You are on page 1of 27
Felucacio, Socredae & Cutturas. n° 19, 2003, 103-129 ‘RPOUAED ANS AA RGRISSUIDT RIAL ARMM RMREA mee RORER EE NECN R ESSE ST ESCOLA, DESIGUALDADES SOCIAIS E DEMOCRACIA: AS CLASSES SOCIAIS E A QUESTAO EDUCATIVA EM PIERRE BOURDIEU sete neteosé Manvel Mendeste lana Maria Seinasterirsseaxeren Este artigo aborda a teoria do espaco social em Pierre Bourdieu, procu- rando explicitar o papel crucial dos sistemas de ensino e do capital culural na reproducéo das desigualdades saciais nas sociedades capitalistas avan- cadas E privilegiada uma perspectiva critica, mas construtiva, dos funda- mentos desta ieoria que permitam pensar e construir um mundo comum mais igualitério e democriitico 1. Introdugio Apesar de na sua auto-socioanilise Pierre Bourdieu so se concentrar no seu petcutso univessitirio ¢ académico, deixando em siléncio a formagio escolar inicial que, no obstante as suas otigens sociais, o fez uilhar uma trajectoria pessoal e social coroada de sucesso (Bourdieu, 2001a: 184-220)! a escola figura em toda a sua andlise sociolégica como o ponto fulcral das dindmicas de reprodugdo social e de dominacdo simbélica Como o afirma em Ia Misére duu Monde, quando analisa num pequeno capitulo, que em muitas passagens assume tons suipteendentemente psicanaliticos, as contradigées da transmissio * Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Faculdade de Psicologia e Ciéncias da Eéucacio da Universidade de Coimbra } Desde uma escola primiria na regido de Béarn até ao iceu LouisSe-Grandl de Paris € 2 Hole Normale Supérieure Para um primeira exercicio de auto-socioanéise do autor, ver Bourdien (1997: 4453) gpUCACaig socrepaps & curiuras da heranga, esta) depende sobretucio, para todas as categorlas sociais (mas em graus diferentes) dos veredictos das instituigées de ensino, que funcionam como um principio da realidade bnutal € poderoso, responsével, como resul- tado da intensificagao da concoréncia, de muitos falhancos € decepgdes» (1993a: 711, itdlicos no original) O veredicto da escola e 0 sucesso escolar mostram-se como essenciais na sucesso familiar bem sucedida A escola e a familia aparecem como duas insti- tuigdes aliadas, como ctmplices no processo de reprodugo social das familias & por conseguinte, no processo de reprodugio social alargada Os descenden- tes que falham 0 projecto parental de sucessio, duplicado nos sinais de fra- casso que emite a escola, submetem-se as sangdes das duas instituicdes, vatiando o efeito da escola conforme a representacio que as diferentes catego- tias sociais tem da mesma Neste artigo comegamos por apresentar a teoria de Pierre Bourdieu sobre a estrutura do espaco social € os conceitos centrais para se perceber a dinamica a transformagdo desse mesmo espaco Numa segunda seccdo abordamos, de forma mais aprofundada, as relagdes das diferentes classes sociais e fraccdes de classe com o sistema de ensino e a importancia deste nas estratégias activadas por aquelas para assegurarem a sua reproducio social Na seccio conclusiva debatemos, de forma ctitica, os pressupostos do que chamamos de dilema democratico em Pierre Bourdieu 2 Aestrutura do espaco social Pierte Bourdieu denomina a sua andlise do espago social de estuuturalismo construtivista ou construtivismo estuturalista Com isto Bourdieu pretende afir- mar que ha no mundo social estruturas objectivas, independentes da conscién- cia e vontade dos agentes, que constrangem ¢ orientam as suas praticas representagdes (vertente estruturalisia); ¢ que ha uma génese social dos esque- mas de percepgao, de pensamento € das estruturas sociais, nomeadamente dos campos e dos grupos sociais (vertente construtivista) (1987a: 147) A sua ideia central é que a verdade da interaccdo social nunca est na forma como esta se apresenta & observagao, sendo que as representacdes € os pontos de vista goUCAGa, sociepape & curiuras devem set sempre reportados a posicéo dos agentes na estrutura social As diferentes praticas € representacdes