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Tradugo Phillippe Lacoue-Labarthe! Poética e Politica’ Pergunta: por que razao, inicialmente, a poética surgiu do discurso polit co, do discurso filosdfico sobre a politica? Ou menos brutalmente: como se deu que o texto inaugural ¢ fundador do que o Ocidente, desde Aristé- teles, designa sob o nome de “poética", como se deu que este texto, este primeiro documento, nao apenas pertenca ao livro de filosofia ao qual se ligou, alids de modo igualmente inaugural ¢ fundador, o destino politico da filosofia, mas af figure como um dos principais elementos do projeto politico ¢ da reflexdo sobre o Estado que este livro propée? Como se deu, mais genericamente, que ienha sido em nome do que a filosofia, no mo- mento de sua instauracao, delimitou como o politico, que a poesia e a arte, pela primeira vez, tenham sido visadas na esséncia, no alcance e na fungao delas? E que a filosofia, querendo-se legisladora acerca do politico, ede antemao acerca da educagio do corpo social, viu-se obrigada a legife- rar prioritariamente em matéria de arte? O que era entdo a arte a seus olhos, ou melhor: o que havia nela para que fosse assim, quase esponta- neamente, articulada com o politico? O texto inaugural ¢ fundador, vocés ja o reconheceram, é evidente- mente 0 texto platonico. No essencial, os livros H ¢ Ili de A Republica. At se desenrola, como se sabe, entre filosofia e poesia (ou como diz Plato: mythopoiesis), urna cena agonistica que sob muitos aspectos pode-se con- siderar como a “cena primitiva” da filosofia. Que af se instaure igual- mente o que apenas receberd seu titulo ¢ seu estatuto regional (ou seu recone escolar) com Aristételes, a saber, 0 que chamamas ainda a poéti: ca (ou, na linguagem dos Modernos, a teoria ou a ciéncia da literatura), 1 Departamento de Filosofia da Universidade de Strashourg 2 Conleréncia pronunciada em Bruxelas, em 13 de clezembro de 1984, no quadro das Aulas publicas das Faculdades Universitarias de Sao Luiz. ‘que nos faz pensar n*10, vol.2, outubro de 1996 Phillippe Lacove-Labarthe 6, imagino, 0 que me concederfo sem dificuldade: quaisquer que sejam as modlificagdes introduzidas por Aristételes na extensio, na compreen- sio e na distribuicao das categorias platonicas (logos e lexis, mimesis ¢ diegesis, etc.), qualquer que tenha sido a contribuiggo da estruturacao mais lardia do campo pottico em géneros (deixada em estado embriond- rio por Platéo ou mesmo por Aristételes) ou, bem mais perto de nds, qualquer que tenha sido a revolugio operada pela invengéo do conceito de “literatura”, nao se pode desconhecer que foi Plato quem forjou os conceitos que continuaram determinantes para toca teoria literdria —e extensivamente, para toda estética— vindoura, inclusive a da época mais recente. Poder-se-ia sem divida objetar que o nascimento aristoté- lico desta ciéncia ou desta disciplina procede, como é sempre o caso, de um “corte epistemoldgico”, por meio do qual ela seria precisamente ar- rancada do contexto politico onde Platao a confinava ainda de modo obscuro. Mas esta objecdo s6 teria alguma chance de ser sustentada, se se pudesse ao mesmo tempo provar com certeza que na interpretacao, cligamos “funcional”, que Aristételes propde da tragédia (j4 que ai est4 o ceme cla Podtica), as duas afecgies, expurgadas pela catarse, 0 terror ea piedade, nao sio na realidade alecgdes propriamente politicas, isto é, nfo tém relagio com a origem da saciabilicade —com a dissociacio e com a associagio— cujo eco longinquo ainda encontramos em Rous- seau, Burke ou Freud. Que a poética moderna, aquela dos nossos con- Lemporaneos, tenha esquecido esta sobredeterminacdo politica de suas questées ¢ de seu campo, ou nao queira saber mais nada disso —dife- rentemente do que ocorreu no romantismo e no idealismo alemaes quando da reelaboragdo ¢ da refundacao especulativas da postica— isso afinal s6 testemunha o seu esquecimento de mais ou menos tudo, parti- cularmente, do filos6fico (o que, abruptamente, se posso dizer, a “so- nambuliza”), Minha intencdo, todavia, nao ¢ somente despertar o velho deménio apazi- guado nos nossos formalismos. Esta pergunta dirigida a origem da poéti- ca, quer dizer também a esséncia do poético (ou mais genericamente da arte), é na realidade uma pergunta que concerne a politica, quer dizer também a esséncia do politico (ou, se voces preferem, da coisa politica, para traduzir o que os gregos chamavam de ta politika). E por isso que esta pergunta nao se formula, segundo uma tradigdo dentro da qual ela acabou por embotar ou mesmo por se perder como questio: em que a arte, a poe- Poética e Politica sia tocam a politica? Qual é, j4 que é assim que no mais clas vezes chaima- ram, a funcao, a misao ou a destinacio da arte? Mas ela se formula ao contrario: em que o politico é tocado pela arte? O que, no politico, tem a ver com a arte? E por que? Esta pergunta, ¢ claro, poderia ser dirigida a Plato. Escolhi no entanto outra via, ¢ é. Heidegger que a dirijo, Ha duas razées principais para isso Primeiramente, uma razio politica. A politica, com a quat se imiscuiu Heidegger, breve mas decisivamente, €, como ninguém o ignora, o nacio- nal-socialismo. Ou, no nosso século, a forma maior, e a forma monstruosa por exceléncia, daquilo que hoje se convencionou chamar, por um termo que talvez nao seja muito feliz: totalitarismo. Ora, o dito totalitarismo nao 86 percebiclo como um fendmeno politico absolutamente inédito; ¢ tam- pouco exclusivamente, ainda que de fato o seja, o que nao para de obce- car, hoje, nossas andlises e nossas praticas politicas —fechando assim o horizonte do que, para nds, dali em diante deriva do politico. Ele é ainda © fendmeno que referimos, mais ou menos apressadamente, 4 sua fonte filosofica (os “mestres-pensadores”), ou cuja origem, em todo caso, con- signamos a esta ou aquela tradigio, esta ou aquela seqdéncia, esta ou aquela tentacao da filosofia. Segundo os graus de claboragéo, ou de sim- plificagdo, ¢, ora a Aufklarung e 0 rousseauvismo germinal de 92 (0 Terror), ora 0 idealismo especulativo (com, para dar a justa medida, sua inversio nietzscheana), ora a predicagdo incorrigivelmente escatolégica das filoso- fias (o messianismo ¢ a utopia), ora ainda, para saturar as coisas, o proprio platonismo ¢ toda a metafisica. Mas 0 que autoriza que tal vincule possa se constituir entre 0 filoséfico ¢ 0 politico, fora o fato de a filosofia ter quase sempre mantido um discurso politico, isso permanece ndo-interto- gado, Entéo talvez seja urgente —e politicamente urgente, considerando aonde conduzem tais andlises— reativar, ou muito simplesmente ativar, esta questdo: o “totalitarismo”, nao é impossivel, poderia muito bem escla- recer com uma luz diferente esta enigmatica relacdo entre filosofia ¢ poli- tica na qual se desentola provavelmente algo bem diferente da simples “responsabilidade” da filosofia A outra razao € “filoséfica” —e como vai se tratar de Heidegger, peco-lhes autorizagao para por esta palavra entre aspas. A guinada’ politica de Heidegger, que de resto Hannah Arendt comparava Aquela de Platao na Sicilia, ainda é, para nés, bastante incompreensivel. Filo- soficamente incompreensivel. (Deixemos de lado, se me permitem, 0 escin- 141 142 | Phillippe Lacoue-Labarthe dato que esta guinada representa ainda para nés, em todo caso, pata mim, E preciso nao esquecer que a época, mais incompreenstvel do que qualquer outra na histéria, j4 pouco compreensivel, do mundo, impés uma dura prova aqueles incumbidos da tarefa de compreendé-la. Digamos, seus pensadores. © que compreendemos muito mal no engajamento de 33, concedida a parte de ilusdo e mesmo de uma espécie de exaltacdo “revoluciondria”, de um pathos da mutagao radical em tempo de crise, é a distancia a nossos olhos incomensuravel entre a linguagem de Heidegger (inesmo em suas piores proclamacées, aquelas que ele renegou: “Convocacao ao servigo do Urabalho”,* “Comemoragao de Leo Schlageter"? etc.) e 0 discurso nacio- nal-socialista (mesmo aquele dos mais brandos de seus idedlogos oficiais, como Krieck*ou Baumler’), No fundo, 0 que compreendemas muito mal, éa célebre frase escrita —mas ndo pronunciada— no curso de Introducao 4 Metafisica, de 1935, sobre a “verdade interna” ¢ a “grandeza” do movi- mento, isto é, acrescentava Heidegger entre parénteses (¢ foi o paréntese, © que nao foi pronunciado), “o encontro da técnica determinada planeta- riamente com 0 homem moderne”. E se compreendemos mal esta frase, nao é por causa do que ela diz —o que, como o proprio Heidegger indi- cou, provinha entao de uma interpretagao jungeriana, ¢ portanto, indire- tamente, nietzscheana, da esséncia da técnica—, mas porque ndo vemos, 3. N. do Ts A palavra wuitizads aqui, "emburdée", além de significar um desvio brusco, uma ‘guinada, traz embutida a palavra "barde” que, em francés, como no portugues, "bardo”, signi- fica “poeta heréico”. Ela revela assim —dle um modo intraduzivel para o portugués— a dire- 20 (para o postico) da guinada politica de Heidegger. 