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KENNETH N. WALTZ TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS TRADUGLO REVISKO CIENTIFICA gradiva 4 Teorias sistémicas e reducionistas Os capitulos 2 e 3 sto altamente criticos. A critica € uma tarefa nega- ttiva que é suposto ter resultados positives. Para os conseguir, vou, neste capitulo, comegar por reflect nas insuficiéncias tebricas reveladas nas ‘paginas anteriores, e depois dizer 0 que compreende uma teoria sistémica das relagdes internacionais € 0 que pode ou no realizar. I De uma forma ou de outra, as teorias das relagdes internacionais, quer sejam reducionistas ou sistémicas, lidam com acontecimentos a todos os niveis, do subnacional ao supranacional. As teorias so reducionistas ou sistémicas, nfo em fungdo daquilo com que lidam, mas de acordo com a forma como organizam os seus materiais. As teorias reducionistas explicam as resultantes internacionais através de elementos e combinagdes de elementos localizados a nivel nacional ou subnacional. A argumentagdo de tais teorias & que forgas internas produzem resultantes externas. NX é 0 seu padro. O sistema in- ternacional, se for sequer concebido, é tomado como mera resultante. ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS o Uma teoria reducionista é uma teoria sobre o comportamento das partes. Uma vez que a teoria que explica o comportamento das partes esteja moldada, no & necessério mais esforgo. De acordo com as teorias do imperialism examinadas no capitulo 2, por exemplo, as resultantes internacionais sio simplesmente a soma dos resultados produzidos pelos estados separados, ¢ 0 comportamento de cada um deles & explicado através das suas caracteristicas intemnas. A teoria de Hobson, tomada como teoria geral, ¢ uma teoria sobre o funciona- mento das economias nacionais. Dadas certas condigées, explica por que a procura abranda, por que a produgo diminui, e por que os recursos sto subempregues. Hobson acreditava que podia inferir 0 comportamento externo dos estados capitalistas a partir do conhe- cimento de como funcionam as economias capitalistas. Cometeu o erro de prever resultantes a partir de atributos. Tentar fazé-lo signi- fica ignorar a diferenca entre estas duas declaragdes: «Ble € um desordeiron ¢ «ile cria desordem». A segunda afirmagao resulta da primeira se os atributos dos actores no determinarem unicamente as resultantes. Assim como os pacificadores podem nio conseguir fazer paz, também os desordeiros podem niio conseguir criar desor- dem. A partir dos atributos no podemos prever resultantes, se essas resultantes dependerem das situagdes dos actores assim como dos seus atributos. Parece que poucos conseguem consistentemente escapar & crenga de que as resultantes politicas internacionais sio determinadas, mais, do que meramente afectados, pelo que os estados so. O ero de Hobson foi cometido por quase todos, pelo menos do século xrx em diante, Na histéria inicial da politica das grandes poténcias modernas, todos os estados eram monarquias, e a maioria monarquias absolutas, Terd o jogo politico do poder sido jogado devido aos imperativos das relagdes internacionais ou simplesmente porque os estados autorité- rigs tém inclinago para o poder? Se a resposta & tltima parte da questio fosse «sim», entZio mudangas nacionais profundas iriam trans- formar as relagSes internacionais. Tais mudangas comegaram a acon- tecer na Europa ¢ na América mais marcadamente em 1789. Para alguns, a democracia tormou-se a forma de estado que iria fazer do mundo um mundo pacifico; para outros, mais tarde, era o socialismo que iria dar resultado. Além disso, no s6 a guerra € a paz, mas as relagdes intemacionais em geral eram para ser entendidas através do estudo dos estados e dos estadistas, das elites e das burocracias, dos 90 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS. actores subnacionais e transnacionais cujos comportamentos ¢ interac Ges formam a substincia dos assuntos intemnacionais, Os cientistas politicos, de orientagio tradicional ou moderna, reificam os seus sistemas reduzindo-os as suas partes em interac Por duas razoes, a jungao de tradicionalistas orientados pela hist6ria © modemistas orientados pela ciéncia pode parecer estranha. Primeiro, a diferenga nos métodos que usam obscurece a similaridade da sua metodologia, isto é, da légica que seguem as suas investigagdes. Se. gundo, as suas diferentes descrigdes dos objectos das suas investiga Ges reforcam a impressao que a diferenga de métodos é uma diferenca de metodologia. Os tradicionalistas enfatizam a distingdo estrutural entre politica interna e intemacional, uma distingao que os modemis- tas normalmente negam. A distingo apoia-se na diferenga entre a politica conduzida numa condigio de regras estabelecidas e a politica conduzida numa condigaio de anarquia. Raymond Aron, por exemplo, encontra a qualidade distintiva das relacdes intemacionais na «aus cia de um tribunal ou de uma forga policial, no direito de recorrer & forga, na pluralidade de centros de decisdo auténomos, na alternncia € continua interaccdo entre guerra e paz» (1967, p. 192). Esta visio contrasta com a investigagao de J. David Singer das potencialidades descritiva, explanatéria e preditiva dos dois niveis diferentes de ané- lise: o nacional e 0 internacional (1961). No seu exame, no consegue ‘mesmo mencionar a diferenga contextual entre politica organizada dentro de estados e politica formalmente desorganizada entre eles. Se a diferenga contextual for descurada ou negada, entio a diferenga qualitativa entre politica interna e externa desaparece ou nunca exis- tiu. E esta 6, de facto, a conclusio a que os modemistas chegam. A diferenga entre o sistema global e os seus subsistemas nao esté na anarquia dos primeiros e na organizac&o formal dos iltimos, mas no facto de haver, como Singer diz, apenas um sistema internacional «no planeta Terra ¢ & volta dele» (1969, p. 30). Se acrestitarmos nisso, entio «o problema do nivel de andlise em relagdes internacionais» resolvido tornando o problema numa questdo de escolha, uma escolha feita de acordo com o interesse do investigador (1961, p. 90). Os tradicionalistas continuam a insistir no carécter andrquico das relagdes internacionais marcando uma distingfio entre os dominios interno e extemno, ao passo que os modemnistas nao o fazem. Se ou- virmos 0 que dizem membros das duas doutrinas, 0 abismo entre eles € enorme, Se olharmos para o que fazem membros das duas doutrinas, ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS a métodos a parte, 0 abismo diminui e quase desaparece. Todos eles deixam-se ir para 0 «pélo subsistémico dominante». A sua atenc&o estd focada nas unidades comportamentais. Concentram-se em desco- brir quem est a fazer 0 qué para produzir os resultados. Quando Aron © outros Lradicionalistas insistem para que as catcgorias dos tedricos sejam consonantes com os motivos € as percepgdes dos actores, esto a afirmar a légica preeminentemenie comportamental que as suas investigagdes seguem. Modemistas e tradicionalistas saem da mesma escola, Partilham a crenga de que explicagses das resultantes politicas internacionais podem ser delineadas através do exame das acgdes interacgies das nagdes e outros actores. ‘A similaridade das abordagens tradicional e moderna no estudo das relagSes internacionais é facilmente mostrada. Os analistas que con- finam a sua atengao as unidades em interacgdo, sem reconhecerem que causas sistémicas esto em jogo, compensam as omissBes ao atri- bufrem arbitrariamente tais causas ao nivel das unidades em interacg20 ¢ ao dividirem-nas pelos actores. Os efeitos de relegar as causas sistémicas para o nivel dis unidades em interacedo so praticos assim como teéricos. A politica interna é transformada em assuntos de pre~ ocupacao internacional directa. Isto foi claramente mostrado em 1973 e depois quando a détenie se tornou assunto de discussio na politica americana. Podia a détente, pensava-se, sobreviver & pressdo americana sobre 0s lideres politicos russos para que governassem um pouco mais liberalmente? Hans Morgenthau, nio inesperadamente, virou a discussio ao contrario. A preocupacio americana com a politica in- tema russa, afirmou, nde € «interferir nos assuntos internos de outro pais, Pelo contrario, reflecte 0 reconhecimento que uma paz estavel, fundada numa balanca de poder estavel, esté pressuposta numa estru- tura moral comum que expressa 0 compromisso de todas as nagdes envolvidas a certos prineipios morais basicos, um dos quais é a pre- servagio da balanga de poder» (1974, p. 39). Se as resultantes poli ticas internacionais so determinadas pelo que 0s estados so, entiio devemos estar preocupados com as disposigdes internas dos estados internacionalmente importantes € se necessétio fazer alguma coisa para mudé-las. Como politico, 0 Secretirio de Estado Henry Kissinger rejeitou a argumentagao de Morgenthau. No entanto, como cientista politico, Kissinger tinha anteriormente concordado com Morgenthau ao acredi~ tar que a preservagio da paz ¢ a manutengdo da estabilidade intema- 2 ‘TEORIA DAS RELAGOFS INTERNACIONAIS cional dependem das atitudes ¢ das caracteristicas internas dos esta- dos. Kissinger definiu uma ordem internacional como «legitimay se for aceite por todas as grandes poténcias e como «revolucionariay se uma, ou mais, a rejeitar. Em contraste com uma ordem legitima, uma ordem revolucionéria & aquela em que uma, ou mais, das grandes poténcias se recusa a lidar com outros estados de acordo com as regras de jogo convencionais. A qualidade da ordem depende das disposigdes dos estados que a constituem, Uma ordem internacional legitima tende para a estabilidade e para a paz; uma ordem interna cional revolucionaria, para a instabilidade © para a guerra. Estados revolucionérios fazem sistemas internacionais revoluciondtios; um sis- tema revoluciondrio & aquele que contém um ou mais estados revolu- ciondrios (Kissinger, 1957, pp. 316-320; 1964, pp. 1-6, 145-147; 1968, p. 899). O raciocinio é circular, ¢ € natural que assim seja. Uma vez que o sistema € reduzio as suas partes em interacedo, 0 destino do sistema apenas pode ser determinado pelas caracteristicas das suas unidades principais®. Entre os cientistas politicos, Morgenthau e Kissinger stio conside- rados tradicionalistas — eruditos voltados para a historia e mais pre~ ocupados com a politica do que com os métodos teéricos € cientificos No entanto, a pritica em questo é comum entre cientistas sociais de diferentes orientagdes. Vimos no capitulo 3 que o raciocinio de Kaplan € igual ao de Morgenthau, apesar do vocabulirio de Kaplan, empres- tado da teoria sistémica geral, ter ofuscado isso. Marion Levy, um socidlogo que, as vezes, escreve sobre relagdes intemacionais, dé-nos outro