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ESCOLA SECUNDÁRIA DE GAMA

BARROS CURSOS E.F.A. –


Secundário
Área de Competências: STC (UFCD 5) - TECNOLOGIA

BLOGUES: A APOTEOSE DO PRESENTE

Os formadores de STC: Adelaide Pereira, Carla Frazão e Vitor Fonseca


ABR10

“Os blogues continuam a ser criados a uma velocidade de cruzeiro numa verdadeira
revolução mundial de novas formas de “fala” dos indivíduos e dos grupos, o que é um
dos reveladores da profunda interligação entre “estados” sociais preexistentes e
tecnologias que os exprimem e potenciam. O último balanço do “estado da blogosfera”
refere a existência de cerca de 35 milhões de blogues seguidos pela Technorati, uma
empresa de referência no estudo dos blogues, duplicando o seu número cada seis meses.
Nos últimos três anos, o tamanho da blogosfera cresceu 60 vezes, e o número de
blogues criados por dia aproxima-se de 75 mil, o que significa que desde que o leitor
começou a ler este artigo quase vinte novos blogues (um por segundo) foram criados em
todo o mundo.

Claro que sabemos que “criar” e “manter” não é a mesma coisa, e que muitos dos
blogues nascentes não passam do acto da criação, mas mesmo assim só um cego (e
ainda há muitos cegos que não querem ver) é que não percebe que se está perante um
fenómeno que marcará a nossa época, de um antes e de um depois. Não se trata aqui de
avaliar os efeitos da blogosfera nas áreas que lhe são adjacentes, que todas estão a
mudar por processos que tanto empurram os blogues, como as mudanças nos hábitos de
leitura, de procura, de saber, de “ver”, que estão associados à conjugação de novas
tecnologias com mutações sociais nas sociedades industriais e democráticas a que
chamamos “ocidentais”. O movimento que gera o surto de blogues é muito mais
profundo do que os próprios blogues, tornando-os ao mesmo tempo causa e efeito,
agente de mudanças e revelador de mudanças. Duas coisas não podem porém ser
esquecidas, e muitas vezes são-no, na análise da blogosfera: a primeira é que os blogues
suportam-se numa forma tecnológica que valoriza determinados aspectos da “fala” que
eles contêm e minimiza outros; a segunda é que a “fala” que se encontra nos blogues
não é nova, tem precedentes e história. São estes dois aspectos de que falarei,
valorizando o aspecto “literário” e criativo dos blogues, em detrimento de outras
funções que os blogues também têm em particular no sistema da comunicação social.

Comecemos pelo primeiro aspecto, o modo como a tecnologia, o software, as


plataformas de suporte, moldam a forma do blogue, condicionando o produto final. Os
blogues evoluíram das páginas pessoais na Rede, num momento de expansão e
democratização da Internet, mas não são uma nova forma de páginas pessoais. O que
em todas as plataformas populares, a começar pelo pioneiro e mais usado Blogger, se
valoriza não é a apresentação de um indivíduo, dos seus interesses, das suas opiniões,
do seu “universo” pessoal, mas sim tudo isto situado no tempo.
Tempo é a chave da novidade dos blogues, os blogues forçam as páginas pessoais a
deixarem de ser estáticas e a tornarem-se diários, locais onde opiniões, interesses,
confissões, desabafos, impressões, são escritos num ecrã que se comporta como um rolo
de papel, que se desdobra entre o presente e o passado. Por isso, acrescentava à frase
anterior: tempo desigual, tempo essencialmente presente, é a chave da novidade dos
blogues. Na verdade, o ecrã do computador não permite “ler” tudo o que está no blogue
da mesma maneira, acentua o que de mais recente é colocado, valoriza no seu prime
time a actualidade, o dia último, de preferência o dia de hoje, o presente absoluto. Nos
blogues, a actualização é da natureza do próprio instrumento, dominado pelo presente e
atirando com o passado para um “arquivo” que raras vezes é consultado.

