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BESTERA CANSEI-ME DE LEITURAS, conceitos € dados. De ser austera e triste como con- sequéncia. Cansei-me de ver frivolidades levadas a sério e crueldades ini- magindveis tratadas com irrelevancia, admiragao ou absoluto desprezo. Sou velha e rica. Chamo-me Leocddia. Resolvi beber e berimbar antes de desapa- recer na terra, ou no fogo ou na imundicie ou no nada. Contratei uma secre- tdéria-acompanhante e disse-lhe 0 seguinte: és jovem e apetitosa. Quando os homens quiserem ter relagdes contigo diga-lhes que fagam um esforco e deitem-se comigo. Pagarei muitissimo bem a cada um deles e ters régias comissdes a cada éxito. Ficou perplexa. Olhou-me a figura ainda esguia mas bastante deteriorada, pediu-me que levantasse a saia, levantei, olhou aturdida minhas coxas murchas. Senhora, retrucou, seré bastante dificil convencé- -los, mas portar-me-ei, desculpe a meséclise... E saiu correndo em diregao ao banheiro. Na volta explicou-me que havia sido professora e sempre tinha ligeiras nduseas quando usava a meséclise, mas diante de um assunto tao repugnante (no seu entender) e acrescido de meséclise, teve que vomitar mesmo. Estava vermelha e lacrimosa mas bastante altiva. Continuou: hei de portar-me indignamente para satisfaz Ja desde que meu saldrio seja compa- tivel com tamanha velhacaria. Disse-lhe a quantia. Ficou radiante. Chama-se Joyce (!). E mignon e deliciosa, peitinhos de adolescente, tem 30 mas da-se- -he 20 (eu nao tenho medo da meséclise), a boca de santinhos levantados, os olhos claros entre 0 amarelo e 0 castanho, os cabelos quase ruivos, elegante no andar e na postura. Perguntou-me de chofre, ao anoitecer, diante do meu primeiro uisque (aprendi que qualquer bebida é menos fatal se se comega @ beber a partir das seis da tarde) se eu conhecia Chesterton. Nao acreditei no que eu ouvia. Seria algum Chesterton amiguinho dela? Um professor? Algum polmicoe Nao senhora, refiro-me a Gilbert Keith Chesterton, novelista ensa- ‘sta oe humorista inglés. Meu Deus! exclamei, eu que deixei de pensar favor Joyee previ ae sain de alguém que leu aan Por te ofende, corns pe 7 ‘ino-a com uma frase do citado: “se a tua ca! - Foi o que aconteceu com a minha, porque para mim depois de t 6 a ‘ am as reflexdes sobre a sordidez, a ignomfnia, a canalhice . nidade, prefiro esquecer que um Chesterton existiu. 180 HILDA HILST muito bem, madame, nao falaremos mais nele. a senhora gostaria de dei- arse com um homem todos os dias? nem pensar. uma vez por semana esta bem. nos outros dias prefiro beber orinha, traquear, bater caixeta e pensar em nigrinhagens. como? esquega. No meu quinto ufsque ela j4 havia entendido quase tudo. Expliquei-lhe principalmente que o homem deveria ser jovem. Que ela se certificasse de sua poténcia. Que nao me mandasse ninguém com bimba ou bilunga. Que estando comigo o homem ficasse mudo. Que eu jé havia providenciado uma linda fronha com rendas francesas para enfiar a minha cabega. Espantou-se. Esclareci: minhas rugas so bastante nitidas, nado quero assusté-los. penso, senhora Leocédia, que esta sendo demasiado cruel, cruel con- sigo mesma. isso nao Ihe interessa. sei tudo sobre crueldade conhego Deus. Mostrei-Ihe um lindo pijama de cetim azulado e perguntei se gostava. E lindo, senhora, pretende usd-lo na préxima semana? E para vocé, Joyce, quando 0 jovem estiver no ponto mande-o para mim. perfeitamente, madame. 0 bolo de dinheiro estaré la. onde? : uu quarto mande-o olhar para todos os lados. descobrir4, 0 no me} : dinheiro cintila. Bem, agora quero lhes co! : fal mulher é tolinha a Sore de “agilizar 0 conceito fala”, de extravasar. Sua importanc! : ; rreu sobre a jnferno. Eu colocava meu xale acastanhado e cantava baixinho s6 a um ae o muito engracada dos meus tempos de faculdade: cume que de bode/ faz tempo que néis num mete/ faz tempo qui ndis Dizia para meu filho: Leocddio, sua mae ntar do meu filho. Tem quarenta anos. Casado. Sua Jam sem parar e sempre imbecilidades. Leu algum que disco visita er: : para ela uma cangat é meu capim barba num fode..