4 N.do T. Este "Servico do traballio”, junto com os outros dois “Servicos”, da defesa e do saber, foram proclamados por Heidegger em sew Discurso do reitorado, Deve-se apontar que.a“Ser- vico do saber" fot uma inclusao feita por Heidegger e no reconhecida pelos nacionais-socia- Uistas, segundo os jornalistas «la revisia Spiegel, que entrevistaram Heidegger em sevembro de 1966. Nesta mesma entrevista, publicada apenas em 31 de maio de 1976, Heidegger al sobre 0 servico do saber que, embora ele ocupasse o terceiro Ingar na enumeragio, sentido Ihe concedia o primeira (..) € que 0 trabaiho e a defesa sio, como toda atividade humana, fundados no saber ¢ por cle esclarceidos. 5 N. doT.: Discurso pronunciade por Heidegger em 26 de maio de 1933 em comemoragio A morte de Albert Leo Schlageter, ex-estudante da Universidade de Freiburg, fuzilado em 26 de aio de 1923 pelo exéscito frances, por sabotagem. Os nacionais-socialistas recuperaram sua memoria como a de um her6i nacional 6 N. do T.: Ernst Krieck foi um pedagogo, eleito reitor da Universidade dle Frankfurt no mesmo ano que Heidegger, de 1933, quando ja era editor-chefe de um jornal nacional-soctalista Volk Werden, onde Heidegger, apés sua demissao do reitorado, [ot violentamente atacado. 7 N. do T.: Algm de “idedlogo oficial do nacionad-socialismo”, A. Baumiler escrcveu um impor- nic biveo sobre a Critica da Faculdade de Julgar de Kant, que se chama Das Irrationalitdtspro- Dlenn in der Asthetile und Logik des 18. Jahrhunderts bis zur Kritik der Urteltskeaft Poética e Politica seno de modo muito confuso, o que Heidegger pode desta maneira “ilo- soficamente” investir num encontro desses, num encontro colocado sob estes signos. Algo permanece af totalmente enigmético, ainda mais que as explicacdes de Heidegger sobre este ponto continuaram, vocés hdo de convir, bastante parcimoniosas e, para dizé-lo claramente, quase fracas Nas tentativas um pouco mais sérias que foram feitas para elucidar a coisa —e voces saber que as contamos nos dedos de uma mio—, dirigi- ram-se espontaneamente aos documentos de que pensavam poder dispor: ou seja, é evidente, os discursos e pronunciamentos do periodo de reitora- do (estes dez meses fatidicos) mas também, & contracorrente, os textos filossficos nos quais, de Sein und Zeit a Vom Wesen des Grundes, havia tal- vez uma chance de ver antecipadamente se inserever ou se esbocar 0 que, em condigdes histéricas precisas, ia permitir o engajamento nazista. Aos quais podemos ainda acrescentar os dois grandes textos politicos de Jtin- ger, ¢ Heidegger lembrard sempre o quanto eles foram determinantes, A Mobilizacdo Total ¢ O Trabathador. Este procedimento se justificava perfei- tamente, ¢ alias, produziu alguns resultados. Todavia, nas raras declaracgdes que Heidegger fez sobre o caso, ve-se aparecer em [iligrana uma outra indicagio: nelas, Heidegger sugere, com efeito, que seria antes no rastro do episédio de 33 que se deveria buscar, conjuntamente, as razdes do engajamento ¢ da ruptura. Tomo por exem- plo esta declaracio da célebre entrevista concedida em 1966 a Spiegel ¢ publicada, segundo sua prépria vontade, no dia seguinte cle sua morte: Depois da minha demissao do reitorado limitei-me & tarefa do ensino. Duran- te o semestre de verao de 1934, dei um curso de “légica” |Entendam por isso evidentemente um curso sobre o logos}. No scmesire seguime, 1934-1935, dei meu primeiro curso sobre Holderlin. Em 1936 comecaram os cursos sobre Nietzsche. Todos aqueles que sabiam ouvir compreenderam que af se tratava de um acerto de contas com 0 nacional-socialismo. E dizer muito pouco, mas é 0 suficiente. E na realidade, se olhamos mais de perto, percebemos que tudo, no momento da retirada® e do “acerto de N. do T.: A palavra en frances “retrait” que acorrers, a partir aqui, inumeras vezes no texto, ;por causa de sta extensa gama de significagées, ser4 traduzida aliernativamente por "retiro”, *retieada’, “retirado (part.)*, “recolhimento™ 14a 144 | Phillippe Lacoue-Labarthe contas com o nacional-socialismo”, yem se focalizar sobre a questio da arte: pois além do primeiro curso sobre Holderlin (o curso dedicado, nada por acaso, aos hinos “O Reno” ¢ “Germania”, logo seguido pela conlerén- cia “Hélderlin e a Esséncia da Pocsia"), além da abertura do longo debate (que durara mais de quatro anos) com a metafisica de Nietzsche, do qual, em 36, € de se notar, cle partird para a desconstrugao da estética de Nietzsche, o que Heidegger nao diz, é que nos mesmos anos, entre 34 € 37, ele mantém um seminario dedicado as Cartas sobre a Educacao Estética do Homem, de Schiller, co-organiza um outro semindrio “interdisciplinar” sobre “A Superacdo (Uberwindung) da Estética na Questao da Arte” (onde elabora, sob a forma de conferéncias muitas vezes repetidas, o texto sobre “A Origem da Obra de Arte”), dé em 1935 seu curso de Introdugdo @ Meta- fisica que culmina, como se sabe, numa longa interpretagao do célebre coro da Antigona sobre a techne (interpretagao que deve muito as Observa- gdes de Holderlin e que alias ele retomara em 1942 no curso dedicado ao hino “O Istro”). Se acrescentarmos ainda que existe um terceiro curso so- bre Holderlin (‘Andenken", 1941-1942), que no momento da suspensio de sua atividade docente, em 44, Heidegger propunha um curso sobre Denken und Dichten ¢ que o tnico livro que conseguira publicar em todos estes anos, ou cuja publicagdo ele autorizara, é 0 livro sobre Holderlin, vé-se quantas convergencias hd nisso tudo e como parece se desenhar ai uma espécie de projeto sistematico, no qual a questao da atte, dentro da explicacdo politica, ocupa um lugar central. Poder-se-ia dizer em suma —e alias Heidegger o diz quase de maneira explicita numa passagem do curso de 1942 sobre o hino “O Istro” (p. 141ss. do volume publicado recentemente na Gesamtausgabe)— que na outra extremidade da historia da filosofia, mas estando a histéria de agora em diante acabaca e Heidegger ocupando, segundo uma topologia (e uma estratégia) complexas, um lugar diferente do lugar [iluséfico, Hei- degger repete, invertendo-o, 0 gesto platonico: ao gesto que abre, filosofi- camente, 0 campo do politico ao excluir ou expulsar (na mais estrita ob- servancia do rito) © poeta, a fim de assegurar que tal campo fosse vigorosamente ordenado ao saber sobre o ser do ente ¢ a mais nada além disso (af esta o sentido da “soberania filosdfica”, ou al esta o que leva Pla- to a dizer que As Lets s40 os mais belos poemas trdgicos), responde o gesto daquele que, retirado da filosofia dentro da prépria filosofia (o que vale dizer: retirado do politico no “acerto de contas” politico e no discurso politico que mantém), ataca obstinadamente a tiltima das soberanias filo- Poética e Politica | 145 s6ficas, que € no caso, na versio alema do politico, a soberania nietzschea- na, € reintroduz © poeta, a palavra poética, como aquilo ao qual seria ur- gemte € necessario que o politico se submetesse. Na temitica ¢ no estilo de Heidegger nesta época, a explicacao politica, isto é, o acerto de contas com o politico, enuncia-se regularmente na primeira pessoa do plural (nds, Alemacs”) ov ganha a forma de um “enderecamento” aos Alemaes. Este enderecamento se apdia mais frequentemente em Holderlin, e se pro- nuncia em seu nome: Hélderlin € “o poeta cuja obra € uma divida que os Alemies ainda necessitam quitar” (eis al praticamente as dltimas palavras da conferéncia sobre “A Origem da Obra de Arte”). E preciso ainda nao se equivocar sobre o sentido deste procedimento. A inversiio do gesto platénico nao se faz de maneira alguma na figura da reversdo, perfeitamente delimitada e analisada pelo proprio Heidegger a respeito de Nietzsche. A questio na qual se atrisca Heidegger em direcio @ arte, em direcdo a csséncia ou A origem da arte, nao ¢ uma questio da estética (do que Heidegger delimita sob este nome: o todo da filosofia da arte). (E é ébvio igualmente, mas imagino que se tenha compreendido, que em nenhum momento a inauguragéo deste questionamento corres ponda a algum movimento de recuo, malogrado ¢ mecroso, do ativismo militante no “estetismo”: o discurso sobre a arte €, mais uma vez, o discur- so politico de Heidegger.) Mesmo se dé muita importancia ao veredito he- geliano no que tange ao fim da arte, a questo de Heidegger nao mais se articula com os termos herdados da estética inaugurada por Platéo € Aris- tételes, que sancionavam assim o fim da “grande arte grega”. Ela supde sobretudo, como sua prépria possibilidade, a desconstrucao sistematica do conjunto do léxico e da sintaxe da estética ocicental, de Platao a Wag- ner ¢ Nietzsche (é, em parte, do que trata o curso de 1936 sobre “A Von- tade de Poténcia enquanto Arte"). A questao dirigida a arte por conseguin- te nao propicia nem uma estética nem uma poética. Nao hé pottica heideggeriana. Isso significa muito claramente que 0 que esta em jogo para Heidegger nao € arrancar a arie de sua determinacao mimética. Poder-se-ia mostrar, quanto & mimesis, que, sem ter jamais reivindicado a palavra, Heidegger todavia reelabora o seu conceito de ponta a ponta: € 0 sentide do famoso exemplo do templo grego em “A Origem da Obra de Arte”, Mas 0 que est4 em jogo € subtrair esta determinacdo da interpretacio platénica. Por isso 0 pocta que Heidegger reintroduz nao ¢ o mimético de A Repiiblica, 0 ator- autor tragico, sobretudo nao na sua “reconstrugéo” moderna: Wagner. 