1) O estilo singular de Graciliano Ramos reside em sua escolha precisa de palavras e construções para criar composições perfeitamente pessoais, eliminando tudo o que não é essencial.
2) Graciliano Ramos é um clássico experimental que usa um estilo amusical e estático para fixar e estabilizar o "mundo inferior" em monumentos de baixeza, como um escultor.
3) Suas obras representam experimentos com diferentes gêneros literários, indicando que ele está buscando solucionar um problema vital
1) O estilo singular de Graciliano Ramos reside em sua escolha precisa de palavras e construções para criar composições perfeitamente pessoais, eliminando tudo o que não é essencial.
2) Graciliano Ramos é um clássico experimental que usa um estilo amusical e estático para fixar e estabilizar o "mundo inferior" em monumentos de baixeza, como um escultor.
3) Suas obras representam experimentos com diferentes gêneros literários, indicando que ele está buscando solucionar um problema vital
1) O estilo singular de Graciliano Ramos reside em sua escolha precisa de palavras e construções para criar composições perfeitamente pessoais, eliminando tudo o que não é essencial.
2) Graciliano Ramos é um clássico experimental que usa um estilo amusical e estático para fixar e estabilizar o "mundo inferior" em monumentos de baixeza, como um escultor.
3) Suas obras representam experimentos com diferentes gêneros literários, indicando que ele está buscando solucionar um problema vital
A "mestria singular" do romancista Graciliano Ramos reside no
seu estilo. Para salvar esta frase da apreciao "lugar-comum" apenas preciso definir o que estilo: escolha de palavras, escolha de construes, escolha de ritmos dos fatos, escolha dos prprios fatos para conseguir uma composio perfeita, perfeitamente pessoal: pessoal, no caso, " maneira de Graciliano Ramos". Estilo escolha entre o que deve perecer e o que deve sobreviver. Vamos ver o que Graciliano Ramos escolhe. muito meticuloso. Quer eliminar tudo o que no essencial: as descries pitorescas, o lugar-comum das frases feitas, a eloqncia tendenciosa. Seria capaz de eliminar ainda pginas inteiras, eliminar os seus romances inteiros, eliminar o prprio mundo. Para guardar apenas o que essencial, isto , conforme o conceito de Benedetto Croce, o "lrico". O lirismo de Graciliano Ramos, porm, bem estranho. No tem nada de musical, nada do desejo de dissolver em canto o mundo das coisas; acredito-o incapaz de escrever a ltima pgina de O moleque Ricardo, de Jos Lins do Rego, talvez a mais bela pgina de prosa da literatura brasileira. O lirismo de Graciliano Ramos amusical, adinmico, esttico, sbrio, clssico, classicista, traindo, s vezes, um oculto passado parnasiano do
escritor. No quer agitar o mundo agitado; quer fix-lo,
estabiliz-lo. Elimina implacavelmente tudo o que no se presta a tal obra de escultor, dissolve-o em ridicularias, para dar lugar aos seus monumentos de baixeza. Com efeito, o material desse classicista bem estranho: o mundo inferior; s mais das vezes, o mundo infernal. L, as almas so caadas por um turbilho demonaco de angstias, como as almas no vestbulo do Inferno de Dante: "Qui sospiri, pianti ed alti guai Risonavan per laer senza stelle... Diverse lingue, orribili favelle Parole di dolore, accenti dira..."1 uma tortura sem fim; e o prprio Dante apiedou-se dos que ".... non hanno speranza di morte, E la lor cieca vita tanto bassa, Che invidiosi son dogni altra sorte."2 So aqueles dos quais o romancista Graciliano Ramos tambm se apieda, pois cheio de misericrdia. Procura-lhes a "altra sorte", estabilizando classicamente o turbilho, eliminando duramente tudo o que no essencial, erigindo-os em monumentos de baixeza, como criaturas petrificadas dum maligno Demiurgo, restos fsseis duma criao malograda, redimidos, enfim, pela criao mortfera da arte. Graciliano Ramos o clssico deste mundo da morte. um clssico. Mas contradio enigmtica um clssico experimentador. A estria excepcionalmente tardia, com mais de quarenta anos de idade, deve ter sido precedida de vagarosos preparativos de um experimentador, e mesmo depois continuou sempre a experimentar. O nosso amigo comum Aurlio Buarque de Holanda chamou-me a ateno para a circunstncia de representar cada uma das obras de Graciliano Ramos um tipo diferente de romance. Com efeito. Caets dum
