You are on page 1of 5

Pergunta para queijo: é possível acabar

com a pobreza no mundo?


por Ana Kotowicz, Pub licado em 23 de Janeiro de 2010

http://www.ionline.pt/conteudo/43295-pergunta-queijo-e-possivel-acabar-com-
pobreza-no- mundo

Há respostas para todos os gostos: melhores políticos, melhor


educação, acabar com os ricos ou entregar o governo do país a
Espanha

Se existe uma one million dollar question, é esta: como acabar com a pobreza no mundo?
Reticências, hesitações, ou pedidos para ligar mais tarde de telemóveis que não voltam a
atender fazem parte do rol de respostas ouvidas. Perante o desafio, é compreensível. José
Gil, filósofo, é quem melhor resume o sentimento inicial: "É impossível responder.
Implicaria a substituição total do sistema capitalista que hoje gere o planeta e ninguém sabe
como fazê-lo. Andam todos os pensadores, todos os socialistas e toda a esquerda a ver se
dizem qualquer coisa de novo e não sai nada."

Sem abandonar a discussão com voto de vencido, o ensaísta que, em 2004, discorreu sobre
o medo de existir português arrisca uma solução. "A resposta óbvia é o microcrédito. Ao
mesmo tempo, há uma absoluta necessidade - o pensar - uma exigência que é feita pelo
estado do mundo." Depois da resistência, há a tentativa de contribuir para esta missão
impossível. E as respostas dadas pelas 28 personalidades começam a desenhar um caminho
- ter melhores políticos e maior de- senvolvimento económico. "A Europa precisa de
grandes líderes, capazes de olhar para o mundo e tornar a Europa um espaço de mais
unidade e fraternidade. As respostas passam antes de mais pela capacidade de liderança e
decisão política", argumenta a ex-primeira-dama Maria Barroso, presidente da Fundação
Pro Dignitate.

Jorge Sampaio, também ele socialista e residente do Palácio de Belém durante dez anos,
prefere falar dos Objectivos de Desen-volvimento do Milénio - agenda adoptada em 2000,
na Assembleia Geral da ONU, para melhorar os níveis de desenvolvimento humano num
prazo de 25 anos. "Perante a crise actual e a escassez de recursos disponíveis no plano
mundial, importa mais que nunca evitar a multiplicação de iniciativas, a criação de novas
agendas e a dispersão dos recursos. A melhor forma de contribuir para reduzir os níveis de
pobreza é reafirmar este compromisso e prosseguir, com empenho, com a aplicação desta
agenda, cujas oito metas versam sobre direitos fundamentais."

Venham os espanhóis Irónica q. b. é a resposta de Victor Espadinha, músico e intérprete


de "Palhaço até ao Fim" e "Tudo São Recordações". "Nós portugueses não sabemos
governar e a única solução que eu vejo é uma brincadeira do [José] Saramago, mas que é
verdade. Era alugar isto a Espanha e pôr aqui uma nova gerência, como se fosse uma loja.
Minimizar o problema é adoptar o sistema dos países nórdicos. Conheço a Europa toda e na
Dinamarca e na Suécia não se vê pobreza... Porquê? Lá os ministros andam de Smart, não
em grandes bombas da Mercedes."

Ainda que alugar o território nacional aos políticos de Madrid pudesse, talvez, resolver o
problema da pobreza portuguesa, não resolveria o da do mundo. Para essa - e mantendo a
tónica na necessidade de melhores governos, Rui Rangel, juiz--desembargador, tem outra
solução - políticos de mãos limpas. "A corrupção é um elemento gerador de pobreza, e para
a combater precisamos de melhores políticos, que olhem para o mundo com melhor sentido
de distribuição da riqueza." Depois era juntar a ideia do juiz-desembargador à da analista
política iraniana Ghoncheh Tazmini - "maior cooperação internacional", "fomentar o
diálogo entre as nações" e "criar elos de confiança" entre os governos - e espalhar esta nova
classe política pelos vários cantos do globo.