dos individuos adquirem uma ceita integra cao ¢ estabilidade pelo eleito do babitus, entendido como ssistemas de disposi- cdes duréveis € ttansponivels, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto €, enquanto prinetpios geradores € organiza- dores de priticas € representages+ (1980: 88) Esta coeréncia das prdticas remete para a nogdo de estratégia, entendida como um conceito que permite -( ) reintroduzir 0 agente socializado (e nao 0 sujeito) e as estratégias mais ou menos automiticas do sentido pratico (e nao os projectos ou os cilculos de urna consciéncia) (1987a: 79) A cstratégia €, assim, a relacdo inconsciente entre um Aabitus e um campo, estando objectivamente orientada para um fim que pode nao ser aquele que é definido subjectivamente Mas, Bourdieu alerta para o facto da reproducto quase perfeita do sistema social s6 acontecer quando as condigdes de activacio das estratégias so idénticas ou homotéticas as da formacao inicial do habitus O desfasamento entre essas condigdes cia a incerteza (0 denominado efeito D Quixote) que pode levar 2 inadaptagiio ou 2 adaptagao, a resignagio ou A revolta dos agentes sociais (1980: 104-105) Segundo Bourdieu, as estratégias de reprodugio social, entendidas como um sistema de praticas conscientes ou inconscientes, através das quais os agen- tes procuam conservar ou aumentat © seu patiiménio, tendo pot objectivo manter ou melhorar a sua posicdo no espaco social, dependem do volume glo- bal de capital familiar (capital econémico, cultural e social?) da estrutuia desse patriménio (importancia ou peso relativo de cada um dos seus componentes) ¢ do estado do sistema dos instrumentos de reproducio (Bourdieu, 1979: 1453 2 Bourdicu define capital como «una sclagio social isto 6, umia energla socal que 36 existe € produz 6s seus efetes no campo one se produz ¢ reprexiuz (1979: 127) Por capital social, Piene Bourdieu entende todo © conjunto de recursos, actuais € potenciais, que cstto ligados a posse de uma rede durgvel de relaghes mais ou menos institucionalizadas de intercoahecimento ¢ de inter-reconheci- ‘mento, © capital social 6 itredutivel as diferentes espécies de capital porque a posi do agente individual depende também do volume de capital dos diversos grupos a que perience (1989: 418) Por estado do sistema cios instrumentos de reproducdo, instinicionalizadas ou néo (leis sucesscrias, s- fem educativo, mercado matrimonial, etc), Bourdieu entende & definigio dominante, num dado ‘momento, das mancias legttmas ce transmiticaquilo que é Gefinido como legitimamente wansarissivel er 0CAcay sociepape & curruras As estratégias aplicam-se em diferentes momentos do ciclo de vida, segundo um processo irreversivel e conologicamente articulado As estratégias podem set de vitios tipos: de fecundidade, matrimoniais, educativas, econémicas mesmo simbélicas ou de sociodiceia, esta dltimas prdprias das classes domi- nantes visando legitimar 0 fundamento da sua dominacdo (Bourdieu, 1989: 386-390), O espaco social global subdivide-se em campos (econémico, social, educa- cional, cultural, politico, literdrio, etc) e em todos estes campos encontiamos uma futa, com formas e leis de funcionamento proprias, 4 volta de interesses especificos, sendo que o capital especifico de cada campo vale nesse campo, € 56 em certas condigdes € convertivel noutra espécie de capital (Bourdieu, 1989: 134)* Todos os que participam na luta contribaem pata a reproducio do jogo, € a crenga € 0 1econhecimento no valor do jogo advém do investimento dos agentes ¢ do seu custo, o que nos remete para o axioma do interesse (Bourdieu, 1984: 113-120) O interesse é a condigao de funcionamento de um campo e produto desse funcionamento. Ha tantos interesses quantos os cam- pos que existem, e aqueles so varidveis no tempo ¢ no espaco Meto- dologicamente, © limite de um campo € 0 limite dos seus efeitos, ou seja, um individuo ou uma instituigao fazem parte de um campo se nele sofrem ou pro- duzem efeitos (Bourdieu, 1989: 31), ndo esquecendo que hi tansferéncia de energia entre os campos e o poder possuido num campo pode ser potenciado AnoULO espaga social ou campo social global é, para Bourdieu, multidimensio- nal, sendo todos os agentes € os grupos de agentes definicos pelas suas posicdes relativas nesse espago, isto €, as propriedades attibuidas aos agentes (condiglo social) 86 so compreensiveis pela telacbes objectivas que estes estabelecem com outros agentes € grupos sociais (posico social) Faz-se apelo a uma anilise rela- ional, que define as propriedades actuantes no espaco social ¢ que pode ser Qualquer mudanga na relagio entre 0 patriménio familias € o sistema dos instrumentos de reprodue ho vai implicar uma reestmnucagio das estratégias de investimenio do grupo familiar, levando a Juma seconversio das espécies de capitals possuides noutro tipo de capita, mais rentivel ¢ legtimo no estado coasiderado dos instrumenios de reproducZo (Bourdieu, 1989: 362-394) * Para um inventitio exaustivo ds principas caiacteristices dos campos em Boustiew, ver 0 artigo de Bemard Lahire (1999) gvDUCACAG sociepape & curruras considerado como um campo global de forcas, como um conjunto de relagdes de forcas objectivas ¢ imedutiveis as intengdes ¢ interaccbes entre os agentes © espaco social global estrutura-se segundo dois eixos centais (Bourdieu, 1979: 119-126): 0 volume de capital (sobretudo 0 capital econémico € o capital cultural) e que define as diferencas interclasses; € a estrutura ou composicio relativa desse capital (dominante de capital econ6mico ou dominante de capital cultural) A composico do capital possuido permite delimitar as diferencas intraclasses, ou seja, a distinedo entice traces de classe dominantes e fracgdes de classe dominadas’ A acrescentar a estes dois factores cruciais, ha que aten- der & trajectéria social, individual ¢ colectiva, que define o leque de possiveis para cada individuo e para cada classe € fraccdo de classe® Com a sua tipologia das classes sociais, Pierre Bourdieu pretende ir para além das propostas marxistas ¢ da esttatificaclo social O sev objectivo € € ) construit a classe objectioa como o conjunto de agentes que tém condigdes de existéncia homogéneas, impondo condicionamentos homogéneos e produzindo sistemas dle disposigSes homogéneas proptios para engendrarem priticas seme- Thantes, € que possuem um conjunto de piopriedades comuns, propriedades objectivadas, por veres juridicamente garantidas (como a posse de bens ou de poderes) ou incorporadas como os habitus de classe (e, em particular, os siste- mas de esquemas classificatorios)» (Bourdieu, 1979: 112, itélicos no original)’ A classe social nao se reduz a simples localizacfio nas relacdes sociais de pro- dugo, & posigdio no campo econmico, embora @ teoria de Bourdieu assente numa definicao em termos de poder € de privilégio Reconhecendo que os outros > Piere Bourdiew define trés grandes classes socias: a burguesia, que também denoatina de classes supesiores ou dominantes, a pequena buryuesia; ¢ 25 classes populares Dentzo de cada uma destas classes, confoame « compasicao relaiva do capital, sto definidas fracgtes de classe, basicamente cconstruidas a part de categotias sécio-profissionais claboradas pelo organismo nacional de estats- fica francés ® Pierre Bourdieu (1979: 35, nota 29) define a tajectéria social de cada individuo como sendo consti- tujda pela evolugdo na vida de ego do volume de capital Cestaciondrio, cxescente ou decrescente) do volume de cada cspécie de capital, do volume © da esrutura dos pattiménios do pai e da mae € do peso respectivo de cada espécie de capital e, finalmente, do volime « estrutura do capital dos avés patemos € maternos Para Bourdieu, o babitus de classe € © habitus iadividcal no que exprime ou reflecte da classe social © bails individual é uma vasiante estrutural Gos outros babies um desvio. em relagao 20 estilo proprio de uma épaca ou de uma classe social (1980: 101) grUCAGay