
trabalho), as suas ideias, saberes, competências e conhecimentos.
A razão é simples e sabemo-la desde Sócrates, passando pel’O Mestre de St.º
Agostinho até às pedagogias contemporâneas da «escola nova»: ninguém ensina nada a
ninguém, cada um tem de descobrir o saber por si4, de acordo com a sua paixão e
motivação5, pela sua própria iniciativa e na relação e interacção com os outros.
As observações feitas por Le Bon acerca da diferença entre o ensino latino e anglo-
saxão, há quase um século, mantêm-se espantosamente pertinentes e actuais no que
respeita à contraprodutividade do ensino heterónomo em geral:
Donde resulta que, não havendo trabalho para todos na administração pública, nos
departamentos administrativos do Estado ou das empresas públicas, no ensino, etc., vai
crescer enormemente o desemprego de diplomados em conhecimentos inutilizáveis ou
inúteis, transformando-os em revoltados prontos a aderir, em qualquer altura, a qualquer
movimento demagógico que apresente uma “solução do problema”, como uma varinha
de condão, porque, sem iniciativa e capacidade empreendedora, na sua passividade,
estão sempre à espera que alguém, o Estado, a política, resolva o problema por eles!
Com efeito, adormecidos na passividade do ensino heterónomo, nunca se habituaram a
pôr questões/problema e a desenvolver a capacidade criativa, imaginativa e
empreendedora.
4
… “Aqueles que são chamados discípulos consideram consigo mesmos se se disseram coisas
verdadeiras, e fazem-no contemplando, na medida das próprias forças, aquela Verdade interior de que
falámos. É então que aprendem.” St.º Agostinho, O Mestre, Trad. António Soares Pinheiro, Porto Editora,
1995, pp. 97/8.
5
Quando o saber não é imposto, cada um procura-o de acordo com as suas motivações e paixões. Se é
imposto, se o aluno não tem liberdade de escolha, de investigar o que mais lhe interessa, ele desmotiva-se
e o ensino heterónomo torna-se uma maçada.
6
Le Bon, Psychologie des Foules, Éd. Librairie Félix Alcan, Paris, 1912, pp. 75 e 76.
Obviamente que não há aprendizagem e respostas se primeiro não houver questões.
Não é por acaso que os alunos que apresentam melhor rendimento, mesmo no ensino
heterónomo, são aqueles que já beneficiaram ou beneficiam ainda de duma dinâmica
considerável de aprendizagem autónoma no ambiente familiar e social. Estes alunos
encaram o ensino heterónomo como mais uma oportunidade de enriquecimento pessoal
na medida em que este lhes permite responder a algumas questões intelectuais cuja
solução não lhes foi possível encontrar em casa ou em contacto com os amigos. Mas,
quando o ensino heterónomo não lhes traz nada de novo, torna-se um sacrifício penoso
estar nas aulas pois entendem que elas são um desperdício de tempo quando, se lhes
fosse dada oportunidade, poderiam fazer investigações muito úteis, em experiências de
laboratório, em ateliers, em bibliografia especializada, na Internet, etc., (se a escola
estivesse pensada e dirigida para a aprendizagem autónoma) na procura de respostas às
suas inquietações…
Os outros alunos, que não trazem de casa uma dinâmica de aprendizagem autónoma
e a única experiência que têm da aprendizagem não é senão a heterónoma, sentem que a
escola é um pesado fardo que têm que suportar por obrigação da família e do Estado. A
escola pouco lhes diz ou não lhes diz absolutamente nada. A sensação que têm é a de
que aquilo que supostamente aprendem não lhes serve de nada por quatro razões:
2ª - Esse discurso não lhes responde às suas reais necessidades e problemas e, por
isso, desinteressam-se;
4ª - Finalmente, porque o saber lhes aparece como algo heterónomo, algo que não
lhes diz respeito ou que não entendem, agarram-se à memorização, quando se sentem
forçados a prestar provas, mas cujos resultados atestam, precisamente, a não assimilação
e a não assumpção pessoal do conhecimento (insucesso escolar).
