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http://www.ionline.pt/conteudo/43295-pergunta-queijo-e-possivel-acabar-com-
pobreza-no- mundo
Se existe uma one million dollar question, é esta: como acabar com a pobreza no mundo?
Reticências, hesitações, ou pedidos para ligar mais tarde de telemóveis que não voltam a
atender fazem parte do rol de respostas ouvidas. Perante o desafio, é compreensível. José
Gil, filósofo, é quem melhor resume o sentimento inicial: "É impossível responder.
Implicaria a substituição total do sistema capitalista que hoje gere o planeta e ninguém sabe
como fazê-lo. Andam todos os pensadores, todos os socialistas e toda a esquerda a ver se
dizem qualquer coisa de novo e não sai nada."
Sem abandonar a discussão com voto de vencido, o ensaísta que, em 2004, discorreu sobre
o medo de existir português arrisca uma solução. "A resposta óbvia é o microcrédito. Ao
mesmo tempo, há uma absoluta necessidade - o pensar - uma exigência que é feita pelo
estado do mundo." Depois da resistência, há a tentativa de contribuir para esta missão
impossível. E as respostas dadas pelas 28 personalidades começam a desenhar um caminho
- ter melhores políticos e maior de- senvolvimento económico. "A Europa precisa de
grandes líderes, capazes de olhar para o mundo e tornar a Europa um espaço de mais
unidade e fraternidade. As respostas passam antes de mais pela capacidade de liderança e
decisão política", argumenta a ex-primeira-dama Maria Barroso, presidente da Fundação
Pro Dignitate.
Jorge Sampaio, também ele socialista e residente do Palácio de Belém durante dez anos,
prefere falar dos Objectivos de Desen-volvimento do Milénio - agenda adoptada em 2000,
na Assembleia Geral da ONU, para melhorar os níveis de desenvolvimento humano num
prazo de 25 anos. "Perante a crise actual e a escassez de recursos disponíveis no plano
mundial, importa mais que nunca evitar a multiplicação de iniciativas, a criação de novas
agendas e a dispersão dos recursos. A melhor forma de contribuir para reduzir os níveis de
pobreza é reafirmar este compromisso e prosseguir, com empenho, com a aplicação desta
agenda, cujas oito metas versam sobre direitos fundamentais."
Ainda que alugar o território nacional aos políticos de Madrid pudesse, talvez, resolver o
problema da pobreza portuguesa, não resolveria o da do mundo. Para essa - e mantendo a
tónica na necessidade de melhores governos, Rui Rangel, juiz--desembargador, tem outra
solução - políticos de mãos limpas. "A corrupção é um elemento gerador de pobreza, e para
a combater precisamos de melhores políticos, que olhem para o mundo com melhor sentido
de distribuição da riqueza." Depois era juntar a ideia do juiz-desembargador à da analista
política iraniana Ghoncheh Tazmini - "maior cooperação internacional", "fomentar o
diálogo entre as nações" e "criar elos de confiança" entre os governos - e espalhar esta nova
classe política pelos vários cantos do globo.
Caridade versus cana de pesca Como em tudo na vida, também nas estratégias para
acabar com a pobreza há várias escolas de pensamento - algumas antagónicas. Carlos
Carvalhas e Odete Santos partilham a militância no PCP e acreditam na lógica de dar ao
pobre a cana de pesca e não o peixe. Simone Oliveira e o xeque Munir, o líder da
comunidade islâmica de Lisboa, depositam a sua fé na caridade. "Se todas as pessoas
dessem uma coisa nas campanhas contra a pobreza nos supermercados, já era uma grande
ajuda", acredita a actriz e cantora. A ideia é refutada pela ex -deputada comunista, que teve
lugar cativo na bancada parlamentar do seu partido durante 26 anos: "A nível pessoal, não
acredito no espírito caritativo. Prefiro a solidariedade à caridade."
A partir daqui o seu discurso é em tudo semelhante ao do economista que sucedeu a Álvaro
Cunhal no cargo de secretário-geral do PCP. "Em Portugal, a grande mancha da pobreza
resulta da má distribuição do rendimento nacional. Aliás, os baixos salários de hoje vão ser
as baixas pensões de amanhã, o que é preocupante. A única forma de contornar o problema
será melhorar a distribuição da riqueza, através de uma política fiscal mais justa e de uma
melhoria dos salários e das reformas", defende Carvalhas.
Depois da curva, nova contracurva. Sendo islâmico, a resposta do xeque Munir teria de
seguir em sentido único, já que um dos pilares da sua religião é a caridade. "O Alcorão tem
um versículo que diz: 'Quando vier um pedinte não corra com ele.' Se todas as pessoas
derem um contributo, é possível remover a pobreza."
Economia é a nossa salvação Acabar com a pobreza? A uma pergunta "muito, muito
difícil", Miguel Beleza atira uma "solução imediata" - promover e estimular um crescimento
económico razoável. O economista, antigo governador do Banco de Portugal e ex-ministro
das Finanças de Cavaco Silva - que um dia considerou, durante uma entrevista a Mário
Crespo, que o seu currículo é antes "um cadastro" -, defende ainda a importância de haver
maior investimento do sector privado e impostos "não demasiado altos" para que ao crescer
a economia diminua a pobreza.
São também apologistas de semelhante causa-efeito Maria José Morgado e Ester Mucznik.
A primeira, procuradora-geral-adjunta do Ministério Público, é a mais pessimista. "Não há
remédios mágicos a contrapor às fatalidades do mau funcionamento da economia. A
pobreza existe em todos os países. A questão é o seu peso social e algumas respostas
económicas e sociais no sentido de tentar diminuí-la. Talvez um Estado-providência
actuante e não contemplativo pudesse enquadrar os desempregados e torná-los activos."
Feitas as contas, a discussão termina como começou. Sem respostas milagrosa, como
resume, de forma cáustica, Pedro Bidarra, publicitário: "As ideias geniais para combater a
pobreza são praticamente impossíveis. Só me lembro de duas pessoas que o conseguiram:
Jesus Cristo e Marx, e mesmo assim nem sempre bem sucedidos."
Com Clara Silva, Inês Cardoso, Joana Petiz, Mariana Pinheiro, Marta Cerqueira, Marta
F. Reis, Pedro Candeias, Rosa Ramos, Rui Miguel Tovar e Rute Araújo