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Francis A. Schaeffer Ak oxsum ava ns CRISTO A Verdade de Romanos 1—8 A Obra Consumada de Cristo, Francis Schaeffer. Publicada em inglés sob 0 titulo The Finished Work of Christ- Copyright © 1998 by Francis Schaeffer; por Crossway Books, a division of Good News Publishers. Wheaton, Illinois 60187, USA. Copyright © 2003 Editora Cultura Crista. Edigéo em portugués autorizada por Good News Publishers. Todos os direitos sdo reservados. 18 edigao, 2003 - 3.000 exemplares Tradugao Gabrielle Greggersen Bretzke Reviséo David de Aratijo Maria Helena Penteado Editoragdéo David de Aratijo Rissato Editoragao Capa Bite&Bite Comercio Publicagao autorizada pelo Conselho Editorial: Claudio Marra (Presidente), Alex Barbosa Vieira, Aproniano Wilson de Macedo, Fernando Hamilton Costa, Mauro Meister, Ricardo Agreste, Sebastiao Bueno Olinto. EDITORA CULTURA CRISTA Rua Miguel Teles Jtinior, 382/394 - Cambuci 01540-040 - Sao Paulo - SP - Brasil C.Postal 15.136 - Cambuci - So Paulo - SP - 01599-970 Fone: (0"*11) 3207-7099 - Fax: (0"*11) 3209-1255 ‘wwnw.cep.org.br - cep@oep.org.br Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Claudio Anténio Batista Marra Sumario Apresentacao..... 1. Introdugio ¢ Objeto de Estudo (1.1-17) .. Parte Um: Justificacdo (118 —4.25) vases 2. A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 —2.16) .s.ussssssnseuinaeiene 29 3. A Pessoa Com a Biblia: Culpada (2.17 —3.8) vious ST 4, O Mundo Todo: Cullpado (3.9-20) vss oss 69 5, Justificagdo Depois da Cruz (3.21-30) 6. Justificagaio Antes da Cruz (3.31 —4.25) .. Parte Dois: Santificacao (5.1-8.17) .. 7, O Resultado da Justificagao: Paz com Deus (51-11) sass 121 8, Mortos em Adao, Vivos em Cristo (512-21) ssc 9, A Luta do Cristo Contra 0 Pecado: I (6.1-23) ... 10. A Luta do Cristéo Contra 0 Pecado: II (7.1-25).... fl VidanoRapinto(@1i7) 195 Parte Trés: Glorificagdo (8.18-39) ... 12. Crentes Ressurretos, Criagéo Restaurada (8.18-25) .. 13, A Vida Eterna E Para Sempre (8.26-39) «.....seon Indice... Versiculos APRESENTACAO Por Udo W. Middelmann Fundagdo Francis A. Schaeffer de Roma que vocé tem em maos faz parle dos primeiros estudos biblicos sistematicos do Dr. Francis A. Schaeffer. Estes estudos sao de especial relevancia, pois explicitam a maior parte das idéias e verdades essenciais que séo fundamentos de toda a obra do Dr. Schaeffer e do contetido de seus livros posteriores. Estes estudos, por si s6, permitem obter novos insights de toda a obra de Schaeffer; porém, mais do que isso, eles nos ajudam_a tornar visivel o sentido permanente da Palavra de Deus para cada nova geragao O estudo dos oilo primeiros capitulos da carta de Paulo a igreja Se o considerarmos mais objetivamente, este estudo foi fruto da interagao pessoal de Schaeffer com estudantes e de seus debates em torno de questées polémicas da atualidade. Debates profundos e alta- mente interativos como estes cram tipicos do método basico que Schaeffer aplicava em tudo 0 que fazia. Portanto, todos os insights de Schaeffer aqui apresentados foram cuidadosamente construidos ao lon- go destes didlogos, muitas vezes fervorosos, nos quais quest6es ho- nestas ~ nao importando 0 nivel de dificuldade - recebiam respostas honestas, gentis, baseadas nas verdades imutaveis da Palavra de Deus. Estes estudos foram ministrados pela primeira vez em um aparta- mento de estudantes em Lausanne, Suicga, nos anos sessenta. No mes- mo dia, a cada semana, Schaeffer descia das montanhas para debater com universitarios que se encontravam para o almogo no “Café Vieux Lausanne”, a poucos passos de uma catedral do século doze viii Ali, por volta de 1526, os reformadores franceses confrontavam as concepgées da Igreja Catolica Romana com os seus estudos da Biblia, Em um debate famoso, os cidadaos de Lausanne reuniram-se para ouvir os dois lados e, em seguida, votaram a favor dos ensinamentos dos reformadores. As suas concepgdes baseavam-se nas Escrituras, livres das tradigdes distorcidas de Roma. Logo ao lado da catedral situava-se a velha academia, onde estes mesmos reformadores fun- dariam uma Universidade. Esta mesma Universidade ainda se situava la na época em que Schaeffer dava respostas biblicas 4s perguntas dos estudantes, nas dependéncias do “Vieux Lausanne”, Em seguida, a noite ele daria aula sobre Romanos no apartamen- to de Sandra Ehrlich, antes de correr até a estac&o para o Ultimo trem e 6nibus de volta para casa, nas montanhas. Harold, um estudante de economia holandés, e outros estudantes de varias nacionalidades passavam a tarde toda com eles. Na grava¢ao original pode-se ouvir Harro, como era chamado, traduzir algo para um estudante suigo e freqiientemente fazendo perguntas ele mesmo. Mario, de El Salvador, uma garota sul-africana, um estudante italiano de arte, um tcheco, um americano e minha esposa, Débora, eram alguns dos que dedi- cavam pelo menos duas horas por semana, estudando 0 livro de Ro- manos - versiculo por versiculo. Dr. Schaeffer era mestre em tornar os estudos interessantes, pois sabia aplicar a carta de Paulo as ques- tdes intelectuais dos tempos de Paulo e também dos nossos, que, por sua vez, eram muitas vezes as mesmas que haviam sido discuti- das poucos momentos antes, no café, junto a estudantes agndsticos € ateus. Pois, no fundo dos problemas e quest6es acerca da existén- cia humana, ha pouca diferenga dos gregos para as pessoas de nos- so proprio século. Originalmente, estas palestras foram dadas em um estilo “dar e receber” de leitura e discusséo, método em que o Dr. Schaeffer sempre se superava. O texto a seguir foi editado a fim de excluir repetigdes e comentarios da audiéncia, mantendo, ao mesmo tempo, 0 estilo e contetido das fitas originais. A carta aos Romanos oferece respostas para todas as questdes basicas do ser humano de qualquer época quanto a sua origem, ao problema de um Deus moral e um mundo mau, € as questdes sobre significado e a verdadeira humanidade. De forma sistematica, Ro- manos trata daquele tipo de quest6es que qualquer ser pensante tem num mundo como o nosso, onde os problemas sao freqiien- Apresentagio ix temente identificados, mas as solugSes propostas raramente vao ao Amago da doenga. Schaeffer frisava que, até pouco tempo, o livro de Romanos cra estudado em escolas de direito americanas, a fim de ensinar aos estudantes a arte de tecer uma argumenta¢aéo. Um caso verossimil € formulado para fundamentar uma proposi¢do, Em seguida, cada um dos contra-argumentos é considerado, um a um, e refutados. Roma- nos nao é sobre algum salto de fé, mas apresenta uma argumenta- Ao inteligivel em torno da sua tese central: “Pois nado me envergo- nho do evangelho, porque é 0 poder de Deus para a salvagao de todo aquele que cré, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justica de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como esta escri- to: O justo vivera por fé." (116-17) Paulo, o autor, sob a diregao e inspiracao do Espirito de Deus, trata de nosso relacionamento com Deus, dando respostas verdadeiras para quest6es verdadeiras. Tudo que nés pensamos que sabemos sobre 0 universo, 0 homem, o sentido e a moral, exige constantes manuten- Gao e corregao. Sem a devida corregao e exortagéo que encontramos na Palavra de Deus, 0 homem pecador acaba acumulando nada mais do que bobagens sobre as areas mais importantes da vida. Isto sem- pre tem sua origem no conceito que o homem tem de Deus. Schaeffer reconhecia em Romanos um completo sermao de Pau- lo, muito semelhante a outros sermGes que ministrava por onde quer que andasse. Logo depois da introdugao vem a proposigao, seguida pela exposi¢ao da proposigao. Observamos isto em Atos 17, quando Paulo é impedido de concluir um serm&o bastante semelhante em Atenas. Ele partiu, entao, dirigindo-se ao sul, rumo a Corinto, onde escreveria a carta aos Romanos. Em toda cidade por onde andava, ele ministrava todo um conjunto de verdades capaz de abranger os principios basicos da doutrina de forma completa e integral. Romanos é como um estudo sistematico que Paulo enviou a uma igreja, igreja a qual ele nao havia pessoalmente visitado. A igreja de Roma teve uma origem muito parecida com a de Antioquia. Ambas as igrejas surgiram do testemunho de pessoas de fé que estiveram presentes em Jerusalém por ocasiao dos eventos descritos em Atos 2, em gue se relata como trés mil pessoas se converteram no dia de Pentecostes. Em Atos 10, Cornélio havia se tornado alguém temente a Deus, gracas a conversas mantidas com os que ja abragavam a fé, Em x A Ora Consumapa bE Crist nenhum destes casos a igreja surge de algum ministério de professo- res “profissionais’, mas sim de crentes alcangando outras pessoas. Romanos tem um importante diferencial em relagao as outras car- tas do Novo Testamento. Nenhum outro texto do Novo Testamento apre- senta uma sistematizacéo da doutrina do evangelho parecida com esta. Todas as outras.cartas séo enderecadas a igrejas ou pessoas que ouvi- ram os sermées ao vivo, por ocasiao da visita pessoal dos apéstolos. Todas as outras tratam de problemas especificos, necessidades especi- ais ou praticas duvidosas. Elas remetem os cristéos a ensinamentos especificos e admoestagGes, que serviam apenas para reforgar coisas das quais eles certamente ja haviam ouvido falar no corpo da doutrina. Em Roma, entretanto, ninguém havia pregado o evangelho por com- pleto. Por isso, a carta aos Romanos pode ser considerada uma decla- racao integral de tudo 0 que o Antigo € o Novo Testamento dizem acer- ca da nossa situagdo diante de Deus e do mundo. Toda a verdade esta resumida nos trechos-chave do capitulo 1, nos versiculos 16 e 17. Todo © restante da carta é desdobramento destes dois versiculos: por que eles sao verdadeiros, qual é o dilema, qual a solugéo e como viver da. qui pra frente. Paulo declara que nao ha raz4o para envergonhar-se do Cristianismo, quer seja intelectualmente, quer seja na experiéncia coti- diana de uma vida controlada por Deus. Ao longo destes anos, desde que o Dr. Schaeffer ministrou estas palestras/debates, milhares de estudantes ja estudaram as fitas de Ro- manos, afiando os ouvidos para acompanhar o estudo em uma grava- cao precaria. E eles n&éo tém conseguido desgrudar os ouvidas por- que o Dr. Schaeffer aplicou os ensinamentos de Paulo as quest6es fundamentais do homem em todas as eras. Com grande frequéncia, Schaeffer mesmo retomava Romanos para discutir 0 vacuo intelec- tual que vivemos na vida moderna. Este é um estudo versiculo por versiculo do texto, Intimamente associados a ele estdo direcionamentos para os problemas centrais que encaramos em nossa geracao. Todos os que se preocupam sin- ceramente com a suposta auséncia de Deus, ou com a verdade de Deus e com a verdade dos seus preceitos morais, acabam descobrin- do na Biblia um Deus que sofre com os pecados das suas criaturas, mas que nem por isso é responsavel pelos seus pecados. Vamos es- lar face a face com a ira de Deus decorrente de nosso pecado, bem como com sua compaixao ao prover justiga, salvagao e restauragdo Apresentacio xi futura por meio de Cristo, Cada um dos membros da Trindade - lon- ge de ser um topico de interesse meramente teoldgico ~ esta intima e poderosamente envolvido com o processo da nossa redeng¢ao ao lon- go da historia. : E interessante ver, durante o estudo, quanto peso Schaeffer atribui a pecaminosidade do homem, a qual provoca a célera de Deus, Mesmo. assim, nao ha sugestao alguma de que esta pecaminosidade destruiria a humanidade e a racionalidade do homem criado conforme a imagem esemelhanga de Deus. Deus nao é 0 autor do mal, e o mal nao diminui em nada a obrigagado do homem de buscar e escolher Deus. Schaeffer nao recai na armadilha teolégica dos defensores radicais da reforma, que dizem que a depravagao privou o homem de sua humanidade, ab- solvendo-o do seu dever de mostrar arrependimento ou de buscar a Deus, Da mesma forma que Paulo, a grande briga de Schaeffer é€ fazer com que 0 seu proximo se curve diante do Deus que nds co- nhecemos e aceite a “obra consumada de Jesus” para a sua salva- cao, para que possa enfrentar as batalhas atuais contra 0 pecado na sua vida de cristéo, e ter a esperanga de ressurrei¢do final ¢ jus- tificagao no Dia do Senhor. O homem esta cafdo, mas ele nao é um zero, n&o é algo sem valor. O homem tem imenso valor, por ser criado 4 imagem de Deus. Ao mesmo tempo, entretanto, todo o nosso ser foi tragicamente afe- tado pela Queda - inclusive nossa vontade e intelecto. Aqui esta um Deus que realmente luta por _nés. Nao ha nenhuma solucao arbitraria ou mistério esotérico nisto, Paulo nao foge de ques- l6es pesadas ¢ complexas, Ele responde a elas a partir da completude da obra divina na historia. Convidando as pessoas a crer em Deus (€ nao s6 na “existéncia de Deus”) - na sua existéncia, no seu ser, nas suas promessas sobre a solugao de Deus para a nossa culpa pelo peca- do, através da obra consumada de Jesus Cristo - Paulo nos mostra Deus como sendo aquele que € moralmente justo e aquele que pretende jus- tificar a todos os que créem. 1 INTRODUGAO E OBJETO DE Estupo (1.1-17) # livro de Romanos divide-se em duas partes distintas: os capitulos 1 a 8 e os capitulos 9 a 16. Ao longo dos anos, tem havido um crescente debate entre os cristéos a respeito da existéncia de uma relagao entre estas duas partes. Pode-se até encon- trar uma relagao, mas nao é isso 0 que importa. Ambas as partes va- lem o estudo por si mesmas. Aqui, estaremos tratando somente da primeira parte, os capitulos 1—8. Em muitos livros da Biblia existe um ou varios versiculos que for- mam verdadeiras declaragGes objetivas, e isto é nitidamente verdadei- ro no caso de Romanos. A chave para compreender esta primeira parte de Romanos pode ser encontrada em 1.16-17: Pois ndo me envergonho do evangelho, porque 0 poder de Deus para a salvacéio de todo aquele que cré, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiga de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como esta escrito: O justo vivera por fé. Com esta declaragéo em mente, iniciaremos nosso estudo de Ro- manos vendo as observag6es introdutorias de Paulo em 1.1-15. Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apdstolo, separado para o evangelho de Deus... (1.1) Paulo apresenta-se como um servo, ou escravo, de Jesus Cristo. Ele o declara de forma bastante especifica e com grande cuidado. Ele esta escrevendo para a igreja de Roma, € Roma sabia muito sobre escravos. 14 A Opra ConsUMADA DE CRISTO A escravatura era permitida no Império Romano. O mundo entendia © que significava ser um escravo, e Paulo comega declarando-se um escravo de Cristo Havia uma grande diferenga, no entanto, entre a escravidao prati- cada no Império Romano € a escravidao de Paulo a Cristo. Os escravos do Império Romano eram escravos nao porque eles desejavam ser, mas porque foram obrigados a isso. Uma pesada argola de ferro era soldada em volta do pescogo do escravo, algo que ele possivelmente nao poderia remover por si mesmo. Isto © marcava como escravo en- quanto ele permanecesse como escravo. A relagao de escravidao entre Paulo e Cristo, contudo, era algo bem diferente. Ele nao era escravo porque era obrigado a ser um escravo, mas porque ele desejava sé-lo. Paulo tinha uma argola de ferro em volta do seu pescogo nao porque ela tinha de estar ali, mas porque ele a mantinha ali por vontade propria. Nos devemos assumir esta atitude se quisermos dar frutos nas coisas que dizem respeito a Deus. Assim como o escravo tem de “desejar” a vontade do seu mestre, nossa utilidade para Jesus depende de até onde nds desejamos a von- tade de Deus, N&o somos robs. Ao contrario, optamos, por amor, por voltar a assumir uma condigao de dependéncia obediente a Deus, na qual ele nos criou. Pode parecer uma idéia desagradavel para alguns; acontece que, como criaturas de Deus, esta “escravatura” é © Unico estado de alegria verdadeira, a unica maneira de nos tornarmos uteis. Paulo era humano. Para ele, o fato de ter sido surrado e aprisionado por causa da fé foi tao doloroso para ele quanto seria para nos. Ele ficou tao machucado ao ser jogado as feras quanto nos teriamos fica- do. O seu naufragio foi tao molhado, tao tempestuoso, tao desconfortavel quanto teria sido para nés. Certamente nao foi nada bom se imaginar sendo decapitado, E Paulo poderia ter escapado de tudo isso, simplesmente renunciando a sua servidao. Assim, quando Paulo se apresenta desta forma, nao € apenas uma express&o pia. Ao invés disto, sugere o tema central de Romanos: depois de termos acei- tado Jesus como Salvador, devemos viver para ele. . separado para 0 evangelho de Deus... (1.1b) Como servo de Cristo, Paulo encontra-se separado para o evange- Tho. Separagdes envolvem sempre duas a¢Ges: separacdo de e separa- Go para. A separagao de é algo facilmente entendido. Existem muitas Objeto de Estudo (11-17) 15 coisas que podem nos manter afastados de Deus ¢ nao é possivel sermos separados para Deus, a nao ser que sejamos separados destas coisas. Este 6 um meio para alcangarmos o sermos separados para Deus, para pregar aos gentios. Paulo foi separado dos confortos nor- mais da vida, tais como o casamento (1Co 7.8). Isso nao significa que todo cristéo tenha sido chamado para abrir mao do casamento, mas todo crist&o deveria estar disposto a fazé-lo. Nem todo cristao tera de dar a vida por causa do evangelho, mas todo cristaéo deve estar disposto a morrer. A disposigao é o x da questaéo Paulo se autodenomina “servo de Jesus Cristo”, para logo em se- guida falar do "evangelho de Deus”. O evangelho se refere as trés pes- soas da Trindade. £ a boa nova da Trindade para um mundo perdido e caido. Jesus é 0 Senhor da nossa redeng¢ao; entretanto, o evangelho representa a boa nova de toda a Suprema Divindade, a Trindade © qual foi por Deus outrora prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras. (1.2) Na vers&o King James da Biblia, assim como em algumas versdes em portugués, a frase encontra-se entre parénteses, embora 0 pensa- mento nao tenha interrupges nos trés primeiros versiculos € o versi- culo 2 seja tao importante. Ele expressa a unidade entre o Antigo e 0 Novo Testamento, um tema constantemente enfatizado por toda a Bi- blia. Paulo diz que Deus “outrora" prometeu o evangelho nas Sagradas Escrituras. Quao “outrora” isso €? Romanos 16.20 nos da uma pista: "E © Deus da paz em breve esmagara debaixo dos vossos pés a Satanas” Certamente isso se refere a Génesis 3.15, que declara que o "descen- dente” da mulher esmagard a cabega da serpente. Jesus Cristo € 0 des- cendente da mulher (compare Génesis 3.15 com Génesis 22.18 e Gala- tas 3.16). Foi ele quem esmagou a cabe¢a da serpente. Ainda assim, pela identificagao que temos com Jesus, ficamos no aguardo da sua Segunda Vinda, quando estaremos igualmente esmagando Satanas debaixo de nossos pés. O evangelho remonta, literalmente, as origens mais remotamente possiveis. Assim que a humanidade pecou no Jar- dim do Eden, antes mesmo que se passassem vinte e quatro horas, Deus prometeu enviar o Messias, E esta promessa nos remete a Se- gunda Vinda, com base'na obra consumada de Cristo. Frequentemente as pessoas tentam jogar o Antigo € o Novo Testa- mento um contra 0 outro. Mas a €nfase por todo o Novo Testamento encontra-se na unidade com o Antigo Testamento. Isso era verdade 16 A Opra Consumana DE Cristo tanto na pregagao de Cristo quanto no livro de Atos, nas epistolas de Paulo, e em todas as outras epistolas. Nao existem duas mensa- gens, mas uma sd. O povo de Deus do Antigo Testamento esperava por um Messias, 0 qual foi totalmente revelado no Novo Testamento Paulo sabia que a igreja de Roma incluia tanto judeus quanto gentios, de modo que era importante lembra-los do fato de que existia uma sé mensagem, Com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendéncia de Davi, e foi designado Filho de Deus com poder, segundo 0 espitito de santidade, pela ressurreicdo dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor. (1.3-4) Paulo mostra ambos 0s lados da encarnacao ~ 0 humano ¢ 0 divino. Ele certamente acreditava na divindade de Cristo, mas o fato de ele ter sido verdadeiramente divino nao modifica 0 fato de que Cristo também foi um ser humano verdadeiro, que descendeu da linha genealégica natural de Davi. Mais uma vez, é provavel que Paulo estivesse pen- sando aqui em seus leitores judeus. E extremamente importante lembra-los do fato de que Cristo é realmente o filho de Davi, porque o Antigo Testamento profetizava especificamente que 0 Messias viria através de Abrado e Davi. .. Segundo a carne, veio da descendéncia de Davi... (1.3b) E evidente que com “carne” Paulo esta se referindo ao elemento “humano”. Ele nao esta se referindo a nenhuma conotacao pecami- nosa da palavra, como fara mais adiante em 7.5. Paulo nada diz sobre Cristo descender de Salomao, filho de Davi. A promessa que Deus fez a Davi foi absolutamente incondicional: ele seria ancestral do Messias (2Sm 7.16). Salomao também deseja ob- ter uma promessa incondicional, mas a promessa de Deus a ele foi condicional. Em esséncia, Deus disse 0 seguinte: “Se vocé fizer as- sim e assim, endo vocé continuara na linhagem do Messias” (1Rs 9.4) Salomao nado procedeu de acordo com isso, e nem seus descenden- tes procederam assim, a ponto de Deus ter lhe negado 0 envolvimento com o cumprimento completo da promessa. Se observarmos que a genealogia em Mateus refere-se a José e a genealogia em Lucas é referente a Maria, vamos descobrir que Jesus descendeu de Davi por ambas as partes, materna e paterna. Da parte de José, sua proce- déncia situa-se em Salomao, pelo que se estabelece uma continui- dade legal com Davi. Mas, se levarmos em conta que a sua verdadei- Introdugio ¢ Objeto de Estudo (1.1 17 ra concep¢ao deu-se pelo Espirito Santo, através de Maria, ele proce- deu de Nata, outro filho de Davi, e nao de Salomao. Tanto a promes- sa incondicional feita a Davi quanto a promessa condicional, dada a Salomdo, representaram, assim, 0 cumprimento de promessas, com um magnifico detalhamento. Por seu lado humano, entao, Cristo surgiu por meio de Davi. Mas ha mais do que o lado humano. Ele também havia sido "designado Filho de Deus com poder” (1.4a). “Designado” poderia ser mais bem traduzido aqui por “determinado”. E determinado significa defini- do, certo, Certamente Cristo também é 0 Filho de Deus, Por qué? Em razio de um “poder” especial (1.4), Para que a divindade de Cristo possa ser acreditada, é preciso que seja demonstravel. O que nos demonstra definitivamente que Cristo € Deus € sua “ressurreigaéo dos mortos” (1.4) Antes de considerarmos a ressurreigéo em si, é preciso notar que a ressurreig¢déo deu-se "segundo o espirito de santidade” (1.4). Eo espirito de santidade pode ser visto aqui como a obra do Espirito Santo ou como 0 Espirito Santo em pessoa. Por todo 0 Novo Testa- mento ha muitas passagens que falam do relacionamento de Jesus Cristo com a terceira pessoa da Trindade. Este relacionamento resul- tou em santidade de vida da parte de Cristo. Paulo diz em outro lugar que Cristo foi “justificado em Espirito” (1Tm 3.16). O autor de Hebreus diz que Cristo “pelo Espirito eterno, a si mesmo se ofereceu sem macula a Deus ..." (Hb 9.14) e falou de Cristo que “nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lagrimas, oragdes e supli- cas a quem o podia livrar da morte, ... tendo sido ouvido por causa da sua piedade” (Hb 5.7). Enquanto esteve na Terra, como um ho- mem de verdade, Cristo operou por meio do seu compromisso com o Espirito Santo. Por ter assim agido, Deus 0 ouviu Jesus foi designado o Filho de Deus “pela ressurreicéo dos mortos” (1.4), Esta expressdo pode ser traduzida tanto como “dos mortos” quanto “da morte”. Qual é a diferenga? A "ressurreigaéo da morte” parece referir-se somente a ressurreigao do proprio Cristo, enquanto a ressurreigado “dos mortos” parece ter em vista, igualmente, a nossa ressurrei¢do futura. De uma forma ou de outra, isto basta para pro- var a divindade de Cristo - ele foi determinado, designado 0 Filho de Deus, devido ao maravilhoso fato de ter ele sido ressuscitado fisica- mente dos mortos e de que deverd ocorrer a ressurrei¢do futura dos cristéos dentre os mortos. 