A autora defende quatro regras para o ensino da filosofia que desviam dos métodos tradicionais: 1) Não temer os desvios e errar para explorar novas ideias, 2) Ter paciência ao invés de pressa para permitir novos pensamentos, 3) Assumir posições anacrônicas ao invés de seguir modas, 4) Não levar a sério demais as próprias opiniões para ir além delas. Ela argumenta que essas abordagens desviantes resistem aos imperativos do sistema capitalista e promove
A autora defende quatro regras para o ensino da filosofia que desviam dos métodos tradicionais: 1) Não temer os desvios e errar para explorar novas ideias, 2) Ter paciência ao invés de pressa para permitir novos pensamentos, 3) Assumir posições anacrônicas ao invés de seguir modas, 4) Não levar a sério demais as próprias opiniões para ir além delas. Ela argumenta que essas abordagens desviantes resistem aos imperativos do sistema capitalista e promove
A autora defende quatro regras para o ensino da filosofia que desviam dos métodos tradicionais: 1) Não temer os desvios e errar para explorar novas ideias, 2) Ter paciência ao invés de pressa para permitir novos pensamentos, 3) Assumir posições anacrônicas ao invés de seguir modas, 4) Não levar a sério demais as próprias opiniões para ir além delas. Ela argumenta que essas abordagens desviantes resistem aos imperativos do sistema capitalista e promove
Algumas teses impertinentes sobre o que no fazer num curso de filosofia Como uma boa e velha professora de filosofia, prefiro cercear o assunto, amplo demais, por caminhos negativos, desvios e atalhos que no parecem levar a lugar algum. igo !professora de filosofia", porque meu territ#rio de atua$o , primeiramente, a sala de aula e a din%mica com os estudantes, com todas as vantagens e todas as restri$&es que o ensino universit'rio no (rasil tra) consigo. * digo tambm uma !velha" professora de filosofia porque posso me permitir, ho+e, nesse momento de minha carreira acad,mica, algumas provoca$&es que no vo -pelo menos, assim o espero./ colocar em questo nem meu contrato nem meu emprego. 0magino que os +ovens colegas, com ou sem vaga ainda, no ousariam pensar de tal maneira, pelo menos e1plicitamente, porque t,m que assegurar primeiro seu lugar no sol. Ofere$o a eles um pequeno descanso na sombra. Primeira regra para o reto ensino, em particular, o reto ensino da filosofia2 no temer os desvios, no temer a err%ncia. Os programas e !cronogramas" somente servem de esbo$os ut#picos do percurso de uma problem'tica. 3o esquecer que o tempo m4ltiplo2 no somente !chronos" -uma concep$o linear que indu) falsamente a uma apar,ncia de causalidade/, mas tambm !ai5n" -esse tempo ligado ao eterno, que, confesso, ainda no consegui entender.../ e, sobretudo, !6airos", tempo oportuno, da ocasio que se pega ou se dei1a, do no previsto e do decisivo. 7uando algo acontece na aula, quando algo pode ser, subitamente, uma verdadeira questo -para todos2 estudantes e professor, no s# para este 4ltimo/, a8 vale a pena demorar, parar, dar um tempo, descrever o impasse e, talve), perceber que algo est' come$ando a ser vislumbrado, algo que ainda no tinha sido pensado -no por ningum na tradi$o filos#fica inteira, isso abstrato, mas por ningum dos participantes concretos agora e aqui na aula/, algo novo e, portanto, que no sabemos ainda como nomear. 9egunda regra para o reto ensino, +' cheio de desvios2 no ter medo de !perder tempo", no querer ganhar tempo, mas reaprender a paci,ncia. *ssa atitude naturalmente muito diferente, imagino, num ensino dito tcnico, no qual os estudantes devem aprender v'rias tcnicas, +ustamente, v'rios !conte4dos", ensino essencial para o bom funcionamento de v'rias profiss&es. Mas, no ensino da filosofia -e talve) de mais disciplinas se ousarmos pensar melhor/, paci,ncia e lentido so virtudes do pensar e, igualmente, t'ticas modestas, mas efetivas, de resistncia : pressa produtivista do sistema capitalista;mercantil;concorrencial etc. etc. -esqueci de di)er que a velha professora tinha <= anos em >?@A/. BCotard disse isso lindamente2 !9i lDun des principau1 critEres de la ralit et du ralisme est de gagner du temps, ce qui est, me semble;t;il, le cas au+ourdDhui, alors le cours de philosophie nDest pas conforme : la ralit dDau+ourdDhui. 3os difficults de professeurs de philosophie tiennent essentiellement : lDe1igence de la patience. 7uDon doive supporter de ne pas progresser -de fa$on calculable, apparente/, de ne faire que commencer tou+ours, cela est contraire au1 valeurs ambiantes de prospective, de dveloppement, de ciblage, de performance, de vitesse, de contrat, dDe1cution, de +ouissance" -F Be Postmoderne *1pliqu au1 *nfants G, Galile, >?A@, Paris, pp. >HAI>H?