146 | Phillippe Lacoue-Labarthe Nem mesmo, mais genericamente, o fazedor de mitos, o mythopoietes, —ao menos se aqui se concede a Heidegger, provisoriamente, todo crédi- to posstvel. E sendo efetivamente questdo de mito e de tragécia, ou, da- quilo que procede da "grande arte", nao sera, em todo caso, jamais em termos de sisterna de representacao ou de modo de enunciacao, de logos ¢ de lexis, de matéria ¢ forma; e ainda menos em termos de “representagao” no sentido da teatralidade. Mas sera, como vocés ja saber, em termos de Dichtung, de Sprache ¢ de Sage, através dos quais Heidegger tera desejado restituir, para além do nosso esquecimento muito culto, o que foi a poiesis para os Gregos da “grande época” Retomo portanto minha pergunta: o que, em matéria de politica, tem a ver justamente com a arte? Facamos de conta por um instante que pensamos tenha podido a politica, para Heidegger, confundir-se com o que comumente entendemos por cla. Quer dizer também com uma determinagao em tltima instancia lilosdfica ou metafisica do politico. Afinal de contas, que ele o tenha desejado ou nao, a confusao se produziu efetivamente para cle em 33. A pergunta que faco de- pende daquela outra que the ¢ preliminar: qual era jusiamente, para Heideg- ger, o sentido politico do seu engajamento nazista? Engajamento, que se sabe, nao era de resto sem reservas, notadamente com respeito ao racismo (ao “bio- logismno”) e ao anti-semitismo oficiais da doutrina. Se, por medida de economia, afasto o que provém estritamente da po- litica universitéria, através da qual o Discutso de reitorado, que € contudo co documento mais importante, inscreve-se —do mesmo mado como a Aula inaugural de 1929— na mesma linha da reflexao especulativa sobre a Universidade inaugurada por Kant ¢ 0 Idealismo alemao, ¢ se me atenho ao que provém da politica em geral, creio que essencialmente tudo pode ser reunido em trés motivos principais: 1. Existe primeiramente, a titulo daquilo mesmo que justifica o engaja- mento, uma tematica da pentiria: este tempo € o tempo da pentiria ou da indigéncia. Isso remete indiscutivelmente a situacdo de crise, inextricavel, em que se encontra a Alemanha desde o tratado de Versalhes —uma crise, sob muitos aspectos, talvez sem precedentes na histéria curopéia: nao apenas atesta uma espécie de decomposigao geral, institucional, social € espiritual, de um pafs que se imaginou prometido a hegemonia, mas também a primeira crise grave que afeta uma economia industrial avanga- Postica e Politica | 147 da (o Capital), isto ¢, a modernidade, o mundo da técnica. Além disso, ao mesmo tempo, o discurso sobre a penuria se inscreve na tradigdo de um longo lamento que, desde Schiller ¢ Hélderlin, se nao Winckelmann ¢ Lessing, deplora a inexisténcia da Alemanha, sua “miséria” como diz Marx. Retornaremos a este motivo jA que traz consigo a exigéncia de uma arte alema. Mas em 1933 a inexisténcia da Alemanha significa que nao existe povo alemao ou pelo menos que este povo, quanto ao que © destina como o “povo filoséfico” por exceléncia (a expressdo est na Introducdo @ Metafisica), nao corresponde a sua esséncia ainda “reservada”. Como 0 re- pete insistentemente o Discurso de reitorado, cuja mensagem mais expli- cita ¢ esta: “A ciéncia lou o saber, no sentido especulativa, isto &, a filosofial deve se tornar 0 acontecimento fundamental de nossa existéncia espiritual como povo (unseres geistig-volklichen Dasein)". Isso quer dizer que a Ale- manha, terra (¢ Hngua) da filosofia, coube uma “missao espiritual histo- tial" que a vocaciona com toda certeza a hegemonia, mas antes disso, ¢ somente através dela, € capaz de se identificar como tal e de existir. Alids, isso é o que taga, abertamente, os limites do engajamento nazista de He degger: a Fahrung qual constantemente se faz referencia como aquilo a que se deve submeter toda ¢ qualquer pretensao a dirigit ou a conduzir, a comegar pela pretensio propriamente polftica a dirigir ou a conduzir, esta Fihrung € essencialmente espiritual. E se cabe mengio, é inegavel, das “forcas da terra ¢ do sangue” (doublet? mal disfargado do ideologema Blut und Boden), o povo é essencialmente determinado como Dasein espiritual- historial, ou seja, em dltima instance , como lingua. 2. Este destino do povo alemao a espera de seu destino se inscreve, por sua vez, no destino, isto é, na histéria curopéia ocidental, enquanto esta historia se torna dali por diante mundial ou, o que da no mesmo, enquan- to o destino do mundo € dali por diante ocidental. O horizonte € aqui, sem davida, a “dimensao planetaria” da técnica, cuja esséncia, como dira mais tarde Heidegger, nao é em si mesma “nada técnica”, mas nela preci- samos pensar como o wltimo desdobramento da verdade filosélica, o modo mais poceroso —e na realidade, incontrolavel— do acabamento ¢ da realizagao da metafisica. E portanto como o tiltimo “envio do ser” enga- N. do T.: © termo doublet, sem correspondente em portugues, significa que duas palavras posstiem a mesma etimologia, mas 1¢m formas ¢ empregos diferentes, tag 10 b Phillippe Lacoue-Labarthe jando o homem em sua esséncia. Esta dominacio planetdria da técnica proveniente da Europa assume duas facetas, igualmente ameagadoras para a propria Europa, isto é, para a possibilidade do pensamento: o comunis- mo soviético de um lado, tensionado pelo marxismo, e de outro lado, 0 que Heidegger chamar4 a maior parte do tempo, pois neste ponto ele pou- co oscilaré, @ americanismo —que escora sua aspiracdo a governo do mundo, na kubernesis universal, na eficacia de seu tratamento dos signos, Sob estas duas facetas, a mesma coisa se desdobra, mas sob nenhuma das duas, a coisa mesma € pensada: este desdobramento € cego, ¢ cega-se a si mesmo. A Europa, a tinica, que esta na origem (desde os Gregos) deste movimento e, com isso, capaz de pensa-lo, “esta entre tenazes””® e amea- gacla pura e simplesmente de desaparigéo. E na propria Europa, no seu centro, € 0 "povo do meio”, a Alemanha, que sofre a maior ameaca. Vocés percebem que a este titulo a insurreigdo ou mesmo a revolucdo nacional socialista terd representado, para Heidegger, a esperanca de um sobre-sal- to.!! Contanto, ele pensava, que este sobre-salto fosse decisivo, isto é, fos- se em tudo ordenado pela “vontade da esséncia”. Por af se vé ainda que a parte de ilusio, em Heidegger, ndo era pequena. Na realidade, aquilo que Heidegger exigia do nacional-socialismo era propriamente exorbitante: ndo era menos do que uma conversio radical, um (re)comego puro da histéria, sendo o desenraizamento do destino téc- nico-cientifico do Ocidente, em todo caso 0 confronto puramente herdico (e de resto literakmente prometéico) com este destino. Nada menos, por conseguinte, que o prdprio programa de Heidegger, tal como jii se podia, de fato, ler em Sein und Zeit. Por isso, esta espécie de “Discurso a nacao alema”, que é o Discurso de reitorado, segundo um gesto que ndo para de se repetir desde o momento em que aparece uma questao alema, que pon- tua com regularidade a longa histéria agonistica, no sentido de Nietzsche, e€ que é aquela clo pensamento ¢ da arte alemaes, convida a Alemanha, a fim de se tornar ela mesma ¢ reencontrar sua origem, a entrar na escola dos Gregos (pois sao eles, a origem) e a repetir, numa repeticao onde creio possivel desvendar uma secreta mimetologia, 0 grande comego grego. O qual, “enquanto aquilo que € grandioso, passou de antemao por cima de N. do T.: A expressto € de Emmanuel Cameiro Leo, tradutar de Introduce a Metafisica, Ea Teinpo Brasileiro, RJ, 1966, p. 80. N. do T.: Alteramos a grafia desta palavra com um hifen, a fim de tessattar 0 tema heidegge- iano do “salto” (Sprung), com o qual, provavelmente ela aqui se relaciona. Postica e Potitica tudo 0 que acontece, e por conseguinte por cima de nés mesmos” e que, “caido no nosso futuro (.,.) mantém-se como aquilo que, de modo distan- te, dispde