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O Que Você Precisa


saber sobre…
açúcar-Tecnologia do
processo de fabrico
ALBERTO VIE
COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:
VIEIRA, Alberto, O que você precisa saber sobre…açúcar-Tecnologia do processo de fabrico,
online, Funchal, CEHA, 2009, [disponível em htpp://www.madeira-edu.pt/ceha/],
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O Que Você Precisa saber sobre…
ALBERTO VIEIRA

avieira@inbox.com Açúcar
Funchal.2009
Tecnologia do processo de fabrico

Apresentação
A cana-de-açúcar é considerada a cultura mais importante da
História da Humanidade. A ela se devem os maiores
fenómenos de mobilidade humana, económica, comercial e
ecológica. A afirmação como cultura agrícola é milenar e
abrange vários quadrantes do planeta. É, ainda entre todas as
plantas domesticadas pelo Homem, a que lhe trouxe maiores
exigências. Ela quase que o escraviza e, para alem disso,
esgota o solo, devora a floresta e seca os cursos de água. A
exploração intensiva, que ocorreu no espaço atlântico a partir
do século XV, gerou grandes exigências de mão-de-obra,
sendo, por isso mesmo, responsável pelo maior fenómeno
migratório à escala mundial que teve por palco o Atlântico, isto
é, a escravatura de milhões de africanos. Ligado a tudo isso
está também um conjunto variado de inovações técnicas e
manifestações culturais.

A realidade sócio-económica, que serve de suporte ao avanço


do açúcar no espaço e no tempo, é diferenciada, sendo
marcantes as singularidades e mudanças no percurso do
Pacífico/Índico para o Mediterrâneo/Atlântico. Assim, no
primeiro caso a cultura nunca assumiu uma posição dominante
na economia agrícola e de mercado, enquanto no segundo é
patente o efeito dominador na economia e sociedade em
associação a presença do escravo, situação que começa no
Mediterrâneo e se reforça e afirma em pleno no Atlântico.
Foi o Oriente que descobriu a doçura da cana-de-
açúcar, tendo a Papua Nova Guiné como berço. Os
árabes fizeram-na chegar ao ocidente, ficando para a
História como os principais arautos da expansão,
deixando aos genoveses e venezianos o comércio nos
principais mercados europeus. No processo de
transmigração da cultura para o Ocidente, desde o
Mediterrâneo ao Atlântico, as ilhas foram o principal
viveiro da afirmação e divulgação: Creta e Sicília no
Mediterrâneo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde
e S. Tomé no Atlântico Oriental, Santo Domingo,
Cuba, Jamaica, Demerara (…) nas Antilhas.

A Madeira surge, nos alvores do século XV, como a


primeira experiência de ocupação em que se
ensaiaram produtos, técnicas e estruturas
institucionais. Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga
escala, noutras ilhas, litoral africano e americano. O
arquipélago madeirense foi o centro de irradiação dos
sustentáculos da nova sociedade e economia do
mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais
arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses
aportaram. Daqui resultou para a Madeira o papel
fundamental de difusão das culturas existentes na
Europa e que tinham valor mercantil ou pela
necessidade para assegurar a subsistência. Depois
com a revelação de novos espaços do Atlântico e
Índico tivemos o retorno de outras culturas e produtos
que vieram enriquecer o cardápio europeu.

A informação que segue permite ao interessado


encontrar algumas respostas as duvida que a temática
poderá suscitar. Assim reunimos mapas, imagens e
algum texto para ilustrar o processo de divulgação da
cultura, o processo de fabrico e as evoluções
tecnológicas que foram necessárias para o seu
crescimento.

AV/CEHA-03/09
1-HISTÓRIA:CANAVIAIS E AÇÚCAR. A ORIGEM

A tradição diz-nos que foi na Papua/Nova Guiné que o homem há 12.000 anos iniciou a
domesticação desta planta [Saccharum Officinarum], dando-lhe um uso industrial e alimentar.
2-HISTÓRIA:CANAVIAIS E AÇÚCAR. EXPANSÃO

A cana sacarina tem a sua origem no Pacífico, mas foi no Mediterrâneo e Atlântico que a mesma
adquiriu a pujança económica. A cultura foi descoberta e domesticada pelo homem há 12.000
anos. A sua difusão na Polinésia sucede a partir de 8000 AC., chegando à península da Malaia,
Indochina, Bengala. A transição de planta de colheita para de cultivo aconteceu na Índia. Aliás,
foi a partir da Índia que os europeus tomaram contacto com a nova cultura, que chegou ao
Mediterrâneo oriental através da Pérsia.

