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C4 Cidades/Metrópole

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DOMINGO, 30 DE MAIO DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO

SECRETÁRIO DE SEGURANÇA sou como agente na Polícia Federal.


Entrevista PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO
✽ Gaúcho de Santa Maria, é formado em
Após tornar-se delegado, atuou co-
mo chefe do Serviço de Inteligência

José Mariano Beltrame Direito, Administração de Empresas e


Administração Pública. Em 1981, ingres-
e da Interpol no Rio. Pai de três fi-
lhos, é casado com uma professora.

As lideranças do tráfico vão para

‘NÃO RESOLVEMOS O seus redutos de origem. Alguns são


presos pela polícia antes da ocupa-
ção, mas há o “soldado” do tráfico
que ainda permanece no morro e po-

PROBLEMA. PARAMOS UM
de ir para a rua praticar os roubos e
aí é preso. Ou denunciado pela pró-
pria comunidade que aos poucos
perde o medo de falar.

TREM DESCARRILADO’ ● Há plano para prender os grandes?


É uma segunda etapa. Vamos fa-
zer um trabalho de cerco: ou vamos
prender ou eles vão fugir ou podem
perder a vida num confronto.

● Já se percebem mudanças no coti-


diano dessas comunidades?
Dora Kramer Onde havia milícias as pessoas se
RIO sentem melhor, mas ainda têm me-
do. Nas áreas de UPP a melhora é
mais acentuada porque o mesmo po-
licial está sempre ali, é visto pela po-
Para o gaúcho que cuida da segurança do Rio, importante é pulação repetidas vezes e vai crian-
do uma relação de confiança. Em al-
o Estado marcar presença em áreas que tinha abandonado guns lugares os policiais já partici-
pam de casamentos, de festas, bati-
zados. Aos sábados, eu mesmo cos-
tumo ir com minha família.

TASSO MARCELO/AE
● Como se foi feito?
O conceito é mundial, de polícia
comunitária. A execução demandou
um ano e meio de planejamento, tra-
balho diário de equipe, paciência e
carta branca do governador.

● O que assegura a continuidade do


projeto?
Se o próximo secretário for um
político não vai mexer nisso porque
vai perder votos. Se for um técnico
fica mais fácil porque vai levar em
conta os dados.

● E quem garante que o tráfico não


retoma o controle dos territórios?
Eu garanto. Se entrarem com 10,
15 bandidos num morro eu ponho
500 homens e corro com eles de lá.

● Correr aí é um eufemismo?
A polícia não quer matar nin-
guém, mas ela também não vai pôr
a cabeça debaixo da mesa. A polícia
comete excessos? Comete, mas isso
não pode nos impedir de agir. É
complexo? É, mas se não se impuse-
rem limites, fica cada vez pior. É pre-
ciso enfrentar.

Peculiaridade. ‘O Rio é um caso específico. A polícia trabalha contra o crime da rua, contra três facções criminosas e ainda contra as milícias’ ● Política de enfrentamento é o nome
do jogo?
homem é um gaú- Eu diria que o Estado tem de se

