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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


FACULDADE DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Opinião pública (... ou a fabricação do consenso)


Walter Lippmann
LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Petrópolis : Vozes, 2008, p. 214-219

Os líderes e os liderados
(3) Líderes freqüentemente fingem que eles simplesmente revelaram um
programa que já existia nas mentes de seus públicos. Quando eles acreditam nisso, estão
enganando-se a si próprios. Os programas não inventam a si próprios sincronicamente
numa multiplicidade de mentes. Isso não é porque uma multiplicidade de mentes é
necessariamente inferior à dos líderes, mas porque o pensamento é uma função do
organismo, e uma massa não é um organismo.
Este fato é obscurecido porque a massa é constantemente exposta à sugestão. Ela
lê não as notícias, mas as notícias com a aura da sugestão sobre elas, indicando a linha de
ação a ser tomada. Ela ouve relatórios, não objetivos como os fatos são, mas já
estereotipados a certo padrão de comportamento. Assim o líder ostensivo freqüentemente
descobre que o líder real é um poderoso proprietário de jornal. Mas se, como num
laboratório, alguém pudesse remover toda a sugestão e direção da experiência de uma
multidão, alguém poderia, eu penso, encontrar algo como isso: uma massa exposta ao
mesmo estímulo desenvolveria respostas que podiam teoricamente ser apresentadas como
um polígono do erro. Haverá certos grupos que se sentiriam suficientemente parecidos Walter Lippmann
para serem classificados juntos. Haveria variantes de sentimentos em ambas as (1889 - 1974)
extremidades. Estas classificações tenderiam a se fortalecer à medida que os indivíduos
em cada uma das classificações expressassem suas reações. Isso quer dizer que, quando os vagos sentimentos dos que
sentiram vagamente forem colocados em palavras, eles saberiam mais definitivamente o que sentiram, e sentiriam então
isso mais definitivamente.
Líderes em sintonia com o sentimento popular ficam rapidamente conscientes destas reações. Eles sabem que
os altos preços estão pressionando as massas, ou que certas classes de indivíduos estão se tornando impopulares, ou que
o sentimento sobre outra nação é fraterno ou hostil. Mas, sempre barrando o efeito da sugestão que é meramente a
suposição da liderança pelo repórter, não haveria nada no sentimento da massa que fatalmente determinasse a escolha
de qualquer política particular. Tudo o que o sentimento da massa demanda é que a política, como ela é desenvolvida e
apresentada, deve ser, se não logicamente, então por analogia e associação, conectada a um sentimento original.
Então, quando uma nova política está prestes a ser inaugurada, há uma oferta preliminar para uma comunidade
de sentimento, como o discurso de Marco Antônio aos seguidores de Brutus. Na primeira frase, o líder vocaliza a
opinião freqüente da massa. Ele identifica a si próprio com as atitudes familiares de sua audiência, algumas vezes
contando uma boa estória, algumas vezes brandindo seu patriotismo, freqüentemente afligindo uma mágoa. Ao
descobrir que ele é digno de confiança, o pulular para lá e para cá da multidão pode se voltar para ele. Espera-se dele
então que apresente um plano de campanha. Mas ele não descobrirá aquele plano nos slogans que expressam os
sentimentos da massa. O plano nem mesmo será sempre indicado por eles. Onde a incidência da política é distante, tudo
o que é essencial é que o programa seja verbal e emocionalmente conectado no início com o que foi expresso na
multidão. Homens de confiança num papel familiar subscrevendo os símbolos aceitos podem percorrer um muito longo
caminho em suas iniciativas sem explicar a substância de seus programas.
Mas líderes sábios não estão satisfeitos em fazer aquilo. Desde que eles pensem que a publicidade não vá
fortalecer a oposição em demasia, e que o debate não atrase muito a ação, eles procuram certa medida de consenso. Eles
pegam se não a massa em sua totalidade, pelo menos os subordinados da hierarquia de sua confiança para lhes preparar
para o que poderá acontecer, e fazê-los sentir que eles desejaram livremente o resultado. Mas por mais sincero que o
líder possa ser, há sempre, quando os fatos são muito complicados, certa quantidade de ilusão nestas consultas. É
impossível que todas as contingências devam ser tão vívidas a todo o público como elas o são para os mais experientes
e os mais imaginativos. Uma larga porcentagem está disposta a concordar sem ter gasto o tempo, ou sem considerar o
contexto, para apreciar as escolhas que o líder lhes apresenta. Ninguém, no entanto, pode pedir por mais. E somente os
teóricos o fazem. Se nós tivéssemos tido nosso dia no tribunal, se o que tivéssemos que dizer fosse ouvido, e então se o
que é feito resultasse em algo bom, a maioria de nós não pararia para considerar o quanto nossa opinião afetou o
assunto em mãos.
E, portanto, se os poderes estabelecidos são sensíveis e bem informados, se eles estão visivelmente tentando ir
ao encontro do sentimento popular, e realmente removendo algumas das causas da insatisfação, não interessando quão
lentamente eles o fazem, desde que eles sejam vistos avançando, têm pouco a temer. É necessário um estupendo e