18 Por intermédio de quem viemos a receber graga e apostolado por amor do seu nome, para a obediéncia por fé, entre todos os gentios, de cujo mimero sois também vés, chamados para serdes de Jesus Cristo, (1.5-6) Paulo e seus colegas receberam a grac¢a € 0 apostolado por um motivo definido; “para a obediéncia por fé, entre todos os gentios”, A missao de Paulo nao se refere somente aos judeus, mas a “todos os gentios”. Paulo esta nos levando a 1.7, onde ele declara estar escre- vendo a Roma, a capital de seu tao conhecido mundo. Ele agora des- via a ateng&o de si mesmo e do "nds" implicito em 1.5, voltando-se aqueles para os quais esté escrevendo: “de cujo numero sois tam- bém vos, chamados para serdes de Jesus Cristo’. Estes séo os cris- taos, nao importa se judeus ou gentios, que compdem a igreja de Roma. Todos eles tém um lugar “entre todos" os que Paulo foi cha- mado para alcangar. A todos os amados de Deus, que estais em Roma... (1.7a) Agora somos levados a encarar a igreja de Roma, provavelmente reunida em uma casa, uma igreja talvez fundada por leigos, ao invés de um apéstolo. Paulo nao havia visitado Roma, e tampouco o tinha feito Pedro, apesar da tradicional viséo catdlico-romana, Se Pedro tivesse estado em Roma, seria absurdo imaginar Paulo nao o citan- do nesta carta. Assim mesmo Ia estava a igreja, uma igreja unida, composta de judeus e gentios, no meio da capital mundial que era Roma. E isso nao deveria nos espantar, pois a igreja de Antioquia na Siria, provavelmente a maior de todas as igrejas primitivas, a que enviou os primeiros missionarios, foi igualmente fundada por pesso- as leigas (At 11.19-20). E razoavel pensar que a mesma coisa possa ter ocorrido em Roma. Se vocé for a Roma nos dias de hoje, pode visitar um ponto turistico tradicional ~ 0 lar de Priscila e Aquila, onde uma igreja se congregou. Para mim, isso € 0 ideal. E nestas condi- g6es que a igreja teria continuado a funcionar se o Espirito Santo tivesse tido espago para trabalhar ~ por onde quer que forem os cris- laos, eles proclamam 0 evangelho e pequenas igrejas germinam. A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados santos (1.7a). Note que eu deixei de fora as palavras “para serdes" na frase “chama- dos para serdes santos". A verséo King James da Biblia acrescenta estas palavras em italico, mas elas nao existem no grego; foram acres- Introdugao e Objeto de Estudo (1.1-17) 19 cidas pelos tradutores por uma questao de estilo e linguagem. Entre- tanto, quando lemos “chamados santos”, somos defrontados com 0 fato de que, em Roma, a capital do mundo, ha pessoas que sao santas diante dos olhos de Deus. Assim que aceitamos Cristo como nosso Salvador, somos santos aos olhos de Deus. Isso se baseia antes de tudo na obra passiva de Jesus, em sua obediéncia passiva em assumir a punigao pelos nossos pecados. Mas também se baseia na sua obe- diéncia ativa em guardar perfeitamente a sua lei por nés. A obra medi- adora de Cristo por nés comegou com o seu batismo, o inicio do seu ministério publico. Dal para frente, o que ele fez, ndo o fez apenas para si mesmo, mas para nds. Quando nds 0 aceitamos como nosso Sal- vador, a sua obediéncia ativa significa que fomos positivamente justi- ficados diante de Deus. Estamos cobertos pela justiga de Jesus Cristo. Nossa culpa desapareceu com base em sua obra consumada na cruz, a sua obediéncia passiva, Mas nés também estamos cobertos por sua perfeita justiga, com base em sua obediéncia ativa. Sendo assim, nés, da mesma forma como os romanos, podemos ser chamados de san- tos agora mesmo. Paulo se dirige aos cristaos de Efeso e Filipo da mesma forma - chamando-os de santos (Ef 5.3, Fp 1.1). A passagem de Efésios € particularmente intrigante: "Mas a impudicicia e toda sorte de impu- rezas, ou cobiga, nem sequer se nomeie entre vos, como convém a santos”. O que se diz aqui é bastante diferente da tradicional visdo cat6lico-romana, para a qual um santo € sempre alguém especial. O Novo Testamento ensina que vocé passa a ser um santo assim que aceita Cristo como seu Salvador. Cristo assumiu a sua culpa, e este é 0 motivo pelo qual vocé esta coberto pela sua perfeigéo. Se uma crianga veste o sobretudo do proprio pai, abotoando-o por cima da sua cabega, vocé nao vé qualquer coisa além do sobretudo. Assim, quando Deus olha para nds, ele nao vé qualquer coisa além da justi- ga de Jesus Cristo, que nos cobre Mas, ja que vocé é um santo, diz Paulo em Efésios, deve viver como um santo. Semelhantemente, ele diz em outro lugar: "Se vive- mos no Espirito, andemos também no Espirito” (G1 5.25). Seja como vocé é aos olhos de Deus. Eis ai a antitese direta da salvagdo por meio das obras. Tudo depende apenas da obra consumada de jesus Cristo. NOs somos chamados para viver continuamente de acordo com 0 que nés ja somos aos olhos de Deus - e de acordo com o que seremos um dia na historia, na Segunda Vinda de Cristo. Esta é a 20 A Opra ConsuMADA DE CRISTO grande licdo do capitulo 6 de Romanos, onde Paulo explica 0 concei- to de santificagao. Nesse capitulo, estudaremos esta grande verdade mais a fundo, graga a vOs Outros e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo, Primeiramente dou gracas a meu Deus mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vés, porque em todo o mundo é proclamada a vossa fé. (1.7b-8) Noticias da pequena igreja de Roma e a sua reputacdo de sua fé tornaram-se conhecidas por todo o mundo cristao. Isto deve ter sido uma fonte de grande encorajamento, uma vez que se ouvia dizer que havia em Roma, a capital do mundo, uma igreja fervorosa de judeus e gentios. Porque Deus, a quem sirvo em meu espirito, no evangelho de seu Filho, é minha testernunha de como incessantemente fago meng¢ao de vds, em todas as minhas oragdes, suplicando que nalgum tempo, pela vontade de Deus, se me ofereca boa ocasido de visitar-vos. (1.9-10) Ha trés passos na oracgao de Paulo pelos cristaos romanos: pri- meiro, ele agradece a Deus por eles (1.8), em seguida ora em seu favor (1.9), e entao faz um pedido especifico quanto a eles: que tives- se a oportunidade de vé-los em breve (1.10) Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados; isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos, por intermédio da fé mittua, vossa e minha. (1.11-12) Paulo nao se mostra distante ou indiferente as pessoas a quem escreve. Pelo contrario, ele quer estar com eles. O seu desejo de que cles sejam “confirmados” pode ser equiparado com o desejo de Lucas de que 0 seu amigo Teéfilo tivesse a “plena certeza das verdades em que foste instruido” (Lc 1.4). Paulo sabe que tal maturidade acabaria favorecendo um doce e maravilhoso relacionamento entre ele e os romanos. Ele espera ser por eles abengoado, da mesma forma em que cle ¢ uma béngao para eles. Isso certamente € verdade entre os cristéos. Quando os relacionamentos sd aquilo que devem ser, as béngaos s&o sempre reciprocas. Porque nao quero, irmaos, que ignoreis que muitas vezes me propus ir ter convosco, {no que tenho sido até agora impe- dido)... (1.13a) Introdugioe Objetode Estudo(11-17) 2 Nenhum leitor razoavel tera grandes dificuldades em entender a versao Revista e Atualizada da Biblia, mas a palavra “impedir" apre- senta uma dessas raras dificuldades. Aqui, ela significa “desautorizar". Este sentido de “impedir" sobrevive ainda no futebol: quando 0 joga- dor avanga além da linha imaginaria formada pela defesa, diz-se que esta “impedido’, ou desautorizado, a fazer o gol. E nesse sentido que Paulo estava impedido, ou desautorizado, de atender ao seu desejo de visitar Roma .. para conseguir igualmente entre vés algum fruto, como também entre os outros gentios (1.13b), Paulo manifestou um desejo expresso de partilhar certos dons es- pirituais com os romanos (1.11); mas ele esperava deles uma colhei- ta do fruto espiritual. Séo duas formas de dizer a mesma coisa: 0 dom € a causa, enquanto 0 fruto € 0 efeito. Pois sou devedor tanto a gregos como a barbaros, tanto a sabios como a ignorantes. (1.14) Paulo considera a si mesmo um devedor, tanto para os de boa for- macaéo quanto para os pouco preparados, para os sabios e para os ignorantes. Este modo de pensar contrasta com a postura da grande maioria dos cristéos, A maioria dos cristéos acha que esta fazendo algo de especial quando fala do evangelho aos outros. Ja Paulo tinha consciéncia de que este tipo de testemunho nao representa grande coi- sa, pois ele é devedor (1.14) ou um “servo” (1.1) do evangelho. Nos, como Paulo, também devemos nos sentir no dever de pregar o evange- jho a cada um. E um dever do qual jamais poderemos nos esquivar. Nao existe qualquer neutralidade ou conveniéncia nele, pois temos 0 dever de pregar o evangelho. No final desta sua apresentacao a Roma, Paulo conclui: Por isso, quanto est4é em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vés outros, em Roma. (1.15) Ele esta pronto para pregar o evangelho, por onde quer que 0 Se- nhor o conduza, apesar do custo. Nao ha divida de que Paulo aca- bou sendo morto em Roma, de mado que o seu desejo de pregar o evangelho ali, de fato, custou muito a ele, Entretanto, néo ha nenhu- ma outra forma de pregar 0 evangelho a um mundo perdido, em fase terminal. Quando vocé entrega a sua vida ao.Senhor, ha sempre um custo. “Paulo, servo de Jesus Cristo...” (1.1). "Sou devedor.” (1.14) “... quanto esta em mim...” (1.15). Nao estamos numa brincadeira 24 A Opra CONSUMADA DE CRISTO Pois néo me envergonho do evangelho, porque € 0 poder de Deus para a salvagao de todo aquele que cré, primeiro do judeue também do grego; visto que a justica de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como esta escrito: O justo vivera por fé. (1.16-17) Com estes versos comegamos a primeira parte central de Roma- nos 1—8. Estes capitulos representam, na realidade, uma exegese de 1.16-17. Vocé nunca vai além do contetido desses dois versiculos. Os versiculos 1.1-15 sao a introdugao; 1.16-17, 0 tema; é, finalmente, em 1.18—8.39 temos a exegese deste tema. Paulo no se envergonha do evangelho. Mais adiante, ele estara afirmando que “a esperanga nao confunde” (5.5). Ele usa basicamente a mesma palavra grega em ambos os lugares, ainda que com énfases diferentes. Depois de aceitar Cristo como nosso Salvador (no capitulo 5) experimentamos uma esperanga que jamais nos desaponta, nem nos envergonha. Porém, mesmo no inicio, ja ndo havia motivo algum para estarmos com vergonha intelectual ou desapontados com 0 evan- gelho como sistema. Paulo nao esta falando a pessoas retrogradas ou primitivas. Ele esta bem no meio do mundo grego-romano, com toda a sua forma intelectualizada de pensar, e ainda assim nao tinha vergo- nha das coisas sobre as quais cle estava se preparando para falar. Jesus nos advertiu para que nao ficdssemos envergonhados do contetido intelectual de seus ensinamentos (Lc 9.26). Como que res- pondendo a Jesus, Paulo afirma: “nado me envergonho do evangelho”. Paulo nao se sentiu intimidado quando discursou no Areépago (At 17). Ele nao sentiu vergonha de pregar quando esteve aprisiona- do em Roma. Da mesma forma, nds, cercados por nosso mundo in- telectual, nado devemos e nao precisamos nos envergonhar. Envergonhar-se de Jesus ¢ dos seus ensinamentos (Lc 9.26) € algo muito sério, Em sua ultima carta a Timdteo, Paulo nos lembra de que isto inclui nao ficar envergonhados daqueles que verdadeiramente decidem ficar do lado de Jesus e da sua Palavra: "Nao te envergo- nhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encar- cerado, que sou eu” (2Tm 1.8a). Nés deviamos orgulhosamente nos identificar com todos aqueles que se identificam com Cristo, Paulo cita o exemplo de Onesfforo, que “muitas vezes me deu animo e nun- ca se envergonhou das minhas algemas” (2Tm 1.16) Paulo, contando a Timéteo o seu prdprio sofrimento por causa do evangelho, conclui que esta "sofrendo estas coisas, todavia nado me errr SS—S envergonho; porque sei em quem tenho crido, € estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu deposito até aquele dia” (2Tm 1.12) “Aquele dia" nada mais é do que a Segunda Vinda de Jesus Cristo. Nao devemos ter vergonha de Cristo enquanto estivermos vivos (2Tm 4.1) ou até que ele volte; e ndo apenas enquanto as coisas vao bem, mas mesmo quando o evangelho nao gozar de boa reputagao. E nao de- vemos nos envergonhar tampouco da nossa experiéncia. Este certa- mente foi o caso de Paulo quando escreveu para Timéteo da priséo Portanto, nao devemos nos envergonhar da pratica do Cristianis- mo, do mesmo jeito que néo devemos nos envergonhar do seu ensino por meio dos seus conceitos inteleciuais. Ha um imperativo aqui, enao apenas um pensamento trivial. O ndo se envergonhar é uma experién~ cia que dura toda uma vida. 0 evangelho... € 0 poder de Deus para a salvacao. (1.16) Muitas vezes a palavra salva¢do é usada como sé fosse alguma coi- sa semelhante a justificagdo. Talvez estejamos perguntando "vocé é salvo?”, quando, na verdade, a pergunta certa seria "vocé ja foi justi- ficado? A sua culpa ja foi apagada?” ‘Ha razGes biblicas para o uso da palavra “salvo”, neste sentido, mas, quando Paulo quer ser expli- cito, ele usa justificagdo para se referir a este conceito. Quando aceita- mos Cristo como nosso Salvador, somos justificados. Justificagdo diz respeito a um problema legal. Significa que Deus deciara que a nossa culpa foi apagada, com base na obra consumada de Jesus Cristo. Mas nossa salvagaéo € muito mais abrangente do que a justificagao. A salvacao engloba trés tempos: passado, presente e futuro, Roma- nos 1—8 cobre todos os trés tempos da salvacao. Os capitulos | a 4 lidam com a perspectiva passada da salvagao para o cristo, que é a justifica- Go. Romanos 5.1—8.17 trata do aspecto presente da salvagao, que é a santificagao. Em seguida, de forma breve mas bastante contundente, 0 capitulo 8.18-39 fala do aspecto futuro da salvacao: a glorificagao. A salvacao inclui tudo isto com base na obra consumada de Cristo. porque é o poder de Deus para a salvacao... (1.16b) Se considerarmos © sentido literal do grego, o evangelho sera visto como o dynamis de Deus, sua dinamite, pela qual ele nos traz a salvagao completa, ou seja: justificagdo para remocao da culpa, santificagaéo na vida presente ¢ glorificagao por ocasiaéo da Segun- da Vinda 24 A Ora CONSUMADA DE CRISTO ..o poder de Deus para a salvagao de todo aquele que cré, primeiro do judeu € também do grego. (1.16b) Essas palavras complementares de Paulo ampliam bastante este conceito de salvagaéo e, ao mesmo tempo, o restringem. A extensao de: "... de todo aquele... primeiro para o judeu e também para o gre- go” € enorme. Os judeus pensavam que a salvagao fosse algo que se aplicasse exclusivamente aos préprios judeus. Paulo deixa claro que nao é assim. A salvagao, diz ele, aplica-se da mesma forma a genti- os e a judeus. Mas seria igualmente correto se nds preferissemos dizer que a salvacao se aplica da mesma forma a judeus e a gentios. E um limite completamente aberto. Todo o mundo, todas as pessoas de todas as cores, ragas e nacionalidades, todos tém diante de si uma porta aberta para a salvag&o. O limite da salvagao vai até onde quer que vocé esteja. Fle inclui toda a populagdo que ja viveu e viverd no mundo em todos os tempos. Ele € totalmente universal. Ele € 0 poder de Deus para a salvag&o de todos. Paulo falou anteriormente dos gregos e dos barbaros (1.14), referindo-se as pessoas com ou sem educagao formal. O campo da salvagao era tao vasto para ele quanto € para nds. & 0 mundo todo. Os que tiveram educagao formal, Os que nao tiveram, os judeus, os gentios; onde quer que vocé encon- tre uma pessoa perdida, o circulo da salvacao abrange este lugar Paulo diz que o evangelho vale “primeiro para os judeus” e é claro que a sua pratica, como vimos por todo o livro de Atos, era de pregar primeiro nas sinagogas para, depois de por elas ser rejeitado, voltar- se aos gentios. Hoje, infelizmente, nds, cristdéos, muitas vezes deixa- mos os judeus abandonados em suas comunidades. Mesmo se naa seguirmos a pratica de Paulo, de abordar primeiro os judeus, certa- mente nao devemos deixa-los para o final, nem ignora-!os a todos. O circulo da salvagao é amplo, mas ao mesmo tempo também € muito pequeno. Existe um limite bem definido em "... todos aqueles que créem”. Este limite é do tamanho do mundo todo, mas nele sao incluidos somente os que créem. Cada individuo tem a possibilidade de optar pelo evangelho — ou de rejeita-lo O evangelho € © poder de Deus para a salvacao total de todos aqueles que acreditam que a sua obediéncia ativa participa da obe- diéncia passiva de Cristo, Mas é limitada aqueles que créem. ___Introdugiioe Objetode Estudo (11-17) 25 Visto que a justica de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como estd escrito: O justo viverd por fé. (1.17) Isto nos leva a concluir que a salvacdo envolve mais do que justi- ficagéo. Somos justificados pela fé, mas também devemos viver de acordo com a mesma {€é no presente — nao somente no que diz res- peito a finangas, mas em todas as areas da vida. Lutero defendia a justificagao exclusivamente pela fé, e é claro que isso € ensinado por toda a Biblia e se encontra naquilo que Paulo diz aqui. Mas ele vai mais adiante: depois de termos sido justificados pela fé, devemos viver pela fé. Este € 0 segundo aspecto da salvacéo, a nossa santificagaéo, que Paulo explicara em 5.1—8.17. "O justo vivera por fé" nada mais é do que uma citacao do Antigo Testamento de Habacuque 2.4 , a qual aparece em dois outros mo- mentos no Novo Testamento (Gl 3.11; Hb 10.38), Como observamos em 1.2, ha uma profunda unidade entre as mensagens do Antigo e do Novo Testamento, Nao ha duas religides na Biblia, nado existem duas formas de salvagéo, somente uma. Habacuque diz "Eis 0 so- berbo! Sua alma nao é reta nele; mas o justo vivera pela sua fé" (Hc 2.4). Ele esta confrontando a pessoa, cuja alma “se exalta” com base nas suas boas agGes, com a pessoa que vive “pela fé”. Paulo esta apontando para o mesmo contraste. Nao é somente o contraste en- tre tornar-se um cristao pela fé ou por meio de obras morais ou reli- giosas; este contraste também se aplica ao aspecto presente da sal- va¢ao. A pessoa que espera ser salva com base na sua propria retidao ficaré eternamente a ver navios. Semelhantemente, se esperamos crescer espiritualmente com base nos nossos proprios esforgos chei- os de orgulho, nao havera crescimento espiritual algum. “OQ justo viverd por fé". Comegando em 4.17 e principalmente do capitulo § em diante, as palavras vida e morte se tornaraéo palavras- chave. Paulo estara constantemente confrontando 0 estar morto com o estar vivo, E, embora ele nao tenha entrado neste debate até entao, é ai que se acha o verdadeiro cerne do que ele esta ensinando nestes versos introdutérios. Nos ja analisamos a expressao “ressurreigao dos mortos” anteriormente (1.4), Se, como sugerimos, isto for tradu- zido como “a ressurreig&éo dentre os mortos", ent&o Paulo ja estaria falando em termos da nossa salvagdo completa - a vida total que € nossa em Jesus Cristo. O que se espera de nés é que vivamos “pela 26 A Ora Consumana DE Cristo fé” agora. Nos capitulos 5 e 6, Paulo estara desenvolvendo melhor este ponto em seu apelo para a plenitude de vida, com base no san- gue de Cristo, a partir deste exato momento, pela fé. Nao é apenas ser justificado: é muito mais do que isto PARTE UM JUSTIFICACAO (1.18—4.25) # 2 A Pessoa SEM A Bipiia: CULPADA (1.18—2.16) se 4 ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e An dos homens que detém a verdade pela injusti¢a. (1.18) : Quando Paulo diz que 0 evangelho € 0 "poder de Deus para a salvacao” (1.16), isso poderia muito bem fazer uma pessoa néo salva perguntar: "Mas por que eu preciso de salvagao?” Lutero destacava que o evangelho realmente inclui tanto a boa nova quanto a lei: nao adianta dizer aos homens que eles precisam ser salvos (que € a mensagem da boa nova) até que sintam a necessidade de ser salvos (uma necessida- de que a /ei revela). O Cristianismo no ensino do Antigo e do Novo Testamento é 0 mesmo em sua énfase na salvagao. Outras religides