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Colocação de clíticos reflexos: – A análise da localização de clíticos reflexos engloba três for-

mas:
o seu comportamento em relação aos atractores • ênclise – posterior ao verbo;
de próclise e a verbos principais vs. verbos auxiliares * • próclise – anterior ao verbo;
• mesóclise – entre o radical e o marcador de pessoa/tempo ver-
Isabel Garcez bal.
Isabel Boavida
– Os clíticos – quer sejam ou não reflexos – exigem um hospedeiro
verbal.

– A colocação é preferencialmente enclítica, havendo, no entanto,


a necessidade de atentar em construções que obrigam à posição pro-
clítica, a saber:
• orações coordenadas sindéticas disjuntivas (ou... ou; quer...
quer; nem... nem; não só... mas também; ora... ora; seja... seja)
«Todos reconhecemos que a ordem das palavras na frase Ex.: Ou nos despachamos ou perdemos o concerto.
obedece a regras sintáctico-semânticas estritas. Embora tais
regras se encontrem discriminadas nas gramáticas, o certo é
que o uso, a partir da oralidade, tem consagrado outros usos • orações negativas
na escrita.» Ex.: Ninguém se precaveu com o guarda-chuva.
Helena Mateus Montenegro ➲ Atenção, com um verbo modalizador: Não me posso esquecer
das chaves. / Não posso/devo esquecer-me das chaves.

• orações interrogativas
Ex.: Ainda te lembras do sucedido?
Sucinto enquadramento teórico/Normas
• orações subordinadas
– Os clíticos reflexos referem apenas as seguintes formas prono- Ex.: Se te constipares, é bem feito!
minais:
• me, te, se (tanto para a 3.ª pessoa do singular como para a sua • orações exclamativas
forma plural), nos, vos. Ex.: Ainda te lembras disso!

• orações optativas
____________
Ex.: Deus nos proteja!
* Embora o tópico da colocação dos clíticos seja maioritariamente abran-
gente e uniforme – e, por conseguinte, a maioria das regras seja igualmente
aplicável a clíticos não-reflexos –, os casos apresentados e respectivo trata- • preposição em com gerundivo
mento dizem apenas respeito aos clíticos reflexos. Ex.: Em se colocando as coisas dessa forma, não há dúvidas.

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• quando o verbo é precedido de pronomes, advérbios e prepo- Ex.: Quero lhe mandar o resultado.
sições como: alguém/ninguém, muito/pouco, tudo/nada, sem- Estou lhe mandando o resultado.
pre/nunca – ou jamais –, qualquer, outro, todo(s), mesmo, sem,
assim, também, para, logo que, mal, embora, só/apenas, já, – Chama-se apossínclise a colocação do pronome átono entre
ainda, cada, isso, aqui duas palavras atractivas. É um caso especial de próclise:
Ex.: Alguém nos deu essa informação. ➲ Atenção: *Alguém «Buscou quem o não quis...» (Antero de Quental)
deu-nos essa informação. «Morro, porque te não vejo...» (José Albano)