de nés e nes permite repetir sua grandeza”. O Discurso convida portanto os Alemies a se colocarem “de novo sob a poténcia do comeco de (sua) existéncia espiritual-historial”, que é “a irrupcao da filosofia gre ga”: “B af que pela primeira vez o homem ocidental, a partir de um ser- povo (Volhstum), pela forga da lingua deste povo, ergue-se em face do ente em sua totalidade, que ele questiona e apreende como ente que é.” 149 3. Esta irrupgdo inaugural da historia —e € preciso entender por isso: ins- tauradora da historia, abrindo a histéria em sua possibilidade mesma—, que nao ¢ algo diferente da transcendéncia finita do Dasein, € a irrupgio da filosofia, isto é, do saber (Wissen), do “se manter questionando no meio do ente em sua totalidade, que nao para de dissimular-se”, E a ek-sisténcia mesma, no sentido em que a conferéncia sobre “A Esséncia da Verdade” dela diz que € a “exposicao ao carater desvetado do ente como tal”, acres- centando que a * ‘h-sistencia do homem historial comega no instante em que 0 primciro pensador se ergue questionador face ao desvelamento do ene € se pergunta o que € 0 ente”, Ou ainda a teoria que, no sentido forte do termo, ndo é simples contemplacdo mas "paixdo de permanecer junto ao ente como tal e sob o seu cero”. Ora, “saber” é como Heidegger sem- pre uraduz o grego techne —a theoria, compreendida af como “a mais alta modalidade da energeia, do ser-na-obra (das Am-Werk-sein)”, que se pode entender também como ser-ao-trabalho, é a sugestao cle Granel, se pensa- mos na figura (na Gestalt) jiingeriana do Trabalhador que constitui a mar- ca (la frappe) ou 0 tipo, o cides da moderna hummanidade sob a dominacao da técnica. © apelo ao (reJcomego do comeco grego é portanto o apelo a repetir a irrupcao da techne, do saber, enquanto esséncia da técnica. O que nao significa que se trate de um apclo a dominar a técnica, mas de uma lentativa para encontrar, com sua dominagio, uma relagéo na medida da “superpoténcia” de uma tal dominagto. Estas indicagoes sao evicentemente muito ligeiras: rew simplesmente, a tir de andlises efetwadas anteriormente, os elementos indispensaveis a compreensao do problema que nos ocupa aqui. Gostaria entretanto de acrescentar duas observagées. A primeira é para dizer que, no seu léxico como ao menos numa parte de sua temiétiea, 0 discurso heideggeriano de 33 € manifestamente sub- 150 Phillippe tacoue-Labarthe misso a pensamento de Nietzsche: ao longo de toda sua extensio, € ques- tao de vontade e de decisio, de poténcia e de super-poténcia, de combate e de confronto com a necessidade. E 0 tributo pago a sobredeterminacao nieizscheana, ou mais exatamente wagner-nietzscheana, da idcologia na- cional-socialista. E € 0 indicio de que o acerto de contas com Nietzsche, muito presente nas passagens dlecisivas de Sein und Zeit (particularmente na andlise da historicidade ou da historialidade), a Auseinandersetzung!” decisiva ainda nao aconteceu. Como par af também se explica que tudo, na pregacao da pentiria ¢ na ameaca que pesa sobre a humanidade, e a humanidade alema em primeiro lugar, esteja referido a frase “Deus esta morto”, que ainda nao foi revelada como a palavra de ordem da “reversdo do platonismo” ¢ a atestacdo de que Nietzsche “ndo alcangou o verdadeiro cerne da filosofia”, como diré, apenas dois anos mais tarde, 0 curso Intro- ducao a Metafisica. Quero com isso simplesmente marcar que sera Hitler, em suma, quem revelara que Hélderlin, pelo conjunto das questées que determinam o engajamento de 33, atinge uma profundidade insuspeitada por Nietzsche A segunda observagao ¢ para assinalar que este discurso que por um instante acreditamos politico nao o é, no fundo, de mancira alyuma, mes- mo se é 0 lugar de um comprometimenta politico bem real e do aval filo sofico outorgado a uma politica inteiramente precisa, E, de resto, um dos pontos sobre o qual, no retire de apés 34, Heidegger talvez mais insistird ou bem o politico —e € este o esquema geral da argumentagae— provém daquilo que os Gregos visaram sob o nome de polis (cuja instauragéo ou instituigdo, ou mesmo fundagdo, é —a semelhanga, ou quase, das irrup- 6es mais decisivas quanto a histéria: a arte, o pensamento—, um dos ges- tos fundamentais do Dasein) —entao, ou bem 0 politico provem da polis, ‘ou bem a polis, em si, néo provém em nada do politico, ou mais exatamen- te da politica. F um modo da ek-sisténcia, ela € essencialmente o Da do Sein, e o curso de 1942 sobre o hino “O Sstro”, na linha de um comentario do coro da Antigona ja evocado, reporta o substantivo palis ao verbo pelein, dado, por sua vez, como um sindnimo de einai. A esséncia do politico se furta necessariamente a toda captura em si politica (sendo, diz ainda o N. do t.: Esta patavra é formada pelo prefixo “auseinander”, que significa “um fora do outro", tnats 0 radical “setzen", que quer dizer "por, colocar", ou seja, “o por um fora do outro”, segundo Emmanuel Carnciro Leto, que traduziu sinteticamente © termio por “dis-posigao" (0p. cit. p. 128), Postica e Politica | 151 mesmo texto, por pouco os Gregos nao seriam considerados nacionais-so- cialistas), © que também é verdadeiro para Plato, quando ele se interroga de um ponto de vista pretensamente “politico” sobre a arte, no momento mesino que refere expressamente a determinacao do ser-comum (do Esta- do) ao saber do ser, a interpretagao do ser ja seria, no caso, uma interpre- taco tendenciosa do ser como idea. O discurso politico de 33 é na reali- dade, apesar de tudo, um discurso que se pretende re-fundador do politice e que entende por isso subtrait-se a toda “politizacao”, o que de- signa aqui a politizacgao de tudo, inscrita, com efeito, no programa do "to- talitarismo”, De qualquer maneira, a tentacgio politica, se existe uma, desmorona em 1934. Ao mesmo tempo que desaparece abruptamente toda referéncia po- sitiva a Nietzsche —faltard, todavia, separd-la de sua interpretacdo politi- ca, do nietzcheanismo. Mesmo se no essencial —a missio espiritual da Alemanha, por exemplo, ou a necessiclade de repensar a Universidade— nada foi renegado, o discurso de Heidegger, no recolhimento, torna-se abertamente um discurso de oposic¢do, e muito frequentemente, de grande violencia. Mas antes de tudo, voltada, é verdade, principalmente contra a tolice. Discurso de oposigao é de resto dizer muito pouco. O movimento de retirada ¢ tal, de fato, que é a propria raiz do politico que Heidegger alaca. Se o politico é interrogado, é na sua propria possibilidade ou na sua esséncia. A qual, por definicao, se subtrai a qualquer evidéncia. A leitura politica que se pode arriscar portanto deste discurso (por ser necessaria, e alé mesmo urgente hoje), esta leitura politica deve rigorosamente levar em. conta tal retirada e sua légica propria, através da qual os contornos do politico 6 se tragam ou se retragam na medida da retirada, no politico e do politico, de sua esséncia. Tal esséncia, esta ¢ portanto minha hipétese, Heidegger a procura na techne, E a prdpria techne, no movimento de retirada, é antes como arte (e principalmente como poesia) que ela chega a sua determinacao. Se quises- se dar cle antemao o esquema da demonstragaéo na qual me engajo, eu o faria sob a forma de duas proposigées: a esséncia do politico é a Histéria no sentido da Geschichte; e a esséncia da Histéria, da historicidade ou da historialidade, € a techne, isto é, 0 Denken und Dichten: entdo, sobretudo nao a arte, mas o pensamento ¢ a poesia na sua “conexdo origindria essen- cial” como o diz Heidegger em 35 —e sem chivida, sim, primeiro a poesia, se pensarmos na primeirfssima eclosio do pensamento grego (Parménides. 152 | Phillippe Lacoue-Labarthe e Herdclito) ou entdo, na area do desdobramento propriamente filoséfico, em Holderlin que “olha para frente € abre o caminho”, quando Hegel “olha para tris e fecha a estrada”."