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Néstor Garcia. Canclini CULTURAS HIBRIDAS ESTRATEGIAS PARA ENTRAR E SAIR DA MODERNIDADE Taducto ‘Ana Reglna Lessa Heloisa Pera cintd0 Trae ds inva nese Ancade ko ‘A ENceNAacao D0 POPULAR © popular € nessa historia o excluido: aqueles que nio tém patri- énio ou nio conseguem que ele seja reconhecido e conservado; 0s ar- tesios que nio chegam a ser artistas, a individualizarse, nem a participar do mercado de bens simbdlicos “legitimos”; os espectadores dos meios 'massivos que ficam de fora das universidades e dos museus, “incapazes" de ler ¢ olhar a alta cultura porque desconhecem a histéria dos saberes ccestilos, Artesios e espectadores: seriam os tinicos papéis atribuidos aos gru- pos populares no teatro da modernidade? O popular costuma ser ass0 ado a0 pré-moderno ¢ ao subsidiério, Na producao, manteria formas re- lativamente préprias gracas& sobrevivéncia de ilhas préindusriais (ofici- nas artesanais) ¢ de formas de recriagao local (mitsicas regionais, entre- tenimientos suburbanos). No consumo, os setores populares esariam sem- pre no final do processo, como destinatérios, espectadores obrigados are- produzir o ciclo do capital ea ideologia dos dominadores. s processos constinutivos da modernidade sio encarados como ca- deias de oposigSes confrontadas de um modo maniqueista: 206 curTuaas wtsaions moderno = culto = hegeménico L 4 ‘ tradicional = popular = —subalterno A bibliografia sobre cultura costuma supor que existe um interesse intrinseco dos setores hegemdnicos em promover a modernidade e um destino fatidico dos populares que os arraiga as tradigSes. Os moderniza- dores extraem dessa oposicio a moral de que seu interesse pelos avancos, ppelas promessas da historia, justfica sua posicao hegeménica, enquanto © atraso das classes populares as condena A subalternidade. Se a cultura popular se moderniza, como de fato ocorre, iso € para os grupos hege- ‘ménicos uma confirmacio de que seu tradicionalismo no tem saida; para 1s defensores das causas populares tornase outra evidéncia da forma como a dominacio 0s impede de ser eles mesmos, No capitulo anterior ficou documentado que o tradicionalismo & hoje uma tendéncia em amplas camadas hegeménicas e pode combinar- se com 0 moderno, quase sem conflitos, quando a exaltagao das tradi- ‘6es se limita & cultura enquanto a modernizacio se especiaiza nos se- tores social e econdmico. & preciso perguntar-ee agora em que eentido com quais fins os setores populares aderem & modernidade, buscam- nna e misturam-na a suas tradigdes. Uma primeira andlise consistiré em ver como se reestruturam as oposi¢des moderno/ tradicional e culto/ popular nas transformacdes do artesanato ¢ das festas. Depois me de- terei em algumas manifestagbes de cultura popular urbana nas quais a ‘busca do moderno aparece como parte do movimento produtivo de mbito popular. Por fim, sera necessario examinar como se reformulam hoje, a0 lado do tradicional, outros tragos que tinham sido identifica- dos de maneira inevitivel com o popular: seu caréter local, sua associa- ‘io com 0 nacional ¢ 0 subalterno, Para refutar as oposigaes classicas a partir das quais sio definidas as culturas popullares nao basta prestar atenco em sua situagao atual.£ pre- iso desfazer as operacdes cientificas e politicas que levaram © popular & cena. Tréscorrentes sio protagonistas dessa teatralizacao: 0 folclore, as in- | ENCENAGAO DO POPULAR 207 distrias culturas € 0 populismo politico, Nos trés casos, veremos 0 popu- lar como algo construido, mais que como preexistente. A armadilha que freqitentemente impede apreender 0 popular, ¢ problematizélo, consiste «em consideréo como uma evidéncia a prior por razdes éticas ou politicas: quem vai discutir a forma de ser do povo ou duvidar de sua existéncia? Contudo, a aparicao tardia dos estudos e das p ‘uras populares mostra que esta se tornaram visiveis ha apenasalgumas dé cadas. O cardter construodo popular é ainda mais claro quando recorre- ‘moss estratégias conceituais com que foi sendo formado e a suas relagSes. coms diversas etapas na instauracio da hegemonia, Na América Latina, 0 popular no é 0 mesmo quando é posto em cena pelos folcloristas e antro~ pélogos para os museus (a partir dos anos 20 e 30), pelos comunicélogos para os meios massivos (desde os anos 50), € pelos socidlogos politicos para © Estado ou para os partidose movimentos de oposicao (desde os anos 70). Em parte, a crise te6rica atual na investigagao do popular deriva da atribuicio indiscriminada dessa nocio a sujeitos sociais formados em pro- cessos diferentes. Nessa jusaposicdo de discursos que aludem a realida- des diversas colabora a separacio artificial entre as disciplinas que cons- truiram paradigmas desconectados. As maneiras pelas quais a antropolo- ia, a sociologia e os estucos sobre comunicacio tratam o popular sio in- compativeis ou complementares? Sera necessario discutir também as ten tativas dos titimos anos de elaborarvis6es unificadoras. Escothemosas duas mais usadas: a teoria da reprodugao e a concepsao neogramsciana da he~ .gemonia. Mas, através desseitinerario, devemos ocupar-nos, sobretudo, da cisio que condiciona as divisdes interdisciplinares, aquela que opde tradi- fo e modernidade. as relatives acu (OFOLCLORE:INVENCHO MELANCOLIA DAS TRADICOES A elaboracio de um discurso cientifico sobre o popular é um pro- blema recente no pensamento modemno. A excecio de trabalhos precur- sores como o de Bakhtin ¢ Ernesto de Martino, 0 conhecimento que se 208 CcucTURAS HlsnIDAS dedica de forma especifica as culturas populares, situando-as em uma teo- ria complexa ¢ consistente do social, usando procedimentos téenicos ri- gorosos, é uma novidade das trésiltimas décadas. Alguns acusardo de injusta essa afirmacao porque lembram a longa lista de estudos sobre costumes populares e folel6ricos que vém sendo realizados desde o século XIX. Reconhecemes que esses trabalhos torna- ram visivel a questio do popular ¢ instauraram os usos habituais, mesmo «em nossos dias, dessa noo, Mas suas tticas gnosiolégicas ndo foram gui- adas por uma delimitagao precisa do objeto de estudo, nem por métodos especializados, mas por interesses ideologicos e politicos.” © povo comeraa existir como referente do debate moderno no fimn do século XVII e inicio do XIX, pela formagio na Europa de Estados na- cionais que trataram de abarcar todos os estratos da populagao. Entretan- to, ilustracao acredita que esse pov 20 qual se deve recorrer para legit mar um governo secular e democrético ¢ também o portador daquilo que a razio quer abolir: a supersticao, a ignordncia ¢ a turbuléncia, Por isso, desenvolve-se um dispositivo complexo, nas palavras de Martin Barbero, “de inclusio abstrata e exclusio conereta. O povo interessa como leg ‘mador da hegemonia burguesa, mas incomoda como lugar do inculto por tudo aquilo que the falta, ‘Osrominticos percebem essa contradigio. Preocupados em soldara quebra entre o politico o cotidiano, entre a cultura e vida, varios escrito- res dedicam-e