sociepape & cursunas campos (cultutal; politico, educacional, etc) tém relagdes de homologia estrutural € relagdes de dependéncia causal com 0 campo econémico (sobredeterminacio?) (Bourdien, 200ic: 316), as lutas simbélicas er cada um dos campos e entre os campos restitui uma dinémica social complexa irredutivel a qualquer andlise uni- dimensional Para Bourdieu, que tanta importineia dé ao capital simbélico enquanto poder reconhecido, isto & como zeconhecimento, institucionalizado ou no, do pocier de um dado grupo, classe ou ftaccio de classe (idem, 2001b: 107- -108)8, nao se pode opor a classe social das teorias marxistas o Stand weberiano? Com efeito, { ) 0 Stand weberiano, que alguns gostam de opor a classe marxista, € 2 dasse constraida por um recorte adequado do espago social quando esta 6 apercebica segundo as categorias derivadas da estrutara do espaco social: (idem, 2001c: 305) © capital simbGiico ou distingdo deriva do reconhecimento e desco- nhecimento da estrunira social e da sua reprodugao por parte dos agentes sociais A teoria das classes sociais de Bourdieu € uma teoria agonistica, onde os campos do espaco social global slo perpassados por Jutas permanentes de classificacao, desclassificacao ¢ teclassificacdo, pelas estratégias dos individuos, dos grupos, das classes e das fraccdes de classe para manterem a stia posigo social relativa ou para ascenderem @ uma posi¢do social superior A grande inovacto desta teoria, iniciada em 1964 com a publicacdo da obta Les Hériters, € a importincia atribuida ao capital cultural, que engloba o capital cultural her- dado € o capital cultural adquirido auavés do sistema de ensino. A escola vai emergir, nas formulagdes tedricas ce Bourdieu, como o mecanismo central de legitimacao das diferencas de classe, como uma forma teconhecida © desco- nhecida de reproducao da estrutuza social Bourdieu recusa também o realismo analitico de outtas teorias das classes sociais, afirmando que as classes definidas pelos investigadores mais no si0 clo que classes no papel, muito diferentes das classes mobilizadas, que exigem © © capital simb6lico mais mao € do que « dlstingio, definida como a diferenga inset na prépria éstrutura do espaga sockal ¢ apercebida scgundo categoria atsbuidas a essa estrutura (200Le: 305) % Bourdicu mantém-se proximo da detiniczo original de Weber, que entence o Stand numa Kigica anloga 2 ordem ou estado do Antigo Regime, como comunidades nomalmerte amorias assentes za estima social especifica, positiva ou negativa, da honra atribuida a algume qualidade comum a ‘muitas pessoas (Weber, 1984: 695-692) Para a transmutagio do conceito de Stand et grupo de sae 4s através da soviologia americana, vet a peitinente anise de Morton Wenger (1987) epUCAGay sociepape & curturas todo um trabalho de representacao ¢ de delegacao politica e simbdlica (idem, 200 1c: 296-300) No entanto, a andlise exaustiva dos estitos de vida das diferen- tes classes e fracgdes de classe levada a cabo por Bourdieu em La Distinction, entendendo os estilos de vida como indicadores indirectos das propriedades de classe, e até pelas fotografias que ilustram os seus argumentos, acaba por deli- mitar ¢, dizemos nés, teificar, de forma clara e concreta as divisoes sociais pre- sentes no espaco social francés A teotia de Bourdieu levanta também alguns problemas na andlise da aocio. social A sua famosa formula [Chabitus) (capital) + campo = priticas| (Bourdieu, 1979: 112) parece indiciar que cada contexto de acco social se pode transfor- mat num campo! Sendo os campos caractetizados por lutas pela dominacao simbdlica no seu interior, os campos parecem abarcar somente, como bem salienta Betaard Lahite (1999: 35), os dominios de actividade profissional, excluindo todos os individuos que nfo estio inserides no mercado de trabalho A teoria aplica-se 86 as actividades que sio portadoras de um ntinimo de presti- gio social, e que por isso justificam a Juta simbdlica num dado campo, excluindo: todas