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Miguel

AI buquerque
entronizado
Confrade
de Honra

I1Congresso da Federação das Confrarias aborda elevação


da cultura gastronómica madeirense a património regional
mimos e brincos da ilha de conservas, e o
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e de doçaria. São vários os testamentos : conservas era indústria importante para homem". São vários os testemunhos
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Um dos factores de promoção desta dução local ou com as importações dele existência ou não de açúcar, da sua qual-
indústria ao nível das conservas foi a do Brasil. No Último caso sabe-se que idade dependia a disponibilidade para o
importincia assumida pelo Funchal em 1680 foram importadas 2.575 fabrico destes derivados, que activavam
como porto de escala de abastecimento arrobas para o fabrico de casca. Ali&, de o comércio com as praças do Norte da
para a navegação atlântica. Muitas acordo com uma informação dada ao Europa, donde nos províamos de cereais
embarcações aportavam ai com o intuito governador da ilha, D. António Jorge de e manufacturas. Era uma indústria muito
de se fornecerem de conservas de citri- Melo referia-se que "é a casquinha instAvel, dependendo das possibilidades
nos para a dieta de bordo. Mas, sem neglrcio muito grande porque hh ano de oferta de açúcar brasileiro e da
dúvida, o consumidor preferencial das que se carregam com aquela terra mais procura do produto acabado pelos mer-
conservas e doçaria madeirense era a de 20 embarcações de um $6 doce para cadores europeus. A correspondtncia
Casa Real portuguesa. D. Manuel foi o o qual necessário comprar açlicar da particular de alguns mercadores, como 6
consumidor preferencial e aquele que terra ou manda-lo vir do Brasil". A corre- o caso de Diogo Fernandes Branco e W.
divulgou as qualidades na Europa. Assim spondência & William Bolton refere-nos Bolton, testemunha de forma evidente
ficaram como o principal presente, den- que a conserva de citrinos estava em esta realidade. Diz o último em 7 de
tro e fora do reino, sendo o exemplo grande prosperidade na década de Agosto de 1697: "Pensou-se fazer uma
seguido por Vasco da Gama,que tam- noventa do sCcuto XVII, sendo usada grande quantidade de conserva de citri-
bem ofertou o xeque de Moçambique para o abastecimento das embarcações nos mas muitos fabricantes desistiram
com consetvas da ilha. No período de que demandavam a ilha, ou exportadas por não saberem se os barcos os viriam
1501 a 1561 a Casa Real consumiu para Lisboa, Holanda e França. buscar".
1129 arrobas e 58 barris de açúcar em O fabrico do açúcar começava em São vhrios os testemunhos denunci-
conservas e frutas secas. A par disso o Março mas $6 em Agosto havia dele adores da mestria dos madeirenses no
rei havia estabelecido a partir de 1520 o disponivel para distribuir is conserveiras fabrico destes produtos. Segundo Hans
envio anual de 10 arrobas de conserva que fabricavam a casca e conserva. A Sloane em 1687 o madeirense produzia
para o feitor de Flandres. A indústria
manteve-se por todo o skculo XVII,
suportada com o pouco açiicar da pro-
partir daqui eram mais trinta dias de
árdua tarefa &C que o produto estivesse
diponível para a exportaqão. Da
"açbcar indispensávelaos gastos caseiros
e ao fabrico de doces, indo ainda com-
pra-lo ao Brasil". Dois anos depois John
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Ovington refere a industria da conserva
de citrinos ou cidra que se expottavam
tuiçzo gastou 634.400 reis na compra de
227 arrobas de açúcar e 14 canadas de
partir de 1867 o fabrico de gelo por John
Peyne & Son com Agua das Fontes de
para a França e Holanda. A cidra existia mel. João Dinin tornava mais fácil o fabrico de
em abundância na Ponta de Sol, Ribeira Maior e mais assíduo foi o consumo de sorvetes. Na dkcada de vinte persistem