– A colocação do clítico é sempre mesoclítica quando o verbo se


encontra no futuro ou no condicional em todos os casos que seriam Possíveis justificações para formas menos correctas
enclíticos, ficando os casos proclíticos com esta mesma construção,
quer os verbos estejam ou não nestes tempos verbais. – Vestígios de construções típicas do português antigo: esta situ-
Ex.: Mesmo que nada lhe digas, ele informar-se-á. ação aplica-se principalmente aos casos de mesóclise. O português
➲ Atenção: Se lhe deres os elementos necessários, também ele antigo fazia muitas construções clíticas em posições enclíticas,
se empenhará. poderá esta razão ser uma das apontadas para a errada construção
Não me importarei com isso. enclítica em formas verbais no futuro e no condicional que, em por-
tuguês moderno, exigem posição mesoclítica.
– Em construções com verbos auxiliares, o clítico é preferencial-
mente colocado em posição enclítica, junto do verbo principal (de
– Variante brasileira vs. hipercorrecção do falante de português
acção). Há, no entanto, a necessidade de atentar aos verbos que
europeu: a construção tipicamente proclítica usada pela variante
regem preposições (de, por, a, para), pois nestes casos os clíticos são
brasileira poderá ter despertado dois fenómenos sequenciais: num
colocados em posição proclítica. Actualmente, o grau de tolerância
primeiro momento (delimitado pela propagação dos programas tele-
perante a colocação do clítico junto do verbo auxiliar aumentou con-
visivos brasileiros na década de 80), assistiu-se a uma generalização
sideravelmente, o que nos leva a apresentar razões como a ênfase
do uso da próclise; num segundo momento (anos 90), operou-se a
enquanto razão suficiente para o não-respeito de uma regra que é
natural consciencialização e consequente correcção deste fenómeno,
cada vez mais considerada purista.
o que, frequentemente, conduziu a um processo de hipercorrecção
que ainda hoje subsiste, sendo frequente o uso de próclise em casos
– Há casos em que se pode usar indiferentemente próclise ou
em que é obrigatória a ênclise.
ênclise, próclise ou mesóclise. É o que se entende por próclise facul-
tativa ou optativa (trata-se de construções do português do Brasil e
– Primeiros estádios de um falante nativo vs. lei natural das lín-
do português europeu).
guas românicas: poderemos apontar a próclise como uma «lei natural»
Ex.: Isto me agrada. Isto agrada-me.
das línguas românicas. Este dado poderá explicar a tendência para
Os dois me avisarão. Os dois avisar-me-ão.
a próclise, mesmo nos casos que obrigam a ênclise. Observa-se ainda
– É correcta, no português actual, a colocação do pronome solto que, nos casos que seriam correctamente mesoclíticos, utiliza-se fre-
(sem hífen) entre dois verbos, embora haja ainda algumas opiniões quentemente nestes estádios a ênclise. Isto poderá dever-se tanto à
em contrário. herança do português antigo como à pouca «naturalidade» da mesóclise.

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Diferentes graus de incorrecção Bibliografia consultada:

AQUINO, R. (2007). Gramática Objetiva da Língua Portuguesa. Rio de


– Não exprimes-te bem e depois ficas incomodado. (- aceitável)
Janeiro: Elsevier.
– Quem convenceu-te a ficar? (- aceitável)
CUESTA, P. V. & LUZ, M. A. (1989). Gramática da Língua Portuguesa.
– Este rapaz, que acha-se o maior... (- aceitável) Lisboa: Edições 70.
– Ou vamo-nos embora agora ou ficamos até amanhã (+ aceitável) CUNHA, C. & CINTRA, L. (2006). Gramática do Português Contemporâneo.
– Quer sintas-te feliz quer não... (+ aceitável???) Lisboa: Edições João Sá da Costa.
– Nem veste-se nem despe-se. (- aceitável) MATEUS, M. H. M. et al. (2004). Gramática da Língua Portuguesa (6.ª ed.).
Lisboa: Caminho.
– Não só lembra-se de ti, como veio falar contigo. (+ aceitável)
MONTENEGRO, H. M. (2005). Português para todos – A Gramática na
– Ora sente-se com tonturas, ora enjoada. (+ aceitável???)
Comunicação. Mirandela: João Azevedo Editor.
– Preciso de refrescar-me. (+ aceitável???) MOURA, J. A. (2003). Gramática do Português Actual. Lisboa: Lisboa Edi-
– Iria-me embora, se pudesse. (- aceitável???) tora.
TAVARES, S. D. & LEITE, S. A. (2008). S. O. S. Língua Portuguesa. Lisboa:
Verbo.
«Como salientam Pilar Vázquez Cuesta e Albertina Luz, na Gra-
mática da Língua Portuguesa, “[a] colocação do pronome pessoal ou
reflexo átono à maneira lusitana é um dos pontos mais complicados
da sintaxe portuguesa” (1971). É ainda das autoras a seguinte afir-
mação: “A colocação dos pronomes átonos no Brasil difere muito da
rígida colocação actual portuguesa, embora encontre precedentes na
língua medieval e clássica” (1971).»
Helena Mateus Montenegro

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