O
cho daqueles auste- colocar. Porque para o bandido não
ros, mas sem os rigo- ONDE ESTÃO AS UPPS “O Estado tem de se colocar.
existe Constituição, Código Civil,
res dos afetados. Jo- Porque para o bandido não exis- nada, o território é deles e acabou.
sé Mariano Beltra- BAÍA DE
GUANABARA
te Constituição, Código Civil, o É contra isso que o País precisa se
Jardim Batam
me ultimamente território é deles e acabou. É posicionar. O Estado é o detentor
tem recebido tantos prêmios, meda- contra isso que o País precisa do monopólio da força. Penso que
lhas e homenagens que, confessa RIO DE JANEIRO Providência quanto mais política social eu tiver
meio sem jeito, fica com certo re- se posicionar. O Estado é o de- menos segurança eu preciso. Mas
ceio porque considera o reconheci- tentor do monopólio da força” numa área onde eu estou impedido
mento importante, mas francamen- de entrar, como vou fazer?
Cidade de Deus Santa Marta
te acha um pouco esquisito um se- Borel
cretário de Segurança Pública ser Ladeira dos ● A chamada ala dos direitos huma-
Tabajaras e Morro “Em alguns lugares os policiais
objeto de tantos festejos. 0 km 22
dos Cabritos nos não gosta muito desse discurso.
Muito menos em se tratando do já participam de casamentos, Pois o discurso dessas pessoas é
Babilônia
responsável pela segurança do públi- OCEANO ATLÂNTICO e Chapéu de festas, batizados. Aos sába- que precisa se modernizar. Há anos
Mangueira
co no Estado mais problemático do N
Pavão-Pavãozinho
dos, eu mesmo costumo ir com é sempre o mesmo. A mesma histó-
e Cantagalo
País na questão da criminalidade. minha família” ria da mão de ferro do Estado como
O diagnóstico é dele: “O Rio é se estivéssemos na década de 70. A
mesmo um caso diferente. A polícia realidade mudou e os horizontes
tem de cuidar ao mesmo tempo do losofia é o controle do Estado como Isso não vi e muito menos poderia comandante não fosse nomeado por precisam mudar.
crime de rua, das facções fortemen- causa e o combate ao crime, à violên- provar. mim.
te armadas, das milícias e dos terri- cia, como consequência. ● Que tipo de mudança?
tórios controlados”. De todo modo, os números ilus- ● E a tolerância da população, como se ● O problema da violência no Rio é pior, Deixando de enxergar apenas as
E aqui, principalmente nesse últi- tram. Dois exemplos, um morro da zo- expressa? diferente de São Paulo, ou do restante diferenças para olhar para as igual-
mo item, reside a razão deste delega- na sul, o Dona Marta, onde na década Por exemplo: há anos a sociedade vê do Brasil? dades. O discurso é unilateral e ex-
do da Polícia Federal de 53 anos de dos 80 o cineasta Spike Lee pagou pe- a Rocinha crescendo e ninguém se per- O Rio é um caso específico. A polícia cludente, não considera que a polí-
idade ter se tornado uma espécie de dágio ao tráfico para filmar Michael Ja- gunta quais são os interesses que per- trabalha contra o crime da rua, traba- cia é a mesma que faz a UPP, que di-
coqueluche da cidade: as Unidades ckson, e Cidade de Deus, na zona oes- mitam que isso aconteça. Todo mun- lha contra três facções criminosas e minui os índices de criminalidade,
de Polícia Pacificadora. te, do filme do mesmo nome. do parece que acha normal. ainda trabalha contra as milícias. Nos que tira armas da rua. Escuto as crí-
De dezembro de 2008 até agora O período de comparação é o mes- outros Estados não há essa diversida- ticas, mas é preciso compreender
ocuparam 17 morros do Rio. A polí- mo: novembro de 2008 e novembro de ● É a milícia a ponte de ligação com a de: facções muito armadas junto com que o tempo passou, a realidade mu-
cia não entra e sai. Entra e fica. Para 2009. No Dona Marta os homicídios política? a questão forte de territórios domina- dou e que o adversário é o bandido.
sempre. Acabou o tráfico? Não. Aca- caíram 100%, roubo de carros, 44%, A milícia é formada por policiais e o dos e uma visibilidade grande porque,
