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PREFÁCIO
13–12–1990 08:50 am
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CAPÍTULO 1 – UMA NOVA CIDADE
08–12–1991
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comia de tudo. Não relutava nada. Comia mais que
qualquer outro no caminhão.
– Que bebezinho mais fofinho. – Dizia Ana.
– É bom ver que ele passa bem nessa viagem.
Muita gente morre fazendo esse percurso. Dos
mais experientes caminhoneiros até as mais
atrevidas pessoas que querem vir apenas para
uma vida nova.
Mais uma noite chegando, o sol abandonando
tudo e indo clarear a outra parte do mundo. E mais
uma vez a lua sorrindo no céu limpo e estrelado.
Seu Ângelo encostou o caminhão à beira de
uma árvore enorme, que se diz ser uma
Castanheira. Tudo à volta escuro, exceto pela
fogueirinha acesa próximo ao caminhão.
Já jantados, iam dormir.
– Boa noite pai.
– Boa noite, filha. Cadê o Rafael?
– Não está com o senhor? O senhor o pegou
após comer.
– Não! Eu o entreguei... Por Deus... Está na
árvore...
Ambos descem depressa para alcançar Rafael.
Um pouco depois da árvore havia um grande
precipício e Rafael estava indo em direção a ela. O
pânico enche o ar. Rafael achando engraçado um
pequeno grilo que o levava para o precipício.
Desesperados, começam a correr para agarrá-lo
antes que seja tarde...
Em cima da hora, o pai de Ana agarra a frauda
da criança e o puxa com força para longe do
precipício. Ana, às lágrimas, agarra Rafael como se
fosse um brinde e o abraça com muita força. O pai
todo sujo, a camisa rasgada, os abraça também.
Não foi dessa vez...
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Após o susto e mais dois dias de viagem,
finalmente chegam à fronteira entre Mato Grosso e
Rondônia. Não havia como falar “que lugar bonito”.
Do mesmo jeito que estava há oito dias atrás na
estrada estava agora. Muito mato, floresta
fechada, insetos, a estrada era uma piscina de
lama, água amarela e alguns caminhões atolados e
abandonados. Uma estrada sombria, não havia
mais ninguém, totalmente esquecida por tudo e
por todos.
– Bom. Chegamos perto do fim. – Seu Ângelo
tentou animá–la.
– Fim?!? Fim do mundo? Fim dos tempos? Que
lugar é esse?
– Rondônia! Aonde eu venho fazer fretes, onde
alguns de seus irmãos moram. É aqui.
– Puxa! Confesso que estou surpresa!
– Todos ficam com a primeira vez! Afinal, é um
território que em parte ainda não é de ninguém.
Quem chega, toma posse, e quem quer tomar,
morre!
– Inspirador... – há sarcasmo na voz de Ana. Ta
certo que ela queria sair do Paraná, mas, chegar a
esse ponto, não passava pela sua cabeça.
A viagem continua mais para dentro do novo
estado. Mais um dia de viagem e chegam a Rolim
de Moura. Uma micro cidade coberta de poeira,
não tinha nem dois quilômetros de extensão.
– É aqui, filha. Rolim de Moura. Dizem que há
muitos projetos para a cidade. Dizem que é pra ser
a capital do estado. Cidade de exemplo de
organização e crescimento.
– To vendo a organização espalhada no ar!
Quanta poeira, hein!
Só havia uma grande rua que saia de uma
ponta e ia a outra ponta da cidade. Às margens,
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muitas casas aglomeradas e feias, comércios de
madeira, uma farmácia que mais parecia o antro
das infecções e pessoas mal encaradas e
rabugentas.
Seu Ângelo virou às esquerdas na primeira
entrada que se dizia ser uma rua. Mais à frente,
havia algumas casinhas de madeira e muito mato.
Seu Ângelo virou à direita e parou frente a uma
casa de madeira, que não parecia aconchegante. A
buzina do caminhão é acionada. Ninguém sai da
casa. Mais uma vez o barulho da buzina. Então,
para a surpresa de Ana, sua irmã Mara sai de
dentro da casa. Reconhece o caminhão de seu pai
e corre para o portão.
– Pai! Eu não acredito que você chegou!
– Olha quem veio também. Ana e Rafael, seu
filho.
– Ana!? Meu Deus! Ana!
As duas se abraçam, se beijam, se apertam.
– Entrem!
A casa não era lá grande coisa. Tinha uma
pequena semelhança com a casa de sua mãe no
Paraná. Fresca, um pouco confortável, mas a
alegria de ver a irmã, não deixou Ana ver os
detalhes.
– O que você veio fazer nesse fim de mundo?
– Cansei de ficar lá no Paraná. Não aguentei a
pressão. E como você está?
– Quase não há o que fazer aqui. Meu marido
está na floresta arrancando árvores pra vender. E
eu fico aqui, nessa casa olhando o movimento,
tentando dar uma limpeza, mas a poeira é
tamanha! Olha só. O céu fica vermelho de tanta
poeira. Os outros estão bem também, esperem até
eles ficarem sabendo que vocês chegaram. E mãe,
como ta? A ferida está melhor?
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– Sim. Está um pouco melhor. Ela está bem.
Está com saudades de você, mandou eu te abraçar
bem pra matar a saudade.
– E esse toquinho de gente, essa coisinha mais
fofinha que eu já vi. Que lindinho.
– Fez um ano na estrada. Acredita que ele
comeu mais que eu na viagem. Minha irmã! Que
fome que ele tinha.
– Que bom! Se você soubesse o que passei pra
chegar até aqui. Mas graças a Deus cheguei bem.
Bem de mais, diria.
Ali, dias se passaram. Anos se foram. O tempo
correu. Dificuldades foram superadas. Rafael foi
crescendo, tudo mudando, a cidade ficando cada
vez maior, se desenvolvendo de forma rápida e
precisa.
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