as actividades profissionais pouco ou nada valorizadas no espaco social Alguns autores enfatizam que a fraqueza do modelo de Bourdieu esta nele postular uma homologia estrutural dos campos, o que facilita, por conseguinte, a repraducdo da posic¢ao dos agentes nos diferentes campos Contudo, Bourdieu ao definit © espaco social como multidimensional, referindo que os agentes sociais peitencem a varios campos, prevé a hipdtese de essa pertenga muiltipla poder conduzir a interesses contraditérios e, por vezes, dificilmente conciliéveis Um deterrninado tipo de capital nao é automaticamente converti- vel noutro tipo de capital, ¢ hé todo um wabalho de conversio, reconversio € legitimacdo simbdlica A luta entre a oitodoxia € a heterodoxia de cada campo. conduz 4 emergéncia de interesses alternativos, embora sem nunca colocat em causa os fundamentos do proprio jogo Concomitantemente, os efeitos de tra- ject6ria também pioduzem inte:feréncias na relagdo entre a classe social € as visdes do mundo individuais (Bourdieu, 1979: 124) 1° Para Bemard Lahire (1999: 37} a teoria de Bourdieu, de base universal, come o risco, com esta defi- riglo restita de campo (odo 0 contexte & um campo), de se tornar uma feora regional ou um conjunto de teorias regionais adstritas a cada campo veAgey uppape & curtunas teferem que o conceito de habitus confunde ¢ engloba duas toialmente distintas: a da integragao cultural e a da acco estra- 10 estratégica fica totalmente submetida a légica da integiagio cul- ftiral; desaparecendo ‘por completo a tensio criadoia existente entre as duas Dubet, 1994: 184). A nocio de estatégia em Bourdieu, ao remeter Para ajusta- mentos automaticos ¢ inconscientes, nao permite uma anilise do imperativo de justificagao dos actores sociais, ou seja, o acordo activo que as pessoas dao as situag6es, o trabalho que devem realizar de forma a conseguitem a construcio do mundo social aqui € agora, dar-lhe sentido ¢ um minimo de sustentacdo (Boltanski, 1990: 73) A base material dos campos € a luta constante entie os ‘Sfupos sociais ndo permitem também introcuzir, no modelo da motivagio da accao, 0 papel das emogdes e dos esquemas simbélicos (Alexander, 1995: 152) A natureza da mediagao, a constituigio dos actores, ot seja, a complexidade miiitipta das suas identidades e a coordenacao de actividades nao sio também sulicientemente abordadas por Bourdieu (Calhioun, 1995: 155) O piessuposio da estrutura social como originada numa relac3o de desconhecimento, e por isso de reconhecimento da ordem social, tomna dificil a compreensio das logi- cas de acco que nao sejam racionais ¢ desprovidas de qualquer ganho, e mesmo as actividades de solidatiedade, de desprendimento, acabam por sez reportadas a motivas ¢ logicas inconscieates de seforco do poder! A critica que Bourdieu avanga contra as teoxias da mobilidade social (1989; 191), relembrando que o espaco social deve ser entendido como campo de for- gas estruturado e de efeitos globais e especificos em cada campo, mas actuando de forma conjunta, tem Pettinéncia porque nao se tata de analisar a itansmissdo directa de pattiménio ou capital cultural, mas 2 teproducao da configuracao geral das posigdes de classe!2 Embora ctitico das andlises multi- Vatiades, porque pata Bourdieu sfo sedutoras dla complexidade do espaco "0 pr6prio aparelno concepwal de Bourdieu, perpissado por umn forte economicsmo, visivel nos Ginecios de capial hero. invesimento, tart de conversio dos capitals, etc, impede uma visio akemativa da reaidade social que permite wizar conccitos como solidaredade, eooperacio, con- fianga, desinteresse, dedicagio, exe * Para uma apresentacio exausiva des teorias da mobilidade social e @ elaborate de uma proposta analtica © metodokigics altematve, bascacla na veoria das classes de Pierre Bourdien, ver Rodiguez 2989) go¥CAGay, socrepape & curruras social, este inco:pora nos seus esctitos a ideia de uma escala vertical, pautada por deslocagGes ascendentes, estaciondsias