You are on page 1of 5
Educagao e Filosofia, 10 (19) 201-205, janjun.1996 MACEDO, Lino. Ensaios Construtivistas. Sao Paulo, Ed. Casa do Psicélogo, 1994. Anténio Wilson Pagotti* Ecomum, em leituras Sobre educagaio, encontrar-se reflexes a partir de perguntas como: “educar para qué?”, “educar para quem?”, As leituras colocam questionamentos historicos, politicos, ideolégicos onde a concepgao de luta de classes normaimente esta presente. Nesta dtica processa-se uma dicotomia: de um lado as teorias educacionais criticas, de outro as teorias educacionais n&o criticas, como se fosse possivel este nivel de precisdo conceitual e assim dividi-ias “matematicamente”. Sobre as teorias nao criticas ressaltam-se 0 “pedagogismo”, e o “psicologismo", d&o-lhes a pecha de conservadoras ou, na melhor das hipéteses, reformistas. Quanto as teorias criticas, ressalta-se 0 cardter revoluciondrio, porém pela contundéncia acabam nao tendo um “mundo possivel” para aplicagdo. Assim, sua importancia circunscreve-se na possibilidade de refletir a realidade educacional. Isto porque a énfase do processo critico esta principalmente no pensamento por oposigao. Em alguns casos hd autores que chegam a afirmar que a educagAo escolar é hoje e o que foi o cristianismo para o periodo medieval. O que é um exagero critico. Sem duvida educar 6 um dos grandes dilemas da humanidade, pois implica em formacdo intelectual e moral. Bem sabemos que a “arte de educar” também tem a ver com a “arte de dominar’, Machiavelli no seu tamoso escrito O PRINCIPE, procurava mostrar que melhor, mais barato e menos problematico que a dominagdo pela forga era a dominagao através das crengas, valores e Pela linguagem. O campo da educagao é 0 campo das crengas, dos valores, da linguagem, da légica, da racionalidade, do campo da agao, da reprodugdo eda ctiagao. Neste sentido, em muitos momentos 0 educar foi orientado para a formag&o doutrinaria, pois era importante para Os governantes ter o controle ideolégico sobre o saber, determinava-se assim que o pensar € 0 agir fossem “conectados” a um tipo de saber instituido que atendia as necessidades pré- * Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Uberiandia. 201 Educacao e Filosofia, 10 (18) 201-205, jan.jun.1996 estabelecidas. Porém, algumas “ilhas de rebeldia”, tanto no plano pedagégico como no plano politico, apontavam outros caminhos. Isto se deu com a escola de Tolstoi na Russia czatista, de Freinet na Franga, de Montessori na Italia e particularmente, nas décadas de cingiienta e sessenta, o movimento de “educagao para a liberdade”, como na escola Summerhill, que fomentou a contracultura. Em comum todas estas “escolas” traziam o pensamento e a praxis antagonicos ao status vigente. No Brasil, apesar dos grandes pensadores em educacdo, a pratica educativa sempre foi complicada, quer pelo limitado acesso da populacao a escola, pelo baixo interesse do estado e de suas elites no estimulo & aprendizagem escolar, quer pelas ditaduras ou pelas precarias condigdes de ensino. Hoje, nao temos mais o rigido controle ideoldgico, o que tomou possivel o debate sobre estratégias de ensino, modelos, programas, contetidos, inclu- sive a democratica escolha de dirigentes. Porém, as condig6es materiais, salariais e de formagdo docente continuam precarias. Os velhos fantasmas da reprovagado, da evasao e da aprendizagem deficiente continuam presentes atormentando alunos, professores, dirigentes de escolas e muitos secretarios de educacdo, interessados em mudangas quantitativas e qualitativas. As perguntas constantes s4o: por que tanta reprovacdo? Por que tanta evasao? Como as criangas aprendem? Qual a melhor maneira de ensinar? Quais so os custos financeiros e sociais do fracasso escolar? No “drama” da sala de aula muitos professores esperam que orientadores educacionais, psicdiogos, ou cursos répidos possam Ihes trazer uma resposta magica que Os ajude a acabar com o fantasma. Mas infelizmente a coisa nao é tao simples. ENSAIOS CONSTRUTIVISTAS Esses problemas tém sido objeto de reflexao de muitcs educadores e tém surgido altemativas interessantes para a compreensdo de “como o conhecimento é construido”, “como o conhecimento se produz na escola” e como é possivel uma “pratica pedagégica que ajude a superar muitos impasses da educagdo escolar’. Um trabalho que penso ser fundamental aos professores e pessoas interessadas na constru¢&o dos conhecimentos é 0 livro editado peia Casa do 202 Educagao e Filosofia, 10 (19) 207-205, jan.jjun.1996 Psicdlogo, ENSAIOS CONSTRUTIVISTAS do prof. Lina de Macedo, um estudioso da obra de Jean Piaget que faz uma conexAo entre o construtivismo a educagao escolar. A importancia da obra esta justamente na possibilidade de tornar “simples” o caudaloso e complexo pensamento piagetiano. © livro foi composto por um conjunto de artigos anteriormente apresentados em revistas especializadas em Psicologia e Educagao. Mas, apresenta uma grande coeréncia discutindo desde “o construtivismo e sua fun¢ao educacionai” até “para uma avaliacdo construtivista”. Discute 0 método clinico e aponta os desafios construtivistas ao protessor. Macedo dé sentido ao fato que a educagdo escolar tem um papel fundamental na forma¢Ao de sujeitos criticos, capazes de avaliar situagdes e acontecimentos e de tomar decisées lagicas e coerentes, isto porque o pensamento construtivista propde que a educacdo escolar seja um meio importante para se alcancar tanto a autonomia intelectual como a autonomia moral. Nesse sentido 6 necessario entender-se qual o caminho a seguir. Ocaminho classico que hoje vige na maioria das escolas é aquele em que a linguagem é o mais importante meio de transmissao de conhecimentes, o aluno reproduz o que 0 professor apresenta (copiar e decorar sao partes intrinsecas do processo). O modelo de ensino é indutivo, sendo a énfase em etapas descritivas e explicativas. Como conseqiéncia, temos um ensino de fepresentaciio da realidade; o adulto deve ensinar e a crianga aprender. O adulto é maturo e a crian¢a imatura. Acontrapartida apresentada por Macedo é o construtivismo, uma vez que este produz 0 conhecimento formalizante, onde o desenvolvimento se da através da apao da crianga. Ela é o agente que promove a reconstituigao dos acontecimentos através de sua agdo. Através dessa acao ela descobre (constréi) para si o conhecimento. Esse descobrir tem