a conhecer 0s “costumes populares" e impulsionam os estu- dos foleléricos. Renato Ortiz sintetizou em trés pontos sua contribuicdo inovadora: frente a0 iluminismo que via os processos culturais como ativ- dades intelectuais, restritas as elites, os romainticos exaltaram os sentimen- tos ¢ as formas populares de expressélos; em oposi¢io a0 cosmopolitismo aliveraturacissca, dedicaram-se a stwagbes particulares, sublinharam as diferen¢as o valor do local; frente ao desprezo do pensamento clissico pelo “iracional’,reivindicaram aquilo que surpreende e altera a harmo- 1 Js Marin Barer, De Masa Miia México, Gastro G96, p. 116, ee | ENCENAGHO Do POPULAR 208 nia social, as paixées que transgridem a ordem dos “homens honestos", os habitos ex6ticos de outros povos ¢ também dos préprios camponeses*. Ainquietude de escritores¢ filésofos — os irmaos Grimm, Herder por conhecer empiricamente as culturas populares formaliza-se na Ingla- terra quando é fundada, em 1878, a primeira Sociedade do Folelore, Esse nome passa a designar em seguida, na Franca e na Italia, a disciplina que se especializa no saber e nas expressdes subalternas, Frente as exigéncias do positivism que guiam os novos folclorists, os trabalhos dos escritores rominticos ficaram como utilizagbes liricas de tradiges populares para promover seus interesses artists, Agorase pretende situar o conhecimen- to do popular dentro do “espitito cientifico” que anima o conhecimento ‘moderno. Para conseguito, além de tomar distancia dos *conhecedores” ‘amadores, precisam crticaro saber popular. Exist também nos postivistas| ‘intengo de uniro projeto cientifico a uma empresa de reden¢ao social Segundo Rafaelle Corso, o trabalho folelérico é “um movimento de homens de elite que, através da propaganda assidua, esforcam-se para despertar 0 poyo e ifuminé-1o em sua ignordncia". O conhiecimento do mundo popu- lar jé no é requerido apenas para formar nages modernas integradas, ‘mas também para libertar 0s oprimidos e resolver as tas entre as classes. Junto 20 positivismo e ao messianismo sociopolitico, a outra caracteris- tica da tarefa folclorica@ a apreensio do popular como tradigio. O popular como residuo elogiado: dep6sito da criatividade camponesa, da suposta transparéncia di comunicagio caraa cara, da profundidade que se perderia com as mudangas “exteriores” da modernidade. Os precursores do folclore viam com nostalgia que diminufa o papel da transmissio oral frente leitura de jornais livros; as crencas construidas por comunidades antigas em bus- ‘ade pactos simbélicos com a narurezase perdiam quando teenologia hes ensinava a dominar essa forgas. Mesmo em muitos positivstas permanece ‘uma inquietude romantica que levaa defini o popular como tradicional. Adquire abeleza tacturna do que vais extingiiindo e podemos reinventar, 2 Renan Oy, "Cr Pop Romfnicor Fler” Ta 3 programa de srg on ‘ci Soi UC-, 196 20 ‘CUTURAS HBRIDAS fora dos conflitos do presente, seguindo nossos desejos de como deveria ter sido, Os antiquarios tinham lutado contra o que se perdia colecionando ob- _jetos; os folclorstascriaram os museus de tradigées populares. Uma nogio fundamental para explicar as titicas metodolégicas dos foleloristas e seu fracasso teOrico é a de sobvevivéncia. A percepco dos objetos e costumes populares como restos de uma estrutura social que se apaga éa justificario légica de sua analise descontextualizada, Se o modo de produgao ¢ as relagGes sociais que geraram essa “sobrevivencias” de- sapareceram, para que preocuparse em encontrar seu sentido socioeco- nndmico? Apenas os investigadores fliados 2o historicismo idealista se in- teressam por entender as tradigdes em um Ambito mais amplo, mas as reduzem a testemunhos de uma meméria que supdem titi para fortale- cera continuidade hist6rica ea identidade contemporanea’ No final das contas, os romanticosse tornam ctimplices dos ilustrados. Ao decidir que a especificidade da cultura popular reside em sua fidelidade a0 passado rural, ornamse cegos as mudancas que a redefiniam nas so- ciedades industriais¢ urbanas. Ao atribuirthe uma autonomia imaginada, suprimem 2 possibilidade de explicar 0 popular pelas interagbes que tem com anova cultura hegeménica. O povo € “resgatado", masnio conhecido, Lembro a trajetéria européia dos estudos folcléricos cléssicos porque as motivacées de seu interesse pelo popular, seus usos e contradigdes, re- petem-se na América Latina. Em paises tio dispares como Argentina, Bra- sil, Peru ¢ México, os textos foleléricos produziram, desde o final do sé- culo XIX, um amplo conhecimento empirico sobre os grupos énicose suas cexpressoes culturais: a religiosidade, os rituais, a medicina, as festas € 0 artesanato, Em muitos trabalhos vé-se uma identificacéo profunda com 0 mundo indigena e mestco, 0 esforgo para Ihe dar um lugar dentro da cultura nacional. Mas suas dificuldades tedricas ¢ epistemol6gicas, que l- mitam seriamente o valor de seus informes, persistem em estudos folcl6- ricos atuais. Mesmo nos paises mais renovadores na analise da cultura 5. Nicole Belmont fr una rca nema noo desoeeiti em se aro "Le Flore seal ‘let sbtucons dearchalone, Hom Pr, 108, 97.8, pp 250268 A ENCENAGHO 00 POPULAR a popular, como nos quatro citados, essa corrente contiola a maioria das institugdes especializadas e da produgdo bibliogrfica. Um primeiro obstéculo para o conhecimento folclérico procede do recorte do objeto de estudo.O folk visto, de forma semelhante & da Eu- ropa, como tuma propriedade de grupos indigenas ou camponeses isola- dos e auto-suficientes, cujas técnicas simples e a pouca diferenciagio so- cial os preservariam de ameagas modernas. Interessam mais os bens cul- turais - objetos, lendas, misicas — que os agentes que os geram € conso- mem. Essa fascinagao pelos produtos, 0 descaso pelos processos e agen- tes codais que os geram, pelos usos que os modificam, leva a valorizar nos objetos mais sua repetigao que sua transformacio. Em segundo lugar, grande parte dos estudos foleléricos nasceu na América Latina gragas aos mesmos impulsos que os originaram na Europa. De umlado,anecessidade de arraigara formacao de novas nacéesnnaiden- tidade de seu passado; de outro, a inclinagao romantica de resgatar 0s sen~ timentos populares frente ao iluminismo e a0 cosmopolitismo iberal. Assim condicionados pelo nacionalismo politico e humanismo romantico, nao € ficil que os estudos sobre o popular produzam um conhecimento cientifico. Aassociacio de foleloristase antropélogos com os movimentos na- identidade (lingua, vestimenta, sistema de cargos religiosos) e & defesa de um poder civil controlado comunitariamente. Nessa linha, podemos ler o sentido humoristico dos diabos como re- curso simbélico para elaborar as transacbes bruscas entre o proprio 17. Gece Gouy ber, ami Patna: Ds Meas des Arsen Mico, Cente Eudes Mes ainsetCenramésisines 1987 A ENCENAGHO 00 POPULAR 2s oalheio, entre a reproducio do conhecido e a incorporacio de ele- ‘mentos novos a uma percepcio reformulada de si mesmo, A mobilizagio de todot of