persistente erro, mais quase infinita falta de tato, para começar uma revolução desde baixo. Revoluções palacianas,
Opinião Pública e Propaganda
Prof. Artur Araujo – e-mail: artur.araujo@puc-campinas.edu.br
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revoluções interdepartamentais, é um assunto diferente. Assim, também, é a demagogia. Isso cessa ao se aliviar a tensão
pela expressão do sentimento. Mas os homens de Estado sabem que tal alívio é temporário, e, se tolerado com
freqüência, não é saudável. Ele, portanto, vê que isso não desperta sentimento que não possa fazer fluir num programa
que trata com os fatos aos quais os sentimentos se referem.
Mas nem todos os líderes são homens de Estado, todos os líderes odeiam perder o cargo, e a maioria dos
líderes considera difícil acreditar que, ruins como as coisas estão, o outro companheiro não as tornará piores. Eles não
esperaram passivamente pelo público para sentir a incidência da política, porque a incidência daquela descoberta está
geralmente sobre suas cabeças. Eles estão, portanto, intermitentemente engajados em remendar suas cercas e em
consolidar suas posições.
O remendo das cercas consiste em oferecer um bode expiatório ocasional, em redirecionar uma queixa menor
afetando um indivíduo poderoso ou facção, rearranjando certos trabalhos, acalmando um grupo de pessoas que deseja
um arsenal em suas cidades, ou uma lei para parar os vícios de alguém. Estude a atividade diária de qualquer
funcionário público que dependa da eleição e você pode alargar esta lista. Há congressistas eleitos anos após anos que
nunca pensaram em dissipar sua energia nos assuntos públicos. Eles preferem fazer um pequeno serviço a um monte de
pessoas num monte de pequenos assuntos ao invés de se engajar em tentar fazer um grande serviço lá fora, no vazio.
Mas o número de pessoas a quem qualquer organização pode ser um servo bem-sucedido é limitado, e políticos astutos
tomam o cuidado de prestar atenção seja num influente como em alguém tão ostensivamente pouco influente, que
prestar qualquer atenção nele é uma marca de magnanimidade sensacional. Quanto maior for o número que não pode
ser atendido por favores, a multidão anônima receberá propaganda.
Os líderes estabelecidos de qualquer organização têm grandes vantagens naturais. Acredita-se que possuam
melhores fontes de informação. Os livros e os documentos estão em seus escritórios. Eles tomam parte em congressos
importantes. Eles encontram gente importante. Eles têm responsabilidade. É, portanto, mais fácil a eles conquistar a
atenção e falar num tom convincente. Mas eles também têm grande cuidado de controle sobre o acesso aos fatos. Cada
funcionário é em algum grau um censor.
E uma vez que ninguém pode suprimir informação, seja escondendo-a ou esquecendo de mencioná-la, sem
alguma noção do que ele deseja que o público saiba, cada líder é em algum grau um propagandista. Estrategicamente
posicionado, e compelido freqüentemente a escolher até mesmo o melhor entre os igualmente convincentes, embora
conflituosos ideais de segurança para a instituição, e candor por seu público, o funcionário descobre a si próprio mais e
mais conscientemente que fatos, em que lugar, de que maneira ele pode permitir o público saber.
(4) Que a manufatura do consenso seja capaz de grandes refinamentos ninguém, eu penso, nega. O processo
em que as opiniões públicas surgem é certamente não menos intrincado do que ele apareceu nestas páginas, e as
oportunidades para a manipulação estão abertas a qualquer um que entende o processo plenamente.
A criação do consenso não é uma arte nova. É uma arte muito velha que supostamente deveria ter morrido com
o aparecimento da democracia. Mas não morreu. Ela, na verdade, melhorou enormemente em técnica, porque está agora
baseada em análise ao invés de uma regra prática. E assim sendo, como resultado da pesquisa psicológica, ligada aos
modernos meios de comunicação, a prática da democracia foi empurrada a um canto. Uma revolução está acontecendo,
infinitamente mais significativa do que a mudança no poder político.
Na vida da geração agora em controle dos assuntos, persuasão tornou-se uma arte autoconsciente e um órgão
regular do governo popular. Nenhum de nós começa a entender as conseqüências, mas é uma profecia audaciosa dizer
que o conhecimento de como criar consenso alterará todo cálculo político e modificará toda premissa política. Sob o
impacto da propaganda, não necessariamente num significado sinistro da palavra somente, as velhas constâncias de
nosso pensamento tornaram-se variáveis.
Não é mais possível, por exemplo, acreditar no dogma original da democracia, de que o conhecimento
necessário para a administração dos assuntos humanos surge espontaneamente do coração humano. Onde nós agimos
com base naquela teoria nós nos expomos ao auto-engano, e a formas de persuasão que não podemos verificar. Foi
demonstrado que não podemos nos apoiar em intuição, consciência, ou nos acidentes da opinião casual, se nós temos
que tratar com o mundo que está além do nosso alcance.

Opinião Pública e Propaganda


Prof. Artur Araujo – e-mail: artur.araujo@puc-campinas.edu.br
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