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Arquivos Brasileiros de Cardiologia

UTILIZAÇÃO RACIONAL DE EXAMES


DIAGNÓSTICOS EM CARDIOLOGIA

Bráulio Luna Filho


1998
Laboratório de Cardiologia Experimental
Disciplina de Cardiologia, UNIFESP - EPM
Rua Leandro do Dupret 317, São Paulo, SP CEP 04025-011
" The problems of disease are more complicated and difficult than
any others with which the trained mind has to grapple...Variability
is the law of life. As no two faces are the same, so no two bodies
are alike, and no two individuals react alike and behave alike
under the abnormal conditions which we know as disease. This is
the fundamental difficulty in the education of the physician, and
one which he or she may never grasp..."Probability is the guide
of life."
William
Osler 1

A prática médica é uma atividade que combina arte e ciência. No passado


angariava prestígio pelo talento individual dos seus praticantes, hoje exige
que seus atos sejam também baseados em pesquisas científicas. Embora
esta evolução tenha se dado de forma natural e sem grandes conflitos,
instados a justificar um diagnóstico os médicos muitas vezes entram em
dificuldades.

Em função do treinamento e da experiência cotidiana aprendemos a


estimar graus de certezas diagnósticas nas mais variadas situações clínicas.
Todavia, só ocasionalmente tomamos consciência da complexa cadeia de
eventos utilizados no raciocínio clínico.
Fazemos isto quase que intuitivamente, e com o tempo aprendemos a fazê-
los de maneira cada vez mais eficiente. O que de fato quase não
percebemos é que todo o tempo estamos quantificando,
probabilisticamente, as informações que conduzem aos nossos diagnósticos.
A conseqüência imediata é que por mais seguro que se julgue em estar
certo, há sempre a possibilidade de se estar errados. O mais surpreendente,
e ainda não sabemos como isso realmente se dar, é que na grande maioria
das vezes estamos quase sempre certos.

Embora não seja objetivo deste artigo desvendar a hermenêutica do


raciocínio clínico, pretendemos, estudando a lógica dos testes diagnósticos,
ajudar os médicos a utilizar de forma eficiente este importante instrumento
da medicina moderna.

Contexto Clínico

Considere a seguinte situação: um homem de 48 anos com dor torácica


atípica procurou seu médico. Após história clínica, que não revelou outras
manifestações nem fatores de riscos, e exame físico inalterado, foi-lhe
solicitado ECG e Teste Ergométrico (TE). O resultado do ECG foi normal mas
o TE foi positivo. Como poderia ser portador de doença arterial coronariana
(DAC) recomendou-se então a realização de estudo
cineangiocoronariográfico. Conversando com seus familiares, o paciente
resolveu consultar outro médico, que por sua vez orientou um teste
cintilográfico de estresse com Tálio (TTA).
Raciocínio Clínico

Já foi destacado que o processo da decisão clínica baseia-se,


conscientemente ou não, em probabilidade. Por exemplo, a chance do
paciente da acima apresentar uma doença aterosclerótica das coronárias
antes da realização do TE era de cerca de 46%. Após um TE positivo esta
chance elevou-se para 64%. De maneira que para o primeiro clínico isto já
era evidência suficiente para solicitar a realização de um exame invasivo a
cinecoronariografia. Já o segundo clínico pode muito bem ter considerado
que o TE poderia ter apresentado um resultado falso-positivo (FN), e gostaria
de estar mais seguro antes de indicar um exame invasivo. Dentro desta
última situação, a chance de um resultado falso-positivo do TE era de 36%, e
portanto alto para alguns clínicos. Um teste de estresse com Tálio positivo
nesta circunstância elevaria para cerca de 92% a chance de doença
coronariana, tornando compulsória a continuidade da investigação
diagnóstica. Por outro lado se o TTA tivesse dado um resultado negativo, a
chance de DAC no paciente reduziria-se para próximo de 16%. Embora muito
superior aos 5% esperado para indivíduos nesta faixa etária, provavelmente
o estudo cineangiocoronariográfico não fosse indicado no momento pela
grande maioria dos clínicos. Fig.1

Este tipo de raciocínio delineado acima é realizado diuturnamente pelos


médicos. É provável que muitos não o faça de maneira tão objetiva e
considerem outros fatores subjetivos, seguindo sua intuição. Estará neste
momento realizando um ato menos científico, porque não fundamentado em
evidências apoiadas em pesquisas; não reproduzível, porque fundamentado
em visão individual ou particular do médico e, consequentemente, não
endossável pela maioria dos outros colegas.