destacam que é necessario que vocé tenha um guia ou qualquer outro tipo de auxiliar para ‘ensinar-Ihe a como viver e morrer. Contudo, ne- nhuma destas outras religides enfatiza a necessidade de salvagdo ou da remiss&o de culpa. O nosso problema nao é metafisico, mas moral. Em 1.18 Paulo comega a.explicar por que as pessoas necessitam um Salvador, Em primeiro lugar, ele explica como a necessidade da salvagao se aplica aos gentios (1.18—2.16), depois, como ela se aplica aos judeus (2.17—3.8), para, finalmente, explicar como se ela aplica a toda a humanidade, tanto a judeus quanto a gentios (3.9-20). Gos- to de descrevé-lo da seguinte forma: Paulo fala primeiro para as que nao tém a Biblia, depois para as pessoas que tém a Biblia. Afinal de contas, nao era precisamente essa a grande diferenca entre judeus € oF A Opra Consumapa pi Cristo gentios nos dias de Paulo? E essas duas condigGes irao certamente nos ajudar a aplicar melhor os ensinamentos de Paulo ao nosso mundo de hoje. Mas por que todo mundo necessita de um Salvador? O gentio (a pessoa sem a Biblia) pergunta “por que eu preciso de salvacao?” Paulo responde com determinagao (versiculo 18) que “a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversao dos ho- mens que detém a verdade pela injustiga”. Vocé esta sob a ira de Deus ~ eis por que precisa de salvacao. Existe ai uma hecessidade real de salvagdo para a humanidade. Nao precisamos de nenhum guia espiri- tual ou do exemplo inspirador de algum martir. Precisamos de um Sal- vador real, porque estamos sob a ira real de Deus. Ao mencionar a ira de Deus, Paulo introduz a primeira palavra-chave do vocabulario cris- tao: culpa. Ele discute esse conceito de culpa em !.18—3.20, Em segui- da, em 3.21—4.25, ele discutira a segunda palavra-chave do Cristianis- mo: substituicdo, isto €, a morte substitutiva de Cristo pelos nossos pecados. As pessoas de outras religides nao tém nenhum conceito equi- valente ao dos cristaos para estas duas palavras. Precisamos de salvagdo porque estamos sob a ira de Deus. Precisa- mos de uma salvagao real porque somos culpados. Esta ira de Deus vira 4 tona no dia do julgamento, por ocasiao da Segunda Vinda de Jesus (2.5). Essa segunda vinda no futuro deve ser o centro de nossas atengdes, da mesma forma como é 0 dia da morte de Jesus no passado. £ semelhante a ceia do Senhor, com sua énfase na morte de Cristo no passado, e, ao mesmo tempo, na perspectiva futura, com vistas ao dia da sua volta. Ha ainda outra questao que a pessoa nao salva sem a Biblia costu- ma fazer. Todas as gerag6es a fizeram, mas talvez nunca a tivessem expressado de forma to explicita quanto hoje: se Deus me fez do jeito que sou, como ele pode considerar-me culpado? Ele nao é injusto ao fazer isto? De onde vem 0 mal? Deus € injusto, se ele nos fez deste jeito para depois nos considerar culpados. Isso nos remete mais uma vez ao ensinamento biblico que fala da Queda historica. Quando vocé despreza o relato historico da Queda em Génesis, vocé perde todo o contato com a mensagem crista. Sem esta resposta para a origem do mal, 0 livro de Romanos perderia todo o sentido, Por que Deus deveria manter-nos sob a sua ira, se ele mesmo nos criou do jeito que somos? Se ele tivesse criado todos nés com um metro e vinte de altura, sera gue ele nos julgaria por naéo termos um metro e oitenta? A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 — 2.16) 31 Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles [os sem a Biblia], porque Deus lhes manifestou. (1.19) O que de Deus se pode conhecer é dbvio, mesmo para as pessoas sem a Biblia - porque Deus 0 manifestou a elas. Ele o manifestou, em primeiro lugar, através de suas consciéncias, como Paulo explica mais tarde: “Estes mostram a norma da lei gravada nos seus coragées, tes- temunhando-lhes também a consciéncia, e os seus pensamentos mu- tuamente acusando-se ou defendendo-se" (2.15), Cada um tem uma consciéncia. Paulo falara mais tarde a respeito da Queda de Ado e Eva, mas ele comega tratando do leitor nao-cristéo e naéo-judeu individualmente, do homem e da mulher perdidos, Ele esta lidando com o homem individual como alguém significativo. Ele esta lidan- do com 0 homem ou mulher que est&o diante dele no mundo roma- no, ou com o homem ou mulher individuais que estao lendo as suas palavras no século 20. E ele diz a essa pessoa “vocé pergunta 0 porqué de estar sob a ira de Deus, mas olhe bem para vocé! Sera que nao tem consciéncia? Sera que vocé nao sabe muito bem que vocé nao é aquela pessoa que devia ser?” Paulo nao permite qual- quer atencgdo a argumentos sem fim. Ele sempre mantém tudo no nivel do homem individual e significativo Ele diz ao gentio incrédulo: “Mesmo se vocé nunca tenha visto uma Biblia, tem certamente uma consciéncia e sabe que a, violou Vocé nfo pode usar a psicologia animal como desculpa. Sabe que tem consciéncia e sabe quando a viola”. Porque os atributos invisiveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua propria divindade, claramentese reconhecem, desde o principio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens sao por isso indesculpaveis. (1.20) O incrédulo nao sé tem uma consciéncia, como também deve saber que existe um Deus, simplesmente por observar a maravilho- sa Criacado ao redor dele. Ele ndo vive numa caverna escura. Ele esta em condigGes de observar a criagdo em todo seu redor e certamente sentira a necessidade de se perguntar de onde foi que tudo isso veio. Ainda assim a humanidade preferiu acreditar na enorme men- tira de que ela nao é nada a crer na realidade de que existe um Deus. A Biblia destaca por diversas vezes que a criagao é testemu- nha de Deus. Mesmo os que nao tém a Biblia estao em condicdes de concluir, a partir da criagéo, que existe um Deus. Como diz 0 32, salmista: "Os céus proclamam a gloria de Deus e€ o firmamento anuncia as obras das suas maos. Um dia discursa a outro dia, € uma noite revela conhecimento a outra noite” (SI 19.1-2). Note que a natureza revela conhecimento, Como nos mostra Paulo, a criagao revela este conhecimento a qualquer pessoa dotada de razAo - que ndo pode escapar desta racionalidade, por mais rebelde que seja. “Nao ha linguagem, nem ha palavras, e deles nao se ouve nenhum som” (S] 19.3). Ha uma voz que é ouvida onde quer que os seres humanos vivam, estejam eles com ou sem a Biblia. E a voz da cri- acao. E a cria¢do nao esta falando com os paus ¢ as pedras, ela nao esta falando com os animais, nao esta falando com as maquinas; a criagao esta falando com a criatura racional que € rebelde contra 0 Criador, mesmo porque esta criatura ainda é uma criatura racional Em sua lingua original, o salmo 19.3 diz que “ndo ha discurso nem linguagem sem que suas vozes sejam ouvidas”. Esta pode n&o ser uma formulagao muito boa, mas a idéia aqui € que "vocé pode sentir isso”. E vocé acabara se conscientizando, com um frio na espinha: "nao ha dis- curso nem linguagem sem que suas vozes sejam ouvidas”. Paulo cita este salmo em Romanos 10.18 € expressa pensamen- tos semelhantes sobre o testemunho da existéncia de Deus contida na criagdo, quando fala em Listra: "contudo, nao se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo 0 bem, dando-vos do céu chuvas estagées frutiferas, enchendo os vossos coragées de fartura e de ale- gria” (14.17). Aqui Paulo esta focando n@o tanto a criagéo como um acontecimento passado, mas a criagao como a boa providéncia atual de Deus. Jesus, semelhantemente, falava da chuva que cai sobre jus- tos e injustos (Mt 5.45). Paulo esta desafiando os incrédulos, nao apenas com 0 testemunho da criagéo enquanto fato passado, mas também com o testemunho da criagéo que os banhava com o sol € que banhava seus campos com a chuva e 0 orvalho. & muito comum crist4os argumentarem intelectualmente a existéncia de Deus, usan- do argumentos como a necessidade de uma causa primaria - o que é extremamente valido; entretanto, a verdade é muito mais profunda do que isso. Nao é apenas 0 fato de que 0 nosso mundo tenha neces- sariamente uma causa primaria, mas de que estamos cercados de coisas boas provenientes de Deus. Ele preenche cada uma das nos- sas necessidades humanas, e este deveria ser um testemunho bas- tante abrangente da sua existéncia. A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18-2.16) 33 Paulo, com todas as letras, declara que, apesar de a humanidade ter caido, o homem continua sendo um ser moral e racional. Ele nao foi desumanizado. Ele continua dotado de consciéncia (1.19), e con- tinua em condi¢ées de apreciar as maravilhas da criagéo a sua volta (1.20). Ele nao se transformou em alguma maquina, por mais que ele possa optar por assim imaginar-se, ao invés de reconhecer 0 Cri- ador. Um livro sobre o pintor holandés van Gogh destaca que, desde a época da sua chegada a Paris até o dia do seu suicidio, seus retra- tos foram ficando cada vez menos humanos. Mas a Queda nao im- pediu Van Gogh, nem qualquer outro, de ser humano Cada ser humano permanece portador da imagem de Deus, e nés temos como falar com ele ou ela sobre o evangelho. Ele continua sen- do uma pessoa, por mais que tenha se desumanizado a si mesmo. Se a Queda da humanidade tivesse transformado os homens e mulheres em nada além de maquinas, eles nao seriam culpaveis diante de Deus Ao contrario, temos de continuar considerando 0 homem um ser raci- onal, moral, por toda esta vida ou mesmo no inferno. Ele nunca se transformara em uma maquina. £ admiravel quantas coisas maravilhosas os seres humanos cai- dos sao capazes de fazer ~ por meio das artes, da criatividade, da tecnologia - mesmo tendo se rebelado contra Deus. E, ainda assim, porque continuam sendo seres humanos e continuam sendo racio- nais, eles sao condenaveis e estao sob a ira de Deus. Eles poderiam tirar uma conclusdo do mundo a seu redor, mas nao 0 fazem. Esta é sua condenagao. Eles nao estao simplesmente sob o desagrado de Deus. No é apenas um mero nevoeiro separando-os de Deus. Ao contrario, eles est&o sujeitos a ira de Deus porque sao culpados. O conceito que nds alimentamos no século 20 é.que as pessoas sao estranhas a Deus... se € que existe um Deus. Mas 0 ponto de vista de Paulo é bem diferen- te: por serem culpadas, Deus mantém as pessoas debaixo da sua ira. Portanto, 0 que os homens precisam é de um Salvador. Paulo passaré um bom trecho - 1,18—3.20 - explicando ampla e extensivamente aos gregos € romanos, e em seguida aos judeus ¢ a toda a humanidade em geral, que eles est&o sob a ira de Deus ¢ precisam ser salvos, para entéo usar alguns poucos versiculos para lhes dizer como eles podem ser salvos (3.21-30), Depois que uma pessoa descobre que precisa de um Salvador, nao ha necessidade de muitas palavras para Ihe dizer que existe um Salvador. A maior difi- 34 A Osra ConsumaDA De Cristo. culdade das pessoas caidas, individualmente fechadas no seu pré- prio universo, € reconhecer que precisam de um Salvador. Elas reco- nhecerao imediatamente que necessitam de um guru, que necessi- tam de ajuda, que necessitam de especializagao técnica. Mas Paulo quer que elas mesmas reconhegam que necessitam de um Salvador. Porquanto, tendo conhecimento de Deus nao o glorificaram como Deus, nem Ihe deram gragas, antes se tornaram nulos em seus préprios raciocinios, obscurecendo-se-Ihes 0 coragao insensato, (1.21) A pessoa sem a Biblia poderia entao perguntar: “Se tudo isso € verdade, porque entao estamos no caos em que estamos? O que acon- teceu?” De 1.21 até 1.31, Paulo responde a esta pergunta. Mais tarde ele falara explicitamente a respeito da Queda histérica de Adao e Eva (5.12-21), mas em todo este trecho ele tem em vista aquela primeira Queda, bem como:as muitas "quedas” que se repetem constantemen- te na historia, na vida dos homens e mulheres individualmente e por todas as eras. Na verdade, podemos conceber a Queda de trés formas diferentes Primeiro, houve a Queda original da humanidade, a qual explica, em ultima inst&ncia, porque tantas pessoas daqui, bem como de outros lugares, néo conhecem o verdadeiro Deus. Vocé também podera pen- sar na Queda em termos de nagGes inteiras através da historia que ficaram sabendo da verdade, mas depois se desviaram dela. Se ha sessenta anos vocé estivesse parado no Trafalgar Square ou no Columbus Circle, na Inglaterra, e indagasse a milhares de pessoas 0 que é 0 evangelho, a maioria estaria em condigdes de Ihe dizer. Talvez nao 0 tivessem aceitado, mas poderiam dizer o que era. Entretanto, se hoje vocé ficasse parado no Trafalgar Square, no Columbus Circle, ou entre os ledes que se encontram em frente ao Art Institute em Chicago, e perguntasse a mil pessoas 0 que é 0 evangelho, encontra- ria muito poucos capazes de responder. Havia um conhecimento maior do Cristianismo nas geragdes passadas, Estamos vivendo hoje em um mundo pés-cristao. Em terceiro lugar, € possive] até que alguém passe individualmente por este ciclo -- conhecer a verdade e depois deliberadamente dar as cos- tas a ela. Eu sempre fico espantado com a quantidade de pessoas famo- sas que vém de lares missionarios e pastorais, conhecendo o evangelho, © nao obstante acabam um dia desviando-se deliberadamente dele. A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 ~ 2.16) _ 35 Logo, o individuo pode se desviar da verdade. Por tras disso ve- mos culturas inteiras se desviando. No princfpio esta a Queda origi- nal. Paulo esta considerando todos os trés planos. Entéo, por que estamos neste caos? O que aconteceu? Paulo co- mega a sua resposta falando sobre os tempos em que a humanidade “conhecia a Deus”. Isto, é claro, era absolutamente verdadeiro no Jardim do Eden. Addo e Eva conheciam a Deus e mantinham certo nivel de comunica¢ao com ele. Similarmente, j4 houve um tempo em que se podia dizer que as culluras européia e americana conheciam a Deus. Se aplicarmos isto ao individuo, ha muitos incrédulos que foram instruidos a respeito de Deus quando criangas. Entéo, quando a pessoa sem a Biblia pergunta: “Por que estou sob a ira de Deus? Como isto aconteceu?” Paulo comega destacando que eles mesmos ou alguém do passado certamente ja conhecia a Deus. Incrédulos certamente nao séo um amontoado de pedras espalhadas por todo o mundo. Todos vieram de alguém que conhecia a Deus e depois deliberadamente desviou-se - nem que no caso este alguém tenha sido Adao. Vocé nao comega pela ignorancia. Vocé pode encontrar ignorancia ao final, mas jamais comecaré com ela. Vocé comega com homens e mulheres que conheceram a Deus. Porquanto, tendo conhecimento de Deus nao o glorificaram como Deus, nem lhe deram gragas... (1.21a) Todavia, estes conhecedores de Deus - Adao e Eva, ou nossa as- cendéncia mais préxima, ou até nds mesmos - preferiram nao glorificd-lo como Deus € nao lhe dar gracas, As filosofias nao-cristas nao se tornam tao populares por causa de algum tipo de apelo inte- lectual, mas porque as pessoas escolheram ser rebeldes contra Deus Elas se rebelam e se recusam a glorificar e dar gracgas a Deus por ser 0 seu Criador. S6 ai buscam, no emaranhado de mistérios e promes- sas de outras religi6es, uma razdo conveniente para sua rebeliao. «. antes se tornaram nulos em seus prdprios raciocinios, obscurecendo-se-Ihes 0 coracdo insensato. (1.21b) Quando as pessoas se recusam a dar gragas a Deus e a cle dar gloria, seus coragdes e suas imaginagdes tornam-se escuros e vai- dosos. Nao é a vaidade de uma garota passando duas horas diante do espelho penteando o cabelo. f a vaidade da criatura que se recusa a ser criatura, mas querendo ao invés disso ser o criador, bem no 36 A Opra Consumana DE Cristo centro do universo. Esta vaidade leva os homens a se tornar “loucos” (1.22). Eles se tornam totalmente loucos, néo compreendendo a si mesmos ou mesmo 0 universo em que vivem. Esta € a razao por que vemos tantas pessoas no século 20 que nao parecem diferenciar-se a si mesmas das maquinas. Elas se consideram sabias (1.22), uma vez que se colocaram a si mesmas no centro. Nao é a verdadeira sabedoria do cientista, a habilidade do artista, mas sim aquela vai- dade do louco que nao sabe se colocar no seu devido lugar, Segundo as palavras do salmista, "diz o insensato no seu cora cao: Nao ha Deus” (S1 14.1). Isto € verdade em dois sentidos: Vocé seria um tolo se dissesse que néo ha Deus; mas uma vez que vocé tenha dito tal coisa, vocé se torna um louco. A Queda da humanida- de nao foi como um escorregao na calgada ou qualquer coisa assim. Os seres humanos est&o no caos em que estdo porque preferiram rebelar-se contra Deus e, conseqiientemente, tornaram-se inteira- mente insensatos. Pelo lado positivo, podemos ler igualmente nos Salmos a respeito do que acontece quando as pessoas optam por voltar para Deus: “Lem- brar-se-4o do Senhor ¢ a ele se converterao os confins da terra; peran- te ele se prostraréo todas as familias das nagées... A posteridade o servira; falar-se-4 do Senhor a geragao vindoura. Hao de vir anunciar a justiga dele; ao povo que ha de nascer..." (SI 22.27, 30-31). Aqueles que retornam para Deus tornam-se aqueles que no sao loucos. Eles se tormam homens e mulheres de Deus. Eles voltam a colocar-se no lugar em que a humanidade foi criada para ocupar nas suas origens. Paulo trata deste mesmo assunto em Efésios 4.17-18: “Isto, por- tanto, digo, e no Senhor testifico, que néo mais andeis como tam- bém andam os gentios, na vaidade dos seus proprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios a vida de Deus por causa da ignorancia em que vivem, pela dureza dos seus coragées”. Quando aceitamos Cristo como nosso Salvador, nés voltamos a ser a des- cendéncia de Deus. F aqui Paulo dirige-se novamente aos cristdos e diz “olhem, vocés estavam nesta vaidade", (esse mesmo termo é usado em Romanos) “mas agora vocés se tornaram a porgao redimida da humanidade, a humanidade que esta retomando o verdadeiro pro- posito da criagao. Por isso, nado caminhem em meio a vaidade - nao caiam mais naquela forma deste mundo de encarar as coisas. Vocés nao devem nunca mais se colocar no centro do universo. Antes, mante- A Pessoa Sem a Biblia. Culpada (1.18 ~ 2.16) _ _37 nham Deus no centro do seu universo, tanto na forma de pensar quan- to no modo de vida, e encontrarao o sentido da vida, estabelecendo a Deus como referéncia.” Vocé é "“descendente” de Deus no mundo, com base na obra consumada de Cristo e nao mais “louco” em relagado a Deus, ao préprio universo e ao sentido da sua propria vida. Na condigao de pessoas salvas da vaidade desta rebeliao contra Deus, nds temos uma mensagem para todos aqueles que se mantém rebel- des: “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo nao 0 conheceu por sua propria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que créem, pela loucu- ra da pregac&o. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nés pregamos a Cristo crucificado, escandalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chama- dos, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sabia do que os homens; € a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Co 1.21-25). Ao tomar conhecimento do Deus verdadeiro e vivo, o mundo deu as costas de forma deliberada, tornando-se totalmente vao ~ ele assumiu a absoluta vaidade de estar disposto a considerar a si mesmo semelhante ao animal, & maquina, a um zero a esquerda, ao invés de reconhecer o Criador, ser-lhe grato e dar-lhe a gloria. Como alcangaremos este mundo perdido? Paulo nos avisa que, de- vido a toda sua vaidade, este mundo considera a nossa mensagem loucura. Ainda assim , ele nos convoca a propagar esta “loucura” no meio deste mundo. Devemos nos colocar no mundo do século 20, com toda a sua pressdo, com todo o peso da sua oposigao contra a fé crista, e proclamar o evangelho. Existe verdade para o universo. O homem desviou-se dela deliberadamente. Ele ainda € racional, moral € tem uma consciéncia. O que precisamos fazer € dar-Ihe a mesma mensagem que Paulo esta dando nos primeiros oito capitulos de Ro- manos. E, por mais que nossa mensagem possa parecer loucura para este mundo que acredita que nao’ ha sentido na vida, nem por isso Deus deixara de aproveitar a oportunidade para falar a alguns deles. E esta a mensagem do evangelhe que precisa ser transmitida. Proclamar este evangelho a humanidade rebelde algumas vezes pode, é claro, parecer loucura. Podemos até ser derrotados diante da dificuldade e imensidao desta tarefa, Ainda assim, gragas a Deus, ele encarregou-nos de apenas trés tarefas, e com isso cumprimos a nossa responsabilidade. A primeira é pregar o evangelho da forma 38 _A.Onra Consumapa De CRISTO _ mais clara possivel, respondendo a todas as quest6es da maneira mais clara que pudermos, apresentando a verdade sobre © universo, o homem e o nosso dilema. A segunda é orar por cada individuo que vier a nos ouvir. E a terceira é, pela graga de Deus, pela fé na obra consumada de Cristo, viver uma vida que, de alguma forma modes- ta, represente a melhor referéncia possivel do evangelho que estamos pregando. Quando tivermos cumprido estas trés coisas com paixdo, em meio a este mundo que se afastou de Deus e vive na escuridao e vaidade total, alguns deles responderao. Inculcando-se por sabios, tornaram-se loucos. (1.22) Desviando-se deliberadamente de Deus €, por isso, nao tendo como entender nem a si mesmos nem ao universo, homens e mulheres tor- naram-se absolutamente loucos. Eles estao tentando viver em um uni- verso que nao é do jeito que o enxergam - desprovido de Deus, despro- vido de seres humanos. Isso é total loucura. A Biblia esta retratando a escuridaéo de um mundo o qual a humanidade caida, em sua rebeliao, tem escolhido deliberadamente. Isto € 0 que Adao fez originalmente Ele se afastou da vida e escolheu a morte. Este 6 0 mundo que os nossos antepassados das ultimas geragdes da cultura norte-européia e norte-americana escolheram. Esta tragica escolha lalvez seja mais nitida nos Estados Unidos, pois ocorreu ali mais recentemente, por volta de 1890. Pode haver até hoje sobreviventes daquela geragéo que testemunharam todo este processo. E a escuridéo de um mundo o qual 0 homem nao compreende. Em Deuteronémio, Moisés fala de como 0 povo de Deus pode manter viva uma sabedoria divina em um mundo que