Caridade versus cana de pesca Como em tudo na vida, também nas estratégias para
acabar com a pobreza há várias escolas de pensamento - algumas antagónicas. Carlos
Carvalhas e Odete Santos partilham a militância no PCP e acreditam na lógica de dar ao
pobre a cana de pesca e não o peixe. Simone Oliveira e o xeque Munir, o líder da
comunidade islâmica de Lisboa, depositam a sua fé na caridade. "Se todas as pessoas
dessem uma coisa nas campanhas contra a pobreza nos supermercados, já era uma grande
ajuda", acredita a actriz e cantora. A ideia é refutada pela ex -deputada comunista, que teve
lugar cativo na bancada parlamentar do seu partido durante 26 anos: "A nível pessoal, não
acredito no espírito caritativo. Prefiro a solidariedade à caridade."

A partir daqui o seu discurso é em tudo semelhante ao do economista que sucedeu a Álvaro
Cunhal no cargo de secretário-geral do PCP. "Em Portugal, a grande mancha da pobreza
resulta da má distribuição do rendimento nacional. Aliás, os baixos salários de hoje vão ser
as baixas pensões de amanhã, o que é preocupante. A única forma de contornar o problema
será melhorar a distribuição da riqueza, através de uma política fiscal mais justa e de uma
melhoria dos salários e das reformas", defende Carvalhas.

Depois da curva, nova contracurva. Sendo islâmico, a resposta do xeque Munir teria de
seguir em sentido único, já que um dos pilares da sua religião é a caridade. "O Alcorão tem
um versículo que diz: 'Quando vier um pedinte não corra com ele.' Se todas as pessoas
derem um contributo, é possível remover a pobreza."
Economia é a nossa salvação Acabar com a pobreza? A uma pergunta "muito, muito
difícil", Miguel Beleza atira uma "solução imediata" - promover e estimular um crescimento
económico razoável. O economista, antigo governador do Banco de Portugal e ex-ministro
das Finanças de Cavaco Silva - que um dia considerou, durante uma entrevista a Mário
Crespo, que o seu currículo é antes "um cadastro" -, defende ainda a importância de haver
maior investimento do sector privado e impostos "não demasiado altos" para que ao crescer
a economia diminua a pobreza.

São também apologistas de semelhante causa-efeito Maria José Morgado e Ester Mucznik.
A primeira, procuradora-geral-adjunta do Ministério Público, é a mais pessimista. "Não há
remédios mágicos a contrapor às fatalidades do mau funcionamento da economia. A
pobreza existe em todos os países. A questão é o seu peso social e algumas respostas
económicas e sociais no sentido de tentar diminuí-la. Talvez um Estado-providência
actuante e não contemplativo pudesse enquadrar os desempregados e torná-los activos."

A segunda, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, mais optimista, acrescenta-


lhe uma nuance. "Nos EUA, apesar de todos os problemas, há uma cultura muito
interessante entre os empresários - que se sentem devedores de uma sociedade que os
ajudou a enriquecer. Falta essa noção nas sociedades europeias, e em particular na
portuguesa. No que toca à pobreza e ao apoio social, a tónica não deve estar somente no
Estado. Todos temos responsabilidade social."

O caminho é educar O que têm em comum as respostas de uma ex -primeira-dama, um


professor catedrático e um matemático? A educação e a preocupação com as crianças.
Manuela Eanes, que hoje preside ao Instituto de Apoio à Criança, Gomes-Pedro e o
professor do ISEG Nuno Crato afinam pelo mesmo diapasão: só educando se foge à
pobreza, como argumenta este último. "Quando a escola é exigente, puxa pelos alunos, por
todos, e não aceita sucessos fingidos. Neste caso, está a desempenhar um papel de
facilitador da mobilidade social, que permite aos filhos das classes mais desfavorecidas
ascenderem socialmente e ultrapassarem muitas limitações económicas de origem."

Se entre as 28 respostas se consegue encontrar alguma coerência, outras há que ficam


isoladas. É o caso da sugestão dada pelo maestro Vitorino de Almeida. "O problema não
está em haver ricos e pobres - isso sempre haverá -, mas sim em haver riquíssimos. Numa
crise, aquele que perde metade dos tostões fica com meros tostões e o que perde metade dos
milhões continua com milhões. No mundo há gastos inacreditáveis. No futebol, por
exemplo. Tem de se acabar com eles. Acabando os riquíssimos acabam-se também os
miseráveis."