exemplo. Ele afirma que os «problemas focais» dos assuntos internacionais «so 0s éa modernizagao das sociedades relativamente no modemizadas ¢ os da manutengao da estabilidade dentro das 0 que Kissinger aprendev como politico & muito diferente das conclusBes a que tinha chegado como professor. DeclaacBes revelando as suas novas visies abundam, mas um ‘exemplo ser sufciente. Entrevistado, enguanto Secretirio de Estado, por Wiliam F. Buckley, 4c, Kissinger fez as soguintes observagdes em trés pardgrafos sucessivos: «As sociedades comunistas slo moralmente, na sua estrutura interna, inaceitiveis para nés..». Apesar das rnossas ideologias e das deles zontinuarem a ser incompativeis, podemos, contudo, fazer entendimentos priticos e preservadores da paz na nosse politica extema. Devemes, de facto, ‘eovtarcrar a iuslo de que o progresso em slgumas quesides de politica externa. signifiea ‘que houve uma mudanga na estutura interna» (13 de Setembro de 1975, p. 5). (© elo entre aributes internat ¢ resultados externas ndo € visto como inquebrivel. AS ccondigSes e os compromissosintemos jé no determinam a qualidade da vida internacional ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS. 93 sociedades relativamente modemizadas (¢ consequentemente entre elas)» (1966, p. 734). As explicagdes de tipo dentro para fora produzem sempre os resul- tados que estes exemplos ilustram. O facto de Kissinger dizer que a instabilidade internacional ¢ a guerra so causadas pela existéncia de estados revoluciondrios, equivale a dizer que as guerras ocorrem por- que alguns estados so propensos a guerra. E, contudo, os regimes revolucionérios podem obedecer as regras internacionais — ou, mais simplesmente, podem tender para a coexisténcia pacifica — porque as presses das suas situagdes externas prevalecem sobre os seus objectivos internos. Ordens intemacionais revolucionrias so, as ve- 2es, estiveis ¢ pacificas. Inversamente, ordens internacionais legitimas si, &s vezes, instaveis e propensas & guerra. O esforgo de Levy para predizer resultantes internacionais a partir das caracteristicas nacio- nais levam a resultados sinilarmente pouco expressivos. Dizer que estados estéveis produzem um mundo estivel equivale a nao mais do que dizer que a ordem prevalece se a maioria dos estados for ordeiro. Mas mesmo que todos os estados fossem estiveis, o mundo de estados poderia néo ser. Se cada estado, sendo estivel, lutasse apenas pela eguranga e nao cobigasse cs seus vizinhos, todos os estados iriam, no obstante, permanecer inseguros; porque os meios que garantem a seguranga de um estado sio, s6 pelo facto de existirem, os meios pelos quais os outros estados siio ameagados. Nao podemos inferir a condigio das relagées internacionais da composicao interna dos esta- dos, nem podemos chegar ¢ um entendimento das relagdes interna- cionais somando os comportamentos externos e as politicas externas dos estados. As diferencas entre as escolas tradicional e modema so suficiente- mente vastas para obscurecer a sua similaridade fundamental. A simi- laridade, uma vez analisada, é impressionante: membros de ambas as escolas revelam-se seguidores do behaviourismo. Membros de ambas as escolas oferecem explicagdes em termos das unidades enquanto deixam de lado 0 efeito que as suas situagdes podem gerar. O sentido completo da unidade como estilo de raciocinio & conseguido ao jun- tarmos os exemplos dados nos capitulos 2 € 3 com estes agora acres- centados. Veblen e Schumpeter explicam o imperialismo e a guerra de acordo com o desenvolyimerto social intemo; Hobson e os seus vas- tos seguidores, de acordo com arranjos cconémicos internos. Levy pensa que a estabilidade nacional determina a estabilidade interna- oo TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS cional. Kaplan declara que as relagdes internacionais resultam de uma dominante subsistémica. Aron diz que 0 que os pélos do sistema sio € mais importante do que a quantidade de pélos que possam existir. Como professor, nao como estadista, Kissinger identifica estados revo- lucionarios com instabilidade internacional e guerra. Porque concorda com Kissinger enquanto professor, Morgenthau aconselha a interven ‘40 nos assuntos internos de outros estados em nome de uma neces sidade politico-internacional. Rosecrance faz do sistema internacional, um efeito, e, de forma alguma uma causa, e transforma a sua inves- tigagdo das relagdes intemacionais numa «correlagio» entre condi- ¢Ges internas e resultados intemacionais e num tragado de efeitos sequenciais. Muitos estudiosos modemnos passam muito do seu tempo a calcular os coeficientes de correlacao de Pearson. Isto, muitas vezes, equivale a aduzir mimeros aos tipos de associagdes impressionistas entre condigées internas ¢ resultantes interacionais que os tradicio- nalistas to frequentemente oferecem. Os estudos das relagdes inter- nacionais conformes ao pedro do tipo dentro para fora, seguem a l6gica correlacional, sejam quais forem os métodos usados. Os estu- diosos que podem ou nao achar-se tedricos sistémicos, ¢ as formula- ges que parecem ser, mais ou menos, cientificas, seguem a mesma linha de raciocinio. Eles examinam as relages internacionais em ter- mos de como so os estados e como interagem, mas no em termos da posi¢o que ocupam uns em relagdo aos outros. Eles cometem a « & | N——> % Figura 5.1 tanto afecta as interacgies dos estados como os seus atributos". Apesar da estrutura como um conceito organizacional ser opaca, 0 seu signifi- cado pode ser explicado de forma simples. Enquanto os estados retém @ sua autonomia, cada um tem uma relagdo determindvel com os outros. Formam uma espécie de ordem. Podemos usar o termo worga- nizago» para cobrir esta condigio pré-institucional se pensarmos numa organizagio como um simples constrangimento, & maneira de W. Ross Ashby (1956, p. 131). Porque os estados se constrangem e limitam 1uns aos outros, as relagdes internacionais podem ser vistas em termos organizacionais rudimentares. Estrutura é 0 conceito que torna poss: vel dizer quais so 0s efeitos organizacionais esperados ¢ como as estruturas e as unidades interagem e se afectam umas as outras. _— Figura 5.2 “© Nada de essencial ¢ omitido da fig. 5.2, mas algumas complicagBes sio omitidas. Um uadro completo incuiria, por exempl, aliangas possivelmente formadas do Indo dizcito, 1a ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS Pensar a estrutura como a defini resolve o problema de separarmos mudangas ao nivel das unidades de mudangas 20 nivel do sistema. Se ‘estamos preocupados com os diferentes efeitos esperados de sistemas diferentes, temos de ser capazes de distinguir mudangas de sistemas de mudangas dentro deles, uma coisa que os supostos tedricos sistémi- cos descobriram set excessivamente dificil de fazer. Uma defini¢ao de ‘estrutura em trés partes permite-nos distinguir esses tipos de mudangas: Primeiro, as estruturas sto definidas de acordo com o principio pelo qual um sistema é ordenado. Os sistemas so transformados se um prineipio ordenador substituir outro. Passar de um dominio anérquico para um hierérquico é passar de am sistema para outro. * Segundo, as estruturas so definidas pela especificagdo das fungdes de unidades diferenciadas. Os sistemas hierdrquicos mudam se as fungdes forem diferentemente definidas e distribuidas. Para os sis- temas anarquicos, 0 critério da mudanga sistémica derivado da segunda parte da definig2o desaparece uma vez que o sistema & composto por unidades semethantes. ‘© Teiceiro, as estruturas sto definidas pela distribuigdo das capacida- des pelas varias unidades. Mudancas nesta distribuicdo so mudan- gas de sistema quer o sistema seja anarquico ou hierérquico. 6 Ordens anarquicas e balancas de poder Restam duas tarefas: primeiro, examinar as caracteristicas da anar- quia e as expectativas acerca dos resultados associados com os domi- nios andrquicos; segundo, examinar as formas como as expectativas variam a medida que a estrutura de um sistema andrquico muda através de mudangas na distribuicdo das capacidades entre nagdes. A segunda tarefa, levada a cabo nos capitulos 7, 8, € 9, requer que se comparem diferentes sistemas interacionais. A primeira, que vou agoza tratar, & melhor conseguida fazendo algumas comparagdes entre comporta- mento e resultados nos dominios anarquico e hierérquico. 1. Violéncia interna e externa Diz-se muitas vezes, que 0 estado entre estados conduz os seus assuntos envolto na sombra da violéncia. Porque alguns estados po- dem em qualquer altura usar a forga, todos os estados tém de estar “a TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS preparados para o fazet — ou entéo vivet 4 mercé dos seus vizinhos snilitarmente mais vigorosos. Entre estados, o estado da natureza é um estado de guerra. Isto é dito nfo no sentido de que a guerra ocorre ‘constantemente, mas no sentido de que, com cada estado a decidir por si mesmo usar ou ndo a forga, a guerra pode rebentar a qualquer altura. Quer seja na familia, na comunidade, ou no mundo em geral, © contacto sem, pelo menos, conflito ocasional & inconcebivel; e a esperanca de que na auséncia de um agente para gerir ou manipular as partes em conflito, 0 uso da forga sera sempre evitado, ndo pode ser encarado de forma realista. Entre homens como entre estados, a anarquia, ou a auséncia de governo, est4 associada & ocorréncia de violencia, se que a ameaca de violéncia € 0 uso recorrente da forca dis- tinguem os assuntos internacionais dos nacionais. Mas na historia do mundo, certamente que a maioria dos governantes teve de ter em mente que os seus sibditos podiam usar a forga para Thes resistir ou para os depor. Se a auséncia de governo esté associada & ameaga de violencia, entio também esté a sua existéncia. Uma lista aleatoria de tragédias nacionais ilustra muito bem este ponto. As guerras mais destrutivas dos 100 anos apés a derrote de Napoledo travaram-se nao entre estados mas dentro deles. As estimativas do mimero de mortos na rebelido de Taiping na China, que comecou em 1851 ¢ durou 13 anos, atingem os 20 milhdes. Na Guerra Civil Americana cerca de 600 mil pessoas perderam a vida. Na histéria mais recente, a colectivizagio forgada e as purgas de Estaline eliminaram cinco milhdes de russos, e Hitler exterminou seis milhdes de judeus. Em alguns pafses da América Latina, golpes de estado e rebelides tém sido caracteristicas normais da vida nacional, Entre 1948 ¢ 1957 por exemplo, 200 mil colombianos foram mortos em conflitos civis. Em meados dos anos 70, a maioria dos habitantes do Uganda de Idi Amin devem ter sentido as suas vidas tomarem-se terriveis, brutalizadas ¢ curtas, como no estado de natureza de Thomas Hobbes. Se tais casos constituem aber- rages, so desconfortavelmente comuns. Facilmente perdemos de