? Ou ainda se pensarmos na mais alta “poesia pensada” dos Gregos, a tragédia. Na época em que Brecht e Benjamin denunciavam no nazismo “a este- tizagao da politica” —e de fato o projeto nazista € incompreensivel se nao © referirmos, além mesmo do wagner-nietzscheanismo, ao grande sonho mimético alemao com a Grécia ¢ com a possibilidade de reconstituir esta obra de arte "viva" que loi a cidade-estado, ¢ se nao percebermos a assimi- lagao da técnica pela arte, sobre a qual o sonho repousa—, vemos que a resposta de Heidegger nao é a que davam Brecht ¢ Benjamin: ou seja, a famosa “politizagdo da arte”, que deixa encerrar sobre si, como 0 percebe- r4 Benjamin in extremis, a légica da politizagio total. A resposta de Hei- degger est4 numa determinagao mais decisiva da techne. Como isso se da? A primeira coisa que precisa ser assinalada aqui, é que techne ndo quer dizer “arte”. Seja a propésito de Antigona ou de A Repiiblica, seja ainda, muito mais tarde, na conferéncia sobre a técnica, Heidegger nao para de insistir nisso: fechne nfo designa nenhum modo do fazer, do fabricar ou do efetuar, artesanal ou nao (isto é, a “técnica” no sentido banal), mas techne quer dizer “saber”. Mesmo para Aristoteles, e para sua época, techne esta sempre associada a episteme: é 0 fato de “ser conhecector” ou de “reco- nhecerse em alguma coisa”. O que, traduzido nos termos da ontologia fundamental, significa: a partir do ser-exposto no meio do ente em sua totalidade, ultrapassar o ente, transcendé-lo visando reconhecé-lo ¢ insti- tui-lo como tal. Techne € portanto um modo insigne de desvelamento, da aletheia, e por conseguinte da irrupgdo ou do desabrochamento do Dasein no ente, Quanto a esta significagdo original da palavra, Heidegger portanto nunca cedeu nada sobre o que consistia no fundo © apelo “politico” de 33. O traba- Iho sobre a palavra, entretanto, desvia-se em outra diregao. Techne quer dizer também “arte”. Da maneira mais geral porque, enquanto modo do desvela- mento, € necessariamente um moclo do poicin, do produzit (herstellen), © que, aliés, remete aquele outro modo do poiein que é a phusis, Mais restritamente 13. N.do Ts Traduca modhficadla de Introducdo a Metufisica, op. cit, p. 193. Pottica e Politica | 153 porque, como saber dominante ou controlador do ente, a techne é necesséria para a producao de utensilios ¢ de obras que, sobre o fundo da produggo “fisica”, vém se acrescentar ao ente }é dado, Dat procede que se 0 technites, em seu sentido mais elevado, pode designar o artista, nia é porque o artista é um artesio mas porque a arte, o que chamamos assim, é a forma mais alta deste mado do “poiético” que € proprio do homem. E 0 que, alids, permite explicar que a techne por exceléncia, sob este aspecto, seja a poesia, a producao pela Tinguagem —aos olhos dos Gregos a forma mais alta por sua vez do poiein reservado ao homem. Uma tal compreensao da arte supoc, é claro, que se liberte a arte de toda determinacdo esiética, a comecar pela consideracio do belo. Qu en- to, € preciso devolver ao belo um sentido de que a filosofia permaneceu incapaz —mesmo, talvez, quando tardiamente nela se introduziu a cate- goria, de otigem retérica, do sublime. Sob esta condicdo, mas somente sob esta condigao, techne pode querer dizer “arte”, isto é, a arte. O que € portanto a arte, a techne, em sua esséncia? Resposta —e esta resposta, vocés verdo, se no se tratasse daqui em diante da arte, seria a mesma resposta do Discurso de reitorado. Cito uma passagem da Introdugdo de 1935: Saber ¢ 0 pacler por em obra o ser como um tal ou qual ente, Os Gregos chamavam de modo especial lechne a arte em sentido proprio ¢ a obra d'arte, porque ¢ a arte que, do modo mais imediato, leva o ser a instancia (ao Stehen, ao ser-erguido) em algo, que est presente (Anwesenden) (a obra), o ser, isto é,0 aparecer, que se apresenta em si mesino. A obra dlarte nao €, em primeiro lugar, obra, porquanto € confeccionada, é feita, mas porque ela opera o ser em um ente. Operar significa aqui por em obra, na qual, como no que apare- ce, chega a brilhar a phusis, o brotar imperante, que vigora. Pela obra d'arte, como o ser-ente (das Seiende-Sein) que ¢, tudo, que aparece ¢ pode ser encon- trado, ¢ confirmado, torna-se inteligtvel, acessivel e compreenstvel, como ente ou nda ente. E porque a arte, no sentido estrito ¢ eminente, leva na obra o sera manter-se-de-pé ¢ ao aparecer como ente, que ela vale, a bom direito, como o poder-por em obra, simplesmente dito, como techne. O poder-porem. obra é umn operar manifestativo do ser no ente. O saber consiste nesse abrir e manter aberto reflexive ¢ operante. A paixdo do saber esta em investigar questées. Por ser um tal saber € que a arte é techne.!* Niio posso evidertemente comentar este texto que resume to bem toda 154 ppe Lacove-Labarthe “A Origem da Obra de Arte” ou pelo menos fembra a sua tese fundamen- tal: a arte € 0 obrar da verdade. Gostaria simplesmente de insistit sobre alguns pontos. Primeiramente isto: disse ha pouco que a resposta de Heidegger a questdo da techne esta neste texto, se ndo se tratasse daqui em diante no- meadamente da arte, a resposta seria a mesma que propumha o discurso “politico” de 33. E verdade, com a unica diferenga que faz talvez toda a diferenca: ¢ que “saber” ou techne nao se traduz mais por “ser em obra” (am Werk sein) mas por “por na obra” (ins Werk bringen ou ins Werk setzen), com isso se modificou notadarente o sentido da energeia que o Discurso de reitorado reivindicava a titulo da thearia, Se porventura, como podem dar a pensar certos textos de 33, particularmente “Convocagao ao serviga do trabalho" (ou também qualquer passagem do Discurso), uma ontologia do trabalho ¢ do Trabalhador pade tensionar a propasta “politica” de Hei- degger, tal ontologia desapareceu daqui em diante sem deixar vestigios. E nao somente a esséncia da techne € buscada do lado da ante ¢ da obra de arte, mas a arte ocupa o primeiro lugar, junto com o pensamento, dentre os modos de advento da verdade: a ante € aqui “o que, do modo mais ime- diato leva o sera por-se-de-pé”, A sua instalagdo no ente; ¢ este privilégio, alias, Ihe é concedido permanentemente, por exemplo nos desenvolvi- mentos bem freqtientes onde se esboca uma hierarquizagao dos gestos fundamentais: 0 gesto fundador de uma cidade-estado, © gesto do sacriff- cio essencial, o gesto da veneragio religiosa. O segundo ponto sobre © qual gostaria de insistir ¢ este: apesar da cri- tica radical a qual ele submete todos os conceitos da estética, inclusive o conceito de mimesis, apesar da sua desconstrucdo sem resto da estética, a interpretagio que Heidegger propoe da arte é, fundamentalmente, uma mimetologia. E certo que, ja o lembrei antes, Heidegger recusa a palavra; ele afasta com 0 maior desprezo, um desprezo, alias, estranhamente plato- nico € filosdfico, toda consideragdo da “imitagao”, e vocés sabem que se 0 exemplo maximo, em “A Origem da Obra de Arte”, € um templo, ¢ porque. “o templo nio é feito A imagem de nada”. Dito isso, o que cle recusa exatamente com esta palavra? Muito explicitamente, mas também muito paradoxalmente, @ interpre- taco platénica da mimesis, ou seja —refiro-me ainda a uma passagein da 14. N, doT.: Traducao modifieada, intradugao a Metafisca, op. ct., p. 234. Poética e Politica | 155 Introdugdo de 35— a mimesis compreendida a partir da idea, em si mesma pensada como paradigma ou como modelo sob o horizonte da aletheia interpretada em termos de adequacao ou de homoiasis. Ora, isso nao impe- de absolutamente a tese que concerne a arte de ser a reelaboracdo, jamais abertamente apresentada como tal, mas também nunca totalmente dissi- mulada, da concepgao aristotélica da partigéo entre phusis ¢ techne, isto é, da concep¢ao ontoldgica da mimesis: fazer da arte, no combate (0 polemos) entre terra ¢ mundo (ou, em Séfocles, dike € techne), que € 0 préprio com- bate do cinai € do noein inaugural do pensamento ocidental, o suplemen- to, € até mesmo 0 trago ou © arqui-traco originariamente suplementar e desvelador com respeito & prdpria phusis (ao ser do ente); fazer da arte aquilo de que a phusis precisa para aparecer como tal, é —num outro nivel de profundidade— repetir o que diz Aristételes da mimesis enquanto o que “leva a termo” o que a phusis, por si mesma, ndo pode "efetuar”. O que nao deve ser entendiclo, Jean Beaufret 0 mostrou, como uma simples su- plementacdo éntica ou empirica De resto, o discurso sobre a arte, com sua oposi¢io entre o mundo e a terra € sua lese sobre a obra de arte como tese da verdade ou do ser, toma, de maneira totalmente clara, o lugar da reinterpretagao, nos termos da on- tologia fundamental, da transcendéncia do Dasein como imaginacéo trans- cendental ou poder de esquematizar: a techne, a arte, vem no fundo ao invés € no lugar do conceito transcendental de mundo, o qual &, desde Sein und Zeit, tratado em termos de eshoco (Entwurf), de imagem (Bild), de protétipo (Vorbild) —o Dasein sendo designade como formador de mundo (Welthildend). Clara, todo o léxico do traco ¢ do arqui-traco, da tirada e da retirada, da estatura e da ligura (Gestalt), substituiré a terminologia kan- tiana utilizada anteriormente. Mas a intengdo é a mesma: a arte é pura ¢ simplesmente a instalagio de um mundo, ou seja— voltaremos a isso de- pois—, a possibilidade de uma historia, E que a obra seja definida pela primeira vez como o Gestell, a reunido de todos os modos da instalagao que a filosofia distribui em representagao (Vorstellung), figuragio (Gestal- tung), apresentacao (Darstellung), producao (Herstellung), etc., 0 qual vinte anos mais tarde Heidegger tornara a secreta esséncia da propria técnica; ou que, da mesma forma, em todo