Não vamos cair no exagero das pedagogias libertárias e utópicas que propunham
uma sociedade sem escola7, mas também será errado pensarmos que a aprendizagem só
7
A sociedade sem escola (que defende Ivan Illich na obra com este nome) já existiu e ainda existe. Nas
sociedades tribais e rurais tradicionais, os rapazes e raparigas aprendem tudo quanto precisam de saber
para viver em sociedade e no seu meio apenas observando e imitando os mais velhos. As novas
ferramentas como o computador e programas informáticos especialmente concebidos para a
aprendizagem, assim como a Internet, permitirão criar, num futuro próximo, as condições para uma
aprendizagem autónoma, no domicílio, sem escola, sem “aulas de 45 ou de 90 minutos” e com a
possibilidade da auto-avaliação!
se pode fazer de modo formal, burocrático, super-regulamentado e em massa,
eliminando todos os espaços, dentro da escola, para a aprendizagem autónoma, sem
professor, sem controlo do professor, apenas com a sua ajuda a pedido do estudante. Os
alunos, sobretudo aqueles que em família não tiveram a experiência da aprendizagem
autónoma, deverão ter espaço e tempo na escola para investigarem pelos seus próprios
meios o seu próprio saber depois, obviamente, de uma boa motivação para as delícias e
vantagens que esse saber lhes confere. O professor, em vez de um mero transmissor de
saberes que segue a cartilha universal e centralizada, deve ficar remetido a um papel de
orientador que, de forma personalizada e individualizada, vai dando pistas, sugestões,
tirando dúvidas, alertando para os erros e, ao mesmo tempo, fornecendo os meios para
que o aluno possa resolvê-los. Se e quando o aluno é bem sucedido, cabe ao professor
assinalar o seu progresso, elogiá-lo e mostrar que ele pode ir bem longe porque está no
bom caminho. É absolutamente necessário este reforço afectivo na medida em que
aumenta a confiança no aluno e lhe faz crescer a auto-estima e a motivação para o saber.
Por sua vez, o Ministério da Educação não deve ter a preocupação e a tentação
napoleónica de tudo regulamentar, centralizar, supervisionar e dirigir: reuniões
intercalares, de avaliação ou disciplinares, conselhos de turma, preenchimento de
formulários, fichas, mapas, grelhas, etc., e ainda inspecções disto e daquilo 8 para
verificar se os meios e instrumentos do ensino heterónomo e contraprodutivo foram bem
aplicados, se as regulae e normas foram cumpridas. Quanto aos fins – já que toda a
orientação da política educativa se centra nos meios – isso não é tão importante: não
importa se aluno desenvolveu competências e adquiriu saberes; o que está em causa é
que a máquina burocrática tenha funcionado consoante as normas e regulamentos que
empanturram o funcionamento da escola, derivando daí contraprodutividade e insucesso
que se atesta pelo fraco desempenho dos alunos quer nos exames, quer nas provas
internacionais.
8
Assinale-se que a ocupação na função de inspecção do cumprimento eficaz das normas para a
contraprodutividade ou insucesso escolar, retira ao ensino um bom número de professores que
concorreram para inspectores. Poderíamos ainda acrescentar os milhares de professores destacados para
os diferentes departamentos ministeriais (ME, DREs, CAEs, etc.) e sindicatos que asseguram o “bom
funcionamento da máquina burocrática” do ensino heterónomo contraprodutivo. Isto é
contraprodutividade ao cubo: o ensino já é contraprodutivo porque heterónomo; para supervisionar, vigiar
e garantir as condições materiais, organizacionais e humanas para o “bom” funcionamento da máquina
burocrática contraprodutiva, retiram-se ao ensino professores cuja função é tudo menos ensinar. Os Srs.
inspectores e demais professores destacados perdoar-me-ão porque eles, tal como os professores em geral,
não têm culpa do sistema contraprodutivo de que fazem parte!