vista © facto de que as lutas para alcangar ¢ manter 0 poder, para estabe- lecer a ordem e para conseguir uma forma de justiga dentro dos esta- dos podem ser mais sangrentas do que as guerras entre cles. Se a anarquia é identificada com 0 caos, a destrui¢do e a morte, entio a distingao entre anarquia e governo nao nos diz muito. Qual seré mais precdria: a vida de um estado entre estados, ou de um ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER 5 governo em relagdo aos seus sibditos? A resposta varia com o tempo € © lugar. Entre alguns estados em algumas alturas, a ocorréncia real ou esperada de violencia € baixa. Dentro de alguns estados em algu- mas alturas, a ocorréncia real ou esperada de violéncia é alta. O uso da forga, ou 0 medo constante do seu uso nao constituem base sufi- ciente para distinguir assuntos intemnacionais de internos. Se 0 uso possivel e real da forca marcam as ordens internacionais ¢ internas, entio nfo pode ser delineada nenhuma distingao duradoura entre os dois dominios em termos do uso ou no da forga. Nenhuma ordem humana é & prova de violéncia Para descobrirmos diferengas qualitativas entre os assuntos internos ¢ extemos temos de procurar um critério que nao seja a ocorréncia da violencia. A distingéo entre os dominios da politica nacional e inter- nacional nao se encontra no uso ou nfo uso da forga, mas nas suas diferentes estruturas. Mas se o perigo de ser violentamente atacado é maior, digamos, ao dar-se uma volta a noite pela baixa de Detroit do que ao fazer-se um piquenique na fronteira franco-alema, que di renga pritica faz a diferenga de estrutura? Nacional como internacio- nalmente, 0 contacto geta conflito e, as vezes, resulta em violencia. A diferenca entre politica nacional e internacional reside no no uso da forga, mas nos diferentes modos de organizag3o para fazer alguma coisa em relagio a esse uso. Um governo, que governe segundo algum padrao de legitimidade, arroga-se 0 direito de usar a fora — isto é, de aplicar uma variedade de sancdes para controlar 0 uso da forga pelos seus stibditos. Se alguns usam a forga privada, outros podem apelar a0 governo. Um governo no tem 0 monopélio do uso da forca, como é deveras evidente. No entanto, um governo efectivo tem um monopélio no uso legitimo da forea, ¢ legitimo aqui significa que os agentes piiblicos estiio organizados para evitar ¢ para conter 0 uso privado da forga. Os cidadios no precisam de se preparar para se defender. As agéncias piblicas fazem-no. Um sistema politico interno nao é um sistema de auto-ajuda. O sistema intemacional & 2. Interdependércia e integragiio O significado politico de interdependéncia varia dependendo se um dominio é organizado, com relagdes de autoridade especificas e esta- belecidas, ou se permanece formalmente desorganizado. Desde que Las ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS um dominio seja formalmente organizado, as suas unidades sao livres para se especializarem, para perseguirem os seus préprios interesses sem se preocuparem em desenvolver os meios de manutenedo da sua identidade e preservacdo da sua seguranga perante os outros. So livres para se especializarem porque no tém razdo para temer a cres- cente interdependéncia que vem com a especializaco. Se aqueles que se especializam mais, beneficiam mais, entio competir pela especia- lizagio prossegue. Os bens sio manufacturados, 0 grio & produzido, a lei ¢ a ordem séo mantidas, 0 comércio é realizado, e os servigos financeiros sio proporcionados por pessoas que se especializam mais minuciosamente. Em termos econémicos simples, 0 sapateiro depende do alfaiate para ter calgas 0 alfaiate depende do sapateiro para ter sapatos, € um estaria mal arranjado sem o servigo do outro. Em ter- mos politices simples, 0 Kansas depende de Washington para ter proteceo e regulamentagdo © Washington depende do Kansas para ter came € trigo Ao dizermos que em tais situagdes a interdependéncia & -apertada, ndo precisamos de afirmar que uma parte ndo aprenderia a viver sem a outta. Precisamos apenas de dizer que 0 custo de quebrar a relagio de interdependéncia seria alto. As pessoas € as instituiges dependem -muito umas das outras devido as diferentes tarefas que desempenham e aos diferentes bens que produzem e trocam. As partes de uma sociedade fundem-se pelas suas diferengas (cf. Durkheim, 1893, p. 212). ‘As diferencas entre as estruturas nacionais e internacionais reflee- ‘tem-se na forma como as unidades de cada sistema definem os seus fins e desenvolvem os meios para alcangé-los. Num ambiente andr- -quico, as unidades semelhantes cooperam. Em meios hierarquizados, unidades diferentes interagem. Num ambiente anérquico, as unidades sio funcionelmente similares e tendem a manter-se assim. As unida- des semelhentes trabalham para manter uma certa independéncia € podem até lutar pela autarcia, Num meio hierarquizado, as unidades sto diferenciadas, ¢ tendem a aumentar a extensio da sua especiali- zago. As unidades diferenciadas tornam-se estreitamente interdepen- dentes, mais estreitamente ainda A medida que a sua especializagio prossegue. Devido a diferenca de estrutura, a interdependéncia dentro © a interdependéncia entre as nagdes sd dois conceitos distintos. De forma a seguir 0 conselho dos Iégicos para manter um tinico signifi- cado para um dado termo no nosso discurso, usarei «integracdo» para descrever a condic&o dentro das nagdes e «interdependénciay para descrever a condigao entre clas. ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER Mr Apesar dos estados serem unidades funcionalmente semelhantes, cles diferem muito nas suas capacidades. Dessas diferencas qualquer coisa como uma divisdo do trabalho se desenvolve (ver capitulo 9). No entanto, a divisio do trabalho entre as nagdes é irrelevante em comparagio com a altamente articulada divisio do trabalho dentro delas. A integragio aproxima as partes de uma nagio. A interdepen- déncia entre as nagdes deixa-as vagamente ligadas. Apesar de se falar frequentemente da integrago das nacdes, isso raramente acontece. As nagdes podiam enriquecer-se mutuamente ao dividirem mais no s6 0 trabalho envolvido na producdo de bens mas também algumas das outras tarefas que desempenham, tais como a conducdo politica ¢ a defesa militar. Por que motivo a sua integracao ndo acontece? A estru- tura das relages internacionais limita a cooperacdo dos estados em duas formas ‘Num sistema de auto-ajuda cada uma das unidades gasta uma por- do do seu esforco, no a perseguir 0 seu préprio bem, mas a arranjar os meios de se proteger dos outros. A especializagio num sistema de divisio do trabalho funciona com vantagem para todos, apesar de nao ser equitativa. A desigualdade na distribuicao esperada do produto acrescido opera fortemente contra a extensio da diviso do trabalho a nivel intemacional. Quando confrontados com a possibilidade de cooperarem para ganho miituo, os estados que se sentem inseguros devem querer saber como o ganho sera dividido, So impelidos a. perguntar nao «remos ambos ganhar?», mas «Quem ganhara mais?» Se um ganho esperado € para ser dividido, digamos, na razao de dois para um, um estado pode usar o seu ganho desproporcional para implementar uma politica virada para prejudicar ou destruir 0 outro, Mesmo a perspectiva de grandes ganhos absolutos para ambas as partes no invalida a sua cooperagao desde que cada um tema a forma como © outro ird usar as suas crescentes capacidades. Notem que os impe- dimentos & colaboragiio podem nao residir no cardcter ¢ na intencAo imediata de qualquer uma das partes. Em vez disso, a condi¢ao de inseguranga —no minimo, a incerteza de um em selagdo s futuras intengdes e acgSes do outro — trabatha contra a sua cooperacao. Em qualquer sistema de auto-ajuda, as unidades preocupam-se com a sua sobrevivéncia, ¢ a preocupacao condiciona 0 seu comporta- ‘mento. Os mercados oligopolistas limitam a cooperaciio de firmas, da mesma forma que as estruturas politico-internacionais limitam a coo- peragio dos estados. Dentro das regtas impostas pelos governos, 0 a ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS facto de as firmas sobreviverem e prosperarem depende dos seus pré- prios esforgos. As firmas no precisam de se proteger fisicamente con- tra os assaltos das outras firmas. Sao livres para se concentrarem nos seus interesses econémicos. No entanto, como entidades econdmicas, vivem num mundo de auto-ajuda. Todos querem aumentar os lucros. Se correm riscos indevidos no esforco para o fazerem, devem esperar Por softer as consequéncias. Como diz William Fellner, € «impossivel maximizar ganhos conjuntos sem o tratamento conivente de todas as variveis relevantes». E isto s6 pode ser conseguido pelo «completo desarmamento das firmas umas em relagdo as outras», Mas as firmas io se podem simplesmente desarmar mesmo para aumentar os seus lucros. Esta afirmacdo qualifica, em vez de contradizer, a premissa de que as firmas tm como objective principal lucros méximos. Para maximizar os lucros amanha assim como hoje, as firmas tém primeito de sobreviver. Jogar todos os recursos implica, mais uma vez como Feliner diz, amenosprezar as futuras possibilidades de todas as firmas Participantes» (1949, p. 35). Mas 0 futuro nfo pode ser menospre- zado. A forca relativa das firmas muda ao longo dos tenpos de formas que ndo podem ser previstas. As firmas so impelidas a chegar a um compromisso entre maximizar os seus lucros e minim:zar o perigo da sua propria morte. Cada uma de duas firmas pode estar melhor se uma delas aceitar uma compensago da outra para se retirar de alguma parte do mercado. Mas uma firma que aceite mercados menores em troca de maiores Iucros tera graves inconvenientes se, por exemplo, rehentar uma guerra de precos como parte de uma Juta renovada pelos mercados, Se possivel, devemos resistir a aceitar mercados mais pequenos em troca de maiores luctos (pp. 132, 217-218). «Nao é, insiste Fellner, «aconsethivel desarmarmos em relacio 20s nossos rivais» (p. 199). Por que no? Porque «existe sempre a potencialidade de um conflito renovado» (p. 177). O raciocinio de Felner € muito parecido com 0 raciocinio que levou Lenine a acreditar que os paises capitalistas munca seriam capazes de cooperar para 0 seu enriqueci- mento mituo numa vasta iniciativa imperialista. Como as nagdes, as firmas oligopolistas devem estar mais preocupadas com a forga rela- tiva do que com a vantagem absoluta. Um estado preocupa-se sempre com uma divisio de ganhos possi veis que pode favorecer outros mais do que a si mesmo. Essa é a primeira forma pela qual a estrutura das relagdes interracionais limita cooperagio dos estados. Um estado também se preocupa para que ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER 19 no se tome dependente de outros através de