rejeitou a Deus e, por isso, tornou-se louco, Quando fala da lei de Deus, Moisés encarrega Israel de certa responsabilidade: “Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque isto sera a vossa sabedoria e 0 vosso entendimento perante os olhos dos povos” (Dt 4.6). Varios séculos mais tarde, Jeremias ira falar para uma Israel que desprezou a lei de Deus, com resultados desastrosos: "Os sdbios serao envergonhados, aterrorizados e presos; eis que rejeitaram a pala- vra do Senhor; que sabedoria é essa que eles tém?" (ir 8.9). Quando rejeilamos a revelagdo de Deus, “que sabedoria é essa (que temos)"? O que nds sabemos? Com base em que poderiamos ter qualquer conhecimento? O curioso € que esta questao de como chegamos ao conhecimento tem um papel central na filosofia mo- A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 ~ 2.16) 39 derna. Tendo descartado a revelagdo divina, os filésofos modernos estdo preocupados agora com o estudo da epistemologia, o estudo de como conhecemos as coisas que conhecemos. E aqui na Biblia Deus esta perguntando “que fundamento epistemoldgico lhe resta, depois de ter rejeitado a minha Palavra?” E mudaram a gloria do Deus incorruptivel em semelhanca da imagem de homem corruptivel, bem como de aves, quadrupedes € répteis, (1.23) Uma énfase profunda encontra-se na palavra “imagem. Depois de terem sido feitos a imagem de Deus (Gn 1.26), homem e mulher rebe- laram-se €, por quererem ser 0 centro do seu universo, deliberadamente inverteram o processo e criaram Deus a sua propria imagem! Eles foram feitos 4 imagem de Deus - racionais, morais e com significado. Mas, porque se recusaram a perceber-se a si mesmos como criaturas, consideraram necessario fazer Deus a sua propria imagem. Os intelectuais de hoje falaréo de pessoas que fizeram Deus a sua propria imagem, considerando-se a si mesmos muito inteligentes por terem feito esta observa¢ao. Acontece que Paulo ja havia feito esta ob- servac¢ao no século 1°. Nao ha nada de novo nisto! Trata-se basicamente do mesmo problema fundamental, Ou Deus existe e fez 0 homem a sua imagem e semelhanga, ou o homem saiu do nevoeiro, e fez para si mes- mo um deus a sua propria imagem. A Biblia diz que Deus estava la. O Deus infinito e pessoal estava 14, com todos os seus maravilhosos atri- butos, e 0 homem deliberadamente inverteu tudo isto, tornando Deus uma imagem corruptivel da humanidade ou das aves ou dos animais selvagens. Ele trocou 0 infinito pelo finito, Ele trocou a grandiosa prospe- ridade e a verdade pela pobreza, pelo sofrimento e pela ignorancia. Lembre-se de que Paulo esta respondendo a pessoa que pergunta “como nos metemos neste caos?” Paulo diz que a razdo é esta: a humanidade conhecia a verdade, mas deliberadamente a desprezou Os seres humanos preferiram manter-se na ignorancia e estar no centro do universo a ter a resposta € reconhecer a Deus como Criador e a si mesmo como criatura. Paulo, vivendo no século 1°, tinha a mesma resposta que devernos dar hoje. As questdes e as respostas basicas permanecem inalteraveis. Por isso Deus entregou tais homens a imundicia, pelas concupiscéncias de seus proprios coragdes, para desonrarem 0 seu corpo entre si. (1.24) A Ona Cons Observe bem a seqliéncia lgica: a humanidade precisa de sal- vagdo porque esta sob a ira de Deus (1.18). Ela esta sob a ira de Deus porque, apesar de sua consciéncia e de estar rodeada pela criagéo maravilhosa de Deus, ela deliberadamente peca e se afasta de Deus (1.19-23) Nossa situag&o, portanto, ndo é o resultado de algum equivoco, mas de uma genuina rebeliao. As conseqtiéncias sao tristeza, depres- sao, homens que vivem lutando contra os seus parceiros humanos, O homem nao necessita so de uma mudanga de direcao - ele é culpado. Esta compreensao encontra-se na base de toda e qualquer visao dife- renciada de sociologia, de psicologia e de educac¢ao para cristéos. E vemos agora a resposta que Deus da a rebeliao dos homens (1.24). Ele os “entrega” 4 sua propria sorte, Podemos imaginar a hu- manidade como um animal doméstico indisciplinado. Ele se rebela e determina o seu proprio caminho, O homem pretende fugir de Deus, o seu dono. Por isto, Deus simplesmente tira a coleira. Lembro-me de ver cachorros suigos, treinados para a patrulha de fronteira nas montanhas. Estes cées eram treinados para desenvolver um carater terrivel, maldoso, e quando estavam sem coleiras este mesmo cara- ter determinava seu caminho, e isto é uma coisa horrivel de se ver. Este € 0 retrato que Paulo pinta da humanidade. Foi isso que aconte- ceu com 0 nosso pais. As pessoas escolheram abrir mao da verdade, e Deus abre mao delas. Paulo reafirma esta terrivel verdade em 1.28: "E, por haverem des- prezado o conhecimento de Deus, o proprio Deus os entregou a uma disposigao mental reprovavel, para praticarem coisas inconvenientes”, A humanidade optou pelo seu caminho, deixando de reconhecer a Deus. Por isso Deus “os entregou" — ele retirou a coleira - e permitiu que eles andassem pelos seus proprios caminhos rebeldes ¢ imorais. Isso nao € apenas dialética, mas uma’ rebelido deliberada. Deus abriu mao da humanidade, e ela seguiu os seus desejos em todo tipo de comportamento imoral. Todos os pecados e todos os problemas humanos procedem da nossa op¢éo de nao colocar Deus no centro do universo que ele proprio criou. Enquanto crist&os, ja- mais deverfamos fazer pouco caso dos esforgos dos socidlogos ou dos criminalistas em denunciar as doengas sociais. Por outro lado, € preciso entender também que a maioria destes esforcos trata so- mente dos sintomas, e nado da doenga. Nos dias de hoje, ha muitas A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1,18 — 2.16) Al preocupagoes legitimas quanto a crise moral e cultural, e estamos co- letando todo o tipo de supostas curas. Estas coisas podem ajudar, mas nao espere que elas curem, Sao como talcos, pomadas, balsamos. Se uma moga tem uma espinha no rosto, por ter exagerado nos doces, ela pode até disfarga-la com pé-de-arroz ou passar alguma pomada que lhe dé um aspecto um pouco melhor, mas a cura sé vird se abrir mao dos doces. Se a raiz do dilema humano esta na sua rebelido contra Deus, entao nao ha tratamento de sintomas capaz de trazer a verdadei- ra cura, E preciso tratar o mal, que é a rebeliao contra Deus, diretamen- te. Nao ha cosmético capaz de trazer a cura necessaria. Pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando € servindo a criatura, em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém! (1,25) Tendo discutido o motivo da rebeliao da humanidade (1.19-23) e bre- vemente considerado as suas conseqiiéncias (1,24), Paulo nos lembra agora da articulacao existente entre a causa (1.25) € seus resultados 16- gicos (1.26-31). O ser humano “mudou a verdade de Deus em mentira”. Fazendo assim, ele nao pés a perder somente a verdade sobre a existén- cia de Deus, mas também a verdade sobre 0 universo e sobre si mesmo. Quando o homem se rebela e se afasta da sua refer€ncia primeira em Deus, do relacionamento apropriado com Deus, tudo se torna mentira. O ser humano néo sabe quem ele é, Toda verdade é negada, Ele passa a questionar n&o apenas a existéncia de Deus. Ele questiona igualmente a sua propria existéncia e tudo 0 que provém da existéncia de Deus. Se o rebelde contra Deus fosse totalmente ldgico, teria de negar todas as suas aspiragSes humanas - sua pretensdo de encontrar a verdade e, da mesma forma, todas as suas demais aspira¢Ges. Jeremias 10.10 diz no hebraico original “O Senior € o Deus da verda- de”, A humanidade "mudou a verdade de Deus em mentira’, mas “o Sentior € o Deus da verdade". Nao ha qualquer outra verdade ou for- ma de compreender o universo, Quando as pessoas jogam fora o Deus da verdade, a verdade desaparece como um todo. E tudo o que resta séo conjuntos de opinides, deuses € prazeres pessoais. e servindo a criatura, em lugar do Criador.., (1.25b) Na verdade, a vers&o grega diz que eles passaram a adorar a cri- atura “ao invés" do Criador - nao apenas em lugar de, mas ao invés de. Eles inverteram tudo. Talvez isso tenha sido mais facil de se ob- 42. A Opra CoNSUMADA DE CRISTO servar nos dias de Paulo, porque eles serviam a idolos de verdade, fazendo Vénus como se fosse uma mulher e Hércules como se fosse um homem forte. Mas nada mudou realmente; este tipo de culto a criatura sO é mais sutil nos nossos dias. A humanidade colocou-se a si mesma no centro do universo. Quando incrédulos usam a palavra Deus hoje, normalmente estao criando o seu proprio deus a imagem do homem, de uma forma tao radical quanto faziam os gregos. Ha duas formas de fazer um deus & imagem do homem: uma € esculpindo alguma coisa de pedra ou cri- ando alguma coisa por meio da pintura. Outra é sentar confortavel- mente no seu sofa e simplesmente projetar-se a si mesmo, uma sim- ples criatura, um pouco além do que é, dizendo “£ assim que Deus é!” N&o € necessério dispor de pedra ou tinta para fazer um deus. O fato é que muitos de nés adoramos aquela criatura que melhor conhecemos ~ nds mesmos! Em Isaias lemos sobre as consequéncias tragicas da idolatria, incluindo o culto a si mesmo. Do idélatra, diz Isaias, que “tal homem se apascenta de cinza; 0 seu coracdo enganado o ilu- diu; de maneira que nao pode livrar a sua alma, nem dizer: Nao é mentira aquilo em que confio?” (Is 44.20) Os povos que nao conse- guiam reconhecer a mentira nos dias de Isaias eram iguais aqueles dos tempos de Paulo, que tornavam a verdade de Deus em mentira. E qual a conseqiiéncia? Eles passaram a se "apascentar de cinza”. Hoje, semelhantemente, quando nds adoramos e idolatramos a nés mes: mos, passamos a nos alimentar de cinzas. O ser humano diz “vou me colocar no centro do universo”, mas acaba se alimentando de cinzas, pois tudo o que lhe restara serdo cinzas no campo da moralidade, cinzas de tudo 0 que diz respeito a beleza, cinzas no ambito do amor, cinzas de tudo 0 que: diz respeito ao sentido. Qual é a solugao? E esta que Isaias nos fornece: “Lembrai-vos disto, e tende animo; tomai-o a sério, 6 prevaricadores" (Is 46.8). Em outras palavras, “Sejam razoaveis!” E se forem razoaveis de verdade, tero que voltar para Deus, Deus criou seres racionais e morais. Se vocé seguir a racionalidade verdadeira e a moralidade verdadeira, de modo a se tornar verdadeiramente humano, voltara para Deus. A recomendagao de Isaias € precisamente o inverso do que as pessoas nos dizem no século 20. Elas dizem que ter fé significa dar um salto no escuro. Mas Isaias e Paulo afirmam que uma busca racional da verdade nos levara a Deus. Seria uma conversaéo de um ser humano A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 — 2.16) 43 descobrindo a verdade acerca do universo para um conhecedor de Deus. A verdadeira racionalidade acentua o fato de que nem o ho- mem nem Deus estao mortos! Jeremias prevé o dia em que muitos incrédulos acabarao, na reali- dade, por abandonar as mentiras da idolatria e fazer uma opgao raci- onal por Deus: “O Senuor, forca minha e fortaleza minha, ¢ refiigio meu no dia da angustia, a ti virao as nagdes desde os fins da terra, e dirao: Nossos pais herdaram s6 mentiras e coisas vas, em que nao ha pro- veito. Acaso fara o homem para si deuses que de fato nado sao deuses? Portanto, eis que lhes farei conhecer, desta vez lhes farei conhecer a minha forca € o meu poder; e saberao que 0 meu nome € 0 SeNnnor” Ur 16.19-21). Jeremias, da mesma forma que Paulo, fala das "menti- ras" da idolatria. Tanto Jeremias quanto Paulo enfatizam que estas mentiras sao “herdadas" de uma geracao para a geracao seguinte. Todos os homens e mulheres caidos rejeitam a verdade, mas continu- am sendo seres humanos com significado e acabam influenciando todos aqueles que os seguem. E, ainda assim , diz Jeremias, Deus esta sempre chamando as pessoas de volta para si. O que tem nossa prépria geragéo herdado dos nossos antepassa- dos? Ela tem herdado mentiras. Um jovem que estava em minha aula disse certo dia: "Bem, todos hoje pensam que Deus no existe”, Ele disse isso naturalmente. Ele nado havia pensado sobre isto. Ele simplesmente repetiu a mentira que havia herdado, Este mesmo ta- paz ficou bastante espantado quando eu sugeri que a sua declaragao era, na verdade, algo que ele havia assumido como verdade, e que ele precisava examinar. Oséias acrescenta: “Agora pecam mais € mais, € da sua prata fazem imagens de fundigao, idolos segundo o seu conceito" (Os 13.2), Nds os fazemos em nossa maneira de ex- pressar verbalmente como Deus é ou no é. Nao é uma variedade de sentimento religioso, mas um verdadeiro ato de rebeliao. Por causa disso os entregou Deus a paixGes infames; porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relagdes intimas, por outro contrario a natureza. (1.26) Neste trecho, j4 podemos considerar os resultados da rebeliao da hu- manidade contra Deus. Paulo falaré do homossexualismo em 1.27, e pode ser o sentido de 1.26 também, mas eu penso que ele pode estar falando de algo a mais aqui. Isafas fala das mulheres que "... sdo altivas as filhas de Sido, e andam de pescocgo emproado, de olhares impudentes, an- 44 A Osra ConsuMADA DE CRISTO dam a passos curtos, fazendo tinir os ornamentos de seus pés” (Is 3.16), No hebraico, “olhares impudentes” significa na verdade “en- ganando com os seus olhos", Isaias parece estar descrevendo aquele tipo de mulher que usa a feminilidade para enganar. E penso que é isso mesmo que Paulo também esta dizendo. A mulher que se apro- veita do que ela é enquanto mulher, nao como Deus pretendia, mas para enganar. Eis ai a mentira em que toda a humanidade acreditou (1.25). £ uma mentira tao completa que tudo na vida, as coisas mais belas da vida, acabaram sendo distorcidas por ela. Todas as coisas na vida que deveriam favorecer uma maior intimidade entre uma per- sonalidade e outra personalidade no nivel humano foram destrufdas. Perdemos 0 contato com o ponto de referéncia primario, um Deus pessoal, Quando fazemos isso, 0 préximo nivel de contato, 0 da per- sonalidade humana, que deveria ser tao bonito e tao maravilhoso, acaba se tornando algo igualmente insalubre, Homem e mulher, pos- tos na presenga de Deus, deveriam ser capazes de relacionar-se, de personalidade para personalidade, da forma mais profunda possivel Mas, devido a rebeliaéo da humanidade, aquele relacionamento pas- sou a ser tratado como uma forma adicional de um bem negociavel. Semelhantemente, os homens também, deixando o contacto natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punigao do seu erro. (1.27) Paulo trata da questéo do homossexualismo masculino com 0 mes- mo realismo que podemos observar por toda a Biblia. Pessoas consi- deradas religiosas nem sempre gostam de lidar com a realidade dessas coisas, mas a Biblia jamais encobre qualquer aspecto da realidade. Ela trata a humanidade como ela é. Paulo fala da "recompensa”, o resultado automatico, de uma forma de vida como esta. Se vocé for trabalhar com pessoas assim, quer sejam homossexuais quer sejam mulheres que usam a sua feminilidade como mercadoria - vera ca- sos de pessoas que se tornaram absolutamente miserdveis, depois de uma atragdo inicialmente enganadora. Ainda que possa oferecer certa satisfagdo em determinado nivel de relacionamento, o homossexualismo € uma negagao total do mundo real. Ele nega qual- quer possibilidade de continuidade e ameaga a identidade da pessoa como fruto do relacionamento de um pai e uma mae. Vidas tristes terminam com uma mao cheia de cinza espalhada ao vento. £ claro, A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 ~ 2.16) 45 o pecado traz miséria em todos os niveis, mas Paulo destaca aqui as lamentaveis conseqiiéncias nestas areas em particular. E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, 0 proprio Deus os entregou a uma disposigdo mental reprovavel... (1.28) Possivelmente 0 trecho “por haverem desprezado o conhecimento de Deus" possa ser mais bem traduzido por “nao consideraram conhe- cer a Deus como algo digno de aprovagéo". Aqui Paulo enfatiza mais uma vez a importancia do contetido intelectual das coisas em que acre- ditamos. Porque preferiram nao reconhecer Deus no campo do co- nhecimento, Deus os entregou a uma condi¢ao mental “reprovavel” - uma mente destituida de critérios - em todas as areas da vida. Assim que vacé se afasta do Deus vivo e coloca outra coisa no centro do universo, estara abrindo uma enorme porta para uma mente destitui- da de critérios em todas as areas da vida. O homem do século 20 ja passou por isso. Por causa disto, ele encara as coisas de forma inteira- mente diferente. Isso muda toda a forma de ver a moralidade. O casa- mento passa a ser encarado de outra forma, O relacionamento entre pais e filhos muda. Nenhuma area da vida esta protegida desta ausén- cia de critérios. Deus 0s entregou a uma disposicao mental reprovavel, para praticarem coisas inconvenientes. (1.28b) Em uma linguagem mais atual, “para fazer o que nao convém”. Es- tes rebeldes nao consideram o conhecer Deus como algo digno de apro- vag&o. Por isso, Deus os entregou a um estado mental completamente vazio de sentido. E, em decorréncia disso, a sua conduta passa a ser impropria. Paulo especifica algumas destas condutas improprias: Cheios de toda injustiga, malicia, avareza e maldade; possuidos de inveja, homicidio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presungosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeic&o natural e sem misericordia. (1.29-31) Tendo colocado a si mesmo no lugar de Deus no centro do universo, esta é a situaco para a qual caminha o homem do século 20 e nao sabe a causa. A América diz: “O que esta acontecendo com nossos jovens? Demos tudo a eles ~ € olhe para eles!" O crime esta se alastrando por toda a sociedade, nao apenas em situagdes em que poderlames explica- lo com base nas condicSes sociais, mas também entre cidadaos préspe- 46 A. Obra Consumapa Dg Cristo Tos e educados. Pessoas cada vez mais jovens estao optando por este tipo de vida, e seus pais se limitam a dizer: "O que esta errado? O que podemos fazer?’ E nao conseguem achar a cura - cura que Paulo ja havia prescrito em 1.16 — porque desconhecem a natureza da doenga. Ora, conhecendo eles a sentenga de Deus, de que so passiveis de morte os que tais coisas praticam, nao somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem. Portanto és indesculpavel quando julgas, 6 homem, quem quer que sejas; porque no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as proprias coisas que condenas, (1.32—2.1) Embora esta passagem inclua uma mudanca de capitulo, ela re- almente inicia uma nova parte. Paulo agora se dirige diretamente ao leitor. E possivel ler 1.18-31 com uma mente académica, sem ser pessoalmente afetado pelas palavras de Paulo. Mas Deus nunca permite que verdades doutrinais permanegam como meras abstra- Ges. Elas séo sempre concretizadas, ¢ trazidas para o plano indivi- dual. A verdade sempre acaba sendo dirigida de volta a pessoa como individuo. A pessoa sem a Biblia que pergunta: “Como Deus pode me culpar pelo caos em que 0 mundo esta?” ou “Por que eu preciso de salvagao?” Paulo diz: "vocés sabem que estas coisas sdo erradas e ainda assim consentem com todos aqueles que as praticam... € até as praticam vocés mesmos!” Deus esta sendo justo quando julga as pessoas sem a Biblia por- que elas, tendo uma consciéncia (1.19) e estando rodeadas pelas maravilhas da criagéo que claramente revelam Deus (1.20), rejeita- ram Deus e sua lei moral. E, além disto, estas pessoas julgam to- dos aqueles que transgridem a lei de Deus, por mais que estives- sem praticando as mesmas coisas eles mesmos (1.32—2.1) Poderiamos até nos perguntar por que Deus haveria de julgar aque- les que nao aceitaram Cristo, se eles nunca ouviram falar dele, pois uma condenacao como esta seria injusta. Mas deixar de aceitar Je- sus nao é a base pela qual tais pessoas serao julgadas. Elas rejeita- ram Deus ¢€ a Biblia muito antes disso ¢ herdaram todo um legado de mentiras. Por isso elas serdo julgadas com base no fato de te- rem violado a sua propria consciéncia. Quando aqueles sem a Biblia comparecerem diante de Deus, ele Thes perguntaré uma so coisa: “Vocés foram capazes de seguir os padrdes morais que vocés usaram para julgar os outros?” Seria como se cada um de nés nascesse com um pequeno gravador preso ao A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 — 2.16) : 47 pescogo, e este gravador registrasse todos os nossos juizos morais contra os outros: "ele esta errado.,, ela esta errada... ele esta erra- do..." - por toda a nossa vida. Ent&o, no juizo final, Deus simples- mente voltaria a fita ¢ nds ouvirlamos a nossa propria voz, emitindo os juizos morais que fizemos e Deus nos perguntaria: "E vocé seguiu todos estes mesmos padrées morais a risca?" Obviamente, todos nés teriamos de admitir que nado, Cada um de nds teve muitas ocasides nas quais deliberadamente optamos por fazer algo que sabiamos mui- to bem estar errado. Mesmo se Deus apagasse da fita todas aquelas situagdes em que teriamos alguma desculpa légica para as nossas ages, ele continuaria tendo toda razao para nos condenar por todas aquelas vezes em que agimos erroneamente, de forma deliberada. Portanto és indesculpavel, quando julgas, 6 homem, quem quer que sejas; porque no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as proprias coisas que condenas. Bem sabemos que o juizo de Deus é segundo a verdade, contra os que praticam tais coisas. Tu, 6 homem, que condenas aos que praticam tais coisas € fazes as mesmas, pensas que te livraras do juizo de Deus? (2.1-3) Quando Deus diz “Vocé é indesculpavel”, muitas pessoas vao colo- car uma destas duas objegées. Elas podem dizer "eu posso ser um pecador, mas ao menos eu sou melhor que a maioria das outras pes- soas”. Ou elas podem dizer "Posso ser um pecador, mas sou bom o bastante para me livrar, Certamente Deus néo me condenaria’. Uma vez, quando estava hospedado em um hotel na Riviera Itali- ana, eu tive muitas conversas a respeito do Senhor com dois execu- tivos ingleses, e os dois eram ateus. O primeiro insistia que 0 segun- do havia sido desonesto em seus negocios. Uma tarde ele disse "bem, se existe um Deus, ele tem de me aceitar, pois cu sou melhor do que os outros”, Eu respondi “o que vocé quer dizer com isto?", ¢ ele repli- cou "bem, olhe para aquele homem ali. Ele € um executivo sujo € nojento. Eu sou melhor do que ele”. Cerca de cinco minutos depois, aconteceu de eu estar conversando com 0 outro executivo, € ele dizia "se existe um Deus, eu vou estar bem" Eu perguntei por qué, e ele disse "bem, eu sou melhor que os outros. Eu tenho duas irmas doentes e tenho dado minha vida para cuidar delas’ Quando vocé conversa com descrentes sobre coisas espirituais, eles freqiientemente vao dizer exatamente isso: “sou melhor que ou- tras pessoas, cu vou me livrar". 