A escola, o professor e os alunos não têm espaço para a iniciativa e criatividade. Os
docentes e a escola ficam remetidos a meros executores de medidas centralizadoras e
uniformes, onde tudo está definido desde os conteúdos a leccionar até ao modo como se
deve leccionar e avaliar, ponto por ponto. Nada escapa ao controlo e dirigismo
centralizador e centralista. Chega-se, por vezes, à situação absurda e ridícula, de tão
excessivo dirigismo e regulamentação centralizadores, que a escola e os professores
mais parecem mentecaptos e acéfalos e que, por isso, a única coisa que lhes é permitida
fazer, tal qual o operário numa linha de produção taylorista, não é senão cumprir
sequencialmente ordens atrás de ordens, ordenações e contra-ordenações, regulamentos
atrás de regulamentos, reuniões pré-formatadas atrás de reuniões igualmente
formatadas, preenchimentos de formulários atrás de formulários, de fichas atrás de
fichas, burocracia atrás de burocracia, enfim, uma sobrecarga de trabalhos
contraprodutivos e inúteis que mais não servem senão para preencher o tempo dos
professores e engrossar os dossiers. Enquanto isso, aquilo que seria suposto que
fizessem – ensinar 9 – criando espaços para a aprendizagem autónoma (em total
liberdade quanto aos métodos pedagógicos ou caminhos seguidos e quanto aos meios,
considerados mais adequados às circunstâncias) – vai ficando cada vez mais reduzido a
nada10.
9
…“Esta palavra «ensinar» parece que foi banida do vocabulário [do novo estatuto da carreira docente]”.
Cf. Nuno Crato, em entrevista à Revista Pública – Jornal Público de 18 de Junho de 2006 – p. 10.
10
“E as funções do professor deixaram de ser ensinar.” Ibidem, p. 8.
única, centralizada e burocrática “as escolas não têm autonomia para nada” 11. Por isso, o
Ministério não deveria estar tão preocupado em tudo dirigir e tudo supervisionar a partir
do centro, mas apenas avaliar, através dos resultados, numa avaliação externa, as
escolas, premiando aquelas, seus respectivos professores e direcção que, em função de
determinadas condições objectivas avaliadas à partida, apresentassem bons resultados à
chegada, e permitindo aos pais e alunos a possibilidade de escolher a escola pública da
sua preferência, em função da forma concreta do trabalho pedagógico desenvolvido e
dos resultados por ela apresentados.
Jean-Pierre Dupuy, o maior filósofo francês vivo, inspirado nos trabalhos de Ivan
Illich, demonstrou que a contraprodutividade do trabalho resulta, na maior parte das
vezes, desta mentalidade tecnocrática, utilitarista e consequencialista, que procura
sempre e sempre mais meios para atingir os fins. De tanta preocupação com os meios, o
trabalho perde-se nas “técnicas” e nos “instrumentos”, nos “recursos”, na “preparação”
e nas “estratégias” e, quanto ao fim propriamente dito, esse fica esquecido ou não é
atingido por causa do desperdício de tempo nos meios. Vou dar um exemplo simples
dos transportes. Imaginem que toda a população de um determinado território se
11
Ibidem, p. 10.
convence, por efeito mimético, que o automóvel é o meio mais racional, muito mais
rápido e confortável para fazer as suas deslocações do que os transportes públicos.
Todos, fazendo o mesmo e às mesmas horas, entopem as ruas e estradas e ninguém
anda: demora-se muito mais tempo do que andar de bicicleta ou até mesmo a pé.
Conclusão: uma decisão aparentemente racional, inteligente e correcta revelou-se
absurda e contraprodutiva, perversa.
O mesmo se passará e já se passa com este modelo de avaliação: ele insiste tanto
nos “meios” para o ensino, nas “estratégias”, nas “preparações” e “planificações”, nos
“recursos” e nas “técnicas” que o fim (o ensino e a aprendizagem) ficará num lugar
muito secundário o que, como tem sucedido, se irá provar nas provas internacionais dos
nossos estudantes. Os professores vão gastar muito mais tempo do horário normal de
trabalho por semana (35 horas) a dizer e a explicar o que vão fazer e, depois, a explicar
o que fizeram e como o fizeram do que a ensinar e a ajudar os alunos a aprender. Daí
resultará uma enorme contraprodutividade que os resultados dos exames não
conseguirão disfarçar.