esforgos cooperatives e trocas de bens e servicos. Essa éa segunda forma pela qual a estrutura das relagdes intemacionais limita a cooperagao dos estados. Quanto ‘mais um estado se especializa, mais confia nos outros para Ihe forne- cerem os materiais ¢ os bens que nfo esta a produzir. Quanto maior a quantidade de importagdes e exportagdes de um estado, mais ele depende dos outros. O bem estar mundial seria maior se uma cada vez ‘mais elaborada divisio do trabalho fosse desenvolvida, mas os estados iriam assim colocar-se em situacdes de cada vez mais estreita interde- pendéncia. Alguns estados poderiam nao resistir a isso. Para estados pequenos ¢ mal apetrechados os custos de fazé-lo sio demasiado al- tos. Mas os estados que podem resistir a tornar-se cada vez mais enredados com outros, normalmente fazem-no de uma ou de duas formas. Os estados que so muito dependentes, ou estreitamente inter- dependentes, preocupam-se em assegurar aquilo de que dependem. ‘Uma maior interdependéncia dos estados significa que os estados em questio, experimentam, ou esto sujeitos, 4 vulnerabilidade esperada associada 4 maior interdependéncia. Como outras organizagies, os estados procuram controlar aquilo de que dependem ou diminuir a amplitude da sua dependéncia. Esta ideia simples explica um bom bocado do comportamento dos estados: os seus impulsos imperialistas para alargar o escopo do seu controlo ¢ as suas lutas pela autonomia para uma maior auto-suficiéncia ‘As estruturas encorajam certos comportamentos € penalizam os que no respondem ao encorajamento, Nacionalmente, muitos lamen- tam 0 desenvolvimento extremo da divisio do trabalho, um desenvol- -vimento que resulta da atribuigo de tarefas cada vez mais especificas aos individuos. E, no entanto, a especializag3o prossegue, e a sua extensio é uma medida do desenvolvimento das sociedades. Num ambiente formalmente organizado estimula-se 4 capacidade de cada unidade em especializar-se de forma a aumentar o seu valor em rela- do as outras num sistema de divisio de trabalho. O imperativo in- temo 6 «especializar»! Internacionalmente, muitos lamentam os recur- sos que 0s estados gastam, improdutivamente, para a sua propria defesa € as oportunidades que perdem de realgar o bem-estar dos seus povos através da cooperagiio com os outros estados. E, no entanto, as atitu- des dos estados mudam pouco. Num ambiente desorganizado o in: tivo de cada unidade ¢ pér-se numa posi¢ao de ser capaz de tomar conta de si mesma, uma vez que no pode contar com mais ninguém 150 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS para fazé-lo. O imperativo internacional é «toma conta de ti mesmon! Alguns lideres de nagdes podem entender que o bem-estar de todas elas poderia aumentar através da sua participagio numa completa divisio do trabalho. Mas agir de acordo com a ideia seria agir de acordo com um imperativo intemo, um imperative que nao funciona internacionalmente. O que podemos querer fazer na auséncia de cons- trangimentos estruturais ¢ diferente daquilo que somos encorajados a fazer na sua presenga. Os estados ndo se colocam voluntariamente em situagdes de mais dependéncia. Num sistema de auto-ajuda, as consi- deragdes de seguranca subordinam os ganhos econémicos ao interesse politico. © que cada estado faz, por si mesmo é muito parecido com 0 que 0s outros fazem. Sao-Ihes negadas as vantagens que uma completa divisdo do trabalho, tanto politica como econdmica, iria fornecer, Além disso, as despesas com a defesa sdo improdutivas para todos e ine taveis para muitos. Em vez de mais bem-estar, a sua recompensa esta na manutenc%o da sua autonomia. Os estados competem, mas ndo para contribuirem com os seus esforgos individuais para a producdo conjunta de bens para o seu beneficio mituo, Aqui esta uma segunda grande diferenca entre o sistema politico-intermacional e o sistema econdmico, que é discutida na parte 1, seceo 4, do préximo capitulo, 3. Estruturas e estratégias Que as motivagdes ¢ as resultantes possam muito bem estar apar- tadas deveria ser agora ficil de ver. As estruturas fazem com que as acces tenham consequéncias que nfo se tencionava que tivessem. Claro que a maioria dos actores se aperceber4 disso, e, pelo menos, alguns deles serio capazes de pereeber porqué. Podem desenvolver um senso bastante bom de como as estruturas produzem os seus efei- tos. Nao sero entdo capazes de alcancar os seus objectivos originais a0 ajustarem apropriadamente as suas estratégias? Infelizmente, mui- tas vezes nao podem. Para mostrar por que motivo isto é assim darei apenas alguns exemplos; uma vez que se entenda a questio, o leitor pensaré facilmente noutros. Se a escassez de uma mercadoria é esperada, colectivamente, todos estaro melhor se comprarem menos dessa mercadoria de forma a moderar 0s aumentos de pregos ¢ a distribuir a pouca mercadoria ORDENS ANARQUICAS F BALANCAS DE PODER 11 existente equitativamente, Mas porque alguns estardo melhor se arme- zenarem rapidamente mantimentos extra, todos tém um forte incentivo para o fazer. Se esperarmos que os outros corram ao banco, 0 nosso caminho prudente é correr mais depressa de que eles, mesmo sabendo que se poucos correrem, o banco manter-se-A solvente, ¢ se muitos correrem, iré falir. Em tais casos, a busca do interesse proprio produz resultados colectivos que ninguém quer, contudo os individuos ao comportarem-se diferentemente iro prejudicat-se sem alterarem as resultantes. Estes dois exemplos muito usados estabelecem 0 ponto principal. Nao posso seguir sensatamente alguns cursos de acco a no ser que tu também os sigas, € tu e eu nao podemos sensatamente segui-los a nao ser que estejamos muito seguros de que muitos outres também 0 fario. Aprofundemos mais 0 problema ao considerarmas mais dois exemplos com algum pormenor, Uma de muitas pessoas pode escolher conduzir o seu carro em vez de andar de comboio. Os carros oferecem flexibilidade horéria © na escolha dos destinos; contudo, as vezes, com mau tempo, por exem- plo, 0 servigo de caminhos de ferro & uma escolha mais conveniente. ‘Uma de muitas pessoas pode comprar em supermercados em vez. de © fazer na mercearia da esquina. Os stocks dos supermercados so maiores e os pregos mais baixos; contudo, as vezes, a mercearia da esquina, oferecendo crédito € entregas a0 domicilio, ¢ a escolha mais conveniente, O resultado de 2 maioria das pessoas, normalmente, conduzir carro préprio e comprar em supermercados ¢ reduzir 0 ser- vigo de passageiros ¢ baixar 0 numero de mercearias da esquina. Estes resultados podem no ser 0 que a maioria quer. Podem estar dispostes a pagar para impedir que esses servigos desaparegam. E, no entanto, os individuos no podem fazer nada para afectar as resultantes. © aumento da clientela iria fazé-lo, mas nfo o aumento da clientela feito por mim e alguns outros que eu poderia persuadir a seguir 0 meu exemplo, Podemos muito bem notar que 0 nosso comportamento produz resultantes no desejadas, mas também vernos que instincias como estas so exemplos do que Alfred E. Kahn descreve como «grandes» mudancas que so trazidas ao de cima pela acumulagao de «peque- nas» decisdes. Em tais situagdes as pessoas sto vitimas da «tirania das pequenas decisdes», uma frase que sugere que «se 100 consumidores escolherem a opcdo x, € isto fizer com que o mercado produza & decisio X (sendo X igual a 100 x), nfo é necessariamente verdade que 132 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS aqueles mesmos consumidores teriam votado nesse resultado se essa decistio central tivesse sido colocada a sua considerago explicita» (Kahn, 1966, p. 523). Se 0 mercado ndo apresenta a questéo central ‘para decisio, entio os individuos esto condenados a tomar decisdes que so sensatas dentro dos seus estreitos contextos, mesmo que eles saibam sompre que ao tomarcm cssas decisdes estio a dar origem a um resultado que a maioria deles nfo quer. Ou isso, ou eles arranjam maneira de ultrapassar alguns dos efeitos do mercado mudando a sua estrutura—por exemplo, trazendo as unidades consumidoras para préximo do nivel das unidades que esto a provocar as decisdes dos produtores. Isto mostra habilmente o ponto: desde que deixemos a estrutura intocada ndo é possivel que as mudangas nas intengdes e nas acgdes dos actores particulares produzam resultados desejéveis ou evitem resultados indesejaveis. As estrutures podem ser mudadas, como {i foi dito, mudando a distribuigio das capacidades entre as unidades. {As estruturas também podem ser mudadas impondo requisitos onde anteriormente as pessoas tinham de decidir por si mesmas. Se alguns comerciantes vendem ao domingo, outros poderio ter de o fazer de forma a manter a competitividade mesme que a maioria prefira uma semana de seis dias. A maioria s6 é capaz de fazer 0 que quer se a todos for requerido que mantenham horas compardveis. Os tinicos remédios para efeitos estruturais fortes sio mudangas estruturais. Os constrangimentos estruturais nfo podem ser afastados, apesar de muitos nao entenderem isto. Em todas as épocas € lugares, as unidades dos sistemas de auto-ajuda — neces, corporagdes, ou qual- quer outro sistema — é dito que o maior bem, a par com o seu pré- prio, requer que elas ajam pelo bem ¢o sistema e nfo pela sua vantagem estreitamente definida. Na década de 50, a medida que 0 medo da destruigao mundial por uma guerra nuclear crescia, alguns conclufram que a alternativa A destruicio do mundo era o desar- mamento mundial. Na década de 70, com o crescimento répido da populacio, pobreza, ¢ polui¢do, alguns conchuiram, como afirmou um cientista politico, que «os estados devem ir de encontro 4s necessi- dades do ecossistema politico nas suas dimensdes globais ou arriscar- -se & aniquilacdo» (Sterling, 1974, p. 336). O interesse internacional deve ser servido; ¢ se isso significa alguma coisa, significa que os ‘interesses nacionais Ihe esto subordinados. Os problemas encontram- -se ao nivel global. As solugSes para os problemas continuam a depen- der da politica nacional. Quais so as condigdes que tornariam as ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANCAS DE PODER 133 nagdes mais ou menos dispostas a obedecer aos constrangimentos que Ihes sdo to frequentemente impostos? Como podem resolver a tensio centre perseguir os seus préprios interesses e agir pelo bem do sistema? ‘Nunca ninguém mostrou como isso pode ser feito, apesar de muitos torcerem as mios ¢ implorarem por um comportamento racional. © problema central, no entanto, é que © comportamento racional, dados os constrangimentos estruturais, no leva aos resultados deseja- dos. Com cada pais impelido a tomar conta de si mesmo, ninguém pode tomar conta do sistema. Um forte sentido de risco e aniquilagio pode levar a uma clara definigo dos fins que tém de ser alcangados. A sua