48 __AOpra Consumapa pe Cristo Paulo refuta essas duas objegdes em 2.1-6. Deus diz “vocé ndo vai se livrar"; vocé nao se livraré “do juizo de Deus” (2.3). Vocé nao vai se livrar porque Deus julga com base em um padrao de perfeigao. Nao poderiamos nos livrar mesmo com base em nossos imperfeitos padrdes humanos, porque quando julgamos a outros nés condena- mos a nos proprios, tendo feito nds mesmos “as mesmas coisas”. O executivo que acusou o outro executivo de desonestidade certamente fez alguns negécios sombrios ele mesmo. Cada ser humano tem um imperativo moral dentro de si. Cada ser humano conhece “a sentenga de Deus" (!.32), Assim que uma crianga sente o peso de sua consciéncia, luta contra ela, e peca, ela esta concordando que ha uma lei moral significativa no Uni- verso. Assim que ela diz "eu tenho que fazer isso” mas entao faz © oposto, ela concorda com a lei moral. Varios pensadores mo- dernos - psicdlogos, antropdlogos, socidlogos — tém tentado ex- plicar este imperativo moral. E ainda assim todos eles tém senti- do o peso de suas préprias consciéncias. Assim como um nervo inflamado, suas consciéncias os tém avisado para que nao fa- cam muitas das coisas que tém feito Baseados neste senso inato de certo e errado, as pessoas sem a Biblia julgam as outras (2.1) e, neste processo, julgam-se da mesma forma a si mesmas, porque elas “praticam as mesmas coisas" (2.1). O julgamento de Deus contra elas é totalmente justo, pois néo se fundamenta em coisas que eles desconhecem, mas nos padrées de certo e errado que eles conhecem muito bem e que usam para julgar os outros. Paralelamente a isto, em Mateus 12.20 somos igualmente condenados pelas palavras que falamos. Apocalipse 20.12 fala do julgamento dos incrédulos. Eles seréo julgados de acordo com suas obras. O julgamento de Deus é um julgamento de acordo com os padrdes que foram expressos em palavras. Por isso, trata-se de um julgamento baseado naquilo que a pessoa sabe, nao naquilo que ela nao sabe. Nao ha nada de arbitrario nisso. Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerancia, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e coragao impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelacao do justo juizo de Deus, que retribuira a cada um segundo © seu procedimento. (2.4-6) A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (118-216) 49 O incrédulo, que chegasse a se dar conta do pecado, poderia dizer “Acabarei me livrando desta. Eu vou conseguir. Afinal, eu fiz tudo certo até agora”, Mas o Senhor, com toda a sua bondade, replica: “E somente pela minha bondade que vocé chegou tao longe. E, apesar disso, vocé dispensou até mesmo esta bondade". Por ocasiao de uma visita que eu fazia a um lar de criangas deficientes, fiquei olhando para os seus pobres corpos mal tratados e pensei: "isto é a raga humana”. E uma viséo muilo mais realista da raga humana do que a bela mulher indo para a Opera ou 0 atieta no estadio olimpico. Mas a humanidade ignorou todos esses avisos e preferiu dizer "vou me livrar". E da natureza humana negar a certeza de que o juizo se aproxima, como Pedro nos mostra na sua segunda carta (2Pe 3.3-4): "Tendo em conta, antes de tudo, que, nos ultimos dias, virao escarnecedores com os seus escarnios, andando segundo as proprias paixGes, e dizendo: Onde esta a promessa da sua vinda? Porque desde que os pais dormiram, to- das as coisas permanecem como desde o principio da criagao". Da mes- ma forma como estes escarnecedores dos ultimos dias, as pessoas olham a previsibilidade da natureza e se recusam a acreditar que Deus descon- certaria a uniformidade das causas naturais e traria juizo, Paulo fala so- bre o ver-se a bondade de Deus por todos os lados, e, baseando-se nisto, supor que jamais vira 0 dia do julgamento. A bondade de Deus pretende levar pessoas como estas ao arrependimento, mas por causa da recusa delas em responder, essa mesma bondade surtira efeito contrario. Mas, segundo a tua dureza e coragdo impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelacdo do justo juizo de Deus... (2.5) O que Deus planejou para bem do homern - coisas como 0 teste- munho da criagao e o testemunho da consciéncia - sé serve para afundar mais esses rebeldes em sua rebeliao Isso nos remete novamente a 1.16-18. O evangelho é “o poder de Deus para a salvacao” (1.16). Por que precisamos de salvagao? Por- que estamos sob a “ira de Deus" (1.18), € os que desprezam ou se aproveitam da paciéncia de Deus nao estado fazendo mais do que “acumular” mais de sua ira (2.5). Cristo fala de "acumular tesouros nos céus” (Mt 6.19-20). Quem despreza a paciéncia de Deus tam- bém esta acumulando algo para si — nao riquezas, mas a ira de Deus. Tanto 0 que cré quanto o incrédulo precisam dar-se conta de que tudo 0 que fazem tem conseqiiéncias eternas. Nossas vidas nao se 50 A Opra ConsumaDA DE Cristo limitam ao periodo entre o nascimento fisico e a morte fisica, Tudo 0 que dizemos ou fazemos representa um investimento - para o bem ou para a perdigao ~ no banco da eternidade. Uma jovem pode até imaginar todo o seu futuro limitado ao dia do seu casamento, sem que seja capaz de enxergar nada além deste grande evento. Mas, se ela se conscientizar do quanto o seu carater afetara o seu casamento, entéo isso mudara totalmente o modo como vivera sua adolescéncia. Tanto crentes quanto descrentes precisam conscienti- zar-se mais das conseqiiéncias sobrenaturais e eternas das suas acdes. A vida nao se encerra com a morte. Ou estamos “acumulan- do” bons tesouros no céu, ou estamos “acumulando” o terrivel te- souro da ira de Deus. que retribuiré a cada um segundo o seu procedimento. (2.6) Ninguém esta falando aqui de alguma salvacao por obras. O que Paulo esta dizendo é que seremos julgados, néo com base no que nés dizemos que acreditamos, mas a partir de nossas agdes humanas. Estamos lidando com um Deus que esta ai de fato. Nenhuma profissaozinha de fé, por mais bela que seja, contara diante dele, O que importa € 0 que realmente queremos dizer c que atitude de fato toma- mos. Estamos lidando com o Deus que realmente esta af e que respon- de aquilo em que acreditamos verdadeiramente. Dara a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram gloria, honra e incorruptibilidade; mas ira e indignagaéo aos facciosos que desobedecem a verdade, c obedecem a injustiga... (2.7-8) Eis ai a palavra “ira” outra vez. E a ira de Deus contra pessoas que invariavelmente tém uma consciéncia, que véem a criagéo, que sao seres racionais, que compreendem os principios morais, ¢ que, ainda assim, continuam incrédulas e desobedientes a verdade. Como cris- tdos, devemos estar profundamente preocupados com o fato de o mundo perdido estar sob a ira do Deus sagrado, Nao devemos ser capazes de pensar sobre isto sem ter algum tipo de rea¢ga&o emocio- nal. Precisamos sempre manter algo em mente: as pessoas estado perdidas. Quando encaramos 0 fato de que o mundo perdido esta sob a ira de Deus como um conceito meramente intelectual, man- tendo-nos emocionalmente distantes, j4 estaremos a meio caminho de uma ortodoxia morta. Estas pessoas sao meus companheiros de humanidade, e elas est&o sob a ira de Deus. A Pessoa Sem a Biblia; Culpada (118-216) SL Tente por um s6 momento imaginar-se no lugar de um incrédulo, ouvindo falar de tudo isto pela primeira vez. Imagine que o Espirito Santo 0 estivesse tocando profundamente e, de repente, vocé se desse conta de que esta sob a ira de Deus. Imagine como vocé estaria louco para ver se Deus tomaria alguma providéncia em relag&o ao seu caso. E a grande mensagem de Paulo € que Deus jd tomou uma providéncia quanto ao caso. Ele ja havia tocado nesse assunto anteriormente, em 1.16: a humanidade esta sob a ira de Deus, mas existe salvacdo desta ira. Ficaremos sabendo mais acerca desta salvacao a partir de 3.21 Todos nds precisamos perceber que estamos sob a ira de Deus. Todos nés precisamos ansiar por descobrir se ha alguma resposta para a nossa situag&o desesperadora. E naéo devemos esquecer ja- mais a maravilha que é aprender que existe uma resposta. Cerla vez alguém perguntou a um velho evangelista americano: “Por que vocé € tao euforico na sua pregacao?” E ele disse: "Bem, Deus 0 abencoe. Meu filho, cu nunca me esqueco da maravilha que isto tudo é”. Que Deus tenha misericérdia de nds e nos livre de acabar com uma fé fria, ortodoxa, esquecendo-nos da maravilha que isto tudo é. Nunca se esquega da maravilha de quando vocé pessoalmente ouviu falar de Cristo e creu nele Ao mesmo tempo, porém, nao se esquega de que a raga humana esta perdida. Mesmo quando estiver sentindo a maravilha que é a sua propria salvagdo, nunca se esqueca de que, a semelhanga de Paulo, vocé é um “devedor” em relagéo Aqueles que ainda estao per- didos (1.14). Que Deus continue tocando os nossos coragdes, 4 me- dida que Paulo prossegue descrevendo a situagéo desesperadora em que eles se encontram. Tribulacdo e€ anguistia virdo sobre a alma de qualquer homem que faz o mal, do judeu primeiro, e também do grego; gloria, porém, e honra € paz a todo aquele que pratica o bem; ao judeu primeiro, e também ao grego. Porque para com Deus nao ha acepgao de pessoas. (2.9-11) Deus nao faz distingéo entre judeus e gentios, entre barbaros € gregos. Todas as pessoas, sem distingao, teréo que se levantar € comparecer na presenga de Deus. Assim, pois, todos os que pecaram sem lei, também sem lei perecerao; e todos os que com lei pecaram, mediante lei serao julgados. (2.12) 52 ‘A Opra ConsuMADA DE CRISTO Todas as pessoas sao consideradas condenaveis diante de Deus, com base no que realmente sabem. A pessoa sem a Biblia esta con- denada com base no julgamento que faz dos outros. Como vimos em 2.1, 0 ser humano conheceu ¢ falou sobre os padrdes morais, mas entao falhou em viver, ele mesmo, de acordo com estes principios. A pessoa com a Biblia, por outro lado, é condenavel com base na Biblia que possui. Ela “sera julgada mediante a lei” € seus padrées morais. Porque os simples ouvidores da lei nao sao justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hao de ser justificados. (2.13) Que beneficio alguém poderia ter em possuir uma Biblia, se ndo acredita nela? Quando eu era pastor e visitava as pessoas em suas casas, costumava ler a Biblia antes de ir embora, € perguntava: “Vocés t@m uma Biblia?” Freqiientemente eles respondiam: “Sim, nos temos uma Biblia” e iam procurd-la. Vasculhavam todas as estantes, todos os cantos em busca dela. Se ela fosse uma cobra, certamente os teria mordido! Sim, cles possufam uma Biblia - para escrever os nomes de seus filhos e amassar flores. Mas para que se incomodar? Se eles mal lian a Biblia, poderiam muito bem escrever os nomes de seus filhos em outro livro qualquer! Nao ha nenhum poder magico na mera posse de uma Biblia, se vocé nao acredita nem a obedece. Quando, pois, os gentios que n&o tém lei, procedem por natureza de conformidade com a lei, nao tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus cora¢des, testemunhando-lhes também a consciéncia, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se; no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho, (2.14-16) Paulo esta passando para a proxima etapa da sua apresentacado do plano de salvagao divino. Ele ja falou sobre os nao-judeus, os gentios, o homem sem a Biblia. Agora ele esta preparando o terreno para falar sobre o homem judeu —- 0 homem com a Biblia. Lembre-se novamente do que ele disse acerca dos gentios: "A ira de Deus se revela” (1.18). E o ouvinte gentio se pergunta: “Por que eu estou sob a tra de Deus?” E Paulo responde "o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou” (1.19). Até mes- mo o homem sem a Biblia tem uma consciéncia. Esta é a primeira coisa que 0 condena. Esta pessoa é ainda um ser moral. A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18-2.16) 58 Agora Paulo passa a dizer a mesma coisa sobre os judeus, ou, em termos equivalentes a realidade de hoje, sobre as pessoas com a Biblia. Eles tém a Biblia (e, como os gentios, ou as pessoas sem a Biblia, nado deixam de ter uma consciéncia), mas nao vivem de acor- do com ela. Realmente, admite Paulo, podemos encontrar muitos gentios (pessoas sem a Biblia), que vivem bem melhor do que as pessoas com a Biblia. Ele nao esta dizendo que estes incrédulos pos- sam viver vidas perfeitas, Nenhum ser humano vive uma vida perfei- la, Tudo o que ele esta dizendo é que os exemplos relativamente bons destes incrédulos condenam aqueles que tem a Biblia. E claro que isto nao representa uma desculpa para o homem sem a Biblia..Ele nunca estara vivendo totalmente de acordo com os padrées que Ihe séo conhecidos. Mas esse € um motivo a mais para condenagao dos judeus, dos homens com a Biblia. Paulo esta simplesmente cortando pela raiz todo e qualquer fundamento que nao seja a graga, Vocé pode sentir isso. Ele esta descartando todos aqueles argumentos que as pessoas de todas as eras costumam usar para dizer "nao preciso de Salvador algum’, Vocé pode perce- ber todos estes argumentos sendo demolidos. Alguém poderia di- zer “olhe sO para aqueles incrédulos ali, vivendo vidas muito mais adequadas do que as pessoas com a Biblia”. Mas, como Paulo diz, a bondade dessas pessoas néo podera salva-las, pois elas nunca estarao vivendo inteiramente de acordo com os principios por elas mesmas estabelecidos. os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se. (2.15b) Esta é a experiéncia de todas as pessoas. Todos nés passamos por isso, indo e vindo como balango de um péndulo, Perdoamos os outros, dizendo: "Eu acabarei sendo poupado, sou melhor do que os outros”, € entdo, puff!, cometemos algo realmente ruim, submergimos no mar negro da auto-condenagao e passamos a nos “acusar” a nds mesmos. E em seguida, quem sabe, vamos tomar um pouco de ar fresco ou uma boa xicara de café ou olhamos para alguém que parece eslar em situagdo ainda pior do que a nossa, e o péndulo volta para o extremo oposto € voltamos a nos desculpar: "Nao sou tao mal quan- to imaginava, Até que estou me comportando muito bem”. E, no momento seguinte, sem qualquer aviso prévio, voltamos a cair no mar negro. Todas as pessoas vivem neste vai-e-vem pendular - des- 54 A OsraA ConsuMAaDA DE Cristo culpando-se... acusando-se,.. desculpando-se... acusando-se... En- caramos a nossa propria consciéncia, sentimo-nos acusados; € en- tao explicamos nossos motivos, € nos sentimos desculpados. No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com 0 meu evangelho. (2.16) E preciso que encaremos o fato de que chegara o dia, posto na histéria, em que se dara o julgamento, Ja vimos isto em 2.5 “Mas, segundo a tua dureza e coragdo impenitente acumulas contra ti mes- mo ira para o dia da ira e da revelaco do justo juizo de Deus”. Paulo jamais permite que sua mensagem permanega no plano da abstra- ¢ao; ele apresenta a aplicagao mais concreta e pratica possivel; e 0 fato concreto e inevitavel é que esta chegando o dia, bastante real, posto no espaco ¢ no tempo, posto na historia, em que Deus ha de julgar o mundo. Ele esta dizendo “no dia“ ~ 0 que nao significa ne- cessariamente um dia de vinte e quatro horas - "em que Deus... jul- gar os segredos dos homens” “Segredos” devia ser uma palavra assustadora para nds. Deus néo julgara apenas as coisas abertas, mas também os segredos. A pessoa sem a Biblia diz “aquela mulher é imoral ... aquele homem € imoral”, e depois acaba praticando as mesmas coisas, muitas vezes a surdina. E nao é precisamente assim que as pessoas pensam € vivem? Elas nao esto se esforgando de fato para serem morais, elas s6 esto ten- tando manter as coisas equilibradas, apontando o dedo para a pessoa que chega a um ponto extremo, mesmo que elas estejam praticando as mesmas coisas secretamente, Elas condenam as outras pelas coi- sas mais explicitas, as coisas que dio manchete. Mas, nas suas pro- prias vidas secretas, estéo.vivendo do mesmo jeito. Deus julgara n&o s6 o que se encontra publicado nas manchetes, mas todas as mais secretas coisas. Toda aquela boa gente. Todos aqueles que atiram pedras. Todos aqueles que escrevem os editoriais. Mais uma vez é preciso recordar © contexto disso tudo. As pesso- as dizem “Por que eu estou sob a ira de Deus? Sera que Deus € justo em condenar-me?" E Deus diz: “vocé nao consegue imaginar um bom motivo para estar sob a minha ira?’ “O homem’, (2.1), olhe bem para vocé. Sera que isso nao € justo (2.2-16)? O julgamento sera realizado por Deus, mas ele também serd reali- zado “por meio de Jesus Cristo” (2.16). Paulo néo mencionava Cristo desde 1,16, porque ele estava discutindo o problema do pecado, Mas A Pessoa Sem a Biblia: Culpada (1.18 ~2.16) 55 agora ele o menciona novamente, como sendo o juiz da humanidade Isso poderia ser uma surpresa, Vocé certamente ja encontrou pessoas, tanto judeus quanto gentios, que dizem “Eu acredito em Deus, s6 nao acredito em Jesus Cristo”. Mas a terrivel verdade.é que, quando ho- mens e mulheres nao salvos forem chamados para comparecer diante de Deus pata julgamento € 0 encararem, eles s6 vero uma dentre as pessoas da Trindade como juiz, e esta sera Jesus Cristo. Uma das ex- pressdes mais imponentes de toda a Biblia é a "ira do Cordeiro” (Ap 6.16). Em Romanos, Paulo fala da ira de Deus, mas em Apocalipse Joao se refere a ira do Cordeiro. A pessoa da Trindade que veio e muito sofreu para que as pessoas nao tivessem mais de ser julgadas, sera o seu juiz. A pessoa que tenta chegar-se a Deus sem passar por Jesus Cristo tera que estar face-a-face com Jesus no dia do julgamento. Cer- tamente Jesus foi “tentado em todas as coisas, a nossa seme!han mas sem pecado” (Hb 4.15); portanto, ele sabe muito bem o que € a tentagao e ele compreende nossa humanidade. Mas isso nao ameniza em nada a terrivel verdade de que ele nos julgara. Jesus, 0 Salvador do mundo, sera igualmente o seu juiz. "Ndo me envergonho do evangelho de Cristo”, diz Paulo. Mas agora ele acrescenta: Cristo é também o juiz. Nao apenas nao ha outra forma de se chegar a Deus, a nao ser por mcio de Jesus Cristo, como o préprio Cristo declara (Jo 14.6), mas também que todos os que tentam, de alguma forma, pular esta etapa, nao conseguirao, pois Jesus Cristo estara parado bem ali, na condigao de juiz. Jesus diz "Vinde a mim todos os que estais cansados € sobre- carregados, € eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Mas quando alguém diz: “Nao quero ter nada a ver com vocé: posso muito bem comparecer diante de Deus diretamente, com as minhas proprias pernas, sem me- diador, sem qualquer Messias sofredor", isso seria como se estivesse tentando ascender diretamente aos céus, passando por cima desse Jesus Cristo. Acontece que n&o conseguira fazer isso, porque la esta Jesus Cristo, o juiz. Ninguém que ja tenha passado por essa vida foi capaz de escapar do relacionamento com Jesus Cristo. De duas, uma: ou este relacionamento sera o da salvacdo, conforme descrito por Paulo em 1.16, ou entao sera 0 relacionamento que ele descreve em 2.16 - 0 relacionamento de uma pessoa condenada e o seu juiz. Oprofeta Miquéias disse “sofrerei a ira do Senor, porque pequei contra ele” (Mq 7.9), Jesus suportou a indignagao do nosso pecado na cruz. Mas, se falhamos em accitar isso, s6 nos resta o outro lado da equagaéo - teremos de suportar a indignagaéo da Senhor por nos mesmos. 56 __AOpra Consumapa pp Cristo Paulo tem falado de os gentios estarem sob a ira de Deus (1.18— 2.16), e nestes poucos ultimos versiculos ele comega a falar de os judeus estarem igualmente sob a ira de Deus (2.9-16). Enquanto ele se prepara para enfocar a ira de Deus contra os judeus {2.17— 3.8), devemos recordar a passagem de Sofonias “naquele dia nao te envergonharas de nenhuma das tuas obras, com gue te rebelaste contra mim; entao tirarei do meio de ti os que exultam na sua so- berba, e tu nunca mais te ensoberbeceras no meu santo monte” (3:11). Deus, por meio de Sofonias, disse a Israe! que chegaria um dia em que nao estariam mais orgulhosos simplesmente porque a sua montanha sagrada, Jerusalém, estava no seu meio. Todos os que se regozijam por razGes como esta serao julgados do mesmo jeito que todo mundo. Mas este aviso nado se aplica somente aos judeus ou as pessoas dos tempos biblicos. Pensando novamente no paralelo com os nossos tempos modernos ~ as pessoas com a Bi- blia e as pessoas sem a Biblia - as pessoas com a Biblia e a igreja nao devem jamais ser arrogantes a ponto de olhar com ar de supe- rioridade para aqueles que nao tém acesso a estas coisas, Até mes- mo as pessoas de hoje que se gabam por nao acreditar em absolu- tamente nada certamente olham para outras pessoas com ar de superioridade e as condenam. Mas Paulo esta nos mostrando que o pecado € universal. Todos nds nos apresentamos condenaveis di- ante de Deus. Nenhum de nos pode ser arrogante por causa de al- guma “montanha sagrada” que possamos reivindicar. Qualquer coisa que seja um motivo para nos tornar mais soberbos nao pas- sara de mais uma razao para julgamento ainda maior. 3 A PEssoA CoM A BiBLIA: CULPADA (2.17—3.8) 54 4 nquanto Paulo comega 0 versiculo 2.17 falando diretamente aos judeus, lembre-se de que, hoje em dia, eles representam um povo com a Biblia. Serd que, no nosso caso, que temos a Biblia em nossas estantes, nds que contamos com a igreja no nosso meio, nos que temos uma cultura gerada pela Reforma, temos 0 bas- tante para a salvacao? Se, porém, tu que tens por sobrenome judeu, repousas na lei e te glorias em Deus, (2.17) “Repousas na Jei” deve nos |lembrar do que acabamos de ler em Sofonias 3.11, Paulo esla falando ao'povo que se tornou soberbo em razao de o “santo monte” (Sf 3.11) encontrar-se bem no meio deles. E eles “repousam" neste fato. .. que conheces a sua vontade... (2,184) Mas 0 que os judeus tém? Eles t@m a Biblia, Como diré Paulo mais tarde, "Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da cir- cuncisao? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos ju- deus foram confiados os oraculos de Deus" (3.1-2). A principal vanta- gem que os judeus tiveram em relacgao a todas as demais pessoas era que eles tinham a Biblia. Eles conheciam a vontade de Deus (2.18). Eles confiavam nisto (2.17). Contudo, havia ai um problema muito sé- rio: ter esta béngao tao especial os tornou soberbos, E ai é precisamen- te que muitas pessoas se encontram hoje. Repare em todas aquelas 58 A Opra ConsUMADA DE CRISTO_ catedrais da Europa. As pessoas ouvem os sinos da catedral. Nao basta? Elas tém suas criangas batizadas, crismadas, confirmadas. Elas realizam seus casamentos na igreja, Nao basta? E a mesma mentalidade € encontrada nos Estados Unidos. Temos uma das maiores porcentagens de pessoas freqiientadoras de igrejas de todos os tempos — maior até do que nos tempos em que as pessoas realmente acreditayam em alguma coisa! Ainda assim, Deus esta di- zendo aos judeus 14 do primeiro século, mas igualmente a muitas pes- soas do nosso proprio tempo, que toda essa heranga judaica (ou crista) nao representa mais do que um grao de areia. Tudo isso s6 condena vocé ainda mais! Se, porém, tu que tens por sobrenome judeu, repousas na lei ¢ te glorias em Deus; que conheces a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruido na lei; que estas persuadido de que és guia dos cegos, luz dos que se encontram em trevas, instrutor de ignorantes, mestre de criancas, tendo na lei a forma da sabedoria e da verdade; tu, pois, que ensinas a outrem, nao te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que nao se deve furtar, furtas? Dizes que nao se deve cometer adultério, e 0 comeles? Abominas os idolos, ¢ Ihes roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressao da lei? Pois, como esta escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa. (2.17-24) Que terrivel! La esto os judeus, que haviam sido destinados a revelar a imagem do Deus vivo a um mundo perdido (2,19-20), e nao obstante eles so conseguiam ver a sua miss4o como um motivo para soberba (2.17, 23). Vemos 0 mesmo problema entre os cristaos de hoje. O que vocé acha que € para um missiondrio a coisa mais dificil de encarar no inicio de um ministério novo? Nao conhego um tnico missionario que discordasse que o maior problema que tem de en- frentar é 0 dos que estiveram Ia antes deles e que passaram Ser asso- ciados a palavra crist@o nas mentes das pessoas do local. Quando Livingston tentou pregar 0 evangelho na Africa, teve de encarar o fato de que as pessoas relacionavam o Cristianismo aos portugue- ses, que foram traficantes de escravos naquela parte do mundo. Até recentemente, 0 maior problema que os missionérios enfrentavam nas regides muculmanas era que os mucguimanos, que nao devem beber vinho, associavam os cristéos aos mercadores que lucravam com a venda daquela mercadoria que eles mesmos nao podiam A Pessoa Com a Biblia: Culpada (2.17 ~ 3.8) 59 comercializar. Quando pessoas com a Biblia - sejam elas judias ou cristas - tém este tipo de comportamento, ao invés de irradiarem luz estéo disseminando a escuridao. Normalmente associamos a palavra missiondrio ao Cristianismo, mas os judeus dos tempos do Antigo Testamento eram todos, em certo sentido, chamados para ser missionarios. O livro de Jonas € 0 melhor exemplo disso, Quando pensamos em Jonas, é claro que pen- samos no grande peixe, mas a historia de Jonas é importante, princi- palmente, como exemplo do fracasso de Israel em proclamar a sua mensagem missionaria. Jonas foi chamado a pregar em Ninive, mas ao invés de aceitar este chamado missionario, ele pegou um barco que estava zarpando na diregao oposta a Ninive. Ezequiel também fala do fracasso de Israel em sua missdo: “As- sim diz 0 Sentor Deus: Esta é Jerusalém; pu-la no meio das nagdes e terras que estao ao redor dela. Ela, porém, se rebelou contra os meus juizos, praticando o mal mais do que as nag6es, e transgredindo os meus estatutos mais do que as terras que estao ao redor dela” (Ez 5.5-6a). Deus pds Jerusalém no meio das outras nagdes com cer- to propésito. O propésito de Israel era falar da existéncia de Deus € de seu carater e chamar as outras nagdes para Deus. Jonas € um bom exemplo do fracasso de Israel em fazer isso, mas ele nao é, sob hipdtese alguma, o Unico. Os judeus deviam ser um testemunho de Deus, mas, ao invés disso, diz Ezequiel, eles representaram exata- mente o contrario, Desde os tempos do cativeiro na Babilénia, os judeus foram espalhados pelo mundo conhecido. Se eles apenas ti- vessem ficado firmes em Deus! Mas, como Jonas ilustra, e Ezequiel disse, e Paulo esta dizendo em 2.17-24, eles fizeram exatamente 0 oposto. Quando Salomao dedicou o Templo, ele declarou que o mes- mo se tornaria a “Casa de Oragéo de todos os povos" (veja 2Cr 6.32; Is 86.7; Mt 21.13). Mas acabou ocorrendo precisamente 0 contrario O templo devia ser um testemunho ao mundo de que Deus existe, de que ele realmente esta af, A realidade de Deus deveria ser vista por meio da retidao de vida das pessoas que ministravam na sua casa. Também deveria se tornar manifesta pela forma como Deus protegia o seu povo na batalha. Sendo este um mundo caido, a nagao escolhida por Deus necessitaria de tempos em tempos da sua protegao na ba- talha, e sua intengao era oferecer a eles esta protegdo, como teste- munho para as nagdes. Mas, devido ao seu pecado, Deus parou de 60 : AA Opra Consumapa bE Cristo protegé-los e todas as nagSes podiam agora dizer “o Deus deles é igualzinho a todos os outros”. A imoralidade de Israel levou todas as outras nagées a blasfemar (2.24) contra Deus. Israel deveria ser uma demonstracgéo viva do fato de que Deus esta ai. Ao invés disso, em raz&o de seu pecado e conseqiiente série de derrotas na batalha, as outras nagdes diziam que “o Deus de Isracl nao esta al”. Para aplicar um termo neotestamentario a situagéio de Jonas, por causa de ele tomar a direcéo oposta, o evangelho nao foi pregado a Ninive (até que Jonas se arrependesse). Devido ao pecado tao freqtien- te de Israel, o bom carater de Deus nao era mostrado ao mundo, Como Isalas expressou, ao invés de trazer a tona algo equiparavel a um nas- cimento espiritual, Israel so conseguiu constatar que “o que demos a luz foi vento” (Is 26.18). Infelizmente, 0 mesmo pode muitas vezes ser aplicado aos cristéos de hoje. Mais do que freqtientemente as pessoas de outras religides que vieram a ter contato com cristaos afastaram-se com repulsa. Pratica- mente todos os lideres de seitas do mundo de hoje foram formados nas nossas universidades e delas sairam intocados ¢ sentindo repulsa. Ao mesmo tempo, Deus muitas vezes também retirou a sua mao proteto- ra, permitindo que os povos pautados pelo Cristianismo caissem sob a influéncia de ideologias tais como o comunismo ateista ou religides pags do oriente. Nossa situacao é perfeitamente paralela aquela dos judeus nos tempos biblicos. Tanto os judeus daquela época quanto os cristaos de hoje falharam em manifestar para todo 0 mundo o fato de que Deus realmente existe. Por isso, como Ezequiel prossegue dizendo, “assim seras objeto de oprébrio e ludibrio, de escarmento e espanto as nagdes que estao ao redor de ti, quando eu executar em ti juizos com ira e indignagao, em furiosos castigos. Eu, o Senuor, falei* (Ez 5.15). Que triste situacdo. La estado as nacées; elas deveriam estar olhan- do para Israel e vendo que Deus existe. Mas ao invés disso, Deus teve de juigar Israel. De fato ele usou estas mesmas nacées inimigas para julgar Israel. Ao invés de olhar para Israel e reconhecer a Deus, eles destrufram Israel, ao mesmo tempo em que blasfemavam contra o seu Deus. E € isso precisamente que Paulo esta dizendo em Romanos 2 "Em cada area da vida em que vocé deveria ter sido um testemunho; ao invés disso, vocé se mostrou pecaminoso e orgulhoso, e por isso Deus teve que avisd-lo. E isso, por sua vez, levou as outras nacdes a blasfemar contra 0 seu Deus". 61 A Pessoa Com a Bibli © que nés, que somos parte da cristandade do século 20, pode- mos fazer, além de nos vestirmos de pano de saco e nos cobrir de cinzas e dizer "amém. A que ponto foi que chegamos. Somos motivo de blasfémia. Deus ja nao nos pode proteger’? Até os nossos dias, todas as maiores nagées “cristas” da histéria ficaram sabendo da verdade, mas acabaram deliberadamente por dar-lhe as costas. Tudo © que podia ser dito contra os judeus dos tempos de Paulo pode ser dito agora contra nds. Ao invés de sermos missionarios, temos dado motivos de blasfémia aos incrédulos. Nés nao apenas deixamos de pregar a mensagem positiva da salvacéo, mas estamos pregando, ao invés disso, uma mensagem contraria, e temos dado motivos aos incrédulos para se desviarem de um Deus que nés j4 n&éo honramos. Alguns capitulos adiante, Ezequiel diz o seguinte aos habitantes de Juda, o reino do extremo sul: "Também Samaria nao cometeu metade de teus pecados; pois tu multiplicaste as tuas abominagées mais do que elas, € assim justificaste a tuas irmas, com todas as abominagoes que fizeste. Tu, pois, leva a tua ignominia, tu que advo- gaste a causa de tuas irmas, pelos teus pecados, que cometeste mais abominaveis do que elas; mais justas sao elas do que tu; envergo- nha-te logo também, e¢ leva a tua ignominia, pois justificaste a tuas irmas" (Ez 16.51-52). Entao, no versiculo 56: “"Naéo usaste como pro- vérbio 0 nome Sodoma, nos dias de tua soberba”. E, mais adiante, no versiculo 61: "Entdo, te lembrards dos teus caminhos e te enver- gonhards quando receberes as tuas irmas, assim as mais velhas como as mais novas, e tas darei por filhas”, Em outras palavras, Ezequiel esta dizendo que os judeus dos seus dias eram piores até mesmo do que os notérios sodomitas. Jesus mesmo disse algo semelhante dos judeus do seu préprio tempo, que "se em Sodoma se tivessem opera- do os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje” (Mt 11.23). E neste ponto em que estamos em nossa propria cullura crista hoje. Eu nao aprecio 0 comunismo, mas eu acredito que a China co- munista nao é tao ma aos olhos de Deus quanto a nossa propria cultura. Nos, que vivemos no norte da Europa e na América do Norte, desde a Reforma temos sido em muito abencgoados pelas luzes da verdade. Entretanto, nds nos desviamos deliberadamente dela. Quando eu ouco Paulo perguntar aos judeus da sua época: "vocés esto achan- do que serao salvos, sé porque sao judeus, enquanto que, na verda- de, vocés tém sido um motivo de blasfémia para as nagdes?” Tenho ean A Onra Consumapa pp Cristo certeza de que Deus est fazendo a mesma pergunta aos que se cha- mam cristaos no norte da Europa e na América do Norte hoje em dia. Estamos sendo um motivo de blasfémia. Isso nao é nenhuma des- culpa para o outro lado, o das pessoas sem a Biblia; como vimos anteriormente (1.18—2.16), elas seraéo condenadas do mesmo jeito. Mas nao temos desculpa alguma. Nao podemos dizer “nds é que estamos certos. Certamente Deus vai nos proteger". Por que ele de- veria? Somos uma blasfémia contra ele! Paulo declarou que tanto os gentios quanto os judeus de seus dias estavam sob a ira de Deus. Em 3.9-20 ele diré a mesma coisa, em maiores detalhes, chegando ao ponto mais alto com esta con- clusao tao citada: “pois todos pecaram e carecem da gléria de Deus” (3.23), que é uma outra forma de dizer que "todos estéo sob a ira de Deus”. Ou como em Isafas: “Todos nés andavamos desgarrados como ovelhas” (Is 53.6). Quem precisa de Salvador? O gentio pecou; o ju- deu pecou. O homem sem a Biblia pecou; 0 homem com a Biblia pecou. Quem precisa do Salvador? A resposta nos parece agora bas- tante simples, nao €? Todo mundo, homens e mulheres, precisam do Salvador! E, se quisermos viver no mundo como ele é, e nao em al- gum mundo de faz de conta, teremos de viver sob estas condigoes. Quando as pessoas nos perguntam: “Quem precisa de Salvador?", devemos responder muito calmamente, muito sobriamente, e com real compaixao que “todos pecaram e carecem da gloria de Deus", Quando consideramos que Paulo estava falando de todos os ju- deus e de todos os gentios como sendo pessoas igualmente pecado- ras aos olhos de Deus, é importante que nés, os cristéos de hoje, nao olhemos para tras, para os Ieitores do primeiro século, como se nos encontrassemos acima deles. Como Paulo nos lembra em Efésios 2.3, nos “éramos por natureza filhos da ira”, nado passavamos do pior e mais desnorteado tipo de pecador. Todos nés temos estado sob a ira de Deus, Se tivermos aceitado Cristo como nosso Salvador, a ira de Deus ja nao estara mais sobre nés. Mas isso nao se deve a alguma coisa de nds mesmos, alguma coisa que esteja embutida em nossa heranga genética, ou em nossa cultura cristaé, Se nado estamos sob a ira de Deus neste preciso momento, isso se deve tao somente ao fato de que, devido a sua graga, Cristo morreu por nds e, igualmente pela sua graga, nés 0 aceitamos como Salvador. Nao podemos supor termos sido resgatados gracas 4 bondade inerente de qualquer um que ainda se encontra sob a ira de Deus. Sempre que A Pessoa Com a Biblia: Culpada (2.17 -3.8) 63 analisamos a ira de Deus contra 0 mundo pecaminoso, a postura certa é a que diz: "Eu ja estive nesta posigéo eu mesmo, e la eu me- receria estar, se nao fosse a obra consumada de Jesus Cristo”. £ so- mente no espirito desta humilde constatagdéo que ousamos prosse- guir com nosso estudo de Romanos. Ha alguns versiculos Paulo perguntava aos seus leitores judeus: “Abominas os idolos, ¢ Ihes roubas os templos?” (2.22). A melhor tradugdo do grego seria “Vocés, que abominam a idolatria, séo vocés culpados das maiores insoléncias?” A semelhanga disso, Joao viria a se referir alguns anos mais tarde aos que “a si mesmos se declaram judeus, e ndo sao, sendo antes sinagoga de Satands" (Ap 2.9). Aqui esto os judeus, o povo que recebeu a Biblia, considerando-se algo especial, Entretanto, Paulo diz que eles sao culpados das maiores in- soléncias e Joao se refere a eles como sendo a “sinagoga de Satanas” E preciso admitir aqui novamente que essa é a forma precisa como Deus vé boa parte dos cristéos de hoje. Reivindicando estar protegidos debaixo das asas do Cristianismo, reivindicando estar sob alguma espécie de bénc&o especial, s6 porque os sinos dobram nas catedrais, sO porque uma grande parte das pessoas nos Estados Unidos frequen- ta algum tipo de igreja, o que na verdade estamos fazendo é dar moti- vos para blasfémias contra Deus, uma vez que nos desviamos dos ensinamentos da sua Palavra. Esta € uma grande verdade e temos que encara-la: se temos a Biblia, se podemos usufruir todas as béngaos que ela nos traz, e ainda assim envergonhamos o nome de Deus com as nossas vidas, somos culpados da maior de todas as insoléncias. Entéo, olhe novamente para os versiculos 23 e 24; "Tu, que te glorias na Jei, desonras a Deus pela transgressdo da lei? Pois, como esta escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vos- sa causa”. Se alguém com a Biblia a trata como se ela nao passasse de uma coisa externa apenas, isso é causa para o homem sem a Biblia desonrar o Deus da Biblia. Entao, é justo e certo que o homem com a Biblia esteja sob a ira de Deus. Porque a circunciséo tem valor se praticares a lei; se és, porém, transgressor da lei, a tua circunciséio ja se tornou incircuncisao. (2.25) Os ritos religiosos externos nao bastam por é fora de si mesmos. Para o judeu, o rito crucial externo era a circunciséo; para o homem com a Biblia em nossa propria geragao, 0 batismo, confirma¢ao ou filiag&o a uma igreja. Mas estas coisas, diz Paulo, néo ajudam. Na 64 verdade, elas so prejudiciais; nado sao mais do que a “incircuncisao”, a menos que haja uma certa realidade por tras delas. Se, pois, a incircunciséo observa os preceitos da lei, nao sera ela, porventura, considerada como circuncisao? E se aquele que é incircunciso por natureza, cumpre a lei, certamente ele te julgara ati, que, nao obstante a letra e a circuncisdo, és transgressor da lei, (2.26-27) Esta ultima frase poderia ser mais bem traduzida como “todo aquele que, sendo versado nas letras e circuncidado, continua transgredindo a lei". Como notamos anteriormente, Paulo nao esta dizendo, nem por um minuto, que as pessoas sem a Biblia estao justificadas. Mas, ao invés disso, devido ao fato de estes gentios néo estarem mantendo os seus proprios principios, eles sao igualmente condenaveis aos olhos de Deus (2.1). Paulo esta simplesmente dizendo, aos judeus do seu tempo eé para os cristéos professos de hoje: “vocés deveriam ter vergo- nha! Ha pessoas sem a Biblia, pessoas sem tantas vantagens quanto vocés, que vivem de forma bem mais louvavel do que vocés vivem” Isso ndo é desculpa alguma para o homem sem a Biblia, mas como condena o homem com a Biblia! Imagine um judeu dizendo a sj mesmo: “Sou um judeu. Sou circuncidado. Tenho todos estes atri- butos”. Deus Ihe diria: “f verdade, mas, veja, com todas as vanta- gens que vocé tém, volta ¢ meia podemos constatar que pessoas sem a Biblia, pessoas ao seu redor que nao acreditam, mas que vi- vem de forma mais louvavel do que vocé. E por isso vocé da motivos para que o Deus vivo seja blasfemado. Isto o torna duplamente cul- pavel. Isso nao é desculpa para os outros, mas sem dtivida é conde- nagao para vocé!” Porque nao é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisdo a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o € interiormente, e circuncisdo a que € do coragao, no espirito, nao segundo a letra, e cujo louvor nao procede dos homens, mas de Deus. (2.28-29) Ritos externos, néo importa se do Judaismo ou do Cristianismo, per- derao todo o sentido se nao houver uma circuncisdo do coracgao, a menos que Deus tiver tocado o coragao da pessoa e a sua fé seja real. Viver debaixo das asas do Cristianismo, ndo importa se catélico-roma- no ou protestante, ent&éo viver uma vida que é um escdndalo aos olhos dos incrédulos; professar uma f€ que nao tem significado ne- A Pessoa Com a Biblia: Culpada (2.17-3.8) 65 nhum para o nosso eu interior, certamente nos langa sob a ira de Deus. Se o Cristianismo nao significa nada mais para nés do que uma béngao que nao revertemos a nosso favor, entéo Deus esta ple- namente justificado em dizer-nos 0 mesmo que disse ao mundo gen- tio em 2.1: "és indesculpavel quando julgas, 6 homem’. Na passagem para 0 capitulo trés, Paulo insiste em frisar quanto os seus leitores judeus necessitam do Salvador, pelo simples fato de estarem sob a ira de Deus, por mais espiritualmente vantajosa pu- desse ser a sua situagao. A béngao espiritual, diz Paulo, ndo é um resultado automatico da nossa raga ou da nossa capacidade de ade- sdo externa a uma tradi¢do religiosa. Toda e qualquer experiéncia de béngéo espiritual que possamos ter deve ser fruto de uma realidade muito mais profunda. Paulo esta fazendo toda a humanidade passar como que num desfile diante de nés - primeiro os gentios, depois os judeus - certo de que, da mesma forma que olhamos para eles, tere- mos igualmente que olhar para nds mesmos, ¢€ teremos que nos dar conta de que nada do que existe dentro de nés pode nos salvar da justa ira de Deus. Qual é, pois, a vantagem do judeu? ou qual a utilidade da circuncisao? (3.1) Evidentemente, Paulo ja sabia que os seus leitores judeus lhe fariam esta pergunta, nada menos do que um judeu hoje lendo essas mesmas palavras perguntaria. Se os judeus, da mesma forma que os gentios, estado sob a ira de Deus, entéo que vantagem pode haver em fazer par- te daquele povo “eleito” por Deus? Paulo responde a sua prdpria per- gunta de forma bastante contundente. Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os ordculos de Deus. (3.2) “Oraculos de Deus” refere-se evidentemente, ao que conhecemos hoje por Antigo Testamento. A principal vantagem dos judeus em relacdo aos gentios era que eles tinham a Palavra de Deus. Eles devi- am saber! Paulo tratara da questao dos judeus em maiores detalhes nos capitulos 9—11 de Romanos. Em 10.19 ele perguntara: “Porventura nao tera chegado isso ao conhecimento de Israel?” E em todo o déci- mo capitulo ele indicara mais precisamente de que forma Israel che- gou ao conhecimento de Deus: eles conheceram a Deus, porque pes- soas divinamente inspiradas, como Moisés (10.5, 19) e Isaias (10.16, 66 A Opra Consumapa DE Cristo 20) Ihes falaram sobre ele. Em outras palavras, eles sabiam porque tinham os oraculos de Deus, 0 Antigo Testamento. Assim, a questao nao € se Israel conhecia a Deus ou nao. Israel conhecia. Eles sabiam coisas acerca de Deus que as pessoas sem a Biblia nao sabiam. Mas este conhecimento de Deus resolveu seu pro- blema espiritual? Isso significou que eles nao necessitavam um Sal- vador? "De jeito nenhum’ diz Deus, “porque, apesar de terem chega- do a conhecer, nao creram”. E porque nao creram, todo aquele seu conhecimento de Deus néo |hes serviu de nada; bem pelo contrario, isso os condenou ainda mais. Paulo examinou a quest&o de como fica a nagao judaica diante de Deus, a partir de trés perspectivas diferentes: as vidas que eles levam s&o menos louvaveis do que a vida das pessoas ao seu redor, que nao tém a Biblia, por isso eles séo condenaveis (2.17-24); eles preservam os ritos externos, como Deus prescreveu, mas nao o fazem de coragao, portanto, sao condenaveis (2.25-29); eles tinham conhecimento de Deus € suas coisas, eles dispunham do Antigo Testamento, mas nao creram nele, daj que sejam condenaveis (3. 