ecurtosculvurais dentro de wma minoriaémica (ative co das relagbes de parentesco, do sistema de cargos, das fests et.), pode corres: ponder tanto a uma Gkimma forma de resiténca, a uma espécie de congelamento do patriménio cultural ético, como a um recurso que permita & comunidade ex- contra vias de adapta" Em 1989, foi proposto a dez ceramistas de Ocumicho fabricar figuras com o tema da Revolucio francesa. Mercedes Iturbe, diretora do Centro Cultural do México em Paris, levou para elas imagens com ccenas revolucionarias e relatowlhes a histéria. Como tantos pintores ¢ cineastas que construiram a partir de sua prOpria imaginacio 2 iconografia que ensinow a ver esse acontecimento fundador da mo- dernidade, as artesis purépechas deram a sua versio da queda da Bastilha, de Maria Antonieta e da guilhotina, Fernando del Paso escreveu no catalogo da exposi¢ao que “nenhum. Povo ou na¢io do mundo tem 0 monopélio da barbarie e da cruel dade”. Os indigenas que produziram essas obras no sabiam muito sobre a Revolucio francesa, mas tém a meméria dos horrores prati- cados pelos colonizadores espanh6is ~ que se alarmavam com 05 s3- crificios que ocorriam nessas terras ~ para impor a modernidade. O longo trato desses ceramistas com diabos ¢ serpentes em suas obras sem dtivida Ihes facilitou representar o que péde haver de contradi- trio e grotesco na revolugao que buscava a liberdade ¢ a fraternida- de. A presenca do infernal - diz Del Paso - afasta essas pecas do ris- co naif: apesar da aparéncia ristica de suas figuras, os purépechas demonstram saber que “a crueldade do homem contra o homem © a ingenuidade nao sio compativeis"™. 18. p57 19, Fernando del Pao: Dablo la Reehcén ances” em Ls clas é Oro Pas, Cone (ule du Mexiqu, 1982 pp. 52 EA preservagéo rura das tradigies néo é sempre o melhor recurso popular para se reproduair ¢relaborar sua situapéo. “Seja auténtico e ganharé mais” € a palavra de ordem de muitos promotores, comerciantes de artesa- nato ¢ funcionarios culturais. Os estudos que por fim alguns folclo- isciplinados vem fazendo sobre o artesana- to impuro demonstram que as vezes ocorre 0 oposto. De modo andlogo ao dos ceramistas de Ocumicho, os pintores de amate estio fazendo com que se repensem os alarmes apocalfpticos sobre “a extingio inevitével” do artesanato € os nexos entre o culto € 0 popular, Quando ha trinta anos varios povos de Guerrero come- caram a produzir e vender pinturas feitas em papel de amate, em parte por influéncia de artistas, alguns folcloristas prognosticaram a decadéncia de suas tradigSes étnicas. Catherine Good Eshelman ini- ciou um estudo sobre essas pecas de artesanato em 1977, a partir da tcoria predominante entio sobre o lugar da producio camponesa na formacio capitalista mexicana: o artesanato seria uma forma especi- fica de participacdo nesse sistema desigual, uma via a mais para a obtengio de renda extra ¢ debilitagio da organizacio étnica, Depois de viver varios anos nos povoados produtores e seguir 0 ciclo de suas adaptagées, teve que admitir que a crescente interagio comercial com a sociedade ¢ 0 mercado nacionais nao s6 Ihes permitiam me- Ihorar economicamente; também iam fortalecendo suas relagdes in- ternas. A origem indigena nao era “um detalhe folelérico” que dava atragiio exética a seus produtos, nem um obsticulo para incorporar- se A economia capitalista, mas *a fora mobilizadora e determinan- te no processo”®, Como mostra o trabalho histérico da autora, esses ‘povos passaram longos periodos experimentando estratégias, muitas vvezes frustradas, até chegar as descobertas econémicas € estéticas das pinturas em amate, Sua origem é multideterminada: nasceram nos anos 50, quando os nahuas de Ameyaltepec, ceramistas desde antes, da conquista, que vendiam suas méscaras, vasos e cinzeiros em cida- ristas e antropélogos i 20-Cabirine Good Eabelan, Hacienda aca Aries Cori Noh Gur oa. 18. A excanAgto 00 poputan Eo des proximas, transplantaram as decoragdes da cerimica para o pa- pel de amate, Os desenhos eram antigos, mas sua difusio nacional ¢ internacional comecou ao aplicéc-los 20 amate, que - além de po sibilitar composicdes mais complexas ~ de menor peso que o bar- ro, menos fragil e mais facil de transportar. 0s “quadros” sio feitos por homens € mulheres, adultos e criancas. ‘Mostram cenas de seus trabalhos e festas, valorizando assim tradigbes tnicas¢ familiares que continuam reproduzindo nas tarefas do cam- po. Os préprios artesios controlam quase todo o seu comércio, per ‘item aos intermedirios uma interven¢do menor que em outros ramos artesanais ¢ aproveitam suas barracas ou lojesitinerantes para oferecer trabalhos de outros povos (méscaras, pedras entalhadas ¢ cépias de pecas pré-hispiinicas). Segundo a pesquisa, aplicada em 1980-1981 por Good Eshelman em ‘Ameyaltepec, 41% das familias ganhavam s6 com o artesanato mais de ‘quatro salérios minimos, ¢ outros 42% de dois a quatro salérios mini- mos, Continua havendo intermediarios que se apropriam de uma par te do lucro: os mais especuladores sio aqueles que pagam entre dez ¢ vinte délares pelos amates ¢ 08 revendem nos Estados Unidos, como *genuina arte wibal ateca”, a trezentos ou quatrocentos dotares. Tam- bém hé empresas que usam desenhos desses povos em toalhas de mesa, cartdes postais € caixas de lengos de papel, sem pagarthes nada, Ape- sar dessas formas de exploracio, comuns em outros tipos de artesana- to, sua renda e poder aquistivo sio muito superiores 4 média dos cam- oneses mexicanos", Ainda que esses artesios tenham uma profusa atvidade comercial, es- palhada por todo o pais, organizam-se para nio deixar de cuidar da agricultura, nem das obrigagdes cerimoniais, nem dos servigos comu- nitérios. Investem os lucros que tém com 0 artesanato em terras, ani- 21. Nomoment deer apenas pig nda, no pineplo dosanoscen, 85 de cada com bres ‘meicanos daha renda infer 20aliromiaimo, ous, pouc mab decem dares (Hécoe ‘Ar Onin Dep Mag, México Cay Are, 18.214) a ‘CUUTURAS HBRIOAS ‘mais, moradia efestasinternas, Como todas as familias se ocupam da venda do artesanato, no convém a ninguém usar seus recursos € forca de trabalho como mercadoria. No comércio movem-se individu- almente ou em famifia, mas realizam suas vendas usando as redes coletivas para compartilhar informacio sobre cidades distantes e ins- talarse nelas reproduzindo as condigdes materiaise simbélicas de sua vida cotidiana, Dezenas de artesios nahuas chegam a um centro ti ristico, alugam um canto em uma pensio barata ¢ imediatamente estendem barbantes para pendurar as roupas em vez de guardé-las em armérios, armazenam Agua em moringas dentro do quarto, colo- cam altares, preparam a comida ou convencem alguém no mercado a cozinhar do seu jeito. Através da compra de materiais e do consumo de bens alheios trans- ferem parte de seu excedente ao mercado nacional e transnacional, mas 0 controle mais ou menos igualitrio de suas fontes de subsstén- cia e 0 comércio de artesanato Ihes permite sustentar sua identida- de étnica. Gragas ao respeito a certas tradigdes (0 controle coletivo das terras ¢ 0 sistema de reciprocidade), a renovacio de seu oficio artesanal ¢ a adaptacio a uma interagio complexa com a moderni- dade conseguiram uma independéncia florescente que nio teriam conseguido fechando-se em suas relacdes ancestrais REESTRUTURA(AO EGEMONICAEREESTRUTURAGHO POPULAR O incremento do artesanato em paises industrializados revela, conforme apontei anteriormente, que 0 progresso econdmico moder- no nao implica eliminar as forcas produtivas que nao servem direta- ‘mente para a sua expansio se essas forcas tornam coeso um setor nu- ‘meroso e ainda satisfazem necessidades setoriais ou as de uma reprodu- ‘cio equilibrada do sistema. Ao contrério e de forma complementar, a reproducao das tradi¢des néo exige fecharse & modernizacio. Além desses casos mexicanos, outros na América Latina, por exemplo, o de A ewcENAghO 00 POPULAR ne Ctavalo no Equador, mostram que a reelaboragao heterodoxa ~ mas autogestiva ~ das tradigdes pode ser fonte simultinea de prosperidade econ6mica e reafirmacio simbélica, Nem a modernizacio exige abolir as tradiges, nem o destino fatal dos grupos tradicionais ¢ficar de fora da modernidade. E sabido que em outras zonas do México e da América Latina os indigenas nao conseguiram essa adaptacio bem-sucedida ao desenvol- vimento capitalista. Vorazes intermediarios, estruturas arcaicas injus- tas de explora¢ao camponesa, governos antidemocriticos ou repres- sores, ¢ as pr6prias dificuldades das etniis para situarse na moderni- dade novamente, mantém-nos em uma pobreza crénica. Se € feito 0 célculo de quantos artesios ou grupos étnicos conseguiram um nivel digno de vida com suas tradigdes ou a incorporagao ao desenvolvimento moderno reduzindo a assimetria com os grupos hegeménicos, os re- sultados sio deploriveis. Pior ainda: a transformagio recente das eco- ‘nomias latino-americanas agrava a segmentacio desigual no acesso aos bens econémicos, a educacio média e superior, as novas tecnologias € 20 consumo mais sofisticado. A pergunta que queremos fazer & se as lutas para ingressar nesses cendrios de modernizacio sio as tinicas que convém aos movimentos populares da América Latina travar. ‘© actimulo das exemplos anteriores nao refuta nada do que se sabe sobre aexploragio trabalhista e a desigualdade educativa. Tampouco estou sugerindo que seria methor para os artesios pobres imitar os ceramistas de Ocumicho ¢ os pintores de Ameyaltepec: entre outras razées, porque as estruturas desiguais segundo as quais se organizam as relagBes entre produgio camponesae industrial, entre artesanato e arte, tornam impos sivel que os quinze milhées de artesdos que existem no continente tenham acesso aos beneficios econémicose simbélicos das classes altas e médias. Mas para repetir sso nao acrescentaria mais um titulo & bibliografa 22. Wales, "Ou Dewlopment Ethic and National Inegrason’, Ami dg, 280 XL, ‘2 ahjanho de 198), pp 518386 wo cuurunss wieeions Antes, tratase de averiguar se 0 que significa, nesse quadro de in- ustica, manter as tradicées ou participar da modernidade tem para os vetores populares o sertido que tradicionalistas e modernizadores vém ‘maginando. Ao acompanhar os migrantes tempordrios ou permanentes aas grandes cidades, 20 owir seus comentitios sobre os habitos de outras 1agdes, sobre as oportinidades e desvantagens da vida urbana ou das sovas tecnologias,€ sobre como inserirse habilmente nas regras comer- siais modernas, tornas: aplicavel a muitos deles o que Good Eshelman afirma dos nahuas que produzem e vendem amates: ‘io muito mundano: e sofisticados [..], sam a vida de seu povo e seus costae ‘nes come norma para procestarinformagio e entender os outros [.. Seu Exio co mercial se deve precisamence a esta atitude mental tio aberta eflexivel qu Ihes per rite moverae em um mundo complicad,variado, no qual tém experiénciase eases condi muito diversa® ‘Esa relacio fluidade alguns grupos tradicionais com amodernidade se observa também em iutas politicas esocias. Em vista da irrupedo de in- dstrias e represas, ou frente & chegada de sistemas transnacionais de co- municacio a sua vida cotidiana, os indigenas e camponeses tiveram que informarse sobre descobertas centificas e tecnologias de ponta para elabo- rar posigdes proprias. Os indios brasileiros que enfrentam a destruicio da ‘selva amazénica e os tazascos de Santa Fe de la Laguna, no México, que conseguiram impedir, no comeco dos anos oitenta, a instalacdo em suas terras comunitérias de uma sina nuclear, mostram como podem afirmar- se as tradicdes de produo ¢ interacio com a natureza‘em relacio aos de- safios deste fim de século. A Onganizagao de Defesa dos Recursos Natura ¢ Desenvolvimento Social da Serra de Juarez, na qual zapotecos chinantecos se uniram para proteger sua mata das indtstrias de papel, nao se limita a simples preservacio.de seus recursos: estruturou uma educacio bascada «em suas formas comunitirias de trabalho ¢ em tuma visio ecol6gica comple- xa sobre o desenvolvimento de sua regido e do México, sustentada por suas 2.6 Good ibelman, pp 5258 A eicenagho 00 POPULAR a ‘crengas na natureza, mas condicionada & daqueles que constroem es tradas pensando apenas em seus lucros, “no para interligar os povoados”™, ‘Ao mesmo tempo que a reestruturacdo oficial, é produzida a rees truturacio com que as classes populares adaptam seus saberes e hibitos tradicionais Para entender os vinculos que se tecem entre ambas é neces- jo incluir nas ans sda condigéo popular, dedicadass oposigdes entre subalternos isolados ¢ dominadores cosmopolitas, essas formas no con- vencionais de integrarse a modernidade que se escutam em povoados como Ocumicho, Ameyaltepec e tantos outros. Os artexios trocam dados. sobre compradores da Cidatle do México Estados Unidos, trifas de tixi € hotéis em Acapulco, como usar os telefones para chamadas interurba- nas, de quem se pode aceitar traveller's check, onde & melhor comprar os aparelhos eletronicos que trario As suas casas. As duras condicées de sobrevivéncia reduzem essa adaptacio, na mmaioria dos casos, a uma aprendizagem comercial e pragmaética. Mas com freqiléncia, sobretudo nas novas geragdes, os cruzamentos culturais que vinhamos descrevendo incluem uma reestruturagio radical dos vinculos centre o tradicional ¢ moderno, o popular € o cult o local e estran- seiro. Basta prestar atencac ao crescente lugar que imagens da arte con- ‘temporinea ¢ dos meios massivos tém em desenhos artesanais. Permitam-me contar que, quando comecei a estudar essas trans- formagées, minha reagio imediata era lamentar a subordinacio dos produtores ao gosto de consumidores urbanos e ruristas. Até que, ha ito anos, entrei em uma loja em Teotitlin del Valle ~ um povoado ‘oaxaquenho dedicado a tecelagem ~ onde um homem de cingienta ‘anos via televisio com seu pai enquanto trocavam palavras em zapoteco. Quando thes perguntei scbre as tapecarias com imagens de Picasso, Klee ¢ Miré que exibia, respondeu que comecaram a fazé-los em 1968, quando foram visitados por alguns turistas que