realizagao nao é, assim, tornada possivel. A possibilidade de acgdo efectiva depende da habilidade de fomnecer os meios necessérios. Depende ainda mais da existéncia de condigdes que permitam que as nagdes e outras organi- zagdes sigam politicas e estratégias apropriadas. Problemas que aba- lam 0 mundo pedem solugdes globais, mas no existe nenhuma agén- cia global para as fornecer. As necessidades nao criam possibilidades. Desejar que as causas finais sejam eficientes nao as toma eficientes. Grandes tarefas podem ser realizadas apenas por agentes de grande capacidade. E por isso que os estados, ¢, em especial, os grandes estados, sto chamados para fazer 0 que é necessirio para a sobrevi- véncia do mundo. Mas os estados tém de fazer 0 que quer que con- siderem necessério para a sua propria preservagio, uma vez que nio podem confiar em ninguém para fazer isso por eles. Por que motivo © conselho para colocar o interesse intemacional acima do nacional é itrelevante, pode ser explicado, precisamente, em termos da distingtio entre micro e macroteorias. Entre os economistas a distingiio é bem entendida. Entre os cientistas politicos, no ¢, Como expliquei, a teoria microeconémica € uma teoria do mercado construida a partir de assunges sobre 0 comportamento dos individuos. A teoria mostra como as accées ¢ interacgdes das unidades formam e afectam 0 mer- cado e como, em troca, o mercado as afecta. Uma macroteoria é uma teoria sobre a economia nacional construida a partir da oferta, rendi- ™ Posto de outra forma, o8 estado enfrentam o eilema do prisioneiroy. Se cada uma das cduas partes seguir o seu prio interese, ambas acaburio pior do que se cada uma agisse de {orm a atingie os inteesses conjunos. Para um exame mais pormenorizado da ligica de tis situapies, ver Sayder e Diesing, 1977; para aplicagSes intemacionais curas e sugestvas, ver Jervis, Janeiro 1978, ‘TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS ‘mento, e procura como grandes agregados de sistemas. A teoria mos- tra como estes € outros agregados esto interligados e indica como as mudangas num ou em alguns deles afectam os outros e o desempenho da economia. Em economia, quet micro quer macroteorias lidam com grandes dominios. A diferenga entre elas encontra-se nilo no tamanho dos objectos de estudo, mas na forma como os objectos de estudo so abordados ¢ a teoria para os explicar é construida. Uma macroteoria de relagdes internacionais iria mostrar como o sistema internacional é mudado por grandes agregados de sistemas. Podemos imaginar 0 que podem ser alguns deles — valor do PNB mundial, valor de importa~ Ges © exportagdes mundiais, niimero de mortos na guerra, valor dos gastos globais com a defesa, ¢ migragdes, por exemplo, A teoria seria qualquer coisa como uma teoria macroeconémica ao estilo de John Maynard Keynes, apesar de ser dificil ver como os agregados interna- cionais fariam grande sentido © como mudangas mum ou em alguns deles produziriam mudangas nos outros. Nao estou a dizer que uma tal teoria nfo pode ser construida, mas apenas que nao estou a ver como fazé-lo de alguma forma que possa ser util. De qualquer forma, 0 ponto decisivo é que a uma macroteoria de relagdes internacionais iriam faltar as implicagdes priticas da teoria macroeconémica. Os governos nacionais podem manipular grandes variéveis econémicas de sistemas. Nao existe internacionalmente nenhuma agéncia com capacidades compardveis. Quem iria agir de acordo com as possibili- dades de ajustamento que uma macroteoria de relagdes internacionais poderia revelar? Mesmo que uma tal teoria estivesse disponivel, esta~ riamos na mesma presos &s nagGes como os tinicos agentes capazes de agir para resolver os problemas globais. Teriamos na mesma de rever- ter para uma abordagem micropolitica de forma a examinar as condi- Ses que fazem a acco benigna ¢ efectiva dos estados, separada ou colectivamente, mais ou menos, provavel. Alguns esperaram que as mudangas na consciéncie e nos propési- tos. na organizacdo e na ideologia, dos estados mudaia a qualidade da vida internacional. Ao longo dos séculos os estados taudaram de muitas formas, mas a qualidade da vida internacional manteve-se, ‘mais ou menos, na mesma. Os estados podem procurar fins racionais © meritérios, mas no conseguem descobrir como alcangé-los. O pro- blema nao esté na sua estupidez ou md vontade, apesar de no que- rermos afirmar que tenham falta desses atributos. A grandeza da difi- culdade nao é entendida até que entendamos que inteligéncia e boa ORDENS ANARQUICAS E BALANCAS DE PODER Iss vontade por si no descobrem os programas adequados. No inicio deste século, Winston Churchill observou que a corrida naval anglo- -germanica prometia desastre e que a Gra-Bretanha nao tinha outra, escolha realista sendo entrar nessa corrida. Os estados que enfrentam. problemas globais sio como consumidores individuais encurralados pela «tirania das pequenas decisdes». Os estados, tal como os consu- midores, s6 podem sair da armaditha se mudarem a estrutura do sew campo de actividade. A mensagem merece ser repetida: o tinico rem dio para um efeito estrutural forte é uma mudanga estrutural 4, As virtudes da anarguia Para alcangar os seus objectivos © manter a sua seguranga, as uni- dades numa condigdo de anarquia — sejam elas pessoas, corporagdes, estados, ou qualquer outra coisa— devem confiar nos meios que podem gerar e nos acordos que podem fazer para elas proprias. Auto- ajuda é, necessariamente, o princfpio de acgao numa ordem andrquica. Uma situagao de auto-ajuda é uma situagio de alto risco— isco de faléncia, no dominio econdmico, ¢ de guerra, num mundo de estados livres. Também é uma situay3o na qual os custos organizacionais sio baixos. Dentro de uma economia ou dentro de uma ordem interna~ cional, os riscos podem ser evitados ou minorados passando-se de ‘uma situagGo de acg#o coordenada para uma situacdo de superioridade ¢ subordinagio, isto é, erigindo agéncias com autoridade efectiva estendendo um sistema de regras. O governo emerge onde as préprias fungdes de regulamentagao e administragdo se tornam tarefas distintas e especializadas. Os custos da manutengo de uma ordem hierarquica sfo frequentemente ignorados pelos que deploram a sua auséncia. As organizagdes tém, pelo menos, dois objectivos: realizar algo e manter- -se como organizacao. Muites das suas actividades esto direccionadas para 0 segundo propésito. Os lideres das organizagées, e, predominan- temente, os lideres politicos, ndo so mestres nos assuntos com que as suas organizacGes lidam, Tornaram-se lideres no por serem peritos numa ou noutra coisa mas por exceléncia nas artes organizacionais manter 0 controlo sobre os membros de um grupo, conseguir deles esforcos previsiveis e satisfatérios, manter um grupo coeso. Ao tomar decisdes politicas, a primeira e mais importante preocupacdo nao ¢ alcancar os objectivas que os membros de uma organizagio possam 156 ‘TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS ter mas assegurar a continuidade ¢ a satide da propria organizagao (cf. Diesing, 1962, pp. 198-204; Downs, 1967, pp. 262-270), A par com as vantagens das ordens hierérquicas vém os custos. Além disso, em ordens hierérquicas, os meios de controlo tornam-se ‘num objecto de luta. Assuntos substantivos entrelacam-se com esfor- gos para influenciar ou controlar os controladores. A ordenacdo hie~ rarquica de politicas é mais um dos ja imimeros objectos de luta, e 0 objecto acrescentado esti numa nova ordem de magnitude. Se 08 riscos de guerra sao insuportavelmente altos, poderéo ser reduzidos se se organizar a administragio dos assuntos das nagbes? No minimo, administrar requer que se controle as forgas militares que estdio 4 disposigfio dos estados. Dentro das nacdes, as organizagdes tém de se esforgar por sobreviver. Como organizagdes, as nagdes, a0 trabalharem para sobreviverem, algumas vezes, tém de usar a forca contra elementos ¢ éreas dissidentes. Como sistemas hierérquicos, os governos, nacional ou globalmente, so perturbados pela dissidéncia de partes importantes. Numa sociedade de estados com pouca coerén- cia, as tentativas de um governo mundial seriam fundadas na incapa- cidade de uma autoridade central emergente, de mobilizar os recursos necessarios para criar e manter a unido do sistema regulando ¢ admi- nistrando as suas partes. A perspectiva de um governo mundial seria um convite para a preparacdo da guerra civil mundial. Isto recorda-me as reminiscéncias de Milovan Djilas da Segunda Guerra Mundial. De acordo com ele, ele e muitos soldados russos nas suas discusses, em tempo de guerra, chegaram a acreditar que as lutas humanas iriam adqui- rir a sua maxima amargura se todos os homens fossem sujeitos ao mesmo sistema social, «por que o sistema iria ser insuportavel, e varias seitas iriam tomar para si a destruigo negligente da raga humana pelo bem da sua maior “felicidade’» (1962, p. 50). Os estados no podem confiar poderes administrativos a uma agéncia central a ndo ser que essa agéncia sejn capaz de proteger os seus estados clientes. Quanto mais poderosos forem os clientes e quanto mais o poder de cada um deles aparecer como uma ameaga aos outros, maior tem de ser 0 poder alojado no centro. Quanto maior 0 poder do centro, mais forte 0 incentivo para os estados se envolverem numa Tuta pelo seu controlo. Os estados, como as pessoas, so inseguros em proporgio a exten- sto da sua liberdade. Se a liberdade é desejada, a inseguranga tem de ver aceite, As organizagdes que estabelecem relagbes de autoridade € controlo podem aumentar a seguranca a medida que diminuem a liber- ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER ist dade. Se a forga no corresponder ao direito, seja entre pessoas ou estados, entdo alguma instituigio ou agéncia interveio para tird-los do estado de natureza. Quanto mais influente for a agéncia, mais forte se toma o desejo de a controlar. Em contraste, as unidades numa ordem anarquica actuam pelo seu proprio bem e ndo pelo bem da preserva- eo de uma organizagdo ¢ do favorecimento da sua sorte dentro dela. A forga é usada para o interesse préprio de cada um. Na auséneia de organizacdo, as pessoas ou os estados so livres para deixarem os outros em paz. Mesmo quando no o fazem, so mais capazes, na auséneia da politica da organizacio, de se concentrarem na politica do problema e projectarem um acordo minimo que permitira a sua exis- téncia independente em vez de um acordo maximo para manterem a unio. Se essa vontade imperar, ento lutas sangrentas sobre o direito podem mais facilmente ser evitadas. Nacionalmente, a fora de um governo é exercida em nome do direito ¢ da justiga. Internacionalmente, a forga de um estado é em- pregue para o bem da sua propria protecgo e vantagem. Os rebeldes desafiam 0 direito do govemno a autoridade; questionam a legitimidade do seu poder. As guerras entre 0s estados no podem resolver questies de autoridade e direito; podem apenas determinar a distribuicao dos ganhos e das perdas entre os contendores e resolver por algum tempo a questi de quem é 0 mais forte. Nacionalmente, as relagdes de autotidade sao estabelecidas. Intemacionalmente, s6 resultam as rela- ges de forga. Nacionalmente, a fora privada usada contra um gover- no ameaga o sistema politico. A forga usada por um estado — um organismo pablico — é, da perspectiva internacional, 0 uso privado da forga; mas nao existe nenhum governo para derrubar e neahum apa- rato governmental para capturar. Desprovido de qualquer possibili- dade em direcedo a hegemonia mundial, o uso privado da forga nao ameaca o sistema das relagdes internacionais, apenas alguns dos seus membros. A guerra opde uns estados outros numa luta entre entida- des similarmente constituidas. O poder do forte pode impedir 0 fraco de conseguir as suas teclamagGes, néo porque o fraco reconheca uma espécie de legitimidade de governo da parte do forte, mas simples- ‘mente porque ndo é sensato envolver-se com ele. Inversamente, 0 fraco pode gozar uma considerivel liberdade de ac¢ao se the forem retiradas as suas capacidades pelo forte de forma a que o ferte nao se importe com as suas acgSes ou se preocupe com aumentos insignifi cantes das suas capacidades. 