1º - A progressão dos seus alunos que se mede pela comparação dos resultados
médios entre uma avaliação diagnóstica exaustiva e completa à partida e uma avaliação
sumativa aferida à chegada, podendo professor retirar uma ou outra turma cuja
motivação para os estudos é abaixo de zero;
PS: Foi este texto que, apelando para uma suposta manifestação nacional dia 15,
deu um empurrão à Plataforma Sindical para que esta convocasse a manifestação de
professores no dia 8 de Novembro de 2008, com o sucesso que se conhece.
Na verdade, como diz Rodríguez Neira na sua Teoria de la Educación, Vol. 2, (Ed.
Universidad Nacional der Educación a Distancia, Madrid, 1999), “todas as práticas
educativas, em todos os povos e sociedades, manejam modelos antropológicos que, às
vezes, não chegam nunca a explicitar-se na consciência [dos seus autores]. Com
frequência a educação se promove em termos de objectivos imediatos, de regras de
eficácia, de exigências sociais ou de mercado, que excluem directamente qualquer
referência a modos de existência ou a concepções de homem. O paradoxo, contudo,
consiste em que estes mesmos factos, projectados no tempo e implantados como formas
de cultura, produzem uma certa visão de homem. Talvez um homem sem sujeito
humano que o suporte, talvez um homem somente entendido como um sistema de
atributos operativos, mas, em definitivo, um tipo de existência e uma forma de ser” que
nós, como sujeitos e professores, abominamos. É esse o verdadeiro motivo do nosso
receio e revolta.
Apesar da Gestalt já ter demonstrado que o atomismo está errado, um século depois
voltamos a uma concepção atomista da educação e da avaliação, em que a soma das
parcelas vai dar um todo e em que é sempre e sempre possível demonstrar
calculisticamente que esse todo é deficiente porque alguma das partes, associada às
outras, dá um resultado inferior a cem por cento. É possível calcular, demonstrar, que
todos os professores estão abaixo dos cem por cem e que, portanto, nunca deverão ser
remunerados como bons ou óptimos profissionais.
Como vêem há aqui uma armadilha diabólica e perigosa cujo objectivo último, para
além do tal tipo de homem e de sociedade de que falamos, é poupar nos recursos
humanos da educação, arranjar uma educação baratinha à custa dos professores para os
filhos dos pobres porque os ricos dispõem de dinheiro para pôr os seus filhos nos
melhores colégios privados do país ou até mesmo do estrangeiro.
Os ideólogos deste modelo não foram capazes de perceber que a progressão dos alunos
não é um item mas uma emergência resultante da combinação de um conjunto de
factores que dependem directamente do professor – tais como preparação e habilidade
pedagógicas, sua preparação científica, sua motivação para a docência, sua capacidade
de motivação dos seus alunos, preparação das suas aulas, execução das mesmas e
capacidade de avaliação diagnóstica, formativa e sumativa – e de outros alheios à sua
vontade tais como dimensão e natureza dos programas, condições organizacionais e
materiais do exercício da sua profissão, ambiente familiar, cultural e sócio-económico
das famílias dos seus alunos (por isso é que se deve ressalvar a hipótese do professor
poder retirar da sua avaliação alguma turma em que o exercício da sua profissão é
especialmente difícil senão mesmo impossível). Assim, numa avaliação holista deveria
ter-se apenas em conta o que depende directa e indirectamente do professor e numa
perspectiva global: a progressão dos alunos que se poderá medir com a comparação dos
resultados numa avaliação diagnóstica completa e exaustiva à partida com os resultados
de uma avaliação sumativa aferida e externa à chegada, a cooperação com os colegas e a
participação e o empenho do professor nas actividades da escola, a formação e a
publicação de estudos e artigos relevantes na área científica ou profissional e, como
funcionário, a sua assiduidade e pontualidade. O resto é burocracia e
contraprodutividade.