Brava, Machico e Câmara de Lobos açucar no Convento da Encarnaçáo. Aí, ainda duas Mbricas de gelo que contin-
(Ribeira dos Socorridos}. Um dos princi- de acordo com o registo mensal dos gas- uarão por muito tempo a deliciar a
pais factores de promoção da indústria tos com as compras de produtos para a gulodice dos amantes dos refrescos de
das conservas foi a importância assumi- dispensa do convento pode-se ficar com Verão.
da pelo Funchal como porto de escala de uma ideia da sazonalidade do consumo A sobremesa não se resumia apenas i
abastecimento para a navegação atlanti- da doçaria. No caso deste convento rica doçaria, pois que a ilha desde o
ca. Muitas embarcaçóes apartavam aí destacam-se a Quinta-Feira de começo do povoamento sempre se
com o intuito de se fornecerem de con- Endoenças e o Natal. Nesta Última fes- mostrou terra fértil onde medrava todo o
servas de citrinos para a sua dieta de tividade distribuía-se a cada freira, para a tipo de arvores de fruta. Primeiro foi o
bordo. Mas, sem dúvida, o consumidor Consoada, 8 libras de açúcar. Alem disso domínio daquelas conhecidas na Europa
preferencial das conservas e doçaria parte significativa do açúcar de várias e depois a partir do século XW, as exóti-
madeirense foi, no início, a Casa Real qualidades, era usado para o "tempero cas de África e América. Enquanto as
portuguesa e, depois, as cidades do do comer" e fazer conserva. No total primeiras se anicham nas breas acima
Norte da Europa. despenderam-se 190 arrobas de açúcar dos 300 m de altitude as segundas pref-
No fabrico das conservas e doces vari- por estes vinte e dois anos para um total erem as zonas ribeirinhas e soalheira. A
ados merecem a nossa atenção as freiras aproximado de seis dezena de recolhi- mais antiga referência que temos é da
do Convento de Santa Clara, da das. banana, referida em 1552 por Thomas
Encarnaçáo e Merces. Alias em 1687 Extintos os conventos quase que tam- Michols, mas a lista 6 variedade, incluin-
Hans Sloane referia-se de forma elogiosa bem desapareceu a tradiçso da doçaria. do-se o abacate, ameixas, amoras,
aos doces e compotas que comeu no No skculo XIX a doçaria teve divulgação anonas, goiabas, mangos, ananás, araçb,
Convento de Santa Clara, e ao referir através das pastelarias. Um das mais maracuj6. Esta variedade de frutas sem-
que "nunca vi coisas a o boa". Num famosas foi a Pastelaria Felisberta criada pre servida i mesa na sua época não era
breve relance pelos livros de receita e em 1837 na Rua da Carreira. Também de agrado de todos os forasteiros. Maria
despesa do Convento da Encarnaçáo, ficou dlebre a doçaria da panificação Carlota da Bélgica em 1860 não era
Misericórdia do Funchal e Recolhimento Blandy na rua do Hospital Velho. Uns adepta de bananas, goiabas e maracujás,
do Bom Jesus, constata-se as assíduas anos mais tarde, Isabella de França con- reclamando de um "odor infecto" e um
despesas com a compra de açúcar da ilha tinuava deslumbrada com a cozinha "sabor horrhe!".
ou do Brasil para o consumo interno. A doce da ilha. Nos anos vinte a cidade
Misericórdia do Funchal para além das estava servida de onze confeitarias.
esmolas que recebia em açúcar ou Hoje, o único testemunho que resta Dljr/qa/
marmelada consumia açúcar que com- dessa importante industria do doce
prava. Do primeiro tanto se poderia dar madeirense é o bolo de mel. O alfenim & t ~ v u n /
aos doentes ou vender para fora. Em manteve-o a tradiçáo dos ex-votos das
1636 gastaram-se 6.180 réis na compra festas do espírito Santo na ilha Terceira,
de 3 arrobas de açúcar para os doces da Único local onde ainda persiste esta DA COPA A TABERNA. Os líquidos
procissão das Endoenças. Ademais são tradição. também corriam nas fartas mesas. O
conhecidas outras despesas na compra No século XIX eram também muito vinho era permanente na raçio di6ria