Os Árabes foram os principais responsáveis da sua expansão no Mediterrâneo, entre os séculos


VI e IX. Desta forma os canaviais floresceram no Egipto, Chipre, Sicília, Marrocos.

O século XV abre-lhe as portas a um novo espaço, sendo a Madeira o pólo da sua divulgação
para as Canárias, Açores, Cabo Verde, S. Tome. Com Colombo (1493) e Pedro Álvares Cabral
(1500) alargou-se a sua difusão ao Novo Mundo, as Antilhas e o Brasil.

FONTE: J. Nedham, Science & Civilisation in China, 1996


3-HISTÓRIA:CANAVIAIS E AÇÚCAR-EVOLUÇÃO NO MEDITERRÂNEO

A expansão dos canaviais acompanhou de perto o expansionismo do Islão. Se a vinha é uma


cultura que marca o avanço do cristianismo, a cana sacarina estará inegavelmente ligada à
expansão árabe. Os árabes descobriram-na nos vales dos rios Tigre e Eufrates e transplantaram-
na para os do Nilo

LOCAL
ANO
640 SIRIA
644 Chipre

650 Palestina
714 Al-Andalous
823 Creta

870 Malta
875 Sicília

De acordo com a tradição terá sido a partir da Sicília que as primeiras socas de cana
chegaram a Madeira em 1425, por iniciativa do Infante D. Henrique que ai as mandou
buscar.
4-HISTÓRIA:CANAVIAIS E AÇÚCAR. O ATLÂNTICO

A rota do açúcar, na sua transmigração do Mediterrâneo para o Atlântico, tem na Madeira a


principal escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao novo ecossistema e deu mostra da
elevada qualidade e rendibilidade. A história do açúcar na Madeira confunde-se com a
conjuntura de expansão europeia e dos momentos de fulgor do arquipélago. A sua presença é
multissecular e deixou rastros evidentes na sociedade madeirense.

A Madeira foi um marco importante na evolução e afirmação do açúcar no espaço atlântico. O


nome da ilha está associado ao açúcar e ao complexo sócio-económico que o serviu. Toda a
estrutura serviu de matriz ao que sucedeu nos demais espaços açucareiros. O contributo
madeirense não terá ficado somente pela acção divulgadora não terá ficado apenas pela
difusão das socas de cana e respectiva tecnologia de transformação das mesmas. Por outro
lado a ilha foi um marco na afirmação e produção em larga escala da cultura, situação que se
repercutiu de forma evidente na tecnologia que acompanhou esta evolução. Apenas a falta de
dados documentais mais seguros e explícitos nos impede de avançar mais.
A partir da Madeira os
canaviais avançaram para os
diversos espaços das ilhas e
litoral atlântico.

1474-Acores

1480 – Canárias

1485.S. Tome e Principe

1490- Cabo Verde

Nos Açores os canaviais


chegaram as ilhas Terceira e de
S. Miguel
Nas Canárias a Gran-
Canaria, La Gomera,
Tenerife e La Palma

Em CABO VERDE a
cultura chegou as ilhas de

Santiago

Boavista

São Nicolau

Maio

Brava

Santo Antão
5. O PROCESO DE FABRICO- fases

Processo de fabrico do açúcar ate ao século XIX


FASES MECANISMO

Corte e esmagamento

COZEDURA

PURGA(LIMPEZA)

ENCAIXOTAMENTO E
TRANSPORTE
5. O PROCESO DE FABRICO – A MOENDA

Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a evolução da tecnologia usada
para espremer a cana. O aparecimento e generalização dos cilindros horizontais e depois verticais
não consensuais. O primitivo engenho era já usado na Roma antiga para triturar azeitonas e
Sumatra, sendo, segundo Plínio, inventado por Aristarco, Deus dos Pastores. Mas este tornou-se
um meio pouco eficaz com a generalização da produção e comércio no decurso do século XVI,
sendo substituído pelo engenho de cilindros. É aqui que as opiniões divergem.