trabalhavam no Museu de Arte Moderna de Nova Forque e que Ihes propuseram renovar os 24 Jame Maines Luna, "Rasen Comunity Onna Popul” emG onl Ball at ‘utr Popo Pia aba Museu Nacional de Calas Populares SEP, 1982 2a cuurueAs HoRIDAS ‘motivos. Mostrou um album com fotos e recortes de jornais em inglés, ‘em que eram analisadas as exposicdes que esse artesio realizou na Ca- liférnia, Em meia hora, vi aquele homem moverse com fluéncia do zapoteco ao espanhol ¢ ao inglés, da arte a0 artesanato, de sua etnia & informagdo € aos entretenimentos da cultura massa, passando pela critica de arte de uma metrépole. Compreendi que minha preocupacio ‘com a perda de suas tradigdes nao era compartilhada por esse homem {que se movia sem muitos conflitos entre trés sistemas culturais®. ARTES. ARTESANATO Por que tio poucos artesios chegam a ser reconkecidos como artis- tas? As oposigSes entre o culto ¢ 0 popular, entre o mioderno ¢ o tradicio- nal, condensam-se na distincio estabelecida pela estética moderna entre arte € artesanato, Ao conceberse a arte como movimento simbolico de- sinteressado, um conjunto de bens “espirituais" nos quais a forma predo- ‘mina sobre a funcio ¢ o belo sobre o ttl, 0 artesanato aparece como 0 outro, 6 reino dos objetos que nunca poderiam dissociarse de seu senti- do pratico. Os historiadores sociais da arte, que revelaram as dependén- cias da arte culta com relacio ao contexto social, quase nunca chegam a {questionar a fenda entre o culto e o popular, que em parte se superpbe cisio entre o rural e 0 urbano, entre o tradicional e o moderno. A Arte corresponderia aos interesses € gostos da burguesiae de setores cultiva- dos da pequena burguesia, desenvolvese nas cidades, fala delas e, quan- do representa paisagens do campo, faz isso com éptica urbana. (Disse bem Raymond Williams: “Uma terra que se trabalha nao é quase nunca uma paisagem:; a propria idéia de paisagem supe a existencia de um observa- 2. Para uma anise da moderiago artesaal em Tein dl Vl ler de eley H. Caen e Harold Sebnelde, Maras Museums and Mode of Prout: emai Seti Too Zope Wang Comma of Ose, Maso, Wet alse, SA Society for Eeonomie Anthropology), 1900.90 hn -ENCENAGKO DO POPULAR 2 dor separado”*) O artesanato, ao invés disso, € visto como produto de in- dios e camponeses, de acordo com sua rusticidade, com os mitos que a parecem em sua decora¢ao, com os setores populares que tradicionalmen- te ofaemeo usm, Nio € espantoso ler que no coléquio La Dicotomia entre Arte Culto y Arte Popular uma das historiadoras mais rapidas do Oeste, Marta Traba, tenha dito que os artistas populares ficam reduzidos ao “pritico-pitores- 0", sio incapazes de “pensar um significado diferente do transmitido ¢ usado habitualmente pela comunidade, enquanto o artista ‘culto’ é um solitrio cuja primeira felicidade é a de satisfazense gracas a sua prépria criagdo"?” Nao € possivel falar assim quando um historiador de arte sabe que, ha mais de meio século, 0s construtivstas e a Bauhaus, grupos de artistas plisticos ¢ teatrais vem demonstrando que a criatividade pode bro- tar também de discursos coletivos. © outro arguinento rotineiro que opée a Arte a arte popular diz que os produtores da primeira seriam singulares ¢ solitirios enquanto 08 populares seriam coletivos ¢ anénimos. Nesse mesmo coléquio de Zacatecas lemos que a Arte produ “obras inicas”,ir=epetiveis, enquan- to o artesanato é feito em série, do mesmo modo que a misica popu- lar reitera estruturas idénticas em suas cangdes, como se Ihes faltasse “um projeto” e se limitassem “a amsumir um protitipo até o cansago, sem nunca chegar a discuti-lo como cosmovisio e, em conseqiténcia, a defendéto esteticamente mediante todas as suas variaveis™. Ja nos re- ferimos is maneiras ¢ as razdes pelas quais os diabos populares variam tanto ou mais que aqueles da arte moderna (para nao falar da arte anterior, obrigada pela Igreja a reproduzir modelos teologicamente aprovados). Vimos que os arteséos jogam com as matrizes icdnicas de sua comunidade em funcio de projetos estéticos ¢ interselacdes cria- 2% Raymond Willams, "Pasantspenpectives mention du pape etaboltion pan’ Ae dee Race nas Salen P18, novembro de 197, pS 11. Vi. A Lito ter Cuore apr Cp reac Zasaeas Mec, UNAM, 197 pp. 687. 28 lem p70 ue ‘uses Hiseioas tivas com receptores urbanos. Os mitos com que sustentam as obras mais tradicionais e as inovages modernas indicam em que medida os artistas populares superam os prot6tipos, propdem cosmovisdes € sio ipazes de defendétas estética e culturalmente. Em outra época, o tecelio de Teottkin del Valle teria sido uma ex- ~ecdo; pessoas como ele eram artesios que por uma peculiar necessida- se criativa produziam suas obras afastando-se do préprio grupo, sem nem 0 menos ter acesso ao mundo da arte culta. Pintavam ou gravavam com alto valor estético apesar de desconhecer a historia da disciplina, as con- vengdes adotadas no mercado internacional e a linguagem técnica para explicitas, Seu estilo pessoal coincidia as vezes com buscas da arte con- temporiinea e isso os tornava atraentes em museus e gaerias. Hoje as relacdes intensas e assiduas dos povoados de artesios com a cultura nacional e internacional tornam “normal” que seus membros se vinculem com a cultura visual moderna, mesmo que ainda sejam minoria aqueles que conseguem nexos fluidos. Lembro-me da conversa com um produtor de diabos em sua casa de Ocumicho. Falivamos de como as imagens vinham a sua mente e Ihe sugeri que explicasse como 0 diabo era concebiido entre os purépechas. Contowme 0 mito que relatei antes, mas disse que isso nio era tudo. Pergunteithe se iravam cenas de seus sonhos, cle ignorou.a pergunta ¢ comecou a pegar uma Biblia ilustrada, livros re- ligiosos de arte (um sobre Dali), semandrios e revista em espanol ¢em inglés ricos em material grafico. Nao conhecia a historia da arte, mas ti- hhha muita informacdo sobre a cultura visual contemporiinea, que arqui- ‘vava menos sistematicamente mas manejava com uma liberdade associatva semelhante & de qualquer artista. No capitulo em que descrevemos as transformagdes das artes cultas, na segunda metade do século XX, conclufmos que a arte jé no pode ser apresentada como indtil nem gratuita. E produzida dentro de um campo atravessado por redes de dependéncias que a vinculam ao mercado, as induistrias culturais ¢ a eses referentes “primitivos” e populares que sio também a fonte de que se nutre o artesanal. Se talvez aarte nunca chegou a ser plenamente kantiana ~ finalidade sem fim, palco da gratuidade -, | ENCENAGHO DO POPULAR as agora seu paralelismo com o artesanato ou aarte popular obriga arepen- sar seus processos equivalentes nas sociedades contempordneas, suas des- ‘conexdes e seus cruzamentos. ‘Nin faltam autores que ataquem essa divisio, Mas foram quase sem- pre folcloristas ou antropélogos preocupados em reivindicar 0 valor ars- tico da produgao cultural indigena, historiadores da arte dispostosareco- hecer que também existem méritos fora das colecbes dos museus. Essa ‘etapa ji deu resultados