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A ESCOLHA DE HONORATO
além de sua bengala, de mão prateada em forma de cabeça de cavalo e de sua irretocável
cartola negra. Aprumou-se em seu assento, pernas afastadas, pés firmes no chão com as duas
mãos apoiadas sobre a bengala, uma sobre a outra. Honorato era um homem notável, sempre
comum, não era baixo nem alto, nem gordo nem magro, diferenciava-se por outros atributos.
Sempre foi conhecido por sua correção, tanto na vida pessoal quanto no trabalho. Cumpria
seus compromissos de forma religiosa, sua vida funcionava como um relógio. Não bebia ou
fumava, nas ocasiões em que se encontrava com seus amigos refastelava-se em xícaras e mais
Não se tinha notícias de sua família, somente se sabia que ele viera de um cidade do
interior para estudar na capital, ficando neste período hospedado na casa de um tio, que
morreu no mesmo ano que Honorato começou seu curso de direito. Desde então passou a
morar sozinho em um pequeno quarto alugado que pagava com seu salário de tradutor, já que
com dezesseis anos já havia aprendido, por conta própria, a língua inglesa. A partir daí sua
trajetória foi meteórica. Na metade de sua graduação já dava aulas particulares de inglês e
direito, cobrando por elas um bom preço. Se destacava de todos seus colegas e logo após se
formar já trabalhava como assessor de um notório político local. Seguiu então dois caminhos
suas qualidades se destacava, era um excepcional orador. Sua vida política teria um futuro
exuberante não fosse a surpresa que o destino lhe reservara. Há pouco mais de oito meses
Honorato foi diagnosticado com um tumor na traquéia. A notícia a princípio não o abalou
tanto. Pensava que poderia resolver a questão com algum tratamento intensivo ou algo do
tipo, já que seus sintomas não lhe causavam dor, apenas um pigarro esporádico e alguns
ataques de tosse. Logo após o diagnóstico afastou-se de suas atividades para se internar, mas
logo percebeu que seu problema não era tão simples, e que neste período a doença havia
Retomou então o trabalho como se nada lhe afetasse. Suas tosses, porém, se tornaram
mais constantes e fortes, sua voz falhava durante suas aulas e discursos, e acima de tudo,
começou a sentir dor. Todo esse quadro avançava mês a mês. Até que tomou a decisão de se
afastar de seu cargo de professor e pedir uma licença de seu posto político. Há uma semana já
não conseguia expressar uma palavra sequer sem ser acometido por uma forte pontada de dor,
seguida de uma forte tosse que lhe fazia doer mais ainda.
Esta noite Honorato seguia para uma cerimônia de homenagem, na qual seria
Chegando no salão foi acolhido com uma fervorosa salva de palmas. Reconhecia nos
cinismo...Seu ar era um tanto estranho naquele momento. Portava-se com a altivez típica, mas
seu olhar repetidamente vacilava, visitando o chão, as mãos e muitas vezes o nada. Poucos
minutos após sua chegada foi convidado a ocupar uma cadeira no púlpito do lado esquerdo e
logo deu-se início à cerimônia. Um longo texto remontando sua trajetória política, seus
méritos e virtudes foi lido, sem pressa, pelo próprio presidente da câmara, sendo em cada
pausa interrompido por mais salvas de palmas. Ao fim da leitura foi chamado a se levantar
para receber a medalha e o diploma. Honorato parecia não mais estar ali. Seu rosto esboçava
respiração curta e ofegante. Atravessou, apesar disso, toda a cerimônia firme como uma rocha.
comidas circulando pelo salão, Honorato pede licença e se retira da maneira mais discreta
uma pequena pistola preta, na esquerda, a bengala. No dia seguinte, sobre a escrivaninha de
Francisco Honorato.