1-2). E daj? Se alguns nao creram, a incredulidade deles vir desfazer a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma! Seja Deus verdadero, e mentiroso todo homem, segundo esla escrito: Para seres justificado nas tuas palavras, e venhas a vencer quando fores julgado, (3.3-4) Sera que a descrenga das pessoas eleitas por Deus, a despeito de todas as vantagens, sugere que Deus agiu de ma fé, ou que ele tenha quebrado as suas promessas de alianga com Israel? “De maneira ne- nhuma!” diz Paulo. "De modo algum”. Deus manteve cada um das suas promessas de aliancga, sem excegao. A falta recai inteiramente sobre aqueles que deixaram de crer naquelas promessas. Mas, se a nossa injustica traz a lume a justica de Deus, que diremos? Porventura sera Deus injusto por aplicar a sua ira? (Falo como homem.) Certo que nao. Do contrario, como julgaré Deus © mundo? E, se por causa da minha mentira, fica em relevo a verdade de Deus para a sua gloria, por que sou eu ainda condenado como pecador? E por que nao dizemos, como alguns caluniosamente afirmam que o fazemos: Pratiquemos males para que venham bens? A condenacgaio destes é justa. (3.5-8) A Pessoa Com a Biblia’ Culpada (2.17-3.8) 67 Paulo antecipa a questao que alguns dos seus leitores poderiam le- vantar aqui: “Se, por contraste, o nosso pecado torna a retidao de Deus ainda mais evidente, sera que € realmente justo que ele ainda nos jul- gue?” Ao que Paulo responde, em suma: “Sim, mas isso néo muda as coisas. O problema continua sendo a sua propria incredulidade. Deus continuara sendo justo ao condenar vocé, pois vocé recebeu toda esta luz da revelagao do Antigo Testamento. Vocé tinha conhecimento de Deus! Vocé sabia das coisas! Esta foi a sua vantagem. Mas, apesar de tudo isso, vocé nao creu”. E entdo, precisamos novamente perguntar: se for isto mesmo o que Deus esta dizendo sobre os judeus da época de Paulo, acerca do fato de eles terem as Escrituras do Antigo Testamento, e ainda assim continuarem sendo condenaveis aos olhos dele - e, na verdade, estando especialmente sob sua ira devido a todas as vanta- gens que eles tinham — se isso era verdade no mundo judaico dos dias de Paulo, 0 que Deus diria dos cristéos de hoje? Pense em todas as vantagens que temos no norte da Europa e América do Norte, Toda uma cultura solidamente arraigada na Re- forma. A possibilidade de comprar uma Biblia em qualquer loja da esquina. Uma literatura cheia de referéncias a Biblia. Se os judeus foram condenados por no terem crido, apesar de todas suas vanta- gens, 0 que Deus nao teria a dizer sobre as nagoes “cristas” de hoje? Se os judeus tiveram alguma vantagem, quanto maior é a nossa! Se Deus condenou os judeus por sua falta de resposta adequada, que tenha misericérdia de nds! NOs que temos a Biblia hoje somos ainda mais condenaveis do que as pessoas de hoje que nao tém a Biblia - que se limitam ao testemunho da sua consciéncia. Mas nds também somos mais con- denaveis do que aqueles que tinham a Biblia nos dias de Paulo, Ter todas estas vantagens e nao crer, ter estas vantagens e se desviar de Deus, ter estas vantagens e ainda assim dar motivo para que o nome do Deus vivo seja blasfemado. Que desculpa podemos ter? De que jeito imaginamos escapar disso? Se os jovens de qualquer lugar do mundo visitam um pais como os Estados Unidos para estudar nas nossas universidades, e s6 0 que aprendem é como serem mais pre- tensiosos e mais ateistas, deveriamos ficar surpresos quando Deus olha para nds e diz “Vocés estéo debaixo da minha ira"? Se ha algum povo por toda a hist6ria que desesperadamente ne- cessitou do Salvador, este povo somos nos mesmos, a nossa cris- tandade ocidental dos dias de hoje. 4 O Munpo Topo: CULPADO (3.9-20) x aulo falou dos gentios como pessoas condenaveis aos olhos de Deus (1.18—2.16); ele falou dos judeus gentios como pes- soas condenaveis aos olhos de Deus (2.17—3.8). Agora ele re- tine ambos para mostrar que todas as pessoas de todos os lugares en- contram-se na mesma condicao diante de Deus: Que se conclui? Temos nds qualquer vantagem? nao, de forma nenhuma; pois ja temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estéo debaixo do pecado. (3.9) Paulo equiparar judeus e gentios dos seus tempos pode ser equiva- lente a equiparar cristéos professos e ateus hoje em dia. E quando eu comento esta passagem com as pessoas, elas muitas vezes pergun- tam: “O que vocé quer dizer com isso? Vocé esta dizendo que um mem- bro de uma igreja crista € tao culpado aos olhos de Deus quanto aquele horrivel comunista ou ateu ali?” E Deus esta dizendo através de Paulo “Sim, ele é1" Podemos ficar tao irritados, e com justa indignacdo, com as pessoas que abertamente negam a existéncia de Deus. Nao é dificil para nos concordarmos que eles precisam desesperadamente de salvacao e nos consideramos extremamente virtuosos por reconhecer o pecado deles. Mas quando Paulo se vira para nds e diz que, aos olhos de Deus, nos também precisamos de salvacdo, ent&o a nossa reagéo emocional é totalmente diferente. Certamente seria forte a reacdo dos judeus que 70 leram Paulo contra a afirmagao de que os judeus nao sao em nada melhores do que os gentios aos olhos de Deus. Paulo, prevendo essa reacao forte, p6e um ponto final no assunto, citando um trecho da sua propria Biblia, o Antigo Testamento Como esta escrito: Nao ha justo, nem um sequer, nado hé quem entenda, nao ha quem busque a Deus; todos se extraviaram, a uma se fizeram intiteis; néo ha quem faga o bem, nao ha nem um sequer. (3.10-12) Nao é Paulo que diz serem todos os seres humanos pecadores. Ci- tando os Salmos 14.1-3 € 53.1-3, ele mostra que o Antigo Testamento, a Biblia dos seus leitores judeus, diz a mesma coisa. E como vimos anteriormente, Isafas também 0 diz: “Todos nds andavamos desgarra- dos como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o Sennor fez cair sobre ele a iniqitidade de nds todos” (Is 53.6). A pessoa sem a Biblia nado seguiu totalmente seus préprios principios e merece, assim, aira de Deus, Mas aqueles de nds, que tém a Biblia, a qual estabelece padrdes morais ainda mais altos, também nao foram capazes de seguir esses principios. Nao é uma abstragao teolgica vinda de algum estado de espirito metafisico. A corrupgaéo moral é conseqliéncia de desejos imorais individuais. Paulo descreve uma tragédia concreta a respeito de desejos pecaminosos, e nao um estado ou conceito humano. Esta concepcao da universalidade do pecado é o maior e mais ge- nuino “nivelador” da humanidade. Jesus a enfatizou mais de uma vez. Toda vez que as pessoas apontavam para alguém, dizendo "olhe s6 aquele pecador”, Jesus sempre deixava claro que todas as pessoas S40 igualmente pecadoras. Diante de Deus, todas estéo no mesmo nivel. Essas palavras de Paulo sdéo bastante concretas, e também sao bem pessoais. Nos ja vimos este seu estilo muito pessoal antes, quando cle dizia “Por isso és indesculpavel, 6 homem" (2.1). E as suas colocagdes em 3.10-12 n@o sao menos pessoais. Pois, se “n&o ha justo”, entéo eu ndo sou justo; se "nao ha quem entenda.., ninguém que busque a Deus” da forma pela qual se deve buscar a Deus, entéo eu ndo entendo e ndo busco a Deus, da forma como deveria. Se “todos se extraviaram”, entao isto inclui a mim - eu me desviei do caminho, Se nao ha absolutamente quem faga o bem, “nem um sequer”, ent&o eu também nao fago bem algum. Se todos os humanos sao sem excegao moralmente corruptos, entdo eu também sou moralmente corrupto, nao interessa quanto eu me considere bom. O Mundo Todo: Culpado (3.9-20) 7 Mesmo aqueles de nés que aceitamos Cristo como Salvador nado deveriamos jamais pensar no pecado como uma abstrac¢ao. Todas as pessoas séo moralmente corruptas. Nenhum de nds esté em condigées de imaginar o pecado do ponto de vista dos outros. Como vimos em Efésios, todos nés ja fomos “por natureza filhos da ira” (Ef 2.3) algum dia, E neste lugar que cada um de nds tem vivido. Este € 0 abismo que estivemos cavando. isso que nos somos. Os cristéos muitas vezes comentam 0 quanto ficaram “chocados” por terem observado este ou aquele comportamento. Nés nunca deve- riamos hesitar em denunciar algo quando esta errado. Mas como po- demos ficar “chocados” ou surpresos com os pecados dos outros, se nés mesmos somos igualmente corruptos aos olhos de Deus? Se real- mente entendemos o quanto todos nés somos pecaminosos aos olhos de Deus, ent&o estaremos em condigdes de compreender que estamos no mesmo nivel que o resto das pessoas. Do ponto de vista da nossa natureza pecaminosa, estamos todos reduzidos as mesmas propor¢ées. Paulo fez desta questéo da pecaminosidade humana algo pessoal, in- cluindo-se na discussao. Ele nao estava dizendo “Serao os judeus melho- res que os gentios?” Ele estava dizendo “Sera que somos melhores do que eles?” (3.9). Ele se identifica a si mesmo com os seus companheiros judeus, "Seria eu, seriamos nés melhores do que eles?" pergunta ele. E a resposta é: “N&o. Nos, inclusive eu, nao somos melhores do que eles’. A cilagdo que Paulo faz do Antigo Testamento certamente teria ar~ rasado os seus leitores judeus ~ e, por extensao, também os leitores cristéos de hoje. Como alguém pode sentir que esté em numa posi¢ao confortavel diante do Deus santo, s6 pelo fato de ter uma Biblia, se a Biblia mesmo diz que ninguém é justo? Todo aquele que tentar se autojustificar acabara levando sé pedradas depois do versiculo 12. Nin- guém esta a salvo sO porque se escondeu debaixo das asas protetoras do Judaismo - ninguém esta a salvo s6 por estar debaixo das mesmas asas do Cristianismo. Ninguém é justo, “nem um sequer”. Sera que isto significa que estamos todos além da esperanc¢a? Se todos somos assim tao moralmente corruptos aos olhos de Deus, sera que resta alguma esperanga para nos? Lembre-se de que neste ponto, em sua carta aos Romanos, Paulo ainda est pregando “a primeira metade do evange- tho”; ele continua tentando mostrar que todas as pessoas necessitam de salvagéo, Nao se esqueca do pressuposto disso tudo: “nao me envergo- nho do evangelho, porque ¢ 0 poder de Deus para a salvagao” (1.16). 72 A Obra CONSUMADA DE CRISTO “Mas por que eu preciso de salvagao?” “Porque vacé esta sob a ira de Deus.” “E por que eu estou sob ira de Deus?” Paulo esta respondendo a esta questo na primeira metade do seu comentario ao evangelho (1.18—3,20), e ele prossegue em 3.13, tragando um quadro assustador da raga humana A garganta deles é sepulcro aberto; com a lingua urdem engano, veneno de vibora esta nos seus labios, a boca eles a tém cheia de maldigéio e de amargura; so os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos ha destruigao e miséria; desconheceram o caminho da paz. Nao ha temor de Deus diante de seus olhos. (3.1318) Que terrivel quadro Paulo esta apresentando da raga humana dos seus proprios dias. E poderiamos supor que a humanidade de hoje es- teja de alguma maneira melhor? Seré que a humanidade “progrediu” em termos de moralidade — como tantos querem nos fazer acreditar? A Palavra de Deus certamente diria “N&o, nem um sequer!” Podemos até estar progredindo em certo sentido, mas néo quanto a nossa postura moral diante de Deus. Nao devemos ousar tratar 0 assustador quadro de Paulo como se fosse uma abstragao qualquer. E assim que nds, hu- manos, somos, € é assim que um Deus santo nos vé. Ora, sabemos que tudo o que a lei diz aos que vivem na lei o diz, para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpavel perante Deus, visto que ninguém sera justificado diante dele por obras da lei, em razao de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. (3.19-20) Paulo esta agora partindo para a concluséo do seu discurso con- tra os judeus; mas, da mesma forma como ele tem feito desde o versiculo 9, ele vai progressivamente estendendo sua andlise para incluir toda a humanidade. Uma vez que nem um sequer, nao impor- ta se judeu ou gentio, esta guardando a lei de forma perfeita, a unica conclusao possivel € que toda a humanidade apresenta-se culpada diante de Deus € sujeita ao um devido julgamento. “Visto que... por obras da lei..." Paulo esta se referindo ndo apenas a Lei de Moisés, mas a boas obras de qualquer tipo: “visto que ninguém sera justifi- cado diante dele por [boas] obras da lei”. O sentido do grego original é ainda mais forte: “Nenhuma carne jamais sera... nenhuma carne pode- O Mundo Todo: Culpado (3.9-20) 73 ra jamais ser justificada”. Todos aqueles que nao tém a Biblia serao julgados de acordo com o padrao perfeito de Deus, com base no juizo que cada um faz dos outros, como vimos em 2.1. Ninguém jamais podera dizer “segui completamente 0 padrao, de acordo com 0 qual eu julguei os outros”. E, em seguida, vem o judeu e diz “esta certo, acon- tece que nés temos a Biblia”. E Deus responde: "£ verdade, mas tam- bém € verdade que vocé nao a seguiu”. Portanto, a conclusao a que chegamos € que a nossa situagao é simplesmente cadtica. "Visto que ninguém [jamais] sera justificado diante dele [de Deus] por obras da lei, em raz&o de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” Chegamos assim ao final da apresentagdo de Paulo da “primeira metade do evangelho”. Ele levou a maior parte do primeiro capitulo, todo o segundo capitulo e grande parte do terceiro capitulo para nos mostrar que precisamos da salvagdo. O que ele ainda nao nos con- tou foi como ser salvo. A palavra salvagdo ocorreu somente uma vez, em um dos versiculos-chave: “Pois nao me envergonho do evange- lho, porque é o poder de Deus para a salvacao” (1.16). Quer seja no mundo grego e romano humanista, quer no humanismo do século 20, por toda parte ouvimos a mesma queixa: “Por que cu preciso de salvagéo?” As pessoas podem até ter todo o tipo de opinides sobre se Deus existe ou como ele é se ele realmente existir, mas quando elas ouvem falar que Deus diz que devem ser salvas, elas geralmente tém objecdes. E interessante notar que as pessoas nao rejeitam o Existencialismo , da mesma forma como rejeitam o Cristianismo. O existencialista diz que todas as pessoas estdo perdidas. O existencialista diz que todas as pessoas estéo condenadas. O existencialista diz que nao ha espe- ranga alguma. Cinicos € niilistas de todos os tipos dizem que nao ha esperanca na vida, a vida é complicada, a vida é imposstvel, 0 ho- mem é um zero a esquerda. E € ai que o Cristianismo difere radical- mente do Existencialismo e eis porque as pessoas tém uma reagao assim tao forte contra 0 Cristianismo, mas nao contra o Existencialis- mo. O Existencialismo diz que o homem é um zero a esquerda e que esta irremediavelmente perdido. Ja 0 Cristianismo diz que o homem esta perdido sim, nao pelo que ele é, mas devido a forma pela qual ele resolveu agir, por livre e espontanea vontade. Se um homem € condenado pelo que ele é, vocé nao poderia dizer que ele esta errado ~ ele 6 apenas patético. Mas 0 Cristianismo diz que o homem nao é 74 patético. Na verdade, o homem é uma maravilhosa criagao de Deus. Acontece que ele também € um ser rebelado contra Deus € merece a ira de Deus. O homem nao é um ser patético, o homem é um ser rebelde. Nao é como se o homem estivesse desesperadamente preso em uma rede da qual nao tivesse como escapar; ele esta preso numa rede, certo, mas ele esta l4 por opgao propria. E se homens e mulhe- res est4o presos nesta rede por escolha propria, diz a Biblia, entéo ha algo mais em jogo: eles precisam aceitar a responsabilidade, a culpa por estar ali. E isso nos leva & segunda parte do evangelho. 5 JUSTIFICACAO DEPOIS DA CRUZ (3.21-30) # m 3.21, Paulo comega a explanar a solugao para a necessida- de humana de salvacao. Mas, antes que avancemos, é preciso observar mais uma vez a quantidade de espago que Paulo re- serva ao que nds temos chamado “a primeira parte do evangelho" - 0 fato de os seres humanos desesperadamente precisarem de salvagao Nos somos culpados, ndo temos desculpa, carecemos de salvacao; € nenhum de nés é capaz de salvar-se com base em qualquer boa obra que tenha realizado. E por que, alguém poderia nos indagar, a nossa situa¢ao € assim tao desesperadora? Por que é tao impossfvel para nos encontrarmos a cura em nds mesmos? O nosso pecado nos coloca num beco sem saida, em razdo de contra quem pecamos. Nos pecamos deliberadamente contra o santo Deus, é por isso que a nossa situa¢ao é desesperadora. As pessoas tém me dito sempre "mas como € possivel alguém ser eternamente condenado pelo que tenha cometido em uns poucos se- tenta anos, mesmo que estes tenham sido setenta anos de total perver- sidade?” O problema nao esta na quantidade de pecados que pratica- mos, mas em quem ofendemos. Nos pecamos contra um Deus infinitamente santo, que realmente existe. E, a partir do momento em que pecamos contra um Deus infinitamente santo, que realmente exis- te, nosso pecado € infinito E como se houvesse ai, abrindo-se diante dos nossos pés, um pogo sem fundo de culpa. Suponha que vocé trouxesse pequenos baldes 76 A. Opra CoNsUMADA DE CRISTO _ cheios de justiga (se pudéssemos achar sequer um pequeno balde!): quantos baldes finitos de justiga seriam necessarios para enchermos um pogo infinito de culpa infinita? Seria impossivel! Depois que pecamos contra um Deus infinito, 0 abismo passou a ser infinito e nado ha nada que possamos jogar neste abismo para preenché-lo. Entdo, nao ha esperanga? Neste ponto particular da explanagéo de Paulo do evangelho, sim, néo ha esperanga. Sempre que estamos ex- planando o evangelho a alguém, chega uma hora em que temos de dizer: “Nao, nao ha esperanga para vocé". E nao podemos admitir ne- nhum desvio desta dura realidade. Nao devemos deixar nenhuma bre- cha, por minima que seja, para humanismo ou egoismo. Nao pode existir esperanga, qualquer coisa positiva ou negativa, interna ou externa, boa obra piedosa ou boa obra moralista. Ndo se deve deixar espago para nenhum fio de esperanga, se quisermos estar transmitindo o que a Bi- blia ensina. As pessoas necessitam de salvagdo porque elas estao to- talmente sob a ira de um Deus santo. Nao ha nada que qualquer ser humano possa lancar no seu poco pessoal de culpa. Nao ha nada mais que um profundo buraco sem fim. Neste aspecto particular, o Cristianismo € o Existencialismo moder: no convergem, O Existencialismo moderno diz que “o homem esta con- denado” e a Biblia diz que “o homem esta condenado ao inferno”. A unica diferenga é que, na condenacao existencialista, nado existe mes- mo esperanga alguma; mas, gragas a Deus, a Biblia prossegue dai para frente, dizendo em 3.21—4.25 "Sim, ha uma esperanca abrangente! Ha uma solucdo!”" Esta € uma boa oportunidade para recordar mais uma vez nosso versiculo-chave: "Pois ndo me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvacéo” (1.16). Tendo demonstrado a busca universal pela salvacdo, Paulo passara agora a nos mostrar onde se pode encontrar tal salvagéo. Em 3.21-30, Paulo iré explicar-nos como aqueles que viveram a partir dos dias de Cristo podem achar a Salva- cdo. Em 3.31—4.22, ele mostrara como as pessoas que viveram antes dos dias de Cristo encontraram a Salvacdo. Entao, em 4.23-25, ele co- locara estas duas eras da humanidade lado a lado. Da mesma forma como ele apontou a culpa dos gentios (1.18—2.16), e, em seguida, a dos judeus (2.17—3.8), € as articulou para mostrar que toda a humani- dade esta sob a ira de Deus (3.9-20), agora ele mostrara 0 caminho da salvagao de todos quantos viveram depois de Cristo (3.21-30) e, logo a __Justificagio Depois da Cruz (3.21-30) 7 seguir, de todos aqueles que viveram antes de Cristo (3.31—4.22). Em seguida, ele colocara estes dois grupos mais uma vez lado a lado (4.23-25). E uma seqiiéncia légica. Comecemos por 3.21: se toda a humanidade esta condenada, se todos se encontram sob a ira de Deus, se néo ha pequenos baldes de justiga que possam servir para tapar o pogo infinito da culpa, entaéo como pode alguém ser justificado? A resposta é simples e maravilhosa. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiga de Deus... (3.21a) Assim que Paulo comega a fornecer a sua resposta, percebemos um nitido contraste com o verso anterior: “visto que ninguém sera justifi- cado diante dele [de Deus] por obras da lei... Mas agora, sem lei, se manifestou a justiga de Deus..." Vocé esta percebendo a nitida linha de pensamento que se esta seguindo aqui? Aqui esta um meio de sermos justificados por Deus, apesar do fato de todos nés termos sido rebel- des. Aqui esta uma possibilidade de sermos justificados por Deus, nao importando se fazemos parte das pessoas com ou sem a Biblia. Mesmo que Os nossos coragées estejam constantemente nos condenando. Mes- mo que nao tenhamos nada de bom a oferecer. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiga de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas. (3.21) Lembra-se de como Paulo comega em 1.2, mostrando que o seu ensinamento nao é exclusivo dele ou do Novo Testamento, mas se encontra no Antigo Testamento? E de como ele demonstrou, mais uma vez, em 3,10-12 a continuidade que havia entre os seus ensi- namentos e€ os do Antigo Testamento? Paulo cita o Antigo Testa- mento mais uma vez aqui. O Antigo Testamento, da mesma forma que 0 Novo, mostra a condi¢do perdida da humanidade e os meios de salvagaéo da humanidade. Néo ha nenhuma linha divisoria a ser tragada entre o ensino basico do Antigo ¢ do Novo Testamento. A Biblia representa um todo unificado. Eis af a razo por que estamos autorizados a referir-nos a “tradi- co judaico-crista”. Este terminologia é totalmente apropriada. Nos n&o cremos apenas no Novo Testamento, Nos também cremos no Antigo Testamento. Um cristéo verdadeiro, que acredita na Biblia, esta lao interessado em ler o Antigo Testamento quanto esta em ler o Novo. Os dois encerram uma tinica mensagem, uma completa uni- A Osra CONSUMADA DE CRISTO _ dade. Nao ha duas religides, a religiao do Antigo Testamento e a do Novo Testamento: ha uma s6. Da mesma forma como o Antigo Tes- tamento, em consonancia com o Novo, insiste que todas as pessoas sdo moralmente corruptas, em si mesmas e por si mesmas, semelhantemente também o Antigo Testamento e 0 Novo Testamen- to nos dizem que existe uma “justiga de Deus... sem lei” Justiga de Deus mediante a fé em Jesus Cristo... (3.22a) Esta, diz Paulo, € a resposta. Ele mostrara o caminho pelo qual homens e mulheres limitados tém a possibilidade de ser justificados aos olhos de Deus. A justificagéo se da para homens e mulheres pecadores, quando Deus deciara que a culpa foi paga por meio da obra consumada de Jesus Cristo. Por causa do sacrificio de Jesus Cristo na cruz, Deus declara que nds somos justificados. Note que eu disse que Deus “declara” que nossa culpa esta extinta. A palavra declarar € de suma importancia. Ela aparecera muitas vezes ainda no nosso estudo da justificagao, de 3.21 até 4.25. Deus nado “infunde” em nds a justicga. Nao se trata de algo forgado para dentro de nos, Deus faz uma declaragao legal. Nossa culpa diante de Deus é um caso juridico. Quando alguém que nao foi salvo comparece para jul- gamento diante de Deus, Deus declara 0 seguinte veredicto: “eu o de- claro culpado”, Essa é uma declaragdo estritamente judicial. Da mes- ma forma, a justificagaéo também representa um ato judicial. E deviamos ser as pessoas mais gratas do mundo, pelo fato de termos a possibilidade de passar por este ato judicial prévio, antes de termos de encarar a Deus no dia do jufzo. Jé somos portadores da declaragao divina de que somos culpados, 0 que nos faz merecedores da sua ira. Mas, com base na obra consumada de Cristo, Deus pode nos declarar justificados. Ele pode declarar que a nossa culpa ja foi apagada © que ocorre quando vocé aceita Jesus como seu Salvador, em primeira e mais elevada insténcia, € que Deus emite uma declara- co; e a declaragao € esta "Francis Schaeffer [ou o seu proprio nome], eu © declaro justificado, Se cu fosse julga-lo com base em vocé ter quebrado os seus proprios principios morais, vocé seria declarado culpado, com toda a justiga e adequagao. Mas, baseado na obra de Jesus Cristo, a sua culpa foi apagada. O prego esta pago”. A salvagao é, antes de qualquer coisa e acima de tudo, uma ques- tao de direito, jA que esta relacionada 4 nossa culpa diante de Deus. Mais adiante, em Romanos 5—7, estaremos aprendendo que a sal- Justificagiio Depois da Cruz (3.21-30) 79 vacgéo assume outro aspecto ainda nesta vida presente. E em segui- da, no capitulo 8, ficaremos conhecendo as maravilhosas perspecti- vas futuras da salvacéo. Mas a primeira grande descoberta que faze- mos é que a salvacgaéo remove nossa culpa. Deus declara que “a sua culpa ja esta apagada” “Com base em qué Deus nos declara justos, ou livres de culpa?” Com base apenas na obra consumada de Jesus Cristo. Deus continua sendo 0 Deus da justiga. Ele nao diz "nao ligarei para o seu pecado”, ow “farei vista grossa para o seu pecado”. Este tipo de atitude colocaria Deus em um nivel inferior a perfeigao. Ele estaria agindo de uma forma arbitraria e relativista. Mas porque Jesus pagou a penalidade pelo nos- so pecado, Deus pode nos declarar justos. Justiga de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que créem... (3.22a) Isso nos deveria lembrar de algo que jd se encontrava no nosso versiculo-chave "... 0 evangelho... € 0 poder de Deus para a salva- Gao de todo aquele que cré” (1.16). © evangelho, como notamos, é universal; isso nado vale so para Israel, mas igualmente também para o mundo dos gentios. Ha ai, entretanto, um fator limitador: isso sO vale para os que créem. Esta justiga de Deus, que nos é acessivel gragas a Cristo, esta acessivel apenas “para todos [e so- bre todos] os que créem”. .. porque nao hd distingdo, pois todos pecaram.., (3.22b-23a) No meio do que parecia ser 0 ponto alto do seu serm4o evangelistico, Paulo retoma a crucial “primeira metade" da sua mensagem ~ pois ele esta se dando conta de que o evangelho nao tem sentido, a néo ser que a pessoa realmente perceba o tamanho de sua culpa diante de Deus, de fato e em profundidade. Nao adianta perguntar a alguém “voc nao deseja ser salvo?”, a menos que aquela pessoa saiba 0 quéo desesperadamente ele ou ela necessita de salvagdo. Sem esta percep- gao profunda desta caréncia, todo e qualquer esforgo evangelistico nao sera mais do que perda de tempo. Se os judeus ou cristéos nomi- nais comparecem a um encontro evangelistico, convencidos de que Deus os admitira pelo simples fato de que eles fizeram o melhor que podiam; se um cientista crist4o comparece pensando que sera ad- mitido, s6 por causa das boas idéias que teve; se os catélicos-roma- nos comparecem, achando que poder&o encontrar o seu caminho 80 A Onra ConsumaDA. para Deus pelo seu proprio sofrimento no purgatorio... ninguém que tenha uma mentalidade como estas esté em condigGes de aceitar Cristo como Salvador. Assim, neste ponto da sua mensagem evangelistica, Paulo reto- ma mais uma vez o tema do pecado. F possivel que alguém obser- vasse a estas alturas: “Paulo, vocé ja falou disso tudo no final do primeiro capitulo, no segundo capitulo e ao longo de grande parte do terceiro cap{tulo. Por que vocé nao passa para o préximo ponto?” Mas Paulo, movido pelo Espirito Santo, sabe que, a menos que as pessoas compreendam definitivamente que sao, de fato, culpadas diante de Deus, elas nunca cogitarao a hipétese de aceitar o que Cristo fez por elas. Pois tados pecaram e carecem da gloria de Deus. (3.23) Os tempos verbais usados neste versiculo englobam tanto passa- do quanto presente. No passado, todos pecaram; no presente, todos carecem. Suponha que Deus dissesse: "Tudo bem. Eu vou julga-lo, com base no que vocé fez da sua vida até agora”, Nos provavelmente responderiamos: "Mas 0 que fiz foi pecar a vida toda”. E entao esta- riamos condenados. Suponha que Deus dissesse em seguida: "Tudo bem; vamos fazer o seguinte: eu esquego todo o seu passado e€ pas- sarei a julga-lo do dia de hoje em diante”. Certamente nenhum de nos é t&o estupido a ponto de achar que, de hoje em diante, seriamos capazes de viver livres do pecado. Certamente os nossos coragées nos dizem que, ainda que partissemos da nossa vida presente e futu- ra, continuariamos condenados, “pois todos pecaram e carecem da gloria de Deus’. Paulo nao deixa nenhum espaco para egoismo hu- mano. Pecamos no passado, estamos pecando no presente, e no fu- turo continuaremos a pecar. A salvagao pelas obras € impossivel, para onde quer que olhemos. Eis por que a unica e particular esperanga € que Deus encontre alguma maneira de nos justificar de forma gratuita, livre, sem a ne- cessidade de uma s6 virgula de mérito da nossa parte. Sendo justificados gratuitamente, por sua graga, mediante a redeng&o que ha em Cristo Jesus. (3.24) Foi esta precisamente a solugéo que Deus encontrou para nds, por meio de Cristo! O que ele fez foi justificar-nos "gratuitamente pela sua graca através da redengao” que esta a nossa disposigao, gracas 4 morte de Cristo na cruz. Justificagio Depois da Cruz (3.21-30) 81 Esta “redengao” de que Paulo fala agora é exatamente o de que precisamos. Nada menos do que isto. Nao precisamos de algum guru espiritual. Nao precisamos de alguma associagao vaga entre a nos- sa pessoa e a pessoa de Cristo, O de que precisamos é a redengao, porque somos culpados. Quer consideremos 0 nosso cédigo moral pessoal ou quer tomemos a lei por base, o fato é que somos culpa- dos (1.18—3.20). Mas agora, a partir da “redengao que esta em Cris- to Jesus”, podemos nos apresentar justificados aos olhos de Deus. A graca de Deus, a sua redengéo, é gratuita para nds. Essa gratuidade nao significa que ninguém tivesse pago a conta. A razao de termos esta gratuidade deve-se ao fato de que Jesus pagou 0 pre- go. Em certo sentido, Deus, na verdade, jamais releva 0 pecado de alguém. Ele nao pode. Se Deus perdoasse um s6 pecado, simples- mente fazendo vista grossa para ele, nao estariamos mais vivendo em um mundo moral. Até mesmo Deus estaria deixando de ser mo- ral. Neste sentido, ele nado esta perdoando nem mesmo um tnico pecado; cada pecado é punido. Apesar disso, o fato de Jesus ter pago, no nosso lugar, o preco do pecado, encerrou o assunto. Isto foi deter- minado, nao dentro dos limites da lei moral absoluta pela qual Deus regula o universo, mas fora dos limites desta lei, ou como Paulo diz em 3.21, “sem lei”. Todo o Antigo Testamento nos ensina a respeito do padrao referencial perfeito da justiga de Deus. Em Deuteronémio 25.1, por exemplo, lemos que “em havendo contenda entre alguns, e vierem a juizo, os juizes os julgarao, justificando ao justo e condenando ao culpado”. O que significa a palavra justiga? Significa que todos os que tém falhas seréo condenados. De acordo com este padrao, cada um de nés é condenavel aos olhos de Deus que, seguindo sua propria lei moral, seria obrigado a nos condenar. Ao invés disto, dado que Cristo pagou 0 prego por todo o pecado de "todos os que créem” nele (3.22), estes se apresentam justificados aos olhos de Deus. E tal jus- tificagao nos é atribuida “gratuitamente” (3.24), sem contribuigaéo de uma Unica gota de boas obras da nossa parte - sem que possamos acrescentar uma s6 migalha a escala da justica divina A quem Deus propés, no seu sangue, como propiciagao, mediante a fé, para manifestar a sua justica, por ter Deus, na sua tolerancia, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos. (3.25) 82 A Ona Consumaa pe Cristo Deus “propds” a Cristo; isto é, ele apresentou-o ao mundo, como forma de “propiciagaéo”, Uma propiciagaéo é uma cobertura. De acordo com a lei do Antigo Testamento, o "trono da graga” cobria a Arca da Alianga. Agora a morte de Cristo na cruz esta dando cobertura aos nossos pecados, como o menininho sendo coberto pelo sobretudo do seu pai. Mas a morte de Cristo néo cobre os pecados de qualquer um, mas somente os pecados de "todos aqueles que créem”. Encontramo- nos constantemente diante destes dois fatos: temos uma obra, que foi totalmente realizada na cruz por Jesus Cristo; e temos a fé, 0 ato de crer, a aceitagao da obra de Cristo para a nossa salvacdo. A morte de Cristo ocasiona a “remissaéo dos pecados”. Nada mais, nenhuma obra adicional de nossa parte, precisa ser adicionada, A morte de Cristo é uma propiciagao completa. Ela garante cobertura total. Tendo em vista a manifestagao da sua justiga no tempo presente, para cle mesmo ser justo ¢ o justificador daquele que tem f€ em Jesus. (3.26) Para entendermos bem o sentido do grego, este trecho seria mais bem traduzido por “para que cle fosse justo, e ainda assim o justificador daqueles que acreditam em Jesus”. De certa forma, esta frase e os versiculos que a envolvem constituem 0 ponto central de toda a Biblia, pois ela responde a mais profunda de todas as quest6es. Como pode Deus permanecer o legislador absolutamente justo do universo, e ain- da assim me justificar, eu que nao passo de um pecador incrédulo? Note, em primeiro lugar, que Deus tem de ser absolutamente justo, ou nao terfamos nenhuma base concreta para os principios morais. Nao € possivel admitir que haja principios morais, sem que exista qual- quer absoluto moral. Se nao existissem absolutos, seriamos relegados ao hedonismo ou a algum tipo de padrao relativo de moral, como por exemplo “o que for melhor para a sociedade”. Palavras como certo e errado perderiam qualquer sentido real. E necessario que haja algum absoluto, e a Biblia providencia a tinica solugdo adequada para esta necessidade de absolutos morais: 0 absoluto moral reside no carater perfeitamente “justo” do proprio Deus. Eis porque 0 versiculo 3.26 é assim téo crucial. Porque Jesus assu- miu a nossa culpa na cruz, é possivel Deus continuar “justo”. A base moral que sustentava todo 0 nosso universo pode continuar em pé. Por outro lado, ele pode agora ser o “justificador" de todos aqueles que acreditam nele e aceitaram 0 pagamento de Cristo pelos seus pecados. Justificagao Depois da Cruz (3.21-30) 83 Nao importa se eu estou entre os com a Biblia ou aqueles sem a Biblia; em todos os casos, fui contado entre os “impios", Nao importa se sou um judeu ou gentio. Eu estou vivendo sob a ira de Deus. Portan- to, como Deus pode me justificar? Assim que Deus me justificasse, simplesmente fazendo vistas grossas para o meu pecado, ele deixaria de ser justo. E, assim que ele deixasse de ser justo, j4 ndo poderiamos mais estar vivendo em um mundo moral. E se nds nao estivéssemos vivendo em um universo moral, seria o caos. Mas ha um meio pelo qual Deus pode tratar tanto o meu quanto o seu pecado, e, mesmo assim, continuar sendo justo, Ha um meio pelo qual Deus tem a pos- sibilidade de justificar a vocé e a mim, sendo invariavelmente justo, ou seja, sem desviar-se nem um s6 milimetro da sua santidade, nem mesmo por um milionésimo, Ele pode fazer isso, porque Jesus Cristo, seu Filho, assumiu e cumpriu toda a pena atribuida ao nosso pecado, O amor de Deus é visto, nado no perdao do pecado, pois, em certo sentido, nenhum pecado podera jamais ser perdoado, do contrario dei- xarjamos de estar vivendo em um universo moral. O amor de Deus € visto, porém, no fato de ele ter enviado o seu unico Filho, Jesus Cristo, para pagar 0 preco, para oferecer cobertura para todos os nossos peca- dos. Deus continua sendo santo. Ele nado se desvia nem um milimetro da sua perfeita justiga. Mas, apesar disso, ele é capaz, sem abandonar sua lei moral, de justificar toda e qualquer pessoa que acredita em Je- sus € aceita o seu sacrificio perfeito pelo pecado. Neste caso entdo, quem estara em condi¢Ges de receber esta cober- tura para o pecado? Qualquer um? Todo mundo? Ao contrario do que pensam muitos filésofos modernos, Deus nao nos vé meramente como um mar de mdscaras sem rosto. Ele nao nos trata como se féssemos maquinas. Ele nos trata como pessoas. Ele nos trata a altura do que somos enquanto criaturas suas - como seres morais e racionais. Por isso, embora a morte de Cristo seja cobertura suficiente para todos os nossos pecados, ha uma condi¢ao para se receber esta cobertura. Esta cobertura pelo pecado, esta justificagao, aplica-se exclusivamente a “todos aqueles que créem" (1.16), a "aos que nele créem” (3.26). Que pessoas Deus justifica? Ele justifica todos aqueles que, pela fé, aceitaram 0 que Cristo fez por eles, aqueles que est&o unidos a obra de Jesus Cristo por meio da fé. Ha dois fatores na salvacao: a base € 0 instrumento, A base da nos- sa salvagdo é a obra consumada de Jesus Cristo, sem necessidade de 84 A Osa ConsuMabA DE Cristo absolutamente nenhum acréscimo de qualquer tipo de boa obra hu- mana nesta escala. Mas o instrumento, pelo qual compartilhamos des- ta salvagao, é a nossa fé, 0 crer em Deus. Nossa fé ndo tem valor para a salvacdo. Nao somos salvos com base na nossa fé. Somos salvos exclusivamente com base na obra consumada de Jesus Cristo. Mas 0 instrumento pelo qual compartilhamos disso é a nossa fé, A nossa fé nos une a salvagdo que Cristo nos oferece. A nossa fé séo maos vazias que aceilam o presente da salva¢ao. Nossa fé nao tem valor salvifico. As nossas boas acées religiosas, as nossas boas ag6es morais, nao tém valor salvifico, pois nao sdo perfei- tas. Seria necessario que sofréssemos infinitamente, porque pecamos contra um Deus infinito; e, 6 claro, nés, que somos finitos, nao pode- mos sofrer infinitamente. A tinica coisa em todo o universo moral de Deus que tem o poder para salvar é a obra consumada de Jesus Cristo. A nossa fé aceita o presente, e Deus justificara todos aqueles que cré- em em Jesus (3.26) Se tudo isso é verdade, ent&o o versiculo 27 tem certamente impli- cagdes. Onde, pois, a jact&ncia? Foi de todo exclufda. Por-que lei? Das obras? Nao, pelo contrario, pela lei da fé. (3.27) Pelos padrdes humanistas do mundo moderno, o evangelho é deci- didamente “nao-humanista". Se a minha fé tivesse valor salvifico, se 0 meu sofrimento tivesse valor salvifico, se as minhas obras piedosas tivessem valor salvifico, se as minhas obras morais tivessem valor para salvagao, entao eu poderia vangloriar-me diante de Deus, Como Paulo nos explicara em 4,4, ha quem ache que Deus pode estar em divida conosco, € grite “exijo o meu direito!” Mas, como vimos até este ponto, em Romanos, nés humanos estamos todos em uma situagdo decidida- mente néo-humanista. Todos nds pecamos. Todos nés nos rebelamos. E, j4 que pecamos € nos rebelamos contra um Deus infinito, somos infinitamente culpados. Ha uma sé esperanga para nds - a graca de Deus. Isso no significa que Deus possa fechar os seus olhos para os nossos pecados, mas que Deus nos deu a graga de enviar o Redentor, a propiciagao, aquele que derramou o seu sangue. Eis ai a nossa tinica esperan¢a. Ja ndo resta nenhum espa¢o para jactancia. Concluimos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei, (3.28) Justificago Depois da Cruz (3.21-30) ee Esta é a grande conclusao de Paulo, e este versiculo foi decisivo para a interpretagao de Martinho Lutero do evangelho. Considerando que Lutero viveu centenas de anos depois de a Igreja Catélica Romana ter passado a atribuir tanta €nfase as obras, e em uma época de crescente humanismo, vocé pode perceber porque este versiculo se tornou o seu grande grito de guerra. Este era o versiculo predileto de Lutero, e deveria ser 0 nosso também. Nos deveriamos ficar com o coragao cheio de gratidao, toda vez que nos lembramos de que so- mos, na verdade, “filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3), mas fomos eternamente salvos pela graga, através da fé. Isto deveria esmagar qualquer tipo de frieza ortodoxa, como um prato sendo que- brado em mil pedagos no chao. Como poderiamos ficar frios diante desta grandiosa verdade? “Concluimos, pois, que o homem é justifi- cado, pela fé, independentemente das obras da lei". £, porventura, Deus somente dos judeus? Nao o é também dos gentios? Sim, também dos gentios, visto que Deus é um s6, 0 qual justificara, por fé, o circunciso e, mediante a fé, 0 incircunciso, (3.29-30) Paulo juntou todas as pegas. Por que nds precisamos de salvagéo? Porque somos culpados. Por que nds precisamos de salvacéo? Porque nos encontramos sob a ira de Deus. OC homem sem a Biblia, o-gentio, esta sob a ira de Deus (1.18—2.16). O homem com a Biblia, 0 judeu, esta sob a ira de Deus (2.17—3,8). Entao Paulo junta todos eles, decla- rando que todo o mundo esta sob a ira de Deus (3.9-20). Em seguida ele nos conta acerca desta forma maravilhosa de salvagéo que Deus providenciou através da obra consumada de Jesus Cristo (3.21-28), E entao, ele retine toda a humanidade de novo, declarando que Deus é 0 mesmo Deus para todas as pessoas; € todas as pessoas ~ judeus e gen- tios - devem ser justificadas precisamente da mesma forma (3.29-30) 6 JUSTIFICAGAO ANTES DA CRUZ (3.31—4.25) Pp». agora antecipa uma pergunta que os seus leitores judeus poderiam fazer, e esta pergunta introduz o capitulo 4: Anulamos, pois, a lei, pela f€? Nao, de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei. (3.31) No capitulo 10, Paulo mostraré de forma clara que os judeus do Antigo Testamento foram justificados pela fé, da mesma forma que 0 povo de Deus sempre foi. Aqui no capitulo 4 ele ilustrara esta ver- dade pelo exemplo do fiel Abraao. Ele introduz este debate em torno de Abrado, dizendo que a sua mensagem (de Paulo) de salvagao por meio da fé realmente confirma a lei. Como a salvagao seria capaz de “confirmar" a lei, por meio da fé? Ela confirma a lei porque a salvacao pela fé € 0 propésito da lei. Como Paulo nos explica em Galatas, a lei tinha o propésito de ser um “aio” para trazer as pessoas para Cristo (Gl 3.24). Na verdade, Joao Batista, que nasceu pouco antes de Cristo, foi o ultimo profeta do Antigo Tes- tamento, € a sua mensagem de arrependimento era a mesma dos pro- fetas do Antigo Testamento, O propdsito de Joao, da mesma forma que 0 da lei e de todos os profetas do Antigo Testamento, era preparar 0 povo de Deus para Cristo. A lei era considerada 0 aio que nos levaria até Cristo. Paulo esté dizendo que ele nao esta, de modo algum, ten- tando destruir o Antigo Testamento, ele nao esta deixando de ser ju- deu, Pois 0 evangelho que ele esta proclamando coincide com o pri- meiro propdsito da lei do Antigo Testamento. Quando nés temos contato com pessoas de origem judaica, precisamos viver perto delas apresentar o evangelho sob a luz da perspectiva de Paulo. Temos que 88 A Ora CoNsUMADA DE CRISTO nos empenhar em mostrar que o Antigo € 0 Novo Testamento nao sao produto de revelagdes separadas de Deus, mas que, na verdade, sao um s6. Eles podem no aceitar prontamente a nossa mensagem, mas esta tem de ser a nossa abordagem. Tendo concluido que judeus e gentios somente podem ser justifica- dos pela f€ (3.28-30), Paulo aprofundara ainda mais este aspecto no capitulo 4, ao relembrar 0 caso de Abraao, pai do povo judeu. A salva- cdo apenas pela fé ndo representa nenhuma novidade, Ela se aplica tanto aqueles que viveram antes quanto aqueles que viveram depois da cruz. O Antigo e o Novo Testamento formam uma sé voz, quando se trata da proclamacao desta mensagem. Como Paulo dizia, logo no inicio de Romanos, o evangelho é o mesmo "o qual foi por Deus outro- ra prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escritu- tas” (1.2). Todos sao pecadores, e o propésito da lei é que todos nés cheguemos & compreensao de que somos pecadores. Como ja sugere © titulo que demos ao trecho de Romanos 1.18—3.20, a lei nado passa da "primeira parte do evangelho”. Quando finalmente entendemos que nao mantivemos a lei ¢€, por isso, nos encontramos sob a ira de Deus, ent&o estamos prontos para ouvir acerca da segunda parte do evange- Tho, as boas novas da redeng&o por meio do sangue de Cristo. Note aqui novamente o ponto em que estamos neste nosso estu- do: uma vez que chamou a nossa aten¢&o para nossa necessidade de salvac&o (1.18—3.20), Paulo passa agora a elucidar a maravilho- sa verdade de que nés temos como ser justificados aos olhos de Deus exclusivamente por meio da fé (3.21—4.25). Em 3.21-30, ele falava da justificagao aqueles que vivem depois do advento da cruz; em 3.31—4.22 ele passara a nos explicar que aqueles que viveram antes da cruz também se tornaram candidatos a serem justificados pela fé. Em seguida, em 4.23-25, ele retine todos aqueles que viveram antes de Cristo e os que tém vivido depois de Cristo - da mesma forma como ele reuniu judeus e gentios em 3.9-20 e outra vez em 3.29-30 - ele nos indicaré mais uma vez a unidade do plano de sal- vagao divino, de antes € de depois da cruz. Os tedlogos da Reforma encaram a historia dos acordos de Deus com a humanidade como uma sucessao de aliangas. Eles se referem, antes de tudo, a alianga das obras, que estava em operagdo desde a criagao até a Queda do homem. Adao e Eva podiam ter tido um relaci- onamento perfeito com Deus, mesmo com base nas suas proprias obras,

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