Vejamos:
Competências científica e Sala de aula/turma
Pedagógica Progressão e evolução dos
Planificação do trabalho alunos
Qualidade da sua execução
Motivação e
Capacidade de motivar
+
Cooperação
Planificação
Escola/Comunidade
Execução
Actividades pedagógicas e
culturais
+
Assiduidade
Pontualidade Funcionário
Estudos +
Formação Produção e Publicações
Reflexão internas ou externas
Poderão os leitores perguntar: Mas o que tem a ver este modelo da ADD com uma
receita de culinária?! Aparentemente nada. Todavia podemos muito bem estabelecer um
paralelo dado o carácter atomista do modelo de avaliação. Vejamos uma receita, por
exemplo, de uma salada sofisticada, para duas pessoas, com uma diversidade e
variedade muito grande de ingredientes: 200 gramas de tomate; 100 de alface, 200
gramas de pepino, 200 gramas de salmão fumado, 50 gramas de fios de cenoura, mais
100 gramas de fatias de melão, 50 gramas de queijo, 10 gramas de azeitonas, 90 gramas
de presunto, 100 gramas de cogumelos laminados – uma excelente refeição em que cada
um come cerca de meio quilo de salada! Para beber aconselha-se uma bebida fresca:
1000 mililitros de sumo de laranja e, finalmente, dois cafés e um pequeno digestivo que
poderá ser Whisky ou licor para a senhora.
Como se avalia o modo como o cozinheiro preparou a refeição? Ora bem, somando
as parcelas de todos os ingredientes sólidos, obtemos o valor de 1000. Juntando ainda a
bebida bem medida, obtemos também 1000 e se não se esquecer de apresentar os cafés e
tiver a amabilidade de oferecer o digestivo, a refeição é excelente. A soma de tudo
ultrapassa os 2000. Na escala de 1 a 20, o cozinheiro merece 20, ou seja, excelente.
Vou usar uma metáfora para percebermos em que consiste, de facto, essa
autonomia.
Imaginem que eu, por decreto, obrigo os professores das diferentes escolas a
dedicarem-se ao roubo. É claro que a esmagadora maioria, senão mesmo a totalidade
dos professores, não deseja roubar, mas, por imposição superior tem que o fazer. Mais,
por decreto declaro que os professores são autónomos quanto ao modo de fazer o roubo:
podem escolher e definir os instrumentos através dos quais farão o roubo, se entram
pela porta, pela janela ou pelo telhado; se vão assaltar à mão armada ou preferem o
conto do vigário ou outras formas ainda mais sofisticadas. Os professores são
autónomos no modo de organização para roubar, na selecção dos instrumentos para o
fazer, nas estratégias usadas para consumar o acto de furtar. Todavia é-lhes exigido que
apresentem o produto do roubo, pois é em função dos resultados obtidos que serão
avaliados: se gamarem um carro de gama alta e as jóias dos donos ou algo em valor
igual, terão excelente; se forem capazes de roubarem o carro de gama média-alta e
algumas jóias entre o valor de 80 a 89 mil euros, então terão muito bom, e assim
sucessivamente. Como vêem os professores têm uma larga autonomia quanto ao modo
como vão fazer o furto e quanto às estratégias e métodos, mas sentem-se coagidos a
fazer algo de que visceralmente discordam e têm boas razões para tal. Será isto uma
verdadeira autonomia? Foram os professores, as organizações e associações de
professores convidados a participar no debate e na elaboração do seu modelo de
avaliação do desempenho? Tal como nesta situação virtual, o roubo lhes foi imposto, de
igual modo… São obrigados a avaliar e a ser avaliados, mas são “autónomos”!
PS: Estes dois últimos textos foram escritos no rescaldo da “formação para
professores avaliadores” nos finais de Julho de 2008.
Podem, contudo, objectar: nem todas as turmas, nem todos os alunos, têm o mesmo
grau de motivação para os estudos. Isso é uma verdade incontornável. Neste caso, o
professor deveria poder escolher, com o aval do Conselho Executivo (CE), no período
dos três anos, as turmas sobre que incidiria a sua avaliação, pois não é de prever que o
CE duma escola atribua sempre, ao mesmo professor e durante tanto tempo, turmas e
alunos, provenientes de certos estratos sociais, à partida, sem motivação para os
estudos. O ministério não deveria preocupar-se, como está a suceder, com a super-
regulamentação, vigilância e punição dos professores e do seu trabalho, em que ocupa
umas largas dezenas de inspectores – e outros professores destacados para lugares de
direcção e avaliação – mas pelos resultados e progressão dos alunos e avaliar os
professores pelo que estes conseguiram fazer nos e dos seus alunos. Deveria, portanto,
dar total autonomia pedagógica às escolas e aos professores e preocupar-se apenas com
os resultados na educação dos jovens.