bou o controle dos territórios, o Es- apreensão de drogas aumentou 100%. policial criminoso é bandido ao qua- ao contrário de São Paulo, onde essas ● Por que os governos federais não
tado retomou o controle dos espa- Na Cidade de Deus homicídios caíram drado. A milícia trata de formar sua re- pessoas ficam nas periferias, no Rio é conseguem fazer nada na área da Se-
ços e, com isso, 140 mil moradores 82%, roubo de carros, 83%, apreensão de de protegidos e assegura que naque- tudo muito mais barulhento. gurança?
recuperaram a liberdade até mesmo de drogas cresceu 550%. la área só determinados candidatos te- A razão não sei, mas sei que a
de ir e vir. Não há mágicas ou algo de espetacu- nham acesso. Isso dá à milícia uma ● O clima melhorou, mas e o tráfico pro- questão só se resolve com o envolvi-
Problema resolvido? Nem de lon- lar em jogo. É mais simples: é um jeito configuração de crime organizado. Ao priamente dito? mento efetivo da União, dos municí-
ge. Na verdade é um começo. Mas, de mostrar que é possível. contrário do tráfico, que é totalmente Não tenho a pretensão de acabar pios, dos Estados, de todos. Não se
na cidade a sensação ao menos é de desorganizado. com o tráfico. Meu objetivo é tirar a ar- pode fazer uma discussão em cima
que algo se move, já que o processo ● Se é possível retomar o controle de ma pesada das mãos do bandido que de episódios; é preciso uma ideolo-
de dominação começou há 40 anos territórios dominados por que no Rio fica- ● Qual é a diferença? domina territórios e escraviza comuni- gia de segurança, de muito investi-
e de lá para cá sucessivos governos ram tanto tempo sob domínio do crime? A milícia tem chefes, estrutura qua- dades. Enquanto houver doentes have- mento em estrutura, tecnologia,
não apenas ignoraram o problema Por duas razões: a leniência do Esta- se empresarial e planejamento. As pes- rá drogas. Agora o que não é admissí- treinamento e principalmente capa-
como alguns deles chegavam a ne- do e a tolerância da população. soas sentam, pensam e se articulam pa- vel é um sujeito com arma na mão de- cidade de decisão.
gar sua existência. ra executar as ações: da contabilidade terminar aonde vai ou deixa de ir uma
O plano prevê a implantação de ● O senhor poderia ser mais específico? aos assassinatos. Já o tráfico briga en- pessoa. O que acontece é que se acaba ● A proposta do candidato José Ser-
40 UPPs até 2014 em cerca de 150 Há muitos interesses envolvidos. tre si, é barulhento, é violento, mas combatendo o tráfico por tabela. ra, de criação do Ministério da Segu-
comunidades, alcançando 500 mil Não resolvemos o problema, só fize- não é organizado. rança Pública, o que lhe parece?
pessoas. Isso resolve o problema? mos parar um trem que vinha descarri- ● Como? Depende. O importante não é o
Também não. “Mas faz com que as lado. Tínhamos problemas graves de ● Quando o senhor chegou à secretaria, No momento em que eu tiro as ar- nome da coisa, mas saber como e se
coisas caminhem”, diz o secretário. milícias com ramificações dentro das tinha indicação política na polícia? mas do traficante, as pessoas que co- a coisa vai funcionar. Não adianta
Há indicadores de resultados, em- Casas Legislativas; o tráfico tinha o do- Ao que se sabe, eram a Assembleia mercializam as drogas perdem o terri- criar estruturas por criar. O impor-
bora a atual equipe da Secretaria de mínio em determinadas áreas onde o Legislativa e a Câmara Municipal que tório e ficam muito enfraquecidas. tante é que tenham rapidez e capila-
Segurança não goste muito de traba- Estado não se mostrava presente. indicavam. Hoje não tem. Até porque ridade. Se o instrumento é Ministé-
lhar com estatísticas. Há preferên- eu não poderia ter feito nada em bair- ● E onde estão os traficantes que deixa- rio ou Secretaria Nacional de Segu-
cia pelo conceito. E, nesse caso, a fi- ● Havia ramificações no Judiciário? ro nem em comunidade alguma se o ram os morros já ocupados pela polícia? rança como existe hoje, tanto faz.

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