Nos blogues há uma apoteose do presente, uma menorização do passado e uma


inexistência do futuro que condicionam o tipo de escrita e o seu sucesso
comunicacional. Este desequilíbrio dos tempos é coerente com alguns dos efeitos da
passagem do mundo comunicacional tradicional, da leitura, do silêncio, da lentidão, da
memória, para a velocidade do que é “moderno”, para um mundo constituído por
imagens rápidas, prazer instantâneo e ilusão de simultaneidade. É o mundo dos directos
televisivos, do em linha permanente, do mundo que testemunha tudo em tempo real, da
aldeia na “aldeia global”, da superfície, da pele das coisas do marketing e da
publicidade. Os blogues trazem para a “fala” essa mesma velocidade e ilusão de
instantaneidade de um mundo sem “edição”, ou seja, sem mediação.

O domínio do presente nos blogues molda a “fala”, valorizando o comentário, a opinião,


a impressão quase em tempo real sobre o presente a acontecer, mais do que sobre o
acontecido e por isso comunica historicamente com a voz dos directos da rádio e da
imagem da televisão. O sucesso dos blogues chamados “políticos” em Portugal, como
aliás noutros países, não se deve a qualquer deformação da blogosfera, que continua a
ser maioritariamente constituída por blogues de outra natureza mas com menos
audiência, mas sim à natureza dos “assuntos correntes” que eles tratam de forma ainda
mais “corrente” do que os media tradicionais. A competição-tensão entre blogues e os
media tradicionais vem desse campo de actualidade que a forma blogue potencia e
acelera.

Esta relação pesada com o presente fez os blogues superar as páginas pessoais e, mesmo
instrumentos fáceis e grátis que surgiram no último ano para criação de páginas pessoais
(como o Google Page Creator), estão longe de competir com o interesse pelos blogues.
No entanto, a forma blogue é tão perecível como todas as outras e evoluirá com rapidez
para outras formas de comunicação, que por sua vez gerarão novos efeitos da “fala”.

Algum software já disponível introduz novas funcionalidades que combinam as


vantagens da presentificação do blogue com um maior papel para modelos em que a
“fala” ganha um novo volume, uma nova densidade temporal. Este caminho será
facilitado também pelo aumento exponencial da capacidade de armazenamento dos
computadores, aproximando-se da possibilidade de nos “meter” dentro de um disco:
memórias, estados de alma, visões, sonhos, sons, leituras, imagens, falas, cheiros,
afectos, gestos, saberes.

Os estudos sobre o cérebro, a memória, a realidade virtual, teorias sobre os “meme” e


projectos como o MyLifeBits, podem mostrar-nos como evoluirá o software do
imediato futuro, disponível para que cada um “fale”, em teoria para um mundo inteiro
que o pode ouvir. Tudo isto acompanhará aquilo que tenho chamado a “biologização
dos devices”, a sua colagem ao nosso corpo, à nossa casa, a diminuição da distância
física entre nós e as vozes que nos chegam de fora. Não custa compreender as enormes
mudanças que estão em curso, todas diminuindo a distinção entre a realidade e a
virtualidade, alterando as literacias necessárias para compreender e agir no mundo real,
podendo, conforme a “riqueza” da cada um, ser mais inclusivas ou exclusivas
socialmente.

A análise deste processo ganha em ser compreendida também pelo passado da “fala”
que perpassa nos blogues e dos seus precedentes. No próximo artigo analisarei os
diários como protoblogues, escolhendo exemplos em francês, os diários-cadernos de
Valery, Camus, Paul Morand e Cioran e as semelhanças e diferenças de uma escrita
presa à sua circunstância vivida no tempo.”

Pacheco Pereira, Jornal Público


2004

Tendo como base de trabalho o texto acima apresentado propomos-


lhe que :

• faça uma retrospectiva histórica da evolução do computador


sob o ponto de vista tecnológico e centrada no desempenho
(armazenagem e transferência de dados, construção, articulação
e apresentação de informação), não esquecendo a abordagem
aos diferentes constituintes de cada computador (disco,
processador, écran, placa gráfica, etc)

• nos dê a sua visão crítica e fundamentada das palavras de


Pacheco Pereira devendo enfatizar as relações:

 realidade………..virtualidade
 biologização……..literacia
 tecnologia………..blogue

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