Porque sucede tudo ao contrário? Porque, na educação, em vez do Simplex nos dão
Complicadex?
Pedimos aos Srs. Deputados que reflictam sobre esta grave problemática e que,
sobre a mesma, façam aquilo que vos compete: vigiar o Governo na acção governativa,
nomeadamente, no âmbito da educação. Esta não é sectorial, de interesses particulares,
mas universal, transversal a toda a sociedade… Daí a urgência de um debate sério na
Assembleia da República.
Aguardando de Vªs Ex.ªs a vossa compreensão sobre este assunto que tanto tem
preocupado pais, professores e o país de uma maneira geral, agradecemos desde já, a
atenção prestada.
Já me referi de forma esparsa aos tais efeitos perversos (conceito que vou buscar a
Raymond Boudon) e contraprodutivos (conceito de Ivan Illich e de Jean-Pierre Dupuy),
mas nunca os sistematizei, tarefa a que, agora, me dedico, aproveitando a pausa da
Páscoa. Em primeiro lugar, efeitos perversos no sentido de Boudon são genericamente
efeitos de acções ou decisões que, levadas à prática por um conjunto muito vasto de
pessoas, por efeito de composição ou agregação, geram consequências imprevistas, não
desejáveis (embora, por vezes, possam ser desejáveis – veja-se, por exemplo, o conceito
de mão invisível de Adam Smith: cada um, o sapateiro, o padeiro, o cervejeiro, etc., ao
lutar pelo seu egoísmo, seu “amor próprio”, gera o bem comum, a riqueza das nações)
que, na maior parte das vezes, são contrárias àquilo que seria suposto esperar. Ivan
Illich e Jean-Pierre Dupuy chamam-lhe de contraprodutividade.
Mas quero pensar que, por trás deste modelo, não há tamanha perversão. Por isso,
limito-me a indicar os efeitos perversos no sentido de Boudon ou contraprodutivos no
sentido de Dupuy e demonstrar que o mesmo, levado à prática por um conjunto muito
vasto de professores, terá efeitos contrários ao anunciado: a melhoria dos resultados dos
alunos. Vejamos:
Cada professor apresenta o seu portefólio onde compila o mais significativo da sua
documentação desde as fichas de avaliação diagnóstica até aos recursos utilizados nas
aulas e faz a respectiva avaliação crítica. Avalie-se os professores também pela
progressão dos seus alunos comparando a média de uma avaliação diagnóstica aferida, à
partida, com uma avaliação externa aferida à chegada, ressalvando, no entanto, a
possibilidade de o professor poder retirar, em concordância com a direcção da escola,
alguma turma especialmente difícil oriunda de meios, que se sabe, em que não há
qualquer motivação para os estudos, mas aqui o ministério deveria dar inteira liberdade
aos professores de fazer o seu trabalho adaptado à conjuntura social dos alunos sem
estar preocupado com o “cumprimento do programa”. O empenho nas actividades da
escola seria outro factor a avaliar bem como a pontualidade e assiduidade. Este modelo
é simples, eficaz, objectivo e produtivo e tem a vantagem de fazer pressão sobre os
alunos e suas famílias e de não dividir os professores, para além de lhes deixar o tempo
livre para o tal apoio individualizado e personalizado aos seus alunos.
12
Jean-Pierre Dupuy, Pour un catastrophisme éclairé – Quand l’impossible est certain (CE), Éd. du
Seuil, Paris, 2002, p. 41. Dupuy distingue “racionalidade económica”, baseada na maximização do
interesse próprio ou egoísta, da “racionalidade consequencialista”, baseada na maximização do interesse
do maior número, mas ambas irreconciliáveis com a moral deontológica cuja lei imparcial é imposta pela
razão e a qual nos obriga a respeitá-la. Cf. Jean-Pierre Dupuy, Pour une éthique des sciences et des
techniques, Éd. École Polytechnique (Palaiseau), Paris, 2005, pp. 9/10.
