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I – Introdução
Procurarei não ser apenas teórico, expondo doutrina; fixo o meu olhar
nos padres concretos que nós somos, com que a Igreja conta hoje para poder
exercer este ministério de graça, num momento determinado da história, da
Igreja e da humanidade. Estou consciente de que o essencial deste ministério
não muda, é perene, porque é sacramento da missão do próprio Cristo; mas
não posso esquecer que as transformações verificadas na Igreja e no mundo,
nestes últimos cinquenta anos, enquadram inevitavelmente o exercício desse
ministério, como condicionaram, à partida, a escolha desta vocação.
II – Um quadro cultural
2. O Concílio Vaticano II, no início dos anos 60, marca uma profunda
viragem cultural na compreensão da Igreja e do mundo e das suas relações
específicas. Esta mutação cultural, que enquadrou a própria teologia, continuou
a evoluir a um ritmo acelerado. Falar de “espírito conciliar” nos anos sessenta e
no início do século XXI não é exactamente a mesma coisa e não perceber esta
diferença pode levar a confusões sérias. É no contexto desta “mutação cultural”
acelerada que temos de situar a problemática concreta dos sacerdotes e das
vocações sacerdotais, coerentes com a doutrina da Exortação Apostólica
“Pastores Dabo Vobis”: Deus chama sempre os seus sacerdotes a partir de
determinados contextos humanos e eclesiais, com os quais estão
inevitavelmente conotados e aos quais são mandados para o serviço do
Evangelho de Cristo” (2).
No nosso tempo surgiram novas motivações para não aceitar, não diria
o celibato, mas a continência. A chamada revolução sexual, foi desligando sexo
e amor, controlou por métodos artificiais a fecundidade, desenvolveu uma
cultura do prazer, fez da liberdade sexual o protótipo da liberdade individual,
transpondo o seu sentido para a fruição pessoal, e não já como expressão da
generosidade oblativa do amor pelo outro, pelos outros. Neste contexto, o
celibato não basta ser afirmado, é preciso vivê-lo na linha da novidade cristã,
da vida nova em Cristo ressuscitado, que é o âmbito de toda a vida da graça,
incluindo o próprio ministério sacerdotal. Sublinharei alguns pontos a ter
particularmente em conta na vivência deste carisma, no quadro actual da
vivência do ministério sacerdotal.
14. O celibato é uma escolha livre, uma via cristã, não pode ser imposto
nem considerado como condição exigente que se aceita para se poder ser
padre. A posição da Igreja é outra: não proíbe o casamento, mas escolhe os
seus sacerdotes entre aqueles que optaram pela virgindade no seu caminho de
amor. Que a afectividade e a sexualidade não são uma fatalidade, imposta
pelas leis da natureza e da sociedade, mas são o campo de uma escolha livre,
é o próprio Jesus quem o proclama, antes de mais sendo Ele próprio celibatário
e proclamando que há aqueles que escolhem a via da continência por amor do
Reino dos Céus (cf. Mt. 19,12). Ao proclamar a possibilidade desta escolha
livre, o Senhor restitui ao casamento a sua dignidade de escolha livre.
Sobretudo a mulher, que tinha a sua dignidade restringida à procriação, sente-
se liberta e reconhecida na sua dignidade como pessoa. Não é por acaso que,
na Igreja nascente, são as mulheres que escolhem a virgindade como caminho
para seguir a Cristo, que suscitam o ideal da virgindade como caminho cristão
de amor.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Notas:
5 - Ibidem, pg. 16
9 - Sobre este tema aconselhamos: Walter Kasper, op. cit. pp. 71-86; H.
SIMON, op. cit. pp. 65-83