158 TTEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS ‘A politica nacional & 0 dominio da autoridade, da administracio da lei. A politica internacional é 0 dominio do poder, da Tuta e da aco- modacdo, O dominio intemacional é predominantemente um dominio politico. O dominio nacional é variadamente descrito como sendo hierarquico, vertical, centralizado, heterogéneo, dirigido ¢ idealizado; © dominio internacional, como sendo andrquico, horizontal, descentra- lizado, homogéneo, nao dirigido ¢ mutuamente adaptavel. Quanto mais centralizada for a ordem, mais préximas do topo ascendem as deci- sbes. Internacionalmente, as decisdes s4o tomadas no nivel mais baixo, nfio havendo sequer outro nivel. Na dicotomia vertical-horizontal, as estruturas internacionais assumem a posi¢ao mais propicia. Os ajusta- mentos sao feitos intemnacionalmente, mas sao feitos sem um ajustador formal ou autoritério. Os ajustamentos © as acomodagdes procedem da adaptagdo mitua (cf. Bamard, 1948, pp. 148-152; Polanyi, 1941, pp. 428-456). Acco e reaccio, € reacgo A reacgdo, procedem por um processo gradativo, Digamos que as partes se preenchem umas is outras, e definem uma situagdo simultaneamente com 0 seu desenvol- vimento, Entre unidades coordenadas, 0 ajustamento ¢ as acomoda- ges sao alcancados pela troca de «consideracdes», numa condicio, como diz Chester Bamard, «na qual o dever de comando ¢ 0 desejo de obedecer esto essencialmente ausentes» (pp. 150-151). Onde a competigao esté acima das consideragdes, as partes procuram manter ou methorar as suas posigdes, manobrando, negociando, ou lutando. ‘A maneira e a intensidade da competi¢ao é determinada pelos desejos ¢ as capacidades das partes que esto, a0 mesmo tempo, separadas interagindo, Quer seja ou no pela forga, cada estado segue o caminho que pensa servir melhor os seus interesses. Se a forga é usada por um estado, ou se o seu uso é esperado, os outros estados no tém outro remédio senfo usarem a forga ou estarem preparados para a usar individualmente ou em combinagao com outros. Nenhum apelo pode ser feito a uma entidade superior revestida da autoridade e equipada ‘com a capacidade de agir segundo a sua prépria iniciativa. Sob tais condigdes, a possibilidade da forga ser usada por uma ou outra das partes aparece sempre como uma ameaca de fundo. Na politica diz~ -se que a forga & a ultima ratio. Em relagées internacionais, a forga serve, nfo sé como ultima ratio, mas, de facto, como a primeira © constante. Limitar a forca a ser a ultima ratio da politica implica, nas palavras de Ortega y Gasset, «a submissdo prévia da forga aos méto- ORDENS ANARQUICAS BALANGAS DE PODER 159 dos da razon (citado em Johnson, 1966, p. 13). A possibilidade cons- tante de que a forga seré usada, limita as manipulagdes, modera as exigéncias, e serve como um incentivo para a resoluco das disputas, Quem sabe que pressionar muito pode levar A guerra, tem fortes ra- zes para considerar se os ganhos possiveis valem os riscos envolvi- dos. A ameaca de forca intermacionalmerte, € comparada ao papel da greve na luta entre os trabalhadores e a administrago. «As poucas greves que ocorrem sio, de certa forma, como disse Livernash, «o custo da opgio de greve que produz decisdes na mesa de negocia- es» (1963, p. 430). Mesmo que os trabalhadores raramente fagam greve, faz8-lo € sempre uma possibilidade. A possibilidade de disputas industriais que Ievem a longas e custosas greves encoraja os trabalha- dores ¢ a administragdo a enfrentarem essuntos dificeis, a tentarem entender os problemas uns dos outros, 2 a trabalharcm muito para chegar a acordo. A possibilidade de que conflitos entre as nacdes eve a longas ¢ custosas guerras tem efeitos, similarmente, sensatos 5. Anarquia e hierarquia Descrevi anarquias e hierarquias como se todas as ordens politicas fossem de um tipo ou do outro. Muitos, suponho que a maioria dos cientistas politicos que escrevem sobre estruturas permitem uma maior, e, as vezes, desconcertante, varieiade de tipos. A anarquia é vista como um extremo de um continuurr, cujo outro extremo € mar- cado pela presenga de um governo legitimo e competente. As relagdes internacionais sao, entio, descritas como sendo salpicadas por particu- las de governos ¢ mesciadas por elementos de comunidades — orga- nizagées supranacionais quer sejam universais ou regionais, aliangas, corporacdes multinacionais, redes de comércio, e outras mais. Pensa- nos sistemas politico-intemacionais como sendo, mais ou menos, anarauicos. Aaueles que véem 0 mundo como uma anarauia modificada fazem- -no. a0 aue parece. por duas razdes. Primeiro, a anarquia é tomada como significando ndo s6 a auséncia de governo mas também a pre- senga de desordem e caos. Uma vez que a politica mundial, apesar de nio ser fiavelmente pacifica, falta 0 caos ebsoluto, os estudiosos estio inelinados a ver uma diminuigo da anarquia em cada erupcao de paz. ‘Uma vez. que a politica mundial, apesar de nao ser formalmente orga- 160 ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS nizada, nao existe completamente sem instituigdes procedimentos ordenados, os estudiosos estio inclinados a ver uma diminuicao da anarquia quando se formam aliangas, quando aumentam as transacgdes através das fronteiras nacionais, e quando se multiplicam as agéncias internacionais. Tais vises confundem estrutura com processo, ¢ ja chamei a atengo para esse erro vezes suficientes. Segundo, as duas simples categorias de anarquia ¢ hierarquia no parecem acomodar a variedade social infinita que conhecemos. Por- qué insistir em reduzir os tipos de estrutura para dois em vez de permitir uma maior variedade? As anarquias so ordenadas por jus- taposigdo de unidades similares, mas essas unidades similares nfo so idénticas. Alguma especializagio por fun¢do desenvolve-se entre elas. As hierarquias so ordenadas pela diviséo social do trabalho entre unidades que se especializam em diferentes tarefas, mas a seme- Ihanga das unidades nao se desvanece. Muita duplicagao dos esforgos continua. Todas as sociedades sio organizadas segmentada ou hic- rarquicamente em maior ou menor grau. Por que nio, entio, definir tipos sociais adicionais de acordo com a mistura de principios orga- nizacionais que eles incorporam? Podemos imaginar algumas socie- dades que se aproximam da anarquia pura, outras que se aproximam a hierarquia pura, e, ainda de outras, que reflectem misturas especi- ficas dos dois tipos organizacionais. Nas anarquias, a parecenga exacta das unidades ¢ a determinagao de relagdes apenas pela capacidade, descreveria um dominio marcado pela politica e poder com nenhuma das interacgdes das unidades definidas pela administragao central condicionadas pela autoridade. Nas hierarquias, a diferenciago com- pleta das partes ¢ a especificagdo completa das suas fungdes produ- ziria um dominio definido pela autoridade e pela administragdo cen- tral com nenhuma das interacgdes das partes afectada pela politica pelo poder. Apesar de ordens tao puras nao existirem, distinguir dominios pelos seus prinefpios organizacionais é, no entanto, proprio ¢ importante. ‘Aumentar o niimero de categorias traria a classificagtio das socie- dades para mais préximo da realidade. Mas isso seria afastarmo-nos de uma teoria que reclama poder explicativo em direcgo a um siste- ma menos tedrico que promete maior exactidio descritiva. Quem desejar explicar em vez de descrever deveria resistir a mover-se nessa direcgo se a resisténcia for razoavel. Sera? O que ganhamos ao in- sistir em dois tipos, quando admitit trés ou quatro seria ainda simpli- ORDENS ANARQUICAS E BALANCAS DE PODER 161 ficar de forma aceitavel? Ganhamos clareza ¢ economia de conceitos. Um novo conceito sé deveria ser introduzido para cobrir assuntos que 0s conceitos existentes no abarcam. Se algumas sociedades no so nem andrquicas nem hierérquicas, se as suas estruturas sio definidas por algum terceiro principio ordenador, entio teriamos de definir um terceiro sistema’. Todas as sociedades esto misturadas. Elementos delas representam ambos os principios ordenadores. Isso no significa que algumas sociedades sejam ordenadas de acordo com um terceiro principio. Normalmente, podemos identificar com facilidade o prinei- pio pelo qual uma sociedade é ordenada. O aparecimento de sectores anarquicos dentro de hierarquias nfo altera € nao devia obscurecer 0 principio ordenador do maior sistema, porque esses sectores so andr- quicos apenas dentro de certos limites. Ademais, 0s atributos ¢ o com- portamento das unidades que povoam esses sectores dentro do maior sistema diferem do que seriam e de como se comportariam fora deles. As firmas nos mercados oligopolistas so exemplos perfeitos disto Lutam umas contra as outras, mas porque nao precisam de preparar- -se para se defenderem fisicamente, podem dar-se ao luxo de se espe- cializarem e de participarem mais completamente na divisio do traba- Tho econémico do que os estados. Nem os estados que povoam um ‘mundo andrquico acham impossivel trabalhar uns com os outros, fazer acordos que limitem 0 seu armamento, e cooperar no estabelecimento de organizagées. Os elementos hierdrquicos dentro das estruturas inter- nacionais limitam e restringem 0 exercicio da soberania mas apenas de formas fortemente condicionadas pela anarquia do maior sistema. ‘A anarquia dessa ordem afecta fortemente a possibilidade de