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O Eduquês e a ideologia das competências

Lei n.º 60/2009: O Estado deve dedicar-se a ensinar competências pessoais


subjacentes a uma sexualidade gratificante.

Esta opção pela referência constante a uma lógica de competências no


desenvolvimento dos programas de estudos não é inocente. Responde a uma
necessidade e a uma pressão política evidente.

Desde sempre a Escola procurou responder às necessidades e objectivos sociais da


sua época: Isto foi particularmente evidente na famigerada pedagogia por
objectivos. A abordagem taylorista da organização do trabalho na empresa consiste
em tornar sequenciais as tarefas dos trabalhadores.

É nesta perspectiva que os programas escolares segmentaram os seus conteúdos em


múltiplos micro-objectivos permitindo assim à escola preparar os seus alunos para
uma forma atomizada de trabalho que no seu extremo exacerbado é a cadeia de
produção. Um trabalho dividido em múltiplas tarefas parcelares executadas de forma
isolada sem que o indivíduo tivesse necessidade de conhecer o seu resultado
global.

Le Boterf (2001) estabelece um paralelismo entre esta visão do trabalho em série e


a corrente pedagógica dominante na época. Minder (1977) definia a educação como
uma "empresa de modificação de comportamentos".

Os professores programavam e programam em Portugal as suas actividades segundo uma


lógica, uma técnica e uma terminologia influenciadas pela pedagogia por
objectivos. Por seu turno o próprio sistema educativo no seu conjunto inscreve-se
numa perspectiva comportamentalista.

A escola por seu turno não pode negar que pela organização sequencial das tarefas
e aprendizagens se inscreve num quadro global de taylorismo, isto é no âmbito
organizacional do trabalho em empresa. A Escola demonstra, no mínimo, a sua
cedência ao taylorismo e comportamentalismo, lógicas dominantes no mundo
capitalista numa perspectiva de rentabilidade.

Não se deve atribuir ao construtivismo pedagógico a exclusiva responsabilidade


desta situação. A abordagem pelas competências encerra os docentes num trabalho
rotineiro, burocrático e normativo. Para os construtivistas a actividade do aluno
sobre as "situações-problemas" era apenas uma das formas de o fazer participar na
construção dos seus saberes. Para os "teóricos" das competências não há saberes a
construir ou a transmitir. Há apenas competências a desenvolver. Para o teórico
Bernard Rey saber resolver uma equação do 2º grau é uma competência, mas saber
resolver um problema não é uma competência, é uma palavra vazia, uma especulação
de psicólogos (Rey, 2005).

Esta ideologia é mais subsidiária do construtivismo filosófico ou radical o qual


defende que todos os conhecimentos elaborados pela humanidade não passam de
construções sociais portanto nunca poderão possuir estatuto de verdades
objectivas: Um paradigma epistemológico relativista que equivale a renunciar a
toda a procura de um saber objectivo que é o fim em si mesmo da ciência.

Enfim estamos perante um catecismo post-moderno no qual o Bispo Berkeley se


sentiria à vontade já que não existem realidades externas ao sujeito-pensante,
apenas competências estabelecidas pelo Estado e seus associados facilitadores ou
parceiros como quiserem.
Wegie

Os 10 pecados mortais do eduquês


1. Concepção instrumental da educação: "aprender a aprender", "aptidão para o
pensamento crítico", "aptidões metacognitivas", "aprendizagem permanente".

2. Desenvolvimentalismo romântico: "aprendizagem ao ritmo dos alunos", "escola


centrada na criança", "diferenças individuais dos alunos", "estilos individuais de
aprendizagem", "ensinar a criança e não os conteúdos".

3. Pedagogia naturalista: "construtivismo", "aprendizagem por descoberta",


"aprendizagem holística", "método de projecto", "aprendizagem temática".

4. Antipatia pelo ensino de conteúdos: "os factos não contam tanto como a
compreensão", "os factos ficam desactualizados", "menos é mais", "aprendizagem
para a compreensão".

5. A desvalorização dos padrões culturais tidos como relativos e subjectivos,


portanto irrelevantes.

6. Crítica do uso da memória e recusa das actividades de repetição, tidas como não
significativas, portanto inúteis.

7. Defesa da ideia falsa de que as crianças só compreendem o que lhes está próximo
e o que é concreto e manipulável.

8. Primazia à componente lúdica e recreativa por oposição à valorização do esforço


na aprendizagem.

9. Redução da aprendizagem a um processo construtivista que diminui a função de


transmissão dos conteúdos.

10. Visão anti-intelectualista da cultura e da educação.

Para uma crítica do eduquês


Ao longo dos próximos dias, o ProfBlog abre espaço para a crítica do fenómeno do
eduquês. São bem-vindos os testemunhos e os textos analíticos sobre um fenómeno
que, caso não seja combatido, continuará a sufocar os professores e as escolas com
excesso de burocracia.

O Jad, comentador regular do ProfBlog, deu um contributo com o texto que se segue.
Convido-o a dar continuidade ao debate.

Desde pelo menos 1996-97, ano da defesa e publicação da minha dissertação de


mestrado, que defendo que a escola e a educação se orienta para o aluno como seu
fim mas que o seu centro é o professor. É ele que ensina e determina os processos
de aprender.

A escola não é uma entidade abstracta. É constituida por espaços, tempos e


pessoas. É neste complexo de circunstâncias e modos de ser, pensar, dizer e de
fazer que se desenvolve o ensinar e o aprender. Mas, para mim não há qualquer
equívoco em quem ensina e quem aprende: ensina quem sabe, aprende quem não sabe.