São várias as hipóteses para a origem do sistema, sendo a mais antiga a que aponta a sua
evolução como uma descoberta mediterrânica. Dois textos clássicos para o estudo do açúcar – F.
O. von Lipoman e Noel Deer deram o mote atribuindo a descoberta a Pretiro Suecas, perfeito da
Sicília, um importante proprietário siciliano que fez testamento em 1474. Esta tese foi rebatida
por Morador Soares Pereira (1955) e Gil Methodio de Maranhão (1953) que demonstram a falta
de fundamento da tese siciliana. Alguma Historiografia castelhana atribuindo-o a um invento de
Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma casado com a jovem madeirense, Luísa
Bettencourt que em 1518 é referido como "haber inventado un ingenio para azúcar" na ilha de S.
Domingos. Todavia nos últimos anos os estudos sobre a História do Açúcar no oriente,
nomeadamente na Índia e China, reforçaram a ideia de que, o sistema de moagem da cana com a
utilização de cilindros tem aqui a sua origem. Por outro lado os estudos sobre a História da
Ciência revelam que o sistema de cilindros era conhecido na Europa sendo usado em diversas
actividades industriais. A mais antiga referência refere-se ao uso na China e Índia para
descaroçar o algodão, fabrico de papel, e terá chegado à Europa a partir de meados do século
XV.

David Ferreira Gouveia apresenta esta evolução como resultado do invento do madeirense Diogo
de Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a origem chinesa. O engenho de três eixos
surge mais tarde no Brasil sendo considerado também uma invenção portuguesa, inegavelmente
ligada aos madeirenses aí radicados. Note-se que a primeira referência aos eixos para o engenho
datam já do último quartel do século XV.
Foi no sistema de moagem que mais se fizeram sentir as inovações tecnológicas:

Os primeiros engenhos foram buscar os sistemas de esmagamento da


azeitona e do pastel. Ora, isto acontece tanto no espaço Mediterrânico
como no Índico.

desenho de Fracesco di Giorgio cerca de 1480

moenda. China. 1637

Desenho de Torriani.seculo XVI


Engenho na Hispaniola. Theodore de Bry, 1595
A passagem do sistema de mó aos cilindros é controversa. Estes foram usados, quer na
laminação de metais, quer no descoroçar do algodão.

A presença dos cilindros em diversas actividades industrias, como o algodão


e laminação de metais remonta, respectivamente aos séculos XII e XV.
Deste modo a passagem aos engenhos de cilindros deverá ter aqui a sua
origem remota, a exemplo do que sucedera comos engenhos usados para
triturar azeitonas e índigo.

Máquina de descaroçar algodão 1637, usada na Índia Laminadora de metais de Giovanni Agostino
desde séc. XII Pantheo, 1530. A primeira foi desenhada por
Leonardo da Vinci
O uso dos cilindros na trituração da cana é considerado uma
conquista do século XVI.

Engenho de cilindros verticais. China. 1637.Surgem na China engenho de tres cilindros. Japao sec. XVIII. A tecnologia era
desde 1590, sendo trazido da India. usada na China desde o seculo XVII

Trapiche de besta, ainda em funcionamento. ilha de


trapiche. Antilhas francesas. sec. XVII Santiago. Cabo Verde
MOENDA DAS CANAS

Moem-se as canas metendo algumas delas limpas da palha e da lama (que para isso se
for necessário se lavam) entre dois eixos, aonde apertadas fortemente se espremem,
metendo-se na volta que dão os eixos os dentes da moenda nas entrosas para mais as
apertar e espremer entre os corpos dos eixos chapeados que vem a unir-se nas voltas
e, depois delas passadas torna-se de outra parte a passar o bagaço para que se
esprema mais e de todo o sumo ou licor que conserva. E este sumo (ao qual depois
chamam caldo) cai da moenda em uma cocha de pau que está deitada debaixo da ponte dos
aguilhões e daí corre por uma bica a um parol metido na terra, que chamam parol do
caldo, donde se guinda com dois caldeirões ou cubos para cima com roda, eixo e
correntes e vai para outro parol que está em um sobradinho alto, a quem chamam
guinda, para daí passar para a casa das caldeiras, aonde se há-de limpar.

(Antonil, Cultura e opulência do Brasil.1711)


Para mover estas engenhocas serve-se da força motriz da água ou do
vento, tal como os descreve Jean Baptiste Labat em Nouveau Voyage aus
iles de l'Amerique, [1722], para as Antilhas francesas no século XVIII

trapiche vertical movido pela agua


trapiche vertical movido pelo vento

trapiche horizontal, movido pela agua

trapiche vertical
O último quartel do século XVIII marca o início da evolução do sistema com a
utilização da máquina a vapor.

O século dezoito e, acima de tudo, no dezanove são marcados por mudanças tecnológicas no
sistema de esmagamento das canas e de fabrico do açúcar. A Jamaica foi pioneira na aplicação
da máquina a vapor ao sistema de moagem.