lugar que fale do Dichten, Heidegger insista sobre a imagem (Bild), isso apenas confirma a origem kantiana de sua interpretagao da arte, E por conseguinte o que adianto aqui sob 0 nome cle mimetologia, se, na incerteza total em que estamos sobre a eti- mologia de mimesis e a significagio da palavra mrimos, nem por isso deixa- 156 | Phillippe Lacoue-Labarthe mos de saber que imitatio e imago remetem uma a outra na lingua, ¢ que esta € uma das limitacdes mais antigas de toda interpretagao Ua esséncia dla arte. Por que, dito isso, privilegiar na arte, de maneira téo constante € tao acentuada, a poesia? E por que este privilégio €, pelo menos para a nossa era, praticamente exclusivo de Holderlin? Que a poesia seja considerada como a mais eminente das artes, af esta uma divida que o proprio Heidegger reconhece face aos Gregos. Por poe- sia é preciso entender aqui 0 lirismo (Pindaro) ou a Itrica tragica (Séfo- cles), E € por ter tido acesso a tal lirismo, precisamente —através da tra- dugao, isto é, através da repetigao, que se origina sua prépria obra—, que Holderlin obtémn de infcio este privilégio: a poesia de Hélderlin, diz Hei- degger em 42, s6 é apreensivel sobre o fundo da meditagao de Séfocles. Meditagao de Sofocles, isso quer dizer, evidentemente, que, no lirismo, € © pensamento que é visado, a “marca” (“Ia frappe") do pensamento. Mas isso quer dizer também que, na imerpretacao hdlderliniana do tragico € da tragédia, que € uma determinacao geral da arte a partir da diferenca ou do antagonismo entre phusis (0 “adrgico”) ¢ techne {0 “organico”), abre-se para uma profundidade que nenhuma estética atingira, ¢ sobretudo nao a nietzscheana, a questao que encaminha 0 proprio pensamento do ser. Holderlin, € preciso nao esquecer, no sé entra no dispositive heidegge- riano no momento do retiro face a politica, como também € aquele em torno de quem gira, a0 mesmo tempo, a Kehre —isto, afinal de contas, nao sendo talvez estranho aquilo, Mais ainda: sabemos muito bem pela conferéncia sobre “A Origem da Obra de Arte” que se a poesia detém um tal privilégio, é pela simples razio de que “toda arte é essencialmente poema (Dichtung)". A verdade se instaura ou se instala originalmente como poesia. O desabrochamento violento, a abertura no ente do Aberto (no sentido de Hélderlin, nao no de Rilke) que “estranha" 0 ente e o torna unheimlich (in-sdlito) no seu ser, de sorte que ele se deixa reconhecer como tal, ou seja, como ele é, esta abertura advém pela primeira vez no nomear que é “nomeagio do ente para o ser a partir do ser” ¢ pela qual, somente, o ente como tal aparece ou se mostra. A Dichtung, originalmente, ¢ a prépria Imgua, a Sprache: ali onde nao hé lingua, ali onde nao ha o dom da lingua (o es gibt deste primeiro suplemento ou ex-crescéncia que ¢ 0 doin, absoluta- mente), nao ha tampouco abertura para o ente, néo ha mundo: nenhum evento-advento do ser, nenhum Ervignis. O ser se dé origenariamente Poética e Politica | 157 como © dom da lingua, como ¢ neste ente insigne, se ente o ¢, capaz de abrir o ente por inteiro. Por esta razdo a Dichtung é a esséncia mesma da arte, da techne, nenhuma suplementagdo ou excrescéncia podendo se dar, ¢ para comegar nenhuma arte podendo surgir ou se instituir, se elas nao forem previamente regidas pela propria lingua. A lingua ¢ a excres- céncia (o mimema) originaria. E somente a partir da Dichtung neste pri- meiro sentido, que extravasa evidentemente o "poético” enquanto “arte da palavra’, que o projeto da clareira do ente como tal € possivel. A Dichtung é 0 transcendental puro ¢ simplesmente. Ela é, em outras pala- vras, 0 proprio mundo enquanto o que se arranca violentamente da ter ra, da phusis, que, no entanto, por isso mesmo, ele deixa vir em presenga € preserva em sua cripta Também 0 poema nao é qualquer poema. Ele sé ¢ verdadeiramente poema, ou seja, poema da verdade, ali onde ele se diz como poema. A grandeza insuperavel do coro de Antigona esta em dizer a esséncia da tech- ne; ¢ a grandeza, ela também talvez insuperavel, de Holderlin esta em ter sido o poeta da esséncia da poesia. “O dizer em seu projeto € poema: ele diz 0 mundo e a terra, 0 espaco de jogo e seu combate”: diz por conse- guinte a verdade, a aletheia, na possibilidade mesma de sua instalagao, como techne. Ou, segundo a hipdtese que me guia aqui, ele cliz a mimesis como esséneia da aletheia: nao a simulacao, mas o préprio jogo da seme- Ihanga consigo mesmo do ente, isto €, 0 proprio jogo da dissimulacao e do desvendamente, da cripta e do parecer: 0 polemas. Mimesis, se a0 menos a subtraissemos ao valor da imitagao éntica, seria em suma “O um diferindo em si mesimo” de Heraclito, através do que Holderlin, ¢ sabido, definia o belo ou © que, no belo, ultrapassa o belo. Neste sentido, tudo que era vertido unicamente na conta do saber e de sua “energia” no discurse “politico” de 33 ¢ revertido, apés a muptura, na con- ta da poesia ¢ da arte. Mas para um projeto que permanece na realidade 0 mesmo: a partir da abertura do ente como tal, numa lingua, dar a um povo a possibilidade de instituir um mundo ¢ de comegar ou de iniciar uma histéria: Acada vez que uma arte advém, quer dizer que ha comego (Anfang), entao ocorre na Histéria um choque: a Histéria comega ou retoma de novo o fio (..), A Histcia € 0 despertar de um povo para aquilo que Ihe € dado realizar, come insergao deste povo em sua prépria heranga. 158 | Philippe Lacoue-Labarthe Aarte, a poesia, ¢ portanto a possibilidade mesina daquilo que em 33 Hei- degger chamava a existéncia espiritual-historial de um povo. A arte € a historicidade ou a historialidade em si mesma, na medida em que 0 (re)comego ou a (re)peti¢ao do envio grego obriga a repensar a relacdo entre phusis € techne & luz da relagao, tornada determinante para o pensa- mento alemao desde Kant, entre natureza ¢ histéria. Por ai se verifica que ‘9 pensamento da historia esta sempre ancorado num pensamento da arte, ou, mas é a mesma coisa, que é sempre uma mimetologia que subtende o pensamento da histéria, revelada tanto na interpretacao hegeliana da Gré- cia (€ 0 veredito do “fim da arte") quanto na histéria agonfstica de Nietzs- che ou ainda na maneira como Hélderlin, ao determinar a diferenca entre © grego ¢ o hespério, extravaza toda a teméatica recebida da imitacao dos Antigos ¢ abre, talvez, a possibilidade de uma grande arte moderna. © que da no entanto a poesia este poder historial, isto é, também este poder “politico”, no sentido em que Heidegger o entende, se ¢ verdade que “a polis € 9 sitio historial, 0 Da no qual, a partir do qual ¢ através do qual, a Historia advém"?!> Pode-se, muito esquematicamente, propor duas respostas. A primeira enuncia que, sendo fundamentalmente lingua, € a partir dela, da poesia, que se diz originariamente o ser. Por isso a historia da arte nao € outra coisa sendo historia do ser, ou seja, historia do pensamento, Cito “A Origem da Obra de Arte”: Sempre quando a inteireza do ente, enquanto ele mesmo, requer a fundacio no aberto, a arte atinge sua esséncia historial enquanto instauragdo. Esta ad- vem no Ocidente pela primeira vez no mundo grego. O que desde entéo de- vera querer dizer “ser” foi fixado de modo canénico. A inteireza do eme assim aberto foi entao transformada em ente, no sentido do que [vi criado por Deus, Isso se produziu na Idade Média, Este ente, por sua vez, foi de novo transformado no infcio ¢ durante os Tempos Modlernes, © ente tomnou-se objeto calculayel, suscettvel de ser atravessado pelo olhar e dominado. A cada vez se abriu um mundo novo, com sua essencia propria (...) A cada vez se produziu uma abertura do ente. Ela se impoe na obra; esta imposigho & realizada pela arte. 15. Introduce a Metafisiea Poética e Politica | 159 Por ai se vé que, se Heidegger, em 1933, sonhou com um novo mundo ou com a abertura de um novo mundo, faltava a esse mundo a tinica coisa que poderia the dar novidade (inicialidade) e constitui-lo como mundo verdadeiro: uma arte, um poema, uma lingua. Ou a meméria ¢ o teconhe- cimento do que havia feito a novidade de uma arte, de um poema, de uma lingua. A meméria e reconhecimento de Hélderlin. Mas uma segunda resposta é possivel: enquanto ela é originalmente Sprache, lingua, a Dichtung & também, diz Heidegger, Sage. Sage, de sagen: dizer, deve ser entendido como a antiga saga. Sage traduz simplesmente muthos (ou fabula). Por isso, "o poema é a Sage (o mito) do ente”. O que quer dizer aqui "mito"? Como ele © precisard mais tarde, muthos € logos, primitivamente, nado estéo de maneira nenhuma em oposicéo. O recurso ao mito nao é portan- to, segundo “um preconceito da histéria ¢ da filologia, herdade do racio- nalismo moderno baseado no platonismo”,|® um gesto itracionalista. E, ao contrario, ¢ simplesmente, o movimento