I
sobriedade dos madeirenses no con-
sumo de bebidas alcoólicas. No ~rinciriio
lo nosso skculo a do fab-
ico de aguardente e a abundincia con-
duziram ao despoletar do consumo
desta bebida. O consumo foi de tal
forma elevado que a Madeira recebeu o
epíteto de ilha da aguardente. A situ-
ação reportou inegáveis prejuizos para a
saúde pública pelo que se tomaram
medidas limitativas do consumo. De
cord do com Rodolfo Schultze em 1864
is madeirenses tinham preferencia pelo
consumo de vinho misturado com água
ou ceweja.
Consumia-se ainda cerveja, ginger-
beer (limonada de gengibre) e Agua
mineral. No século XIX os ingleses viriam
a alterar o hábito ao introduzirem a
cerveja. A primeira fhbrica foi implanta-
da na ilha por João Park em 1840, a que
se sucederam outras na década de
cinquenta, como foi o caso da de

sobre a produçáo de cerveja. O primeiro


produzia 326 hectolitros de cerveja Funchal fabricava-se 666 hectolitros de i cidra, ou vinho de peros que era muito
branca e preta e 58 de ginger beer, já o cerveja branca e preta e 118 de ginger apreciada na ilha em princípios do skcu-
segundo apresentava 340 de cerveja beer. Uma cerveja custava 30 réis Io XX. Isto é testemunhado pelo niimero
branca e preta e 60 de ginger beer. Mas enquanto um ginger beer ficava pelos de lagares em toda a ilha, assinalando-
muitos estrangeiros preferiam a cerveja 20 r&. A crise da década de trinta se em 1908 dezoito. Hoje a tradição
importada tal como nos refere Rudolfo obrigou i fusão de todas as pequenas desta bebida persiste no Santo da Serra.
Schultze em l864, todavia esta concor- industrias numa só unidade industrial, Todavia na época a bebida mais apiecia-
ência da cerveja inglesa e alemã não dando lugar Empresa de Cervejas da da era a aguardente. O consumo era
~fectavaa madeirense, muito apreciada Madeira que hoje domina o mercado excessivo, sendo considerado um prob-
pelos locais q considerada de superior local. Mesmo assim náo conseguia satis- lema de saúde pública pelas autori-
qualidade. fazer as necessidades dos apreciadores dades. O consumo começou a divulgar-
Em 1872 H. F! Miles fundou a Atlantic de cerveja, uma vez que nos inícios da se em princlpios do século XIX por
Brewery e em 1890 Manuel Alves de década de cinquenta a ilha importava influências das tropas inglesa que por
Araújo surge com a fhbrica Leão. A 29.520 litros de cerveja. Fora do Funchal duas vezes ocuparam a ilha.
primeira, que produzia água de soda, temos noticia de uma fábrica de refrig- A subsistência das populaçóes foi ger-
limonada gasosa e cerveja, apresentava erantes na Ribeira Brava, que funciona- ada de pequenas indústrias no sector ali-
o equipamento adequado ao engarrafa- va em 1955 e de um outra em 1909 no mentar cuja dimensio foi proporcional
mento já avançado em relação As Porto Santo, propriedade de João ao movimento demográfico e As ino-
: demais mas que ainda estava muito Augusto de Pina para engarrafamento vações técnicas. Em 1862 eram ainda
t longe das actuais linhas de engarrafa- da hgua da fontinha. incipientes uma vez que apenas foi arro-
1' mento. Em 1908 em duas unidades do O restrito grupo de bebidas alarga-se lada uma fhbrica de massas no inqukrito

Instituição ao s h ç o da populaçh do Estreito nas vertentes da formaqão, sbclo-culturril, recreativa e desportiva.


Na formaçh privilegiamos os Cursos de Seise Familiac Cursos de CulinBria. Higieme Alimentar e NuWçm Cursos de
Corte, Costura, Modeiagem; Curso de Malhas e Croché; Curaos de Arte Aoral; Cursos de Formação dimccionada par8
a vida activa: Cursos de Iniciação ao Mkrosoft Windows XP e MS-Ofíice XP, Curso de Utllzação B-ica do Windows XP
e MS-Offiee XP, e Curso de Secretariado.
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Cq~iT-giadq,Pigt?Co~rei& R?&- 3mEstreitode C' de Lobos Tel.: 291 946 333 E-maiI: Gerol@casodopovoestreito.o~
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industr~al,mar em 1928 a situação 6 dir- I
tinta. Assim para alem de sete fábricas
de massa temos duas de gelo, quatro de
bolachas, cinco de refrigerantes e onze I

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. . . . . . . . ..........
:Pode-se afirmar que a Madeira viveu
3