Mas, para que estes objectivos tenham um sentido e uma unidade, a escola deve ser
pensada como um todo e, então, é necessário uma política da escola adequada à
população estudantil e ao meio em que se insere, quer dizer tornou-se necessário antes
elaborar um outro instrumento ou meio considerado fundamental: o Projecto Educativo.
E, para o elaborar, os professores da respectiva equipa tiveram que reunir e reunir e
encontrar meios para realizar este fim. No final de contas, tanto gasto de energias,
tempo e recursos nestes meios que, para a política educativa se tornam fins em si
mesmos e de capital importância, faz com que o fim da actividade do professor (o
ensino e a aprendizagem dos alunos em liberdade e responsabilidade) se perca de vista
apesar de se dizer que estes meios estão ao serviço do fim que, supostamente, serviriam.
Com isto não quero dizer que a escola não deva ter um projecto educativo, o que quero
dizer é que esta excessiva preocupação com os meios formais, de burocratizar e
instrumentalizar tudo, se torna contraprodutiva porque exige muito tempo e dispêndio
de energias que seriam muito mais úteis aplicadas no fim em vista.
Com efeito, quando o professor chega à sala de aula já está saturado de tantas
reuniões, de tanto preenchimento de grelhas e de tantas planificações formais de aula,
de unidade e de ano, de justificações, relatórios e projectos formais de recuperação e de
enriquecimento, e a disponibilidade física e mental, para o exercício docente, já estará
diminuída: a aula já não correrá tão bem como ele seria capaz se estivesse fresco, bem
disposto, alegre e motivado. Quando chega a casa, cansado de tanta burocracia e das
aulas, que já fez a custo, não tem energias nem vontade de ler um bom livro, de se
actualizar científica e culturalmente até porque tem que preencher um conjunto de
formulários, para engrossar os dossiês, tantos quantas as aulas e turmas que tiver a seu
cargo. Estando condenado à rotina e ao copy & paste, não tendo tempo para se
actualizar nem ler, entra numa fase de depressão e de estupidificação. As aulas perderão
qualidade e os alunos aprenderão menos. Aqui está, em evidência, a produtividade, ou
melhor, a falta dela, desta política educativa.
Ah! Já me esquecia: os papéis estão bonitos, têm fotos, gráficos coloridos, mapas e
grelhas. Podem ver-se: constam dos dossiês e dos portefólios e dos relatórios e dos
projectos e das actas. Só nos resta saber se os alunos desenvolveram conhecimentos e
competências, se estarão melhor formados como ser humanos e como cidadãos! O
futuro o dirá e – tenho a certeza – dar-me-á razão. O meu problema é que costumo ter
razão antes do tempo. Oxalá, desta vez, esteja enganado.
1º O produto a realizar não é passivo: são alunos, pessoas com vontade própria, com
uma educação e informação de base originárias do meio social e familiar e, portanto,
não é o mesmo que lidar com objectos inertes numa linha de produção.