estéticos e institucionais. Demonstrou-se que nas cerémicas, nos tecidos e retabulos populares é possivel encontrar tanta criatividade formal, geragio de significados originais ¢ ocasional autono- ria com respeito as funcGes praticas quanto na arte culta. Ese reconhe- cimento deu entrada a certos artesios € artistas populares em museus & galerias. Mas as dificuldades para redefinir a especifcidade da arte © do artesanato e interpretar cada um de seus vinculos com 0 outro néo se re- solvem com aberturas de boa vontade 20 que opina o vizinho. A via para sair da estagnagio em que se encontra essa questio & um novo tipo de investigagio que reconceitualize a transformagéesglobais do mercado sim- bélico levando em conta nao apenas o desenvolvimento intrinseco do po- pulare do cult, mas seus cruzamentos ¢ convergéncias. Como o artistico co artesanal esto inclufdos em processos massivos de cireulagio das men sagens, suas fontes de aproveitamento de imagens e formas, seus cana de difusio e seus pblicos costumam coincir. Seria possivel avancar mais no conhecimento da cultura e do po- pular se se abandonasse a preocupacio sanitéria em distinguir o que teriam aarte e 0 artesanato de puro e nio contaminado e se os estudas- semos a partir das incertezas que provocam seus cruzamentos. Assim como a anilise das artes cultas requer livrarse da pretensio de autono- ia absoluta do campo e dos objetos, 0 exame das culeuras populares cexige desfazerse da suposicio de que seu espaco proprio sio comunida- des indigenas auto-suficientes, isoladas dos agentes modernos que hoje as constinuem tanto quanto suas tradigdes: as indistrias culturais, o rismo, as relagdes econdmicas ¢ politicas com o mercado nacional ¢ transnacional de bens simbélicos. 26 urTURAS HleRIOAS -Existem grupos indigenas nos quais os fendmenos estéticos ainda se configuram com bastante independéncia a partir de tradigdes ex: clusivas, se reproduzem em rituais e em praticas cotidianas de origem pré-colombiana ¢ colonial. Um risco da sociologia da cultura que se especializa, como quase toda a sociologia, no desenvolvimento moderno urbano, e enuncia afirmacées gerais para a América Latina a partir dos censos, das estatisticase das enquéies, é esquecer essa diversidade © essa perseveranca do arcaico. Mas 0 risco oposto, freqiiente entre folcloristas e antropélogos, é enclausurarse nesses gruposminoritirios, como se a enorme maioria dos indgenas do continente no estivesse vivendo hi décadas processos de ‘migragao, mesticagem, urbanizago, diversas interagSes com © mundo ‘moderno, Desse modo, 0 exame dos cruzamentos entre artesanato e arte desemboca em um debate de fundo sobre as oposigdes entre tradicio € ‘modernidade e, portanto, entre as duas disciplinas que hoje levam 4 cena, através de sua separacio, esse divércio: a sociologia e a antropologia. Antes de entrar nessa polémica, quero dizer que outra razio para ocupar-se da oposi¢io arte/artesanato como processo socio- cultural - ¢ nao apenas como questio estética ~ é a necessidade de abarcar um universo mais extenso que dos produtos singulares consagrados como arte (culta ou popular). Do mesmo modo que ‘muitas obras com pretensio de ser Arte se limitam a repeticgio de modelos estéticos de séculos anteriores ~ e portanto em cenérios de pouca legitimidade: jardins de arte, supermercados, centros de cul- tura suburbana -, a maior parte da producio artesanal nio tem as- piragdes estéticas. Nos pafses latino-americanos mais ricos em arte- sanato ~ Peru, Equador, Guatemala, México ~ a maioria dos artesios produz para sobreviver, sem buscar renovar as formas ou a significa: cio, O que chamamos art: nio é apenas aquilo que culmina em sgrandes obras, mas um espaco onde a sociedade realiza sua produ- ‘io visual. E nesse sentido amplo que o trabalho artistico, sua cireu- lacdo € seu consumo configuram um lugar apropriado para compre- ender as classificagdes segundo as quais se organiza o social. | ENCENACAO DO POPULAR Po ANTROPOLOGIAYS. SOCIOLOGIA As diferencas e a ignorincia recfproca entre essas duas disciplinas derivam de suas maneiras opostas de explorar o tradicional ¢ 0 moderno. ‘Aantropologia se dedicou preferencialmente a estudar 0s povos indigenas ‘ecamponeses; sua teoriae seu método se formaram em relacio aos rituais 20s mitos, 20s costumes ao parentesco nas sociedades tradicionais. En- quanto iso, a sociologia se desenvolveu na maior parte do tempo especia- lizandose em problemas macrossocias ¢ processos de modernizacio. ‘Também se opuseram na valorizacio daquilo que pemanece ¢ daqui- Jo que muda, Hoje nao podemos generalizar facilmente, mas durante <écadas os antropélogos foram, a0 lado dos foleloristas, os especialistas no arcaico ¢ no local, nas formas pré-modernas de sociabilidade e no resga- te daquilo que sobrevive des. Também nio justo uniformizar a socio- Jogi, mas sabemos que sua crigem como disciplina cientifica esteve asso- ciada a industrializagéo e muitos ainda continuam vendo a organiza¢ao ‘tradicional das relagbessociais e politicas- por exemplo, o apadrinhamen- t0.€0 parentesco ~ como simples “obsticulos ao desenvolvimento”. Para justificar a preferéncia de seus estudos pelo mundo indigena e camponés, os antropélogos kembram que continuam existindo na Améri- ca Latina trinta milhées de indios, com territérios diferenciados,linguas proprias (cujs falantes aumentam em algumas regiées), historias inicia- das antés da conquista, habitos de trabalho e consumo que os distinguem. Sua resistencia de cinco séculos & opressio e @ aculturagao continua ex- pressando-se em organizacées sociais e politicas auténomas: nio é possi- vel pensar que se trata de “um fenémeno residual, um anacronismo inex- plicdvel nem um traco de cor folclérica sem maior transcendéncia™. £. preciso reconhecer, airmase, que “os grupos étnicos sio ‘nagdes em po- "s unidades capazes de ser 0 campo social da historia concreta"™. 29, Cuero Boal comp), Up Rast: Posen Pao aon ds en ra a Lai, México, Noen lagen, [81 p. 27 0 des pp. $031. “ Ccuurueas HlbRioAs Essa delimitagio do universo de estudo leva a concentrar a descri- dio etnogréfica nos tragos tradicionais de pequenas comunidades e a su- verestimar sua logica interna, Ao enfocar tanto 0 que diferencia um gru- 10 dos outros ou o que resiste & penetraro ocidental,sio deixados de lado 's crescentes processos de interaco com a sociedade nacional e mesmo ‘om o mercado econémico e simbélico transnacional. Ou os reduzem 20 sséptico “contato entre culturas”. Dai que a antropologia tenha elabora- (0 poucos conceitos ites para interpretar como os grupos indigenas re- vroduzem em seu interior o desenvolvimento capitalsta ou constroem com |e formages mistas. Os confltos, poucas vezes admitidos, slo vstos como 86 se produzissem entre dois blocos homogéneos: a sociedade “coloni- 1" €0 grupo étnico, No estudo da etnia, sio registradas unicamente as clagées sociais igualitirias ou de reciprocidade que permitem consideré- 2 “comunidade”, sem desigualdades internas, confrontadas compactamen- © com o