Feitas as contas, a discussão termina como começou. Sem respostas milagrosa, como
resume, de forma cáustica, Pedro Bidarra, publicitário: "As ideias geniais para combater a
pobreza são praticamente impossíveis. Só me lembro de duas pessoas que o conseguiram:
Jesus Cristo e Marx, e mesmo assim nem sempre bem sucedidos."
Com Clara Silva, Inês Cardoso, Joana Petiz, Mariana Pinheiro, Marta Cerqueira, Marta
F. Reis, Pedro Candeias, Rosa Ramos, Rui Miguel Tovar e Rute Araújo

A pobreza não tem ideologia


por Martim Avillez Figueiredo, Pub licado em 23 de Janeiro de 2010

O problema de procurar respostas para a pobreza é acreditar que


numa delas está a solução. E procurar na ideologia esse bilhete
premiado

Há 2 milhões de pobres em Portugal. Isto quando se adicionam apoios sociais do Estado


aos seus fracos rendimentos: sem subsídios, são 4 milhões de portugueses que vivem
com menos de 360 euros por mês. Impressionante? Estes números não servem para
nada. Isso: não servem para nada - a frase, dura como ácido, valeu um prémio Nobel
a Amartya Sen.
Para este indiano conhecido como a Madre T eresa da Economia, apobreza não se
afere pela existência de um ou mais dólares na carteira de cada um. O dinheiro importa,
claro, mas para medir as necessidades que não se conseguem pagar com esse dinheiro.
Parece a mesma coisa, mas não é: o queSen mede é aquilo que cada pessoa consegue
atingir com determinado nível de rendimento. Há gente a quem a falta de dinheiro não
impede de se tornar rica - como existem crianças que nascem ricas e acabam pobres.
Porquê?
A resposta valeu o prémio Nobel da Economia a Amartya Sen em 1998, mas nem ele
ficou satisfeito com ela: a pobreza ou a ausência dela depende das circunstâncias em que
vive cada pessoa, da sua genética, da sorte, dos seus pais, do clima, da roupa que usa, da voz
que tem, das emoções que transmite e de um conjunto impressionante de outras
possibilidades que salvam uns mas condenam outros.

E é por isso que as respostas políticas são quase


sempre insuficientes - podem estar certas, mas
nunca acertam em tudo. Desesperante? Na verdade,
não.
Amartya Sen sabia bem que não tinha visto o filme todo. Outros, no Ocidente, chegaram a
conclusões muito parecidas com as dele. O que o distingue é a fé que (não tendo nada que
ver com Deus) lhe permite dizer assim: todas as tentativas são boas mas só a soma de todas
elas permite ir solucionando o problema. E acrescentar: a soma é infinita e exige uma
disponibilidade permanente para a inovação na busca de soluções diferentes. Por isso
parece tão interessante a ideia de Kishore Mahbubani, o tal economista de Singapura
que quer entregar a cada habitante com emprego da sua cidade-estado a responsabilidade
por um outro conterrâneo sem emprego. Boa ideia, má ideia? O que Sen explica é mais
simples: todas as ideias são boas e nenhuma ideologia particular, ao contrário do que
parece por vezes convicção geral, encerra em si todas as respostas.
Em Portugal, onde os números que não servem para nada impressionam (quatro em dez
portugueses são potencialmente pobres), os políticos ainda vivem na convicção (de
discurso, pelo menos) de que as suas respostas podem solucionar o problema - em vez de
criarem um departamento com um nome deste género: Instituto Nacional da Busca
Permanente de Ideias para o Combate à Pobreza. Parece ingenuidade, ou presunção, ou
pode ser visto apenas como mais uma possibilidade. Uma, não a única.
Para a semana vai conhecer-se o Orçamento do Estado e logo a seguir arranca a
campanha eleitoral (não oficial) que decidirá se o próximo ocupante
de Belém será Cavaco Silva ou Manuel Alegre. A pobreza será assunto - qual dos dois
candidatos quererá olhá-la como esta janela gigante que nunca se fecha?

You might also like