Mas, penso que, uma vez que todo o trabalho pedagógico e educativo se faz numa
língua e recorre à linguagem, o grande problema está no domínio da língua e da
linguagem. Ou seja, o sucesso/insucesso, quer dizer, a eficácia/ineficácia do
ensinar e do aprender tem que ter em consideração o domínio da língua e da
linguagem em que se ensina e se aprende. Mas também acho que George Steiner tem
razão quando diz que, mesmo que os alunos não percebam tudo o que o professor diz,
se recorrer a conhecimentos rigorosos e saberes importantes o efeito neles
provocado é sempre muito importante para os alunos.

O que o eduquês trouxe foi a deslocação do ensinar para o aprender e, com ele,
a produção de mil e um documentos que mostrassem o que e como se aprende.

Jad

A caracterização do eduquês
"Onde o eduquês cai, cresce a burocracia."

Esta frase é epigramática e diz muito sobre essa vulgata nascida nas cada vez mais
desertificadas Licenciaturas em Educação dos moribundos departamentos de ciências
da educação de algumas Universidades e ESE's.

Um tal Pacheco director do Centro de Investigação da UM lamentou-se que os


professores mais experientes não estão aptos a realizar trabalhos burocráticos
(sic).

Muita papelada com validação de "competências" sabe-se lá em quê. Com qualificação


elencada de seja o que for parece ser a finalidade paradoxal de um ensino que se
devia pretender transmissor dos conhecimentos acumulados de gerações como base
para a construção de um futuro melhor.

Reuniões de Grupo, de Directores de turma, de Departamento, de avaliação, do


Conselho Pedagógico, do conselho disciplinar, de grupo, de Turma, etc.,
verificamos que muito do tempo dos professores se gasta mais na máquina
burocrática montada para o ensino heterónomo, portanto, mais nos meios, do que nos
fins, ou seja, na própria função de ajudar os alunos a aprender de forma autónoma
e responsável.

Quer dizer, tal como na produção económica, o ensino heterónomo torna os meios no
seu próprio fim, perdendo-se de vista o objectivo que seria suposto servir – a
aprendizagem, o saber, autonomia, a liberdade e responsabilidade das crianças e
adolescentes. Pior ainda, com a preocupação burocrática da ocupação dos
professores em trabalho heterónomo e contraprodutivo (improdutivo mesmo)
desperdiçam-se recursos humanos valiosos assim atolados em burocracia cujo
resultado não é senão dar a impressão perante a opinião pública que agora, sim, os
professores trabalham e logo (subentenda-se) os alunos aprendem!

A heteronomia e excessivo centralismo dirigista produzem fracos resultados;


procura-se, então, resolver o problema aplicando mais e em força as formas de
acção que lhe deram origem: mais complicação burocrática, mais formulários, mais
preenchimento de grelhas, de mapas e mais “adaptações curriculares”, mais “medidas
de remediação”… e os resultados continuam fracos, e mesmo piores, e assim por
diante até ao analfabetismo funcional diplomado!

Com efeito, a preocupação da política e administração educativas incide mais na


regulamentação e organização da máquina burocrática, isto é, nos meios do que no
fim propriamente dito – o ensino e a aprendizagem: normas para escolha e adopção
de manuais escolares, regulamentos de visitas de estudo, estatuto dos alunos,
normas para a avaliação intercalar, avaliação intercalar e do 1º, 2º e 3º períodos
e para exames, regulamentos do Departamento, do Conselho Pedagógico e de Turma,
Projecto Educativo, Projecto curricular de Agrupamento, de Escola, de Turma,
fichas e mais fichas, etc., etc.
Wegie

Eduquês? Não sei o que é!


Eduquês… mas o que é isso?

Sei de uma escola cujo lema é: “Se não sei onde quero chegar, qualquer caminho é
um caminho válido”.
É uma escola com história, devidamente institucionalizada, com uma identidade
muito forte. Não, não tem projecto educativo. Ali vigora uma Compromisso Educativo
onde se evidencia claramente a sua Missão, Visão, Princípios e os Valores.
O sentido de pertença de cada membro conduz à naturalização do conceito de
comunidade educativa e à celebração de rituais e cerimónias que reflectem os
valores próprios da organização.
A “prestação de contas” está sempre presente e o grau de satisfação do cliente é
medido com regularidade.
É uma escola que tenta promover o progresso de todos os alunos em todos os
aspectos do seu rendimento e aproveitamento mas que reconhece que o sucesso ou
insucesso das aprendizagens depende em larga escala do domínio da língua materna e
das competências comunicativas.
É uma escola onde os professores procuram ensinar e os alunos tentam aprender. Os
alunos compreendem, memorizam, relacionam e aplicam factos e conhecimentos na
resolução de problemas.
É uma escola onde os alunos são obrigados a pensar antes de agir! Aprendem a
aprender mas aprendendo sempre alguma coisa!
Equipas pedagógicas acompanham e monitorizam a evolução dos alunos e promovem
mecanismos conducentes a graus crescentes de autonomia perante o estudo e perante
a vida.
A liderança está perfeitamente legitimada. E porque tem uma visão sistémica da
realidade, o director aproveita as pequenas margens de uma autonomia ministerial
para inovar, fugindo à submissão de decisões centralistas absurdas.
Sim, sim… os resultados são bons.
Eduquês… não sei o que isso é!
António Cardoso

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