Anatole ou Ea brasileiro; So Bernardo digno de
Balzac;Angstia tem algo de Marcel Jouhandeau, e Vidas secas algo dos recentes contistas norte-americanos. Graciliano Ramos faz experimentos com a sua arte; e como o "mestre singular" no precisa disso, temos a um indcio certo de que est buscando a soluo de um problema vital. Eu no disse nada para comparar. Comparaes so fceis e inteis, produzem apenas apreciaes de clich, como o "sertanejo culto", sempre repetido. No chegam a penetrar no corao da criao pessoal; e esta justamente a minha modesta ambio. Para consegu-lo, vou escolher um processo estranho, estranho como o meu assunto. Vou construir uma teoria para apanhar a minha vtima; vou constru-la de pedaos de outras criaes, alheias, com as quais Graciliano Ramos no tem nada que ver; vou colher esses pedaos, entregando-me ao jogo livre das associaes. "Gastei meses construindo esta Marina que vive dentro de mim, que diferente da outra, mas que se confunde com ela." Vou construir o meu Graciliano Ramos. "Meu pai, reduzido a Camilo Pereira da Silva, ficava dias inteiros manzanzando numa rede armada nos esteios do copiar, cortando palhas de milho para cigarros, lendo o Carlos Magno, sonhando". Logo me lembro do pintor incomparvel da vida esttica, imvel, inconsciente, nos "engenhos" escravocratas da Rssia tzarista, daquele Gontcharov de quem me lembrei quando li a comparao do Brasil escravocrata com a Rssia servil, em Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Os romances de Gontcharov pintam classicamente um mundo primitivo amoral, "atrabalhador", preguioso demais para trabalhar, amar, viver. Parecem idlios de pura art pour lart; so acusaes terrveis contra o regime, contra o Estado russo, que quis movimentar esse mundo imvel por pretensas reformas econmicas e sociais. O primeiro romance de Gontcharov chama-se: Uma histria simples; o ltimo: A queda.
O satrico malicioso deste movimento outro russo, que me
ocorre, Saltykov-Chtchedrine, tambm partidrio da imobilidade conservadora, contra os experimentos liberais dos tzares de ento, e que a todos pareceu um revolucionrio, menos censura, qual ele sabia enganar pela sua mestria singular de estilista. Saltykov escreveu uma maravilhosaHistria da Rssia romanceada, comeando com a chamada, pelo povo russo, dos trs irmos Ruriks, fundadores da dinastia, para "sistematizar e codificar a desordem e a violncia". boa maneira das epopias, os irmos sonham, na noite anterior coroao, a futura histria russa, e o sonho to terrvel que dois dos irmos logo se suicidam. Ao terceiro, porm, diz o povo: "Que te importam as mentiras que os nossos descendentes vo aprender na escola?" E ele funda o Imprio russo, "o maior imprio da histria, maior do que Roma; pois em Roma brilhava o paganismo, e entre ns brilha do mesmo modo o cristianismo, em Roma raivava a plebe, e entre ns as autoridades." Assim, tudo ficava bem. At que, um dia, um tzar teve a idia desgraada de reformar o Estado e a civilizao. Fundou uma Academia de Letras e promulgou uma legislao em virtude da qual "foi proibido cozer po de cimento ou argamassa". O povo agradecido povoou a cidade de monumentos dos seus prncipes, na esperana de fazer parar, petrificar, assim, as atividades deles. Mas, pelos benefcios do governo, os homens transformaram-se em lobos famintos; como numa fbula de Saltykov, o Pobre lobo, o monstro que no maligno mas que no pode viver sem carne e que, por isso, deve matar, e invoca a morte salvadora para as vtimas e para si mesmo. O monstro lembra-me o terrvel Leviat, de Julien Green, que vive no corao de inofensivos mestres-escola, filhos-famlia, rendeiros abastados, para revoltar-se de sbito, um dia, arremessar-se insaciavelmente, o monstro, por quartos de assassnio, escadas funestas, becos escuros, at descansar, extenuado, margem do rio noturno, que corre lento, sujo, pela cidade, nico resto da paisagem primitiva que existia antes deste mundo artificial e miservel de instituies pblicas,