sempre sob o espectro permanente da


falta de cereal, indispenshvel para man-
ter a dieta dos madeirenses. As dificui-
dades no abastecimento das casas e
padarias da cidade eram permanentes e
mais se agravavam em momentos de
crise de produção na ilha e nos merca-
dos açoriano e canirio, os principais
abastecedores. Tudo isto porque a pro-
dução local foi, por mais de dois S ~ C U ~ O S ,
um quarto do consumo local.
A fome foi uma constante da história
da ilha. Os primeiros momentos mani-
festaram-se já no século XVI pois em
1 4 6 e 1485 a sua ameaça pairou na
então vila do Funchal. O século XVI
manteve-se sob o mesmo espectro com
dois momentos de evidência em 1523 e
1545. Pior seria a situação em princípios
do século XVII. A presença de uma força
, espanhola, conhecida como força do
presídio, fez aumentar o consumo de
'
cereais e agravar as dificuldades de
: abastecimento. O resultado disso foi os
. , motins de 1600, 1602 e 1627, que cul-
minaram em 1695 com a perseguição a
William Bolton, um dos principais inter- . .............
........
........
..........
venientes no comkrcio de cereais e far- .............
I ' , . l...*.,
...
.........
inhas dos Estados unidos, acusado pelos ra americana conduziu ao corte do mer- situaqáo viveu a ilha na década de
rnadeirenses de especulação. Nos sécu- cado abastecedor de milho e farinhas. A quarenta do século XIX em que a tragé-
los XVlll e XIX. falta de pão levava o madeirense a dia da fome foi atacada pelo governador
A dependtncia da ilha aos mercados socorrer-se de tudo o que pudesse civil, Jose Silvestre Ribeiro, Com obras
externos era extremada e agravava-se enganar a fome. Assim na década de de emergência.
em momentos de guerra. Era isso que setenta do sbculo XVIII a falta supria-se, O século XIX pode bem ser considera-
acontecia em 1815 em que "a carestia segundo o Governador Manuel de do como o das fomes. A primeira
dos viveres ocasionada pelas tristes rev- Saldanha de Albuquerque, com raizes, sucedeu em 1815 mas foi em '1847 que
oluções do mundo", Na verdade e guer- flor de giesta e frutos silvestres. Idêntica a palavra assumiu o carácter mais vio-
lento. A morte colheu alguns e os
poucos inhames existentes eram cobiça-
dos de todos. Em Santana, por exemplo
montara-se vigilância As culturas e
inhames. Em Santa Cruz um homem foi
morto quando roubava alguns inhames
para enganar a fome dos familiares.
Teme-se por motins populares e um
assalto aos armazkns da cidade, mas I
tudo isto foi contornado pela política
hbbil do governador, José Silvestre
Ribeiro, que montou um sistema de
sopa pública. No Porto Santo a fome
estava sempre presente no quotidiano
dos seus moradores. Em 1769 tivemos
uma das primeiias grandes fomes, mas
foi na primeira metade do século
dezanove que estas se sucederam de
uma forma constante. Os anos de 1802,
1806, 1815, 1823, 1829, 1847 e 1855
sáo os momentos de maior nota. Esta

-
situação levou Rui Nepomuceno (1994)
a afirmar que as crises de subsistência
foram a constante mais destacada da
História da Madeira.
No século XX as dificuldades nio
desaparecem. A crise econbmica das
décadas de vinte e trinta reflectiu-se na
!
dieta alimentar dos funchalenses e
provocou a tão celebrada revolta da far- 0&cwea&pw&mhqíe60Zrmfcwmhpáb
inha em Fevereiro de 1931. Mesmo O W d . i $ % # da
~ t -~ ~
assim as maiores dificuldades estavam
para acontecer no período da segunda
, guerra mundial. As dificuldades foram parece uma situação irresolúvel. Os de trigo e 41,6 de milho. Isto resulta do
redobradas na década de cinquenta. A limitados recursos da ilha em contraste facto de o homem do campo poder dis-
i ilha apenas produzia 11% do trigo e com o surto demogrdfico são os por de outros suplementos alimentares
6,4% do milho consumido na ilha, o que responsáveis da situação Na década de fruto da sua actividade agrícola.
agravava a dependgncia ao mercado cinquenta a ilha tinha necessidade de A actual cutinAria madeirense é
estrangeiro e nacional. Ramon Honorato importar mais de quarenta mil tone- herdeira da tradição cultural dos colonos
Correa Rodrigues (1953-1955) db conta ladas de cereais. De acordo com os val- europeus, das apartações dos forasteiros
do quadro pouco animador da alirnen- ores disponíveis a ilha necessitava de e rotas marítimas. Os cereais perduram
' tação madeirense, nomeadamente do importar mais de 90% do milho e far- sob a forma de pão ou diferentes formas
meio rural, sendo not6rio o deficit de inhas consumidos. A drstribuição do de cozinhado. O milho conhece-se hoje
I proteínas, gorduras e calorias. No perío- consumo variava entre a cidade e o mais como frito do que como papas. A
do a incidhcia dos produtos da dieta campo, assim de acordo com a capi- batata persiste na mesa. E a sobremesa
alimentar estava na batata, batata-doce tacão anual o funchalense consumia é hoje a mais requintado e rica, quer em
i e no milho. 110 kg de trigo por ano e 80,5 de aromas e sabores. Tudo isto e obra da
'
A dependência alimentar da ilha milho, já no meio rural rondava os 43 Natureza e do Homem.

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