coope- ragio, a extensdo de acordos sobre armamento, ¢ a jurisdigao das organizagdes intemacionais. “Mas entiio e os casos duvidosos, sociedades que nio sio claramente andrquicas nem hierérquicas? Nao representamn um terceiro tipo? Dizer que exister casos duvidosos nao € dizer que no limite aparece um terceiro tipo de sistema. Todas as categorias t@m fronteiras, e se tiver- mos alguma categoria, temos casos duvidosos. A clareza dos concei- “FA ilustraplo de Emile Durkheim de sociedades solidiias © mecinicas ainda fornece 2 melhor explicesao dos dois prineipios ordenadores, ¢ a sua légica ao limitar os ipos de Soviedade ¢ dois continua a ser constrangedora epesar dos exforgos dos seus muitos exitcos para a desronarem (ver esp. 1893) Diseutrel o problema mais alargadamente rum trabalho Futuro, 182 ‘TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS tos nao elimina as dificuldades de classificagdo, Foi a China de 1920 @ 1940 um dominio andrquico ow hierérquico? Nominalmente uma nado, a China parecia-se mais com vérios estados separados que existiam uns ao lado dos outros. Mao Tsé-tung em 1930, como ante- riormente os lideres bolcheviques, pensava que atear a faisca revolu- ciondria iria «comegar um fogo na pradaria». Chamas revolucionérias espalhar-se-iam pela China, se nao pelo mundo, Porque a interde- pendéncia das provincias chinesas, como a interdependéncia das nagbes, era insuficientemente préxima, as chamas nao se espalharam. As provincias da China eram, de tal forma, quase auténomas que os efeitos da guerra numa parte do pais eram apenas residualmente notados noutras partes. As batalhas nas montanhas de Hunan, longe de atearem uma revolucdo nacional, quase nao se notaram nas provincias vizinhas. A interac¢do de provincias largamente auto-suficientes era pouca e esporidica. Nao sendo dependentes nem umas das outras economicamente nem do centro da nagao politicamente, no estavam sujeitas & intima interdependéncia caracteristica das sociedades orga- nizadas e integradas. ‘Como um assunto pritico, os observadores podem discordar nas suas Fespostas a perguntas como quando é que a China caiu na anarquia, € se 6 paises da Europa Ocidental esto lentamente a tomar-se num estado ou teimosamente permanecendo nove. O ponto de importancia tedrica é que as nossas expectativas sobre o destino dessas reas difere muito depen- dendo de qual das respostas 4 questo estrutural & a correcta. Definir as estruturas de acordo com dois principios ordenadores distintos ajuda a explicar aspectos importantes do comportamento social e politico. Isso mostrado de varias formas nas nésinas sezuintes. Esta seccdo explicou por que motivo dois, ¢ s6 dois, tipos de estrutura sio necessérios para cobrir todo o espectro de sociedades. I mo pode ser construida uma teoria das relacdes intermacionais? Tal como qualguer outra teoria, Como se explica nos capitulos 1 4, primeiro. temos de imaginar as relacdes internacionais como um do- minio especifico: segundo, temos de descobrir algumas regularidades tivo-lei dentro dela: terceiro. temos de desenvolver uma forma de ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER 163 explicar as regularidades observadas. O primeiro destes pontos foi conseguido no capitulo 5. Até agora, 0 capitulo 6 mostrou como as estruturas politicas sio responsiveis por alguns aspectos recorrentes do comportamento dos estados e para certos padres repetidos ¢ du- radouros. Onde quer que os agentes ¢ as agéncias se juntem pela forca ¢ pela competigaio e nio pela autoridade e pela lei, esperamos encon- trar tais comportamentos ¢ resultados. Esto intimamente identifica- dos com a abordagem sugerida pela rubrica, Realpolitik. Os elementos da Realpolitik, listados exaustivamente, so estes: 0 interesse do governante, ¢, depois, do estado, proporciona a génese da acgio; as necessidades da politica resultam da competicéo desregulada dos estados; 0 céleulo baseado nessas necessidades pode identificar as politicas que melhor servirdo os interesses de um estado; 0 sucesso € © teste ultimo da politica, e o sucesso é definido como preservador fortalecedor do estado. Desde Maquiavel, interesse e necessidade —e raison d'état, a frase que os compreende — permaneceram os conceitos-chave da Realpolitik. De Maquiavel a Meinecke e Morgen- thau os elementos da abordagem e 0 raciocinio permanecem constan- tes. Maquiavel evidencia-se to claramente como 0 exponente da Realpolitik que facilmente pensamos que ele também desenvolveu a ideia, to intimamente associada, de balanga de poder. Apesar de nao 0 ter feito, a sua conviecdo de que a politica pode ser explicada nos seus proprios termos estabeleceu o terreno no qual a teoria da balanca de poder pode ser construida. A Realpolitik indica os métodos pelos quais a politica extema & conduzida e fornece um fundamento légico para eles. Os constrangi- ‘mentos estruturais explicam por que motivo os métodos sio repetida- mente usados apesar das diferencas nas pessoas ¢ nos estados que os usam. A teoria da balanga de poder tenta explicar 0 resultado que tais métodos produzem. Preferencialmente, isso é 0 que a teoria devia fazer. Se existe alguma teoria das relagbes internacionais eminente- mente politica, essa teoria ¢ a teoria da balanga de poder. E, contudo, no conseguimos encontrar um enunciado da teoria que seja univer- salmente aceite. Ao analisar cuidadosamente a copiosa literatura sobre a balanga de poder, Emst Haas descobriu oito significados distintos do termo, e Martin Wight encontrou nove (1953, 1966). Hans Morgenthau, no tratamento profundo, histérico e analitico que taz do assunto, ut- liza quatro definigdes diferentes (1973). A balanga de poder € vista por alguns como sendo parente de uma lei da natureza; por outros, 164 ‘TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS simplesmente como uma afronta, Alguns véem-na como um guia para os estadistas; outros como uma capa que disfarga as suas politicas imperialistas. Alguns acreditam que uma balanga de poder é a melhor garantia da seguranga dos estados e da paz no mundo; outros, que arruinou estados ao causar a maioria das guerras que travaram'®. Acreditar que podemos deslindar tal confusio pode parecer quixo- tesco. Apesar de tudo, tentarei. Ajudard relembrar varias proposigdes basicas sobre teoria, (1) Uma teoria contém, pelo menos, uma assuncdo te6rica. Tais assungdes nao sdo factuais. Assim, no podemos legiti- mamente perguntar se so verdadeiras, mas apenas se sdo titeis. (2) As teorias devem ser avaliadas em termos do que afirmam explicar. Uma teoria da balanga de poder afirma explicar os resultados das acgdes dos estados, sob dadas condigdes, e esses resultados podem nao ser prefigurados em qualquer um dos motivos dos actores ou estarem contidos como objectives nas suas politicas. (3) A teoria, como um sistema explanat6rio geral, nfo pode explicitar particularidades. A maioria das confusdes na teoria da balanga de poder, ¢ das suas criticas, deriva de um mau entendimento destes trés pontos. Uma teo- ia da balanca de poder, enunciada devidamente, comeca com assun- ‘ges sobre os estados: eles so actores unitérios que, no minimo, pro- curam a sua propria preservagio e, no méximo, visam 0 dominio universal. Os estados, ou aqueles que actuam por eles, tentam de formas mais ou menos sensatas usar os meios disponiveis de modo a alcangar os fins em vista. Esses meios encaixam-se em duas catego- rias: esforcos internos (formas de aumentar a capacidade econdmica, aumentar a forca militar, desenvolver estratégias inteligentes) e esfor- os extemos (formas para fortalecer e alargar as suas aliangas ou para enfraquecer ¢ encolher uma oponente). O ‘ogo externo de alinhamento realinhamento requer trés ou mais jogadores, ¢ normalmente diz-se que os sistemas de balanga de poder requerem, pelo menos, esse némero. A afirmacdo € falsa, porque num sistema de dois poderes a politica de balanea mantém-se, mas a forma de compensar um dese- quilibrio externo incipiente ¢, primariamente, intensificar os nossos esforgos internos. As assungées da teoria acrescentamos ento a condi- Go para a sua operagao: que dois ou mais esiados coexistam num sis- “Com a explicagto da teria da balanga de poder nas piginas que se seguem, © lets pode querer consultar um estudo histérico da politica da Balenca de poder ua prtica, © melhor trabalho de sintese ¢ o de Wight (1973) ORDENS ANARQUICAS E BALANCAS DE PODER 165 tema de auto-ajuda, um sistema sem nenhum agente superior para vir em auxilio dos estados que podem estar a enfraquecer ou para negar a qualquer um deles 0 uso de quaisquer insrumentos que pensem que setvirlio os seus propésitos. A teoria é, entio, construida a partir das ‘motivagdes assumidas dos estados e das acgdes que a elas correspondem. Descreve os constrangimentos que resultam do sistema que essas acces produzem, ¢ indica o resultado esperado: nomeadamente, a formagao de balangas de poder. A teoria da balanga de poder € uma microteoria, precisamente no sentido econémico. O sistema, como um mercado em economia, ¢ feito de acgdes e interaccdes das suas unidades, e a teoria € baseada em assungdes sobre o seu comportamento. ‘Um sistema de auto-ajuda (baseado no interesse proprio) é um sistema no qual aqueles que ndo se ajudam a si mesmos, ou os que o fazem ‘menos eficazmente do que 0s outros, no conseguirio prosperar, expor- -~se-io ao petigo, softerdo. O medo dessas consequéncias tio indesejaveis estimula os estados a comportarem-se de formas que tendem para a cria- 0 de balangas de poder. Note-se que a teoria nfo requer nenhumas assungdes de racionalidade ou de constancia de vontade da parte de todos 0s actores. A teoria diz simplesmente que se alguns estados se dio rela- tivamente bem, outros ito segui-los ou perder-se pelo caminho, Obvia- ‘mente, o sistema no funcionard se todos os estados perderem o interesse em preservar-se. No entanto, continuaré a funcionar mesmo se alguns estados escolherem perder as suas identicades politicas através da integragdo amalgamada, © outros no. Nem & necessério assumir que todos os estados competidores lutam implacavelmente para aumentar 0 seu poder, No entanto, a possibilidade de que a forga seja usada por alguns estados para enfraquecer ou destruir outros, dificulta-Ihes escapa- rem do sistema competitivo, significado e a importincia da teoria sdo clarificados a0 exami- narmos os equivocos dominantes que lhe estio associados. Relembrem ‘a nossa primeira proposicdo sobre teoria. Uma teoria contém assungées que so tedricas, néo factuais. Um dos mais comuns equivocos da teoria da balanga de poder centra-se neste ponto. A teoria ¢ criticada Porque as suas assungdes s4o erréneas. O enunciado seguinte repre- senta uma amostragem entre outras possiveis: Se as nagdes fossem, de facto, unidades imutiveis