jornais pblicos, mulheres pblicas, e que ainda existir
quando tudo isto houver acabado. E o monstro desgraado curva-se nostalgicamente sobre a gua escura, suja, que lhe oferece a ltima possibilidade de salvao: o prprio rosto, refletido l no fundo, o da morte. Todas as personagens de Graciliano Ramos so tais monstros, revoltados, caados, nostlgicos da morte, com os quais o Demiurgo, o "presidente dos imortais", brinca. A expresso "the president of the immortals" de Thomas Hardy, tambm um "sertanejo culto", pequeno intelectual, perdido no "serto" ingls de Wessex, a paisagem mais agrria, mais atrasada, mais primitiva, da Inglaterra, onde se passam todos os seus romances, para onde o velho Hardy enfim se retirou, a viver a vida arcaica e imvel dos rochedos e pntanos, abandonando, enfim, o romance para fazer s os seus pequenos poemas, endurecidos como monumentos pr-histricos, e cujas rimas fielmente tradicionais anunciam a reconciliao resignada do poeta com o mundo morto: "Black is nights cope; But death will no appal One who, past doubtings all, Waits in unhope."3 O crtico espanhol Jos Bergamn gostaria dessas associaes. Confirmam a sua teoria do romance: o leitor perde-se no romance para esquecer o seu mundo, mas encontra-se l, reconhecendo que o seu prprio mundo est chamado a desaparecer: "Perderse, para encontrarse, para perderse." O romance seria um processo de economia mental para apressar o fim do mundo: "Cada novela es la manifestacin de un mundo llamado a desaparecer, y que antes de desaparecer quiere aparecer, comparecer: y aparece, comparece en efecto, solicitando esperando ser juzgado". a teoria dum espanhol, dum cristo, dum pessimista. A teoria dum espanhol, isto , dum homem que toma radicalmente a srio o cristianismo. A teoria dum cristo, isto , dum homem
que sabe que esta vida no presta. uma teoria de esttica
pessimista. Toda literatura pessimista encontra uma resistncia fantica; leitores e crticos no gostam disso. Sentem vagamente que arte e pessimismo se contradizem. Mas em vez de estudarem esteticamente a possvel contradio, entrincheiram-se em regies fora da arte, na filosofia, na tica, para bombardear o romancista com as censuras de "pouca generosidade" ou de niilismo insaudvel. No admito preconceitos. O pessimismo no uma moral nem uma filosofia. um estado de alma. preciso esboar uma psicologia do pessimismo. Penso em Schopenhauer. No um sistema filosfico. um caso psicolgico. Pretendeu ser filsofo, ensinar uma filosofia da salvao do mundo do sofrimento universal. Mas a sua personalidade o desmentiu. Ao desprezo filosfico do mundo uniu um instinto ardente de propriedade e de prazer. Dinheiro e mulheres significavam para ele alguma coisa. Quis utilizar os homens profundamente desdenhados como meros instrumentos dos seus desejos, e quanto mais eles se recusaram, tanto mais os desdenhou. Sofria de hipocondria, de graves ataques de pavor noturno, de angstia. Teve uma misericrdia ilimitada para consigo mesmo. Como psiclogo, reconheceu que toda misericrdia para com outros secreta misericrdia para consigo mesmo; e salvou-se moralmente pela identificao pantestica do seu eu angustiado com o mundo sofredor, pela frmula budista "Tat twam asi." "Isto s tu." O seu supremo egocentrismo chegou at a negar a realidade do mundo exterior; considerou a vida um sonho, sonho horrvel do qual existe apenas uma possibilidade de acordar: no outro sonho, na arte. Na arte, o turbilho angustiado encontra a calma, a estabilidade do estado primitivo antes da criao restabelecida. (Como as palavras rimam, enfim!) A arte uma astcia do esprito humano, para fraudar o mau Demiurgo das suas vtimas, para ironizar a criao malograda. A ironia uma arma suprema. "Cest lironie" diz Max Jacob