poder “invasor”. Alguns autores que tentam dar conta das transformagdes moderni- ‘adoras reconhecem ~ além da dominaclo externa ~a apropriagio de seus lementos por parte da cultura dominada, mas apenas consideram aque- 85 que o grupo aceita segundo *scus propriosinteresses" ou aqueles que vodem dar um sentido de “resistencia”, Por isso existem tio poucas andl- es dos processos em que uma etnia, ou a maior parte dela, admite a re- rnodelagao que os dominadores fazem de sua cultura: subordina-e volun- ariamente a formas de producdo, a sistemas de assisténcia médica ou a novimentos religiosos ocidentais (desde o catolicismo até o pentecos- alismo), incorpora como projeto proprio as transformacbes moderniza- Joras €a integracdo politica a sociedade nacional. Menos freqiientes ain- 4a sio as investigagdes que examinam os procedimentos pelos quais as cultura tradicionais dos indigenas e dos camponeses unem-se sineretica- nente a diversas modalidades de cultura urbana e massiva, estabelecen- +o formas hibridas de existéncia do “popular”, As dificuldades aumentam quando se transpée o estilo clissico da =tnografia antropol6gica para a culnura populares da cidade. Como estu- ar os milhes de indigenas e camponeses que migram para as capitals, os ‘A ENcENAGHO Do POPULAR ae operdrios subordinados organizacio industrial do trabalho ao consumo? E possivel responder se selecionarmos setores marginais, recortarmos uni- dads pequenas de andlise ~ um baitro, ui grupo étnico, uina minora cultural -, empregarmos exclusivamente técnicas de observacio intensiva «de entrevista em profundidade e os examinarmos como sistemas fecha- dos. Esses trabalhos costumam dar informagdes originals e densas sobre _questdes microssociais. Mas suas préprias estratégias de conhecimento ini ‘bem a construgio de uma antropologia urbana, ou seja, de uma visio de conjunto sobre o significado da vida na cidade, ao modo da Escola de Chi- ago. Podemosaplicaraquase toda a antropologia feita na América Latina ‘que Eunice Ribeiro Durham diz sobre o Brasil: praticou-se menos [+] uma antropologia da cidade do que uma antropologia na cidade. (..] wate se de pesquisa que operam com temas, conceitos e métodes da antopologi, mas ‘olados para o esudo de populagdes que vive nas cdades. A cidade 6, portato, antes lgar da investgacio do que seu objet. Parece que os antropélogos tém mais dificuldades para entrar na ‘modernidade que os grupos sociais que estudam, ‘Outra caracteristica desses trabalhos & que dizem muito pouco so- bre as formas modernas de hegemonia. Como aponta Guillermo Bontil em um texto sobre a pesquisa no México, a] a maioria dos estudos antropol6gicos sobre cultura popular parte hoje da suposico, implicta ou explicit, de que seu objeto de extudo é uma cultura diferen tej ito, mesmo quando pesquisa se refere a comunidades camponesas nie indige- fas ou a stores urbanos" SL. BoiceR Dushan, A Feagusa Anrpelgia com Popsbes Urbana ProblemasPespectins’ em Rath Cardoso (rg), A Asenradnmpolgca So Paulo, Fare Tera 1986p. 19.0uro edo dex ator mono qe pe sar amar de rama ie agerinoraqE Rizo Du, "ASociedade Vita da Peer’ Reta Basa de na San, juno de 1986 {52.Gullerme Bonl Bx, "Los anceps de Diferencay Subordincinen el Edi de as a ‘rs PopalaresemV.A, Tar Desai ma ntl Sol Meco Mico, Lal, (least, 1988, pp 97208. 250 CUITURAS Hanions ‘A tradigo etnografica, que se diferencia pela hipétese de que “as cculturas populares so culturas em si mesmnas, sio culturas diferentes", resistea pensé-las como subculturas, partes de um sistema de dominacio. Mesmo para esse autor, que inclui a dominacio em sua andlis, e reconhe- ‘ce entre as causas que originam as culturas populares a distribuigao desi gual do patrimSnio global da sociedade, a especificidade do trabalho an- tropol6gico consiste em estudlar as diferencas. Dois argumentos apsiam essa opgao. Um retoma o vinculo da an- tropologia com a hist6ria, que Ihe permite incluir nos processos sociais “a longa temporalidade”, “a dimensio diacrénica”, Desde 0 comego da colonizacio, um recurso para dominar os grupos aborigines foi ‘manter sua diferenca; ainda que a estrutura da subordinagio tenha mudado, permanece a necessidade, por diferentes razdes, dos domi- nadores e das classes populares, de que a cultura destas seja diferente. © segundo argumento surge ao observar as culturas populares de hoje. Nos povoados camponeses mestigos, inclusive naqueles onde a lingua mudou ¢ a indumentiria tradicional foi abandonada, subsistem tragos da “cultura material, das atividades produtivas, dos padrées de consu- ‘mo, da organizagao familiar e comunitiria, das préticas médicas ¢ cculindrias e de grande parte do universo simbélico”: a desindianizagio provoca nesses grupos “a ruptura da identidade étnica original”, mas continuam tendo consciéncia de ser diferentes ao se assumir como depositarios” de um patriménio cultural criado 20 longo da historia por essa mesma sociedade™™. Nas cidades, onde a ruptura é ainda mais radical, muitos migrantes de origem indigena ou camponesa [..] mantém vinculos com suas comunidades ¢ os renovam periodicamente; ‘organizam-se aqui pare manter 2 vida como eral, até onde as circunstncias os per miter: ocupam pequenos espacos urbanos que vo poveando com os de ld; organi- 5, lo de ‘de idee ‘A ewcenacho vo Porutar a zam-se e apéiamse conforme os povos e regis de origem; celebram as festa € fa lam entre eles sua propria lings A concentragéo de muitos antrepélogos nas culturas tradicionais se relaciona com sua visio critica sobre os efeitos da modernizacao. Questi- ‘onan o valor que tem para o conjunte da sociedade, ¢ especialmente para as camadas populares, um desenvolvimento moderno que ~ além de aca- bar com formas de vida tradicionais~gera migragoes macigas, desarraiga- ‘mento, desemprego ¢ gigantismo urbano. Opdem-se energicamente atodo cevolucionismo que encara o étnico ¢ o rural como atraso para substinut-lo por um crescimento urbano ¢ industrial definido a priori como progres- 0, Dai que busquem na reativacio das tradigBes indfgenas e camponesas, ‘em seu saber e em suas técnicas, em seu modo de tratar a natureza e re- solver comunitariamente os problemas sciais, um estilo de desenvolvimen- to menos degradado e dependente™. [Nas duas filtimas décadas, a sociologia da cultura e a sociologia po- liticaforjaram um modelo oposto, que vé as culturas populares da pers pectiva da modernizacao. Partem do relativo éxito alcancado pelos proje- tos de integragao nacional, que eliminaram, reduziram ou subordinaram, ‘os grupos indigenas. Uma evidéncia ¢ a uniformidade lingifstica. Qutra, 2 educacio moderna, que abrange a alfabetizagio generalizada nas duas linguas principais— espanhol ¢ portugués-, ¢ também um tipo de conhe- ‘imento que capacita os membros de cada sociedad a participar don cado de trabalho e de consumo capitalist, assim como dos sistemas polt- ticos nacionais. Em terceiro lugar, um modo de organizar as relagdes fa- niliares e de trabalho baseado nos principios liberais modernos, Sabese que essa tendéncia