necessirio & questo que concer- ne & esséncia do dizer poético. O dizer poético diz, quando ele é essencial (isto é, quando, dizendo-se, ele diz a verdade), o Aberto: o espaco de jogo do combate entre mundo e terra, do polemos. Ora, este espaco de jogo ndo ¢ outro senao o sagrado, que deve ser entendido aqui —cito ainda “A Ori- gem cla Obra de Arte"— como “o lugar da maior proximidade ¢ do maior afastamento clos deuses”. O dizer poético diz, e é nisso que ele ¢ muthas, a possibilidade ou nao do deus ou dos deuses. Nao que seja oragae ou invo- cacao: mas ele diz como ¢€ porque os deuses estdo aqui ou se afastam. (Alias, ¢ 0 que explica 0 absurdo que consiste em “crer que o muthos foi destrutdo pelo logos. O religioso nunca € desiruido pela légica, mas sem- pre € unicamente pelo fato de que o deus se retira”.) Presenga ou retirada do divino, esta é a raiz do antagonismo ou do combate. E disto se ocupa a poesia, ou seja, a mutho-poiesis Aqui, de fato, a tragédia é exemplar, ¢, dentro da tragédia, sto exemplares, as duas tragédias de Sofocles lidas, ou reescritas por Hélderlin. Essencialmen- tc, a exemplaridade da tragédia se deve 4 duplicidade ou a divisto da cena tragica em orchestra ¢ skene propriamente dita, em "cena lirica” e “cena dra- miatica”, porque uma tal divisio ndo é¢ mais do que aquilo que reparte duas esferas (0 em-baixo, 0 antigo ov 0 arcaico, a noite —o lado da terra; eo em- 16 Qu'appelle-t-on penser?, trad. G. Granel, Paris, PUR, 1957, 160 | Phillippe Lacoue-Labarthe cima, a luz, o novo espaco da cidade-estado— o lado do mundo) ¢ porque estas duas esferas 86 se distinguem em tiltima instancia, a partir do antagonis- amo fundamental entre os antigos e os novos deuses. A tragédia, diz Heidegger repetindo Hegel que, por sua vez, mas a seu modo, retomava Holderlin, € 0 lugar do combate entre os antigos ¢ os novos deuses. Todo o pensamento alemao, desde Schlegel ¢ Holderlin, repousa talvez, no que ele tem de mais decisivo (eu direi numa palavra: a ontologizagao da historia e a historicizagao do ser), sobre a interpretagao especulativa deste clualismo tgico, onde se reelabora —dialeticamente: Schelling, Hegel, o Nietzsche cle O Nascimento da Tragédia, ou nao: Hélderlin, Heidegger— 0 enigmatico conceito aristotélico de katharsis, ou seja, 0 proprio efeito da mimesis, em sua, ndo menos enigma- lica, divisdo entre duas afecedes antagénicas e contraditorias: o terror ea pie- dade. Que este antagonismo seja lido como o choque de duas leis, de dois sexos, de dois espacos simbélicos ¢ sociais, de duas épocas —pelo triunfo do direito escrito, do homem (vir), da agora ¢ da cidade-estado, do moderno (Hegel), que ele seja reconhecido exatamente neste ox{moro vive que € 0 herdi tragico (Edipo, o culpado inocente; mas poderia ser também Antigona, asanta louca segundo Héldetlin) como, por exemplo, em Schelling, o modelo da resolucao da antinomia kantiana entre natureza e liberdade; que ele dé lugar a simbolizagio dos dois estaclos estéticos funcamentais do sonho e da embriaguez (Nietzsche), —por toca a parte, poder-se-ia mostrar, este antago- nismo é dado como a origem mesma da historia, isto é, como historicidade Mas, em lugar algun mais rigorosamente do que em Holderlin, que, sob 0 nome de Saturno € de Jtipiter, ou de Apolo e de Juno, ¢ na forma da oposigao entre o éxtase sagrado e a sobriedlade clara, pensa a relagao entre o natural (ow © “nativo") e 0 artistico como fundadora da histéria, A tragédia, ao revelar a tensdo interna da Grécia, sua divisio segundo a diferenga entre techne ¢ phusis, autoriza a pensar a histéria segundo o esquema da mimesis. Ela permite enca- rar, a.cada vez, o destino histérico como a “catastrofe” do nativo ou do natural visando uma reapropriagao mais original: catastrofe do “pathos sagrado” como sobriedade artistica nos Gregos, catastrole inversa nos Modernas (os Hespé- tins), de sorte que a simples “imitacao dos Antigos", que até entao configurava a historiografia européia, foi substituida por uma estrutura em quiasmo muito mais complexa, ¢ que, alis, invalida © principio mesmo da imitatio. Mas se a historia triunfa, na origem grega, sobre o entusi tal”, isso quer dizer que esté ligada, em sua possibilidade, e presa ao des- tino mesmo do divino. A tragédia —o mito tragico— € 0 documento deste destino enquanto af se (re)presenta a necessaria “purilicacdo” de toda rela- uv 18 Poética ¢ Politica | 161 co imediata com o divino (de toda hubris) ¢ o necessario “desvio catego- rico" do deus, que, sem qualquer relagiio com “a morte de Deus”, seja em sua versao lutero-especulativa ov em sua versio nietzscheana, institui a dura lei do “retorno” do homem a terra e abre o espaco “a-teu" da “erran- cia sob o impensavel”: o lugar mesmo de nossa histéria Sao os nomes divinos, a cada vez, segundo uma espécie de antagonis- mo figural, que emblematizam o esquema da historicidade. A historia pro- cede do mito. Na Introdugdo de 35, Heidegger diz 0 seguinte, o que di: petisa comentarios: © conhecimento da historia em suas origens [i também em sua esséncia] nao. consiste em desenterrar 0 primitivo ¢ em juntar os ossas. Nao é citncia natu- ral nem pela metade nein por inteiro sim, no caso de ser alguma coisa, Mitologia.'7 Compreende-se a partir disso que ha na verdade muito pouco acaso, se, desde a redacio do “Mais antigo programa sistematico do Idealismo ale- mao", na ultima década do século das Luzes, 0 projeto de uma “nova mi- tologia" nao parou de assombrar o pensamento alemao. O que estava em jogo era certamente a possibilidade de uma arte nacional, ou, como dizia Holderlin, “das Nationelle”."® Wagner, a seu modo, dela dara a mais espe- tacular ilustragio. Mas através desta questio nao se elabora outra coisa sendo a possibilidade, para o povo alemao, de se identificar e de existir como tal, E de entrar por conseguinte na histéria ou, mais exatamente, de “iniciar” sua histéria como histéria mesma. A nova mitologia € a promessa de um (re)comego da histéria, Platao excluia os poetas porque os mitos que eles forjavam ou ficciona- vam, ao falarem mal do divine (ou ao falarem demais dele), davam, numa educagdo fundada sobre a exemplaridade (a mimesis), indicacoes de con- dutas perniciosas. A cidade-estado, a seus olhos, cortia 0 risco de se per- N. do T.: Traducto modificada de E.C.L., op. ct, p. 229 N. do T.: O autor adota a solugao da tradutore francesa das cartas de Holderlin, Denise Navil- le, "nationel” (com “e” a0 inves do nacional, “national” com “a") que “deve ser tomado por tudo aquilo que ¢ proprio dos homens nascidos sob um mesmo céu. Assim como oadjetivo “patrio- ico” ("vuterlandlisch*), deve ser entendide no sentido etimologico.” (Nota cortespondente & caria de Holderlin a Casimir Ulrich Bohlendorff, de 4 de dezembro de 1801, Halderlin, Oew- vees, ed. Gallimard, 1967, p. 1241.) 162 | Phillippe Lacoue-tabarthe der ¢ de sogobrar na violencia indiferenciada —stasis, ou, como diz Gi- rard, crise mimética, No outro extremo desta histéria, o mito retorna para fundar a possibilidade da cidade-estado. Foi pelo menos o que foi sonha- dlo, Mas este sonho, por sua vez, recebeu nomes: Bayreuth, Nuremberg. Provocou “teses” das quais toda uma ideologia politica se alimentou: por exemplo, O Mito do Século XX, de Rosenberg. Ocasionou uma confusio do artistico com o politico (“A politica é a arte plastica do Estado” — Goebbels) na qual a Europa, se ndo o mundo, quase sogobrou. E Heidegger nao tera ficado completamente alheio a um tal sonho. Nao tera ficado completamente alheio a um tal sonho, mas um abismo, no entanto, 0 abismo do recolhimento, o separou deste sonho. & primeira- mente por esta razao, dentre muitas outras, que la onde o ser —e, a partir dele, a possibilidade do divino— estao em causa, que o fato mesmo da tepresentacaio (em qualquer sentido que seja) ¢ solicitado ¢ com ele, de testo, a determinacao da linguagem como modo de expresso e de comu- nicago, Os mitos nao sio representagdes do divino, os nomes sagrados nao séo “signos valendo por”, a tragédia nao € essencialmente teatro, no sentido em que o entendemos, Eles s6 sdo assim, para dizer a verdade, apés a sua captura pelo platonismo, ¢ enquanto esta captura continuar obrigatéria, o que vale para a reversao wagner-nietzscheana e para a poll- tica que ele permite: ou seja, sob a capa do irracional, o deshridar-se ao arrazoamento técnico; sob a capa da erecio de um povo como obra de arte, o terrorismo biolégico ¢ © apelo as pulsoes naturais. Desde que a Iingua, em contrapartida, se abra ao que nao se deixa apresentar nem rep- resentar, a0 na-da ou ao ser, uma outsa coisa, nisto mesmo talvez, se pre- para em segredo. Arte € técnica —-techne— estao perigosamente proximas. A mesma pa- lavra, Ge-stell, empregada alternativamente tanto para uma quanto