"qui lui fournit chaque jour une cl pour sortir de sa
prison."4 um mtodo para anular a obra do Demiurgo. "Revogam-se as disposies em contrrio". E tornam-se inteis todas as revolues. Em comparao com aquela ironia suprarealista, todas as revolues, intimamente ligadas a este mundo de maldio por meio de um otimismo crdulo nas transformaes exteriores, parecem ridiculamente ineptas, impotentes contra"the ingenious machinery contrived by the Gods for reducing human possibilities of amelioration to a minimum".5 Acredito que Graciliano Ramos pode conformar-se com esta frase de Thomas Hardy. Conheo bem ou bastante as suas convices, para ficar convencido, da minha parte, de que representam apenas a superfcie do seu pensamento. No so transformveis em arte; e isto significativo. Lus Padilha e o judeu Moiss no so heris revolucionrios. Cada vez que o romancista cede tentao de formular programas de reformas sociais a professora Madalena fala assim cai logo na armadilha do seu inimigo mais detestado: o lugar-comum; no caso, o lugar-comum humanitrio, da "generosidade", que o seu crtico mais incompreensivo lhe aconselhou. Certamente, a alma deste romancista seco no seca; cheia de misericrdia e de simpatia para com todas as criaturas, muito mais vasta do que um mestre-escola filantrpico pode imaginar; abrange at o mudo assassino Casimiro Lopes, at a cachorrinha Baleia, cuja morte me comoveu intensamente: "Tat twam asi." A misericrdia do pessimista para consigo mesmo to compreensiva que medita todos os meios de salvao, para deter-se apenas no ltimo: a destruio deste mundo, para libertar todas as criaturas. "Un mundo llamado a desaparecer." preciso destruir o mundo exterior, para salvar a alma. A realidade, nos romances de Graciliano Ramos, no deste mundo. uma realidade diferente. Aps ter lido Angstia at o fim, preciso reler as primeiras pginas, para compreend-las. um mundo fechado em si mesmo. Que mundo ? "H nas minhas recordaes estranhos hiatos. Fixaram-se
coisas insignificantes. Depois um esquecimento quase
completo" confessa Lus da Silva em Angstia. E depois: "Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo empastado e nevoento." E acrescenta: "No sei se com os outros se d o mesmo. Comigo assim." assim com todos ns outros, quando entramos no mundo empastado e nevoento, noturno, onde os romances de Graciliano Ramos se passam: no sonho. Os hiatos nas recordaes, a carga de acontecimentos insignificantes com fortes afetos inexplicveis, eis a prpria "tcnica do sonho", no dizer de Freud. lvaro Lins, no melhor artigo que se escreveu sobre Graciliano Ramos, observou agudamente a abstrao do tempo "Mas no tempo no havia horas", cita o crtico , e acrescenta: "Os outros personagens so projees do personagem principal. Julio Tavares e Marina s existem para que Lus da Silva se atormente e cometa o seu crime. Tudo vem ao encontro do personagem principal inclusive o instrumento do crime". Estas palavras do crtico constituem a chave da obra do romancista: descrevem perfeitamente a nossa situao no sonho, em que tudo criao do nosso prprio esprito. Explica-se assim o extremo egosmo dos heris de Graciliano Ramos: o egosmo daquele que sonha e para o qual, prisioneiro dum mundo irreal, s ele mesmo existe realmente. A mentalidade inteiramente amoral do sonho exclui, decerto, toda "generosidade"; mas a substitui por um sentimento mais vasto de identificao quase mstica com as criaturas da prpria imaginao, at a cachorrinha Baleia: "Tat twam asi." O extremo egosmo do sonho engendra o motivo principal do romancista: cobia de propriedade. Propriedade de terra, de mulher, em So Bernardo; aqui e em Angstia, a forma extrema desta cobia, o cime. Por isso, nos romances de Graciliano Ramos, esses afetos ultrapassam toda medida; sugerem, ao lado dos afetos anlogos na vida real, a impresso de sentimentos patolgicos. E quando o autor considera os monstros da sua angstia de sonho, lana o seu grito mais elementar: "Dinheiro e propriedade do-me sempre desejos
violentos de mortandade e outras destruies."