Primeira máquina a vapor aplicada a um trapiche.


Jamaica. 1770

Trapiche a Vapor. 1830

Em 1830 Norbert Rillius, natural de N. Orleans,


descobriu a caldeira de vacuum. Os primeiros engenhos
com este sistema surgiram a partir de 1845.
3.cozedura

CASA DAS CALDEIRAS

Nos engenhos reais costuma haver


seis fornalhas e nelas outros
tantos escravos assistentes que
chamam metedores de lenha. As
bocas das fornalhas são cercadas
com arcos de ferro, não só para
que sustentem melhor os tijolos,
mas para que os metedores no
meter da lenha não padeçam algum
desastre. Tem cada fornalha
sobre a boca dois bueiros, que
são como duas ventas, por onde o
fogo resfolega. Os pilares que
se levantam entre uma e outra
hão-de ser muito fortes, de
tijolo e cal, mas o corpo das
fornalhas faz-se de tijolo com
barro, para resistir melhor à
veemente actividade do fogo, ao
qual não resistiria nem a cal
nem a pedra mais dura e as que
servem para as caldeiras são
alguma coisa maiores que as que
servem para as tachas(...).
A cinza das fornalhas serve para
fazer decoada e esta para limpar
o caldo da cana nas caldeiras e
para que saia o açúcar mais
forte. Para isso, arrasta-se com
rodo de ferro até à boca das
fornalhas pouco a pouco a cinza
e borralho e daí com uma pá de
ferro se tira e se leva sobre a
mesma pá para o cinzeiro, que é
um tanque de tijolo sobre
pilares de pedra e cal, de
figura quadrada, com suas
paredes ao redor e aqui se
conserva quente e, assim quente,
se põe nas tinas, que para isso
estão levantadas da terra sobre
uns esteios de três palmos. Aí,
depois de bem caldeada e
arrumada, se lhe bota água,
tirada de um tacho grande que
está fervendo sobre a sua
proporcionada fornalha perto do
cinzeiro. E para isso serve a
água que passa pela bica que vai
à casa das caldeiras; e coando
esta agua pela cinza, até passar
pelos buracos que têm as tinas
no fundo, cobra o nome de
decoada e vai cair nas formas ou
vasilhas enterradas até à metade
e daí se tira com um coco e se
passa em um tacho para a casa
das caldeiras, aonde se reparte
pelas formas que estão postas
entre as caldeiras e serve para
os caldeireiros ajudarem com ela
ao caldo, como se dirá em seu
lugar(...).

(Antonil, Cultura e opulência do


Brasil.1711)
O processo de cozedura foi também alvo de inovações tecnológicas:

trem jamaicano

Sistema conhecido com trem jamaicano, por


ter origem na Jamaica, é definido por uma
só fornalha que alimenta todas as caldeiras.
O invento contribuiu para uma economia do
combustível, situação que favoreceu a
cultura. nomeadamente nas ilhas onde as
lenhas eram escassas.

há cinco vasos postos por ordem,


para cada um dos quais o suco saído
das canas passa um certo tempo em
ebuliçäo, depois, passando para os
outros casos, com fogo brando, däo-
lhe com habilidade a cozedura, de
modo que chegue a espessura tal
que, posto depois em formas de
barro, possa endurecer. A espuma
que se forma ao cozer o açúcar,
deita-se em barricas, excepto a que
sai da primeira cozedura, porque
esta se deita fora; mas a outra,
que se conserva, é muito semelhante
ao mel"

(Giulio Landi,"Descrição da ilha da


Madeira", publ. Antonio Aragão, A
Madeira vista por estrangeiros,
Funchal, 1981, pp.85-86)


• cozer e bater o melado

CASA DOS COBRES


Estão estes cobres postos sobre a
abóbada das fornalhas em assentos ou
encostadores de tijolo e cal ao redor,
abertos de tal sorte que, com o fundo
que metem dentro da mesma fornalha,
tapa cada qual a abertura em que se
recebe e entra por ela
proporcionadamente ao corpo que tem, a
saber, menos as tachas e muito mais as
caldeiras. E assim como tem sua parede
que divide uma de outra e outra parede
que divide esta casa da outra contígua
do engenho, assim tem diante de si um
ou dois degraus por onde se sobe a
obrar neles com os instrumentos
necessários nas mãos e com bastante
espaço para dominar sobre eles com
ajustada altura e distancia e ao redor
de toda a parede dianteira, com caminho
desafogado no meio, esta o tendal das
formas em que se bota o açúcar já
cozido a coalhar e é capaz de oitenta e
mais formas.