TESTE DIAGNÓSTICO

Fazer diagnóstico é um processo imperfeito que resulta mais em


probabilidade de se estar certo do que em certeza. Tanto a prática como a
pesquisa clínica freqüentemente involvem a avaliação de teste diagnóstico.
Por exemplo, a avaliação do nível de proteína C reativa é útil na avaliação
prognóstica dos pacientes coronarianos? Entre os pacientes com HAS a
dosagem sérica da renina é útil no diagnóstico de doença renovascular?
Os testes diagnósticos são instrumentos importantes na facilitação das
decisões que os médicos são obrigados a realizar como parte intrínsica da
sua atividade. Geralmente obedecem a vários tipos de tomada de decisão,
como por exemplo: 1) Confirmar a presença de uma doença; 2) Avaliar a
gravidade do quadro clínico; 3) Estimar o prognóstico de uma doença e 4)
Monitorizar a resposta de uma conduta terapêutica.

PRINCÍPIOS BÁSICOS

O teste diagnóstico ideal daria sempre a resposta correta - positivo para a


presença da doença e negativo para a ausência - seria rápido, seguro,
incruento, confiável e barato. Por conseguinte, na prática não existe teste
ideal. Os estudos dos testes diagnósticos utilizam desenhos
semelhantes aos estudos observacionais, mas seus objetivos e
procedimentos estatísticos são diferentes, como veremos
posteriormente.

Dois modelos devem estar na mente do pesquisador quando for analisar ou


desenhar um trabalho tipo Teste Diagnóstico: 1) O Ensaio Clínico
Randomizado Duplo Cego - Os pacientes foram escolhidos aleatoriamente
para submeter-se ao novo teste proposto versus o teste usual? Os que se
submeteram ao novo teste tiveram um melhor resultado? Este novo teste
resultou em menor tempo de internação hospitalar ou aumentou a sobrevida?
Ou simplemente resultou em uma conta hospitalar maior? São indagações
que corriqueiramente devemos fazer. 2) A Prática Clínica Usual -O teste será
avaliado em condições clínicas similares à aplicação corrente no futuro?

ESTRUTURA BÁSICA

É similar aos outros estudos observacionais. Possui uma variável


preditora (o resultado do teste) e uma variável resultante (a presença ou
ausência da doença).

1. Resultado do Teste com VARIÁVEL PREDITORA

* A variável preditora do teste: pode ser


categórica, dicotômica ou contínua.
2.Doença como VARIÁVEL RESULTANTE

*A variável resultante no teste diagnóstico é a


presença ou ausência da doença determinada
pelo Teste "Gold Standard".

Às vezes é mais fácil confirmar a presença da doença que exclui-la


definitivamente.

ANÁLISE

Os testes diagnósticos são geralmente desenhados para determinar quão


bem um teste discrimina a presença ou ausência de uma doença.

Apenas demonstrar que há uma associação entre o resultado do teste e a


doença não é suficiente.

" UTILIZAR NO FINAL Talvez em realização à maldição de Lord Kelvin, que


afirmou não levar a sério a medicina porque não acreditava em ciência que
não conseguia medir seus fenômenos, os médicos utilizam crescentemente
do raciocínio probabilístico na sua prática. E a continuar a velocidade de
incorporação das técnicas estatísticas na medicina, em futuro próximo quem
sabe estaremos quase no nível da física quântica que tem como essência do
seu corpo teórico as leis da probabilística estatística. "

Referência Bibliográficas

1. William Osler. Medical Education. in: Counsels and Ideals, 2nd ed. Houghton
Mifflin,1921

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