"Ai quando vir o anjo da destruio pra acabar com a minha memria..." (Murilo Mendes). Todos os romances de Graciliano Ramos e este o sentido do seu experimentar so tentativas de destruio; tentativas de "acabar com a minha memria", tentativas de dissolver as recordaes pelos "estranhos hiatos" dum sonho angustiado. Trata-se de saber que mundo de recordaes se dissolve assim. A resposta bastante difcil. Surge, ainda uma vez, o clich do "sertanejo culto" e sugere aos crticos a idia de que o romancista est furioso contra o ambiente selvagem do seu passado. Mas no assim. No o serto o culpado; Vidas secas o seu romance relativamente mais sereno, relativamente mais otimista. O culpado superficialmente visto, numa primeira aproximao a cidade. O heri de Graciliano Ramos o sertanejo desarraigado, levado do mundo primitivo, imvel, para o mundo do movimento. o vagabundo ("um pobre nordestino..."); e explica-se o seu dio balzaquiano ao mundo burgus, que conseguiu a estabilidade relativa do comrcio de secos e molhados. Esta vagabundagem o aspecto sociolgico do egosmo do sonho quando se choca com a realidade. o desejo violento do vagabundo de restabelecer-se na terra: "Como a cidade me afastara de meus avs!" Mas apenas uma explicao em primeira aproximao: pois Paulo Honrio consegue o seu fim, e, contudo, uma vida malograda. Por qu? Porque o seu criador quer mais do que terra, casa, dinheiro, mulher. Quer realmente voltar aos avs. Voltar imobilidade, estabilidade do mundo primitivo. E para atingir este fim, deve antes destruir o mundo da agitao angustiada, qual est preso.
Os romances de Graciliano Ramos so experimentos para
acabar com o sonho de angstia que a nossa vida. Uma lenda budista conta dum homem que correu, ao sol do meio-dia, para fugir sua sombra, que o angustiava; correu, correu, sempre perseguido pelo companheiro sinistro, at que encontrou o grande Sbio, que lhe disse: "No continues a fugir! Assentate sob esta rvore!" E como ele parou, a sombra desapareceu. A sombra sobre o mundo de Graciliano Ramos no a sombra da rvore da salvao, mas a do edifcio da nossa civilizao artificial cultura e analfabetismo letrados, sociedade, cidade, Estado, todas as autoridades temporais e espirituais, que ele convida ironicamente no comeo de So Bernardo a colaborar na sua obra de destruio. Mas eles mostram-se incapazes de cometer o suicdio proposto. Entrincheiram-se na "dura realidade", imposta a todas as criaturas do Demiurgo, e que se arroga todos os atributos da eternidade. O romancista, porm, no se conforma. Transforma esta vida real em sonho pois do sonho, afinal, se acorda. Ento, as disposies funestas do Demiurgo seriam revogadas, e o destruidor poderia dizer, com o Gide das Nouvelles Nourritures: "Table rase. Jai tout balay. Cen est fait. Je me dresse nu sur la terre vierge, derrire le ciel repeupler."6 O fim o estado primitivo do mundo o cu repovoado. Ento, a angstia j no assusta. "Black is nights cope; But death will not appal One who, past doubting all, Waits in unhope." Foi a ltima sabedoria potica do romancista Thomas Hardy, versos duros, populares e clssicos ao mesmo tempo, rimados em sinal da concordncia resignada com o mundo. possvel que o romancista Graciliano Ramos escreva tambm, um dia, tais versos, duros, populares e clssicos ao mesmo tempo, versos tradicionais, como o velho Hardy. Mas no sero rimados. Sero versos brancos. Pois a primeira rima de
Graciliano Ramos j anunciaria o Fim do Mundo.
NOTAS 1. "Suspiros, pranto e gritos escutei
Ressoando pelo ar falto de estrelas,
<E assim, chorando, logo me encontrei.> <No includo por Carpeaux.>
2.
3.
4. 5.
Estranhas lnguas, falas tendo nelas
Palavras s de dor, marcas de ira, E mos batendo e rouca voz, flagela..." [J.W.] Voltar "Esses no tm esperana de morte E sua vida vivem na desgraa, Tanto que invejam qualquer outra sorte." [J.W.] Voltar "Negra copa a noite avana; Mas Morte no apavora Quem passou tudo: - e que agora Espera sem esperana." [J.W.] Voltar " a ironia que lhe fornece a cada dia uma chave para sair de sua priso." [N.E.] Voltar "O engenhoso mecanismo concebido pelos Deuses para reduzir a um mnimo as possibilidades humanas de melhorar." [N.E.] Voltar
6. "Tbua rasa. Tudo varri. Est feito. Ergo-me nu sobre a terra virgem, ante o cu por repovoar." [N.E.] Voltar