sem lagos permanentes ‘com as outras, e se todas tossem motivadas primanamente por um impeto para ‘maximizarem 0 seu poder, & excepeio de um tinico equilibrador cujo abjectivo fosse prevenir qualquer nagio de atingir um poder preponderante, uma balanga 165 ‘TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS dde poder poderia, de facto, resultar. Mas vimos que estas assungSes nio esto comrectas, ¢ uma vez que as assungSes da teoria esto erradas, as conclusdes esto, também erradas (Organski, 1968, p. 292) erro incidental do autor & que ele escreveu uma frase que tem algumas partes que sio assungdes vagamente declaradas da teoria, © outras nfio. O seu erro basico reside no facto de nao entender o que uma assungdo, De uma discussdv antetivs, sebemos que as assungSes niio sfio nem verdadeiras nem fulsas e que so essenciais para a con: trugio de uma teoria. Podemos admitir livremente que 0s estados no siio, de facto, actores unitérios, intencionais. Os estados perseguem muitos objectivos, que so, muitas vezes, vagamente formulados © inconsistentes. Flutuam com as correntes mutaveis da politica interna, so consumidos pelas excentricidades de um elenco varidvel de lide- res politicos, e so influenciados pelos resultados de lutas burocrati- cas. Mas tudo isto sempre se soube, e no nos diz nada sobre 0s méritos da teoria da balanga de poder. ‘Uma outra confusio relaciona-se com a nossa segunda proposicéo sobre a teoria. A teoria da balanga de poder diz explicar um resultado (a formagao recorrente de balancas de poder), que pode nao estar de acordo com as intengdes de qualquer das unidades cujas acgdes se combinam para produzir esse resultado. Forjar ¢ manter uma balanca pode ser o objectivo de um ou mais estados, mas também pode nao 0 ser, De acordo com a teoria, as balangas de poder tendem a forma -se quer alguns ou todos os estados conscientemente visem estabele- cer e manter uma balanga, ou quer alguns ou todos os estados visem ‘0 dominio universal". Contudo, muitos, e talvez a maioria, dos enun- ciados da (evria da balanga de poder atribuem a manutengiio de uma balanga aos estados como um motivo. David Hume, no seu ensaio clssico «Of the Balance of Power», oferece, «a maxima da p-eserva- do da balanga de poder» como uma regra constante da politica pru- dente (1742, pp. 142-144). Pode até ser assim, mas provou ser um passo infelizmente curto da crenga de que uma grande preocupacdo pela preservacdo de uma balanga esti no coraco da sabia capacidade politica dos estadistas, para a crenga de que os estados devem seguir 7 Olhando para os estados ao longo de um vasto periodo de tempo e espago, Dowty ‘conelui que em nenhiim caso as varagSes nas aliangas foram produzidas «por considerages ‘de uma balanga de poser slobal» (1969, v.95). ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANCAS DE PODER 7 a méxima se querem manter uma balanga de poder. Isto é particular- mente evidente na primeira das quatro definigdes do termo propostas por Morgenthau: nomeadamente, «uma politica direccionada a certo estadio dos assuntos». O raciocinio entdo facilmente se torna tautolé- gico. Se € para se manter uma balanca de poder, a politica dos estados deve visar favorecer isso. Se uma balanga de poder é, de facto, mantida, podemos coneluir que 0 seu objectivo estava correcto. Se uma balanca de poder nao se produzir, podemos dizer que a assuncao da teoria é erronea. Finalmente, ¢ isto completa a tendéncia para a reificagio de um conceito, se 0 propésito dos estados é favorecer uma balanca, 0 propésito da balanga é «manter a estabilidade do sistema sem destruir a multiplicidade dos elementos que 0 compdem». A reificagao ocorreu obviamente onde se entende, por exemplo, que a balanga opera «com sucesso» e que as nagdes tém dificuldade em aplicé-la (1973, pp. 16 174, 202-207). ‘A teificagao &, muitas vezes, meramente 0 uso vago da linguagem ou o emprego de metaforas para tornar a nossa prosa mais agradavel. No entanto, neste caso, a teoria foi drasticamente distorcida, e nio apenas pela introdugio da nogio que se uma balanga é para ser for- ‘mada, alguém tem de o querer ¢ tem de trabalhar para isso. A maior distorgo da teoria surge quando as regras so derivadas dos resulta- dos das acgbes dos estados e depois ilogicamente prescritas aos actores como obrigagdes. Um efeito possivel € tornado numa causa necessiria na forma de uma regra estipulada. Assim, diz-se, «a balanga de poder» pode «impor as suas restrigdes sobre as aspiragdes de poder das na- ‘Ges apenas se, primeiro, «se restringirem a si proprias aceitando 0 sistema da balanga de poder como a estrutura comum dos seus esfor- ‘gos. Apenas se os estados reconhecerem «as mesmas regras do jogo» ¢ jogarem «para os mesmos objectives limitados» a balanga de poder pode cumprir «as suas fungdes para a estabilidade internacional ¢ a independéncia nacionab» (Morgenthau, 1973, pp. 219-220) ‘Os erros intimamente relacionados que se encaixam na nossa se- gunda proposigdo sobre teoria so, como vimos, tracos gémeos do campo das relagdes mternacionais: nomeadamente, assumir uma ne- cesséria correspondéncia de motivo e resultado ¢ inferir regras para 03 actores a partir dos resultados observados da sua acco. O que correu ‘mal pode ser clarificado recordando a analogia econdmica (capitulo 5, parte m, 1), Numa economia puramente competitiva, a luta de todos para produzir lucros leva a uma baixa da margem de lucro. Deixem 168 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS que @ competicao continue tempo suficiente sob condigdes estaticas, €0 lucro de todos sera zero. Inferir desse resultado que todos, ou alguém, procuram minimizar 0 lucro, e que os competidores tém de adoptar esse objective como uma regra de forma a que o sistema funcione, seria absurdo. E, contudo, em relagdes internacionais frequentemente descobrimos que as regras inferidas dos resultados das interacges dos estados sto prescritas para os actores € diz-se que sfio uma condigiio da manutengao do sistema. Tais etros, cometidos muitas vezes, sio também, muitas vezes, apontados, apesar de, aparentemente, ser em vio. S. F, Nadel disse-o simplesmente: «uma ordem abstraida do com- portamento, no pode guiar o comportamento» (Nadel, 1957, p. 148; ef. Durkheim, 1893, pp. 366, 418; Shubik, 1959, pp. 11, 32). 0 raciocinio analitico aplicado onde uma abordagem sistémica € necessaria, leva ao estabelecimento de todo o tipo de condigdes como pré-requisitos para a formacdo das balangas de poder e a tendéncia para 0 equilibrio e como condigdes prévias gerais da estabilidade mundial ¢ da paz. Alguns requerem que o nimero de grandes potén- cias seja maior que dois; outros que uma superpoténcia esteja disposta a desempenhar o papel de equilibrador. Alguns requerem que a tecnologia militar no mude radical ou rapidamente; outros que as grandes poténcias se submetam a regras arbitrariamente especificadas. Mas as balangas de poder formam-se na auséncia das condigées «ne- cessiriasy, e desde 1945 0 mundo tem estado estavel, ¢ 0 mundo das superpoténcias notavelmente pacifico, apesar de as condigdes intema- cionais ndo estarem conformes as estipulagdes dos tedricos. A politica da balanca de poder prevalece onde quer que dois, e apenas dois, requisitos existam: que a ordem seja andrquica e que seja povoada por unidades que desejem sobreviver. Para aqueles que acreditam que se um resultado deve ser produ- zido, alguém, ou todos, devem queré-lo e devem trabalhar para isso, tém de compreender que a explicagao esté naquilo que forem os esta~ dos. Se isso for verdade, entio as teorias ao nivel nacional, ou abaixo, explicardo suficientemente as relagdes intemacionais. Se, por exem- plo, 0 equilibrio de uma balanca é mantido através da submissio dos estados as regras, entio precisamos de uma explicagio de como & alcangado ¢ mantido 0 acordo em relagdo as regras. Nao precisamos de uma teoria da balanga de poder, por que as balangas iriam resultar de um certo tipo de comportamento explicado, talvez, por uma teoria sobre a psicologia nacional ou a politica burocritica. Uma teoria da ‘ORDENS ANARQUICAS E BALANGAS DE PODER 109 balanca de poder nao poderia ser construida porque nao teria nada para explicar. Se os bons ou maus motivos dos estados resultam do facto de manterem ou quebrarem as suas balangas, ento a nogao de balanga de poder toma-se meramente numa estrutura que organiza a nossa explicagéo do que aconteceu, e este é, de facto, 0 seu uso habitual. Uma construgéo que comega para ser uma teoria, acaba como tum conjunto de categorias. As categorias, entio, multiplicam-se rapi- damente para cobrir os eventos que a teoria embriondria no contem- plou. A busca pelo poder explicativo tomna-se numa procura por ade- quagio descritiva, Finalmente, ¢ com relagdo & nossa terceira proposigio sobre a teoria em geral, a teoria da balanca de poder é muitas vezes, criticada Porque nao explica as politicas particulares dos estados. Verdadeiro, a politica ndo nos diz por que motivo o estado X tomou uma dada atitude na terga-feira passada. Esperar que o fizesse seria como espe- ar que a teoria da gravitagao universal explicasse 0 caprichoso trajecto de uma folha a cair. Uma teoria a um nivel de generalidade nao pode responder a questées sobre assuntos a um nivel diferente de genera- lidade. O fracasso em entender isto é um erro no qual a critica assenta. Outro é confundir uma teoria das relagdes intemacionais com uma teoria de politica extema. A confusdo sobre as reivindicagées expli- cativas feitas por uma teoria da balanca de poder devidamente exposta esti enraizada na incerteza da distingao entre a politica nacional ¢ a politica internacional ou nas recusas de que a distingaio deveria ser feita, Para aqueles que negam a distingo, para aqueles que engen- dram explicagdes que so inteiramente em termos de unidades de interacco, as explicagdes de relagdes internacionais siio explicagdes de politica externa, € as explicagGes de politica externa sdo explica ges de relagdes internacionais. Outros misturam as suas afirmacdes explicativas e confundem o problema de analisar as relagGes intema- cionais com 0 problema de analisar a politica externa. Morgenthau, por exemplo, acredita que os problemas em prever a politica externa € em desenvolver teorias sobre isso, tornam as teorias politico-inter- nacionais dificeis, se nao impossiveis, de desenvolver (1970b, pp. 253- 258). Mas as dificuldades em explicar a politica externa opéem-se 20 desenvolvimento de teorias das relagdes internacionais apenas se a ‘iltima se reduzir 4 primeira, Graham Allison faz uma confusio seme- Ihante. Os seus trés «modelos» parecem oferecer abordagens alterna- tivas ao estudo das relagGes internacionais. No entanto, apenas 0

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