e descendentes e por deslocagées tansversais no espaco social (Bourdieu, 1979: 146) A aceitagdo desta ideia comum de hierarquia e de escala social acaba por reproduzir ¢ legitirar as diferencas estabelecidas pelos actores nas suas interacedes quotidianas Se as classes sio classes no papel, como vimos mais atrds, melhor seria falar de des- locacGes topolégicas entre lugares de classe abstractos ¢ nio de movimentos em escalas sociais consttuidas a partit das categorias socioprofissionais utiliza das pelos organismos de estatistica, que reificam e constroem as diferencas no espaco social, como alias bem o demonstrou o proprio Bourdieu A recusa da andlise multivariada por parte de Bourdieu, que permite preci- sat © efeito liquido das diferentes espécies de capital (econdmico € cultural) ngs trajectories sociais dos individuas, no é acompanhada de uma proposta analitica alternativa Aquele atém-se ao uso de quadros de dupla entrada que medem a mobilidade absoluta mas nao as probabilidades relativas de mobili- dade social, nio possibilitando a verificacdio empirica do peso relative do capi- tal econémico ¢ do capital cultural na reprodugdo das desigualdades sociais Apesar destas limitagdes, a teoria das classes de Bourdieu constitu um marco crucial na andlise das desigualdades sociais nas sociedades desenvolvi- das! A sua atengao 4 conjugacio factorial do capital econdmico do capital cultural permite-nos aquilatar das transformagdes mais significativas nas estru- turas sociais das sociedades industriais avancadas!* E 0 que assistimos nas tlti- mas décadas nestas sociedades é ao intensificar da tendéncia definida por Bourdieu, em que as transformagées da telacao entre as classes sociais € 0 sis- tema de ensino levou a explosao escolar e 4 transformacao concomitante da estrutura social (Bourdieu, 1979: 147) Para Bourdieu, «2 generalizacio do reco- nhecimento atribuido ao titulo escolar teve por efeito unificar o sistema oficial 25 A teovta das classes socials de Bourdieu, e 2 sua énfise no capital cultural para a definigo das frac- ies de classe, 96 tem aplicaglo directa em paises com niveis relativarnente elevados de escolatizs- fo € de alfabetzagao 4 Fimbora atribuindo um papel central ao capital cultural na reprodusao das hicrarquias sociais nas sociedades industriais evangacas, contra o cconomicismo das anélises marxistas, 0 proprio Bourdiew reconheceu que nos casos das BUA e da Franca o capital econémico teria um peso mais determi- ante que o capital cukral nessa dinémica de reproducdo (1987b: 3-4) epUCAcg, sociepape & curruras dé titulos € qualidades que dio dircito 4 ocupacio das posigGes sociais, redu- zindo 0s efeitos de isolamento, ligados a existéncia de espacos sociais dotados dos seus proptios principios de hierarquizagior (1979: 151) Bsta tendéncia forte é também confirmade por Gosia Esping-Andetsen que, no Ambito do seu estudo sobre a estrutura de classes das sociedades pés-indus- triais, conclui que a formagio de classes pés-industrial depende dos padrdes de acesso € do sucesso educativo, e que serdo necessdrias medidas activas no campo educativo que democratizem e diminuem o petigo de fechamento no topo da estrutura de classes (1993: 239-241)'5 O esforco mais consistente para avaliar da importancia relativa do capital econémico € do capital cultural nas trajectorias sociais nas sociedades capita- listas € 0 de Erik Olin Wright (1997) Numa andlise comparativa entre os Estados Unidos, 0 Canadé, a Noruega e a Suécia, 0 autor concluiu que os dois Ptimeiros paises se caractetizavam por uma baixa probabilidade relativa de mobilidade intergeracional na dimensao da propriedade, muito superior ao °S Para o caso francés dispomos de um estudo recente que procura avaiiar dt maior ow menot aber- tara da estrutura social francesa Louis-André Vallet (1999) no seu artigo de balango sobre a mobili dade social em Franca de 1953 2 1993, no estrito Ambito teérico € metodolégico das teorias da

You might also like