- Ela © ue voce est4 louca- como £4 s onde as velhinhas bordam, cantam cangdes de ninar, fri- elos lugar voce ja viu as ferramentas que ela tem debaixo da cama? arrepiava inteira. pode deixé-la aqui sozinha quando ela deveria estar que ferramentas? ancinhos, pas, enxadas... e imagine! um emaranhado de tercos! Af eu explicava com perfeita harmonia entre as palavras que Se sato era guardar as ferramentas ali porque a edicula que havia nos fumes poderia ser alvo de ladrées e aqui no meu quarto sé entra o jardineiro e : monsenhor Ladeira. entram no seu quarto? pra qué? o jardineiro para pegar as ferramentas e o monsenhor para rezar. e ele nado tem o seu proprio tergo? tem. mas pode esquecé-lo. e af tenho outros para rezarmos juntos. Claro que tudo isso nao era verdade. O monsenhor Ladeira foi um exce- lente amante mas sempre se esquecia do tergo e a cada semana comprava um. Mandaram-no para Roma. Pena. As ferramentas eram 0 fetiche de um taurino. Amava tanto a terra que s6 conseguia o prazer se tivesse ancinhos pds enxadas ali ao pé da cama. Desgostoso com a vida foi ser jardineiro num convento. Um tipo Wittgenstein. Tinha um bom mondrongo. Mas meu filho pareceu contentar-se com aquelas explicagées l4 de cima e disse a cretina da minha nora: Leocddia esté completamente licida. Depois de té-lo convencido da minha lucidez rodeei minha nora com pulinhos hostis e langando-lhe perdigotos a cara repeti minha cangaozinha sem que 0 meu filho ouvisse. Gracas a Deus, agora nao me incomodam mais. Leocddio me telefona vez ou outra. Ah, como € delicioso e pratico que as pessoas nos pensem estranhas... O conforto de nao ser mais levado a sério, esse i quear de repente e sorrir como se nao fosse com vocé, € poder acariciar um peixe morto na peixaria e chorar diante de um cao sarnento € faminto- E bom ser estranho e velho. Bem. Joyce tem sido muito habil. Encontra- ~se com 9s jovens e explica-Ihes tudo. O primeiro foi um sujeito muito C franzino, 0 peito encovado mas uma espléndida verga, olhou o dinhelro, acariciou-o, guardou-o e disse-me sorrindo: t6 sempre as ordens, vit, dona: Quando ia saindo do quarto levantei um pouco a fronha e vi seus pentelhos chamuscados e perguntei 0 porqué. : i . 50 € € que fui fazer um virado de ovo e uma fornada de batata 14 na pens#° 0 forno explodiu. 182 HILDA HILST Ah... quer dizer que a senhora fala, dona? e vé sem ver? claro, nao esté vendo? tem alguma coisa na cara pra esconder? s6 velhice. minha av6 também é€ velha e eu gosto dela. mas nao fodes com ela, pois nao? ah, mas também ela nao tem essa pataca! compreendo. Saiu do quarto. De repente gritou do outro lado da porta: tenho um amigo chamado Bestera que também é supimpa de caceta, posso indicd-lo a Joyce? pode sim, respondi. e por que ele se chama Bestera? um cara quis dar o roxinho e muita grana pra ele, e ele respondeu: cu de mancebo sé espio e nao meto. todo o mundo achou uma bestera, porque com grana a gente mete em qualquer buraco. claro. pode mandar 0 Bestera sim. qué saber, dona? a senhora é uma veia muito sensuar! O Bestera também € muito “sensuar”, pensei semanas depois, quando o conheci. Estou feliz. Até jé tiro a fronha. Eulélia: tadinha da veia... mas ela se divertiu né? agora se achegue. de escrevé, descansa, vem va... hoje € sdbado. para SABADO a OF O emaranhado. Roubou?me a mulher. Eu lhe roubarel a ‘Osco. sO. oe : ; vid . ore — depois perfilou-se em artificios, poses. Verdade, ‘a, Enrodilhou-se © + e das femeas, 4 0 pescogo : : fala leitosa, 0 carro, as camisas listradas em al * 5 narinas um quase nada distendidas estufava o peito diant m, Porque é assim que elas gost de mel @ 4bados a raquete, a manhi de primulas, de os 5: Jatejava grosso. Havia finuras: gri- fes, blusées macios Cot oea azul, a valise cor de tabac E olh © ho tudo- ‘ontrastes. ‘Ten ao ua propria carnadura, seu rosto pétreo, € as ’ a nos bragos, sim, um gozo se sentir daquele S o ee

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