para outra, assinala, como vimos, esta co-pertinéncia enigmiatica. Esta palavra, diré muito mais tarde Heidegger, a “coisa” que ela designa, é, a exemplo da mascara de Jano, bifronte: ela olha e faz sinal para tras ¢ para a [rente, em diregio do arrazoamento e rumo ao ad-vir do ser, rumo a Ereignis. Ela 6, naquilo que procura trazer a hz com muita dificuldade, 0 piv desper- cebido da época que nao se decide entre a técnica ¢, talvez, uma arte sem precedentes, Ela ilustra, na sua propria duplicidade, a frase de Holderlin que Heidegger cita com predilecio, ¢ cuja légica paradoxal se subtrai hi perbolicamente a qualquer logica (e acima de tudo, a Iégica especulativa, Postica e Politica ou seja, a dialética): “La onde esta o perigo, cresce também aquilo que salva". O perigo é a ofuscacao do ser; a salvacio, uma relagao tal com 0 ser que o sagrado possa se abrir como este espaco para acolher a vinda ~ou a defeccdo— de um deus. A técnica em sua dimensio planetaria ¢ 0 negati- vo, no sentido fotografico, deste evento possivel, desta catastrofe desejada ‘ou esperada. Nela, ¢ dela, é preciso esperar. Isso supde uma catastrofe da linguagem, nao uma conversio, que converta a manipulacio dos signos em dizera-verdade, que permita a linguagem —"o mais perigoso de todos os bens”, diz Holderlin— entregar-se a poesia, “a mai as ocupagées”. ocente de todas Isso ainda constitui uina politica? As perguntas pelas quais comecei eram muito simples, Algo me impe- de, acabado provisoriamente este percurso, de Ihes fornecer uma resposta, ela também simples. Isso, parece-me, seria prematuro. Tradlugo de Joao Camillo Penna e Virginia de Araujo Figueiredo, 163 Departamento de Filosofia da PUC-Rio Cursos, Publicagées e Eventos Programados Cursos Cursos Regulares Alem dle graduacao, mestrado e doutora- do, o Departamento de Filosofia da PUC- Rio oferece uma pas-graduagio lato sen- suem Filosofia Contemporinea. Com duragao de dois anos, 0 cunso ¢ voltado para aqueles que se interessam em discu- Lir filosoficamente temas do mundo co temporaneo. Inscricdes para as progra- inas de mestrado ¢ doutorado no Departamento de Pilosofia; para o pro- ‘grama de pos-graduacao lato sensu na CCE (vide enderecos abaixo). Cursos de Extenséo “O Pensamento Grego e sna Anualidade.” Curso em que serio discutidos alguns dos principais temas que se originaram na reflexio grega e que permanecem ain- da hoje centtais para o nosso pensamen- to. © curso se divide em dois médulos que serio distributdos entre quatro pro- fessores: 0 primeiro modulo diz respeito a0 pensamnento grego propriamente dite € seri composto por temas relacionados A mitologia, A trngédia ea filosofia. O se- gundo diz respeito especifieamente as in- terpretacdes que os pensadores moder- nos € contemporineos —clentre os quais Halderlin, Schelling ¢ Martin Heideg- ger—fizcram dos gregos. (Segunclo se- mestre cle 1996.) Inseri¢des na CCE. Publicagées * Cadernos do Departamento de Filoso- fia da PUC-Rio — [0 que nos faz pensar] Nuimeros anteriores (4 excegao don. 1, que esta esgotado) disponiveis na Secre- taria do Departamento de Filosofia da PUC-Rio. Asair «Especial sobre Filosofia Antiga Org. Irley F Franco, + Especial sobre Ceticismo. Org. Danilo Marcondes, + Especial sobre Nictzsche. ‘Org. Katia Muricy. Outras Publicagées + Menon, de Platio, edicao bilingiie gre- gofportugucs com traducao e notas da profa, Maura Iglesias, Primeira volume da colegao “Bibliotheca Antiqua”, série “Grega”. Publicagio do Nucleo de Estudos de Fitosofia Antiga. * Cadernos de Traducdo. Volume 1: O Ver- bo Grego “Ser”, Coletanea dos artigos do prof. Charles Kalin (Universidade da Pennsylvania) sobre o verbo einai. Cole- gio “Filosofia Antiga — Os Comentada- res”. Publicacho do Miicleo de Estudos de Filosofia Antiget. Grupos Integrados Nacleo de Estudos de Filosofia Antiga Projeto de pesquisa na area de Filosofia Antiga, financiado pelo CNPq ¢ coorde- nado pela profa. Maura Iglésias, cujo ob- jetivo € 0 estabelecimento dle um centro de exceléneia na area, Desenvolve atual- mente, além das pesquisas individuais de seus integrantes, as seguintes ativida- des: (a) formacdo de uina biblioteca espe- cializads; (b) criagao de win banco de da- dos bibliogrificos; (c) formacéo de novos pesquisadores; (d) cursos dle gre- go clissico ¢ de tatim; (e) traducao de {extos primdrios antigos para publicagio em edigdo bilingne; (D tradugées de au- ores secundarios (comentadores e intér- pretes modernos dos textos antigos). Nacleo de Estudos sobre 0 Ceticismo Coordenado pelo prof. Danilo Marcondes, conta com 0 apoio do CNPq sob a forma de Projeto Integrado, tendo a participagao de bolsistas de iniciagao cientifica e de pos-graduacio, O niicleo se dedica a anli- se ¢ discussio de temas centeais da tradi cto cétien antiga ¢ moderna, bem comoa leitura de textos classicos clo ceticismo, so- dretudo a obra cle Sexto Empfrico, man- sendo um semtinatio semanal Nucleo Provas, Tipos e Categorias Projeto de pesquisa integrado — CNPq, coordenado pelo Prof. Edward Hermann Hauesler, que retine pesquisadores dos departamentas de Filosofia e Informatica com o objetivo de investigar os conceitos logicos de Prova, Tipo e Categoria, Alem ds atividades regulares de pesquisa (se- mindrtos, cursos, redagio de textos, etc.), 0 grupo de pesquisa realiza anual- mente um encontra de teabalho com a panticipagao de pesquisadores de outras instituicdes. Eventos + Ciclo de Palestras sobre o Ceticismo Infeio: 17/06 as 14:00hs. R. J. Hankin- son, da Universidade do Texas, Austin. ‘Tema; “Natural Criteria and the Transpa- rency of Judgement, Antiochus, Phito and Galen on Epistemological Justification”. + Pontificia Universidade Catolica clo Rio dle Janeiro ~ Coordenagao Central de Ex- tensio (CCE) Rua Marques de Sto Vicente 225, casa XV Gavea ~ 22453-900, Rio de Janeiro, RJ. 1 529-9335, 2744148, ‘ax 259-1642, + e-mail: mam@rde.puc-rio.br. + Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro ~ Departamento de Filosofia Rua Marques dle Sto Vicente 225, 11491... Gavea — 2453-900, Rio de Janeiro, RJ * Tel.: 529-9310; 239-4085 ‘ax: 239-4085 + e-tnait:filos@fil.puc-rio.br Aos Colaboradores 1 As colaboragées para esta revista devem ser enviadas em trés cOpias para o seguinte endereco: Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro Departamento de Filosofia Rua Marqués de Sao Vicente 225, 11491. Gévea 22453-900, Rio de janeiro, RI. 2 Todas as colaboragées, sem excecdo, devem estar datilografadas ou impressas em espaco duplo. O verso do papel nao deve ser usado. Os artigos escritos em qualquer versao do WinWord poderao ser mandados em disquete (3.5"). 0 fato de estarem em disquete, entretanto, nao dispensa o envio das cépias impressas. Os artigos devem constar de, no maximo, 30 laudas (30 linhas com setenta toques por linha). A editoria se reserva 0 direito de, excepcionalmente, aceitar trabalhos que excedam esse limite. 3 Nao ha obrigatoriedade de que o artigo nao tenha ainda sido publicado. Em caso de prévia publicacao da colaboracao que nos for enviada, solicitamnos que seja citado o nome e data da publicagao onde originalmente apareceu, e que haja a devida aceitac3o de seus editores. 4 Artigos em espanhol, francés, inglés ¢ italiano serdo aceitos. 5 Os autores serdo informados sobre a aceitagao de seus artigos (favor enviar enderego para contato). Essa aceitago, entretanto, nao implica necessariamente na publicagdo no numero seguinte ou em algum numero determinado da revista. Sendo estritamente académica, a revista [o que nos faz pensar] nao tem como critério de publicagso a ordem cronolégica em que recebe ou aprova artigos. Vol. 1 Entrevista Concedida por Martin Heidegger Richard Wisser Martin Heidegger In Memoriam Pierre Aubenque © Ultimo Deus Benedito Nunes Vol. 2 Heidegger e a Quest3o : da Liberdade Real Elucidacdes Acerca da Emmanuel Carneiro Leto Conferancia de Heidegger A Origem da Arte e a “Para que Lingua se Destinagao do Pensamento Traduz 0 Ocidente?” ‘Walter Biemel Maicia Sa Cavatcante Schuback Anamorfose @ Protundidade: Heidegger on the As ilusdes da interpretagso Enlightenment na obra de Heidegger Claudia Drucker Ernildo Stein a nnn 7 ta © Ocidente Inctusivo ‘Martin Heidegger, Antone Abranches et coeterae a Questo da Técnica Heidegger, Hegel e a GilvdA Fogel Questao do Sujeito Paulo Cesar Duque Estrada The Enigma of Everydayness Mechel Haar ~-© Ponto Cego do Olhar Fenomenolégico Individuagdo e Principio Zeljko Loparte em Heidegger ona Filosofia da Diferenca ~Diterir'd Metafisics: Henriqde Antoun Gionne Vattimno, Intuigao Categorial e Ha em.ton ‘de Husserl e de Heidegger Paule Mousinhe Martins © Aniversario da Morte de Heidegger André Rangel Rios Postica e Politica Phillippe Lacoue-Labarthe

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