/. Jerceira regra desviante2 no querer ser !atual", estar na moda, up to date, mas assumir o anacronismo produtivo, uma no;conformidade ao tempo -Unzeitgemssheit, di)ia 3iet)sche/, no correr atr's das novidades -mercadorias intelectuais ou no/, mas perceber o surgimento do devir no passado antigo ou no presente balbuciante, hesitante, ainda indefinido e indefin8vel. ei1ar que essa hesita$o possa desabrochar. 3o procurar por normas e imperativos, mesmo na desorienta$o angustiante, mas conseguir di)er, de maneira diferenciada, as d4vidas. -Caro leitor, voc, +' percebeu a quantos imperativos somos submetidos, somente andando >= 6m na cidade ou lendo uma revistaK O tempo do imperativo o da propaganda/. Lesistir, portanto : tenta$o do professor e do !intelectual" em geral de ter de encontrar uma sa8da, uma solu$o, uma lei, uma verdade, um programa de partido ou no. MgNentar a ang4stia. Mdorno di)ia que essa dimenso era uma dimenso de resist,ncia no s# ao sistema dominante do mundo administrado, mas tambm aos sonhos de domina$o do pensamento. 3o querer colocar uma ordem necess'ria onde h' primeiro, desordem, no confundir !ta1inomia", arran+o em v'rias gavetas com pensamento ;pois pensar , antes de mais nada, duvidar, criar caminhos, perder;se na floresta e procurar por outro caminho, talve) inventar um atalho. 7uarta regra de mtodo desviante -!Mtodo desvio", di)ia um velho mestre quase chin,s, Oalter (en+amin/2 no se levar to a srio assim, s# porque estudou latim e grego ou fe) doutorado na Mlemanha ou consegue entender Peidegger. Mais radicalmente2 no levar demais a srio as !opini&es" pessoais, em particular as suas. 9o, no melhor dos casos, somente a ocasio de ir alm delas, do reino dito encantado das !idias" e !cren$as" sub+etivas. 3o cair na iluso liberal de que a liberdade se esconde nas escolhas individuais, arbitr'rias eIou manipuladas. 9e h' algo que a refle1o filos#fica pode realmente a+udar a pensar a necessidade de ultrapassar, de ir alm ;isto de !transcender"; os pequenos narcisismos individuais para vislumbrar !o vasto oceano da (ele)a" -di)ia o velho Plato/, o Leino do *sp8rito, di)ia outro velho senhor idealista, ho+e talve) digamos o !enigma do Leal" ou, ento, as linhas de fuga e os acontecimentos. *ssa dimenso !ob+etiva" -no em oposi$o ao !su+eito", mas levando em questo a materialidade e a historicidade das !coisas" que nos resistem e nos atraem/ do pensamento +ustifica a e1ig,ncia, imprescind8vel, da diferenciao conceitual, isto , do esfor$o e da ascese -askesis, ou e1erc8cio, em grego/ conceituais2 no se trata de malabarismos intelectuais complicados, mas de tentativas sempre reiteradas de compreender o !real" sem violent';lo. *sse esfor$o, essa !paci,ncia do conceito", vai, de novo, contra a pressa reinante, e tambm contra os !achismos" to pre)ados na imprensa e na televiso, nos meios ditos de !comunica$o". Jambm resiste : iluso de que o debate de idias, como se di), se+a um enfrentamento de dois ou mais oradores brilhantes -ou no/ que tentam, cada um, fa)er prevalecer sua opinio sobre a opinio do outro. M ascese conceitual tambm implica o aprendi)ado de um certo despo+amento da vontade individual e concorrencial de auto;produ$o perptua em detrimento dos outros. 3o se trata de ser melhor que os outros, mas de estar atento :s possibilidades de transforma$o da realidade, portanto, de no passsar ao lado dela, de compreend,;la melhor, na sua poss8vel mutabilidade. 0sso implica, ali's, que, muitas ve)es, no sei, no posso di)er nada que a+ude, portanto tambm ouso calar;me, no cedo : tenta$o de falar sobre tudo e qualquer coisa. Concluso2 no se dobrar aos imperativos mercantis; intelectuais da !produ$o" de !papers" e da contagem de pontos nos in4meros !curricula" e relat#rios administrativos; acad,micos2 se tiver que contar !pontos", conte para que lhe dei1em em pa), mas no confunda isso com trabalho intelectual ou mesmo espiritual. J' que temos o privilgio de lecionar filosofia, isto , uma coisa de cu+a utilidade sempre se duvidou, vamos aproveitar esse grande privilgio -de classe, de profisso, de tempo livre/ e solapar alguns imperativos ditos categ#ricos e racionais2 contra a pressa, a produtividade, a concorr,ncia, a previsibilidade, a especiali)a$o custe o que custar, as certe)as e as imposi$&es. Podemos e1ercer, treinar, mesmo numa sala de aula, sim, pequenas t'ticas de solapamento, e1erc8cios de inven$o sria e alegre, e1erc8cios de paci,ncia, de lentido, de gratuidade, de aten$o, de ang4stia assumida, de d4vida, enfim, e1erc8cios de solidariedade e de resist,ncia. (Publicado em 3/1/!!"#$ite %&'pico . Jeanne Marie Gagnebin Q professora de filosofia na PRCI9P e de teoria liter'ria na Rnicamp, autora, entre outros, de SPist#ria e 3arra$o em Oalter (en+aminS -Perspectiva, >??T/ e de S9ete Mulas sobre Binguagem, Mem#ria e Pist#riaS -0mago, >??U/.