Este modelo exige muito… mas dá muito pouco. Lembro que o horário normal do
trabalho do professor é de 35 horas! Eu pergunto a cada um dos avaliadores se,
honestamente, em 35 horas semanais conseguem preparar as suas aulas, dar as suas
aulas, corrigir os testes e trabalhos dos seus alunos; desempenhar a função de director
de turma e de coordenador com tudo o que isso implica; preparar e fazer todas as
reuniões de Departamento, das suas Turmas e do Conselho Pedagógico e a todas as que
estão obrigados a comparecer; assistir às aulas de x colegas de grupo ou departamento,
fazer a pré-observação (preparação) e, depois, a discussão das mesmas aulas; preencher
todos os formulários e instrumentos de registo; calcular percentagens e atribuir
classificações; fazer entrevista aos avaliados; analisar as reclamações e deferi-las ou
indeferi-las. Se acharem que sim, então considero-os super-professores e sinto-me
incompetente para a função e devo pedir a demissão. Se acharem que não, sinto-me
mais confortável e devem todos pedir a demissão ou pedir para serem (equiparados a)
orientadores de estágio porque sempre teremos outras condições de trabalho…
Outro efeito perverso deste modelo de ADD consiste no facto de, como está
concebido, ser um instrumento mais de poder do que de avaliação. A razão é simples:
existem dois avaliadores internos à escola. Um é o professor/avaliador que depende do
Coordenador de Departamento e este, com o novo modelo de gestão, dependerá do
Director Executivo; o outro é o próprio Director ou o membro do Executivo em que
forem delegadas as funções de avaliador. Logo, os dois avaliadores – mesmo o
pedagógico que é avaliado pelo Executivo – dependem da hierarquia do poder. Deste
modo e nestas circunstâncias, pode-se, pelo menos, questionar a independência deste
modelo e consequentes actos de avaliar…
Já aquele professor mediano mas que, pela sua postura simpática e agradável, pela
dinâmica nas actividades e outras “flores” pedagógicas, cair nas boas graças do poder,
poderá ter excelente classificação nos itens de carácter mais subjectivo e, assim,
ultrapassar aquele que tem maior rigor científico, que trabalha melhor nas aulas com
seus alunos, etc. Ora, como há numerus clausus, consciente ou inconscientemente, o
elemento do poder, que depende ele próprio de outras esferas do poder, irá beneficiar (e
condicionar o subordinado avaliador), na avaliação, aquele professor que lhe parecer
subjectivamente melhor nos tais itens não objectivos e de difícil ou impossível
quantificação e, obviamente, contestação.
Por isso, alguns têm absoluta razão em apelar para a necessidade de uma avaliação
externa e independente, sobretudo quando estão em jogo os níveis de Muito Bom e
Excelente.
Por isso também, é preciso muito boa vontade e uma grande dose de ingenuidade
para acreditar que este modelo vai contribuir para a melhoria do desempenho dos
professores e, pelo seu carácter burocrático e contraprodutivo, para a melhoria dos
resultados dos alunos.
Como se pode verificar, as tarefas somam a módica quantia de mais de meia centena de
tarefas distintas, a esmagadora maioria das quais repete-se um número considerável de
vezes pelo que, somando as tarefas diferentes e repetidas, no final do ano lectivo, o
professor/avaliador/coordenador/DT, etc., terá que realizar um número superior a
milhares de tarefas. Lembro que, por exemplo, a correcção dos testes multiplica pelo
número de turmas, pelo número de vezes que se aplicam os testes e pelo número de
alunos! Depois disto, alguém quererá ser professor e professor “titular”? Parece-nos
evidente que tudo isto obedece a uma estratégia surda e iníqua que é a de empurrar os
professores, especialmente os “titulares”, os mais caros e mais velhos, para a reforma
antecipada e, evidentemente, penalizada e quanto mais cedo, maior será a poupança do
Estado... de quê e para quê?!
Aqui fica um convite à Sr.ª Ministra para, como socióloga, fazer um “trabalho de
campo” vivenciando numa escola todo o conjunto de tarefas e responsabilidades a que
os professores titulares estão obrigados pelos seus decretos e leis. Seria o primeiro a ler
o relatório das conclusões do estudo.
14. Conclusão.
Impõe-se, de facto, uma conclusão no final desta história toda: por muita terra que
atirem para cima dos professores e areia para os olhos da opinião pública, é bom que se
diga alto e bom som que esta política educativa está redondamente errada. Não
contribui, ao contrário do que pretendem fazer crer (aqueles que têm os seus filhos nos
melhores colégios privados do país e até do estrangeiro), para a melhoria da escola
pública e, claro está, das aprendizagens dos alunos, mas visa tão só atingir objectivos
economicistas que consistem em poupar – sabe-se lá para quê – à custa da educação e,
portanto, do futuro das gerações vindouras.
A única saída desta história horrível, em que se pretende reformar à força os professores
mais velhos e mais caros e impedir os outros de progredirem na carreira por muito bons
que sejam, é, portanto, sacudir a terra que atiram aos professores e estes só têm que se
pôr em cima e subir, subir, recusando este ECD e este modelo de ADD. Não há outra
saída por muitos “entendimentos” que se negoceiem entre o ministério e a plataforma
sindical…