histSrica foi fomentada pelas teorias so- ciol6gicas dualstas que viram na indastralizaclo o fator dinamico do de- senvolvimento latino-americano e atribuiram a essa disciplina a missio de lutar contra os resfduos tradicionais, agrérios ou “feudais”. Precisamente 35. ie. $6.CE Arturo Warman, "Modecizare Para Qu" Noms, 50 fever de 182 ¢ Giller Boni Balla, Mo Pf Mes, Crabo, 1980. ws ‘cunTURAS WioRIOAS >orque se desqualificava o “atraso” popular e porque nessa época a socio- ‘gia se concentrava no debate sobre modelos socioeconémicos, pouguis ‘mas pesquisas se interessaram em conhecer as culturas subalternas, Foi :m anos recentes, quando entraram em crise todos os programas de mo- lernizagio e de mudanea social (os desenvotvimentismos, os populismos, »smarxismos), que 0s soci6logos latino-americanos comegaram a estudar \ cultura, especialmente a popular, como um dos elementos de articula- “Zo entre hegemonia e consenso, Destacaram-se nos anos 80 os trabalhos de sociologia da cultura or :ntados pela teoria da reprodugio e os de sociologia politica que se apo 1m na concepeao gramsciana da hegemonia, Freqtientemente confluem 10 propésito de explicar de que modo as classes hegem@nicas fundamen- am sua posigo na continuidade de um capital cultural moderno quie ga ante a reproducao da estrutura social e na apropriacao desigual desse ca- >ital como mecanismo reprodutor das diferencas. Mas, apesar da maior stengio dada 20 conhecimento empitico das culturas populares, com fre= -yiéncia olham sua vida cotidiana a partir dessas macroteorias ¢ selecionam apenas o que esta incluido netas. Essa perspectiva tem o mérito de questi- nar idealizacbes geradas pela excessiva autonomizacao das culturas subal- vernas, ralizadas pelos que as véem como manifestagées da capacidade criadora dos povos ou como acumulago anténoma de tradigées prévias & industralizacdo, Ao situar as ages populares no conjunto da formagao so- cial, os reproduitivistas entendem a cultura subalterna como resultado da distribuicio desigual dos bens econdmicos ¢ culturais. Os gramscianos, ‘menos “fatalistas’ relativizam essa dependéncia porque reconhecem cer ta niciativa e poder de resistencia por parte das classes populares, mas sem- pre dentro da interacio contraditéria com os grupos hegemonicos. Nessa linha, sustentou-se que nao existia na América Latina cultura popular com os componentes que Gramsci atribuit a0 conceito de cultu- ra: a) uma concepeio do mundo; 8) produtores especializados; ) portado- res sociais preeminentes; d) capacidade de integrar um conjunto social, levitlo “a pensar coerentemente e de forma unitéria’; ¢ tornar possvel a lta pela hegemonia; ) manifestarse através de uma organizagio material ‘A encenacho 00 poruLae 23 e institucional”. O que habitualmente se denomina “cultura popular” nes- ses paises multiétnicos estaria mais préximo, no vocabulério gramiciano, do conceito de folclore. O problema & que esses universos de praticas ¢ simbolos antigos estariam perecendo ou debilitando-se devido ao avango da modernidade. Em meio as migrages do campo para a cidade que de- sarraigam os produtorese usuirios do folclore, frente & aco da escola e das indistrias culturas, a simbologia tradicional 6 pode oferecer “estados de consciéncia dispersos fragmentados, em que coexistem elementos hetero- _géneos € diversos estratos culturais tomados de universos muito diferen- tes", O folclore mantém certa coesio e resistencia em comunidades indi .genas ou zonas rurais, em “espacos urbanos de marginalidade extrema’, ‘mas mesmo ali cresce a reivindicagao de educagio formal. A cultura tradi- «ional se encontra exposta a uma interago crescente com a informacao, a ‘comunicagio ¢ os entretenimentos produzidos industrial ¢ macigamente. As placa ou favelas de nowss grandes ckades se encheram de ridiostran- sistores elas onasrurasavanga a insalaro de torres transmisoras de televsi, 0 rock 2 linguagem universal das fests juvenis que atravesa os diversos grupos soci ‘Uma maneira de entender o conflito entre esses dois paradigmas seria spor que a bifurcagao entre a antropologia ea sociologia correspon- de a existencia de duas modalidades separadas do desenvolvimento cul- tural. Se de um lado persistem formas de produgao e comunicagao tradi- ionais , de outro, circuitos urbanos e massivos, parece Kégico que haja disciptinas diferentes para ocuparse de cada um, Nao serio as posicdes a favor da resistencia incessante das culturas populares e da modernizacio ‘nexordvel regionalmente verdadeiras: a primeira nas zonasandina e meso- americana, a segunda no Cone Sul e nas grandes cidades? A questio pa- {37 o mod eoso forma jot Joaquin Bruner, "Now sobre Guta opal IndustiaCulurly ‘Moderna’ em Uap Tes pp. 15158 $8. ine. * Paesino posi clang, no Chie so equalenes 0 noo tan ea [Ns'T) 0. | a ‘cuUTURAS HORIOAS rece resolverse desde que nio se generalize nenhuma das tendéncias na investigagao, nem se pretenda que existe uma tinica politica cultural. Ainda que essa precisio tenha certa pertinéncia, deixa sem solugdo os proble- tas basicos de uma andlise conjunta das relagdes entre tradicdo, moder nidade e pésmodernidade ‘Outro modo de encarar a questio é partir da analogia que aparece 420 tratar a crise do popular ea da cultura de elite. Também nos capftulos sobre aarte conclufmos que ni hi uma tinica forma de modernidade, mas Varia, desiguais eas vezes contraditrias. Tanto as transformagies das cul turas populares quanto as da arte cultacoincidem em mostrar a realizacio heterogénea do projeto modernizador em nosto continente, adiversa ar ticulagio do modelo racionalista liberal com antigas tradicées aborigines, com 0 hispanismo colonial cat6lico, com desenvolvimentos socioculturais préprios de cada pais. Contudo, ao explorar a fisionomia dessa heteroge- neidade, ressurge 0 desacordo entre disciplinas. Enquanto os antropélo- {g0s preferem entendéla em termos de diferenga, diversidade e pluralida- de cultural, 08 socidlogos recusam-se a perceber a heterogencidade como “mera superposicio de culturas”e fam de uma “participacio segmenta da e diferencial em um mercado internacional de mensagens que ‘pene- tra’ a trama local da cultura por todos os lados de formas inesperadas™. Cabe acrescentar por enquanto que ambas as titicas de abordagem do problema mostraram sua fecundidade. £indispensivel o teinamento antropolégico para desmascarar o que pode haver de etnocéntrico na ge- neralizagao de uma modernidade nascida nas metrépoles e reconhecer, por outro lado, as formas locais de simbolizar os conflitos, de usar as alian- «as culeurais para construir pactossociais ou mobilzar cada nacio em um. projeto préprio. Ao mesmo tempo, a visio sociol6gica serve para evitar 0 isolamento ikus6rio das identidades locaise das lealdades informais, para inchuir na andlise areorganizacio da cultura de cada grupo pelos movimen- ‘0s que a subordinam ao mercado internacional out ao menos exigem que interaja com cle 40.) Brome, Ui Td pp. 215218,

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