Consta um terno ou ordem de cobres


(além do parol do caldo e do parol da
guinda que ficam na casa da moenda) de
duas caldeiras, a saber, da do meio e
da outra de melar, de um parol da
escuma, de um parol grandes que chamam
parol do melado, e de outro menor, que
se chama parol de coar; de um terno de
tachas, que são quatro, a saber, a de
receber, a da porta, a de cozer e a de
bater e, finalmente, de uma bacia que
serve para repartir o açúcar nas formas
e, de outros tantos cobres de igual ou
pouco menor grandeza, consta outro
andar semelhante(...).

As pessoas que assistem nesta casa são


o mestre do açúcar, o qual preside a
toda a obra e corre por sua conta
julgar se o caldo está já limpo e o
açúcar cozido e batido quanto pede,
para estar em sua conta; assiste às
temperas e ao repartimento delas nas
formas, além do que lhe cabe fazer na
casa de purgar, de que falaremos no seu
próprio lugar.(...).

Revezam-se nas caldeiras oito


caldeireiros, divididos em duas
esquipações, um em cada uma, de
assistência contínua até entregá-la ao
seu sucessor, escumando o caldo que
ferve com cubos e tachos. Obrigação de
cada caldeireiro é escumar três
caldeiras de caldo, que chamam três
meladuras, e a última se chama de
entrega, porque a deve dar meio limpa
ao caldeireiro que o vem render. E para
estas três meladuras lhe há-de dar a
guindadeira o caldo que há mister a seu
tempo, a saber, acabado de escumar e
limpar uma meladura dar-lhe outra(...).

Os instrumentos de que se usa na casa


das caldeiras são escumadeiras, pombas,
reminhões, cubos, passadeiras,
repartideiras, tachos, vasculhos,
batedeiras, bicas, cavadores, espátulas
e picadeiras. Das escumadeiras e pombas
grandes usam os caldeireiros; servem as
escumadeiras para limpar; as pombas
para botar o caldo de uma caldeira para
outra, ou da caldeira para o parol, e
por isso os cabos, assim de umas como
de outras, têm catorze ou quinze palmos
de comprido, para se poderem menear
bem. Os reminhões servem para botar
água e decoada nas caldeiras e para
ajudar os tacheiros a botar o açúcar na
repartideira, para ir às formas. Das
escumadeiras mais pequenas, batedeiras
e passadeiras, picadeiras e vasculhos
usam os tacheiros; da repartideira,
cavador e espátulas, o banqueiro e o
ajuda-banqueiro; e dos tachos, cubos e
bica usa a calcanha para tirar a escuma
do seu próprio parol e para torná-la a
pôr na caldeira. Serve o vasculho para
tirar alguma imundície ao redor das
tachas; a picadeira, para tirar o
açúcar que está como grudado nas mesmas
tachas e o cavador, para fazer no
bagaço do tendal as covas, aonde se
põem as formas.

(Antonil, Cultura e opulência do


Brasil.1711)
PURGA

o processo desenvolve-se em diversas fases: colocação do


melado nas formas
FORMAS DE AÇÚCAR. diversos tipos

São as formas do açúcar uns vasos de


barro queimado na fornalha das telhas e
têm alguma semelhança com os sinos,
altas três palmos e meio e
proporcionadamente largas, com maior
circunferência na boca e mais apertadas
no fim, aonde são furadas, para se lavar e
purgar o açúcar por este buraco.

O serem de ruim barro e mal queimadas


é defeito notável, como também o serem
pequenas. As boas são capazes de dar
pães de três arrobas e meia. Tem nas
casas da caldeira seu tendal cheio de
bagaço de cana que vem da bagaceira, o
qual, cavado com um cavador de ferro ou
de pau, serve de cama ou cova para nele
se assentarem as formas direitas em duas
fileiras iguais e, como temos dito acima,
de cada quatro ou cinco formas consta
uma venda. Antes de botar nelas o açúcar,
se lhes tapa o buraco que tem no fundo
com seus tacos de folha de banana e se
asseguram com arcos de cipó e cana
brava, para que com a demasiada
quantidade do açúcar não arrebentem.
Logo se lhes bota o açúcar por temperas,
como já temos dito, o qual no espaço de
três dias endurece diversamente, um
mais, outro menos, e ao que mais se
endurece e dificultosamente se quebra
chamam açúcar de cara fechada e ao que
facilmente com qualquer pancada se
quebra chamam açúcar de cara
quebrada(...).

(Antonil, Cultura e opulência do


Brasil.1711)
secagem e purga dos pães de açúcar

O TIRAR, MASCAVAR E SECAR

Preside a todo este benefício o


caixeiro e corre por sua conta o
que agora direi: ao pé do balcão,
que chamam de mascavar, se aventam
as formas sobre um couro, que vem
a ser, bulir nelas devagar com as
bocas viradas para o dito couro,
para que saiam bem os pães, os
quais postos sucessivamente por um
negro sobre um toldo que está
estendido sobre este balcão por
mão de uma negra (à qual chamam
mãe do balcão) se lhes tira com um
facão todo aquele açúcar mal
purgado e de cor parda que tem na
parte inferior, e isto se diz
mascavar e ao tal açúcar chamam
depois mascavado. E entretanto
outra sua companheira que é das
mais práticas tira com um
machadinho do mesmo mascavado o
mais húmido, que chamam pé da
forma ou cabucho, e este torna
para a casa de purgar em outras
formas até acabar de se enxugar e
logo outras negras quebram com
toletes os torrões do mascavado
sobre um toldo, que também há-de
ir ao balcão de secar(...).

Passando, pois, do balcão de


mascavar para o balcão de secar:
levam-se em primeiro lugar para
ele tantos toldos quantos são
necessários para o açúcar que
naquele dia se há-de secar. E se
for de diversos donos, se
conhecerá a repartição que cabe a
cada qual, pelos toldos
continuados na mesma fileira, se
pertencerem ao mesmo, ou
descontinuados, se forem de
diversos senhores; e o que se diz
do açúcar branco, se há-de dizer
também do mascavado, repartido
pelo mesmo estilo nas suas
próprias fileiras. Isto feito,
levam os pães para os toldos e com
um pau grande e redondo no cabo em
que se pega e no remate de feitio
chato, como uma lança sem ponta
(ao qual chamam quebrador ou
moleque de quebrar), quebram em
quatro partes os pães e cada uma
destas em outras quatro e logo
outros com facões dividem as
mesmas em torrões e estes
sucessivamente se tornam a partir
com toletes em outros torrões
menores; e, finalmente, depois de
estarem já por algum tempo ao sol,
acabam-se de quebrar em
torrõezinhos pequenos. E guarda-se
de propósito esta ordem em quebrar
o açúcar para que, tendo dentro
alguma humidade, quebrado pouco a
pouco se entese e não se faça logo
em migalhas ou em pó. Estando
assim estendido, pegam nas pontas
dos toldos e, levantando-as, fazem
em cada toldo um montão e
entretanto aquentam-se as tábuas e
os toldos e logo tornam a abrir
aqueles montes com rodos e, desta
sorte, as partes que eram
interiores ficam expostas ao sol e
as outras estendidas sobre as
pontas dos toldos sentem o calor
que eles e as tábuas ganharam.
Espalhado, torna a mexer-se com
rodos de cambuá, como eles dizem,
a saber: um de uma banda e outro
de outra, empurrando cada um de
sua parte o açúcar e puxando por
ele por modo oposto ao que faz no
mesmo toldo o negro fronteiro até
acabar de secar. (Antonil, Cultura
e opulência do Brasil.1711)
Transporte

Os paes de acucar
depois de secos eram
embrulhados em papel
e colocados em caixas
de madeira para se
manterem intactos no
percurso que o levaria
aos principais
mercados europeus.

Algumas das madeiras


eram depois
reutilizadas no destino,
sucedeu assim na
Madeira com o
mobiliario dito de
caixa de acucar.
FONTE: Origem das gravuras e desenhos publicados

DANIELS, Christian, Biology and biological technology, Agro-industries: sugar cane


Technology, vol. 6, part 3, de Joseph Needham (gen. Ed.) Science and civilization in
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DANIELS, John e Christian Daniels, the origin of the sugar cane Roller mill, Tecnology
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DEERR, Noel, the History of Sugar, 2 vols., London, 1949-1950

FERLINI, Vera Lucia Amaral, Terra Trabalho, Poder, S. Paulo, 1988

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GAMA, Ruy, Engenho e Tecnologia, S. Paulo, 1983

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MAZUMBAR, Sucheta, Sugar and Society in China Peasants, Technology, and the
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VIEIRA, Alberto, Canaviais, Engenhos, Açúcar e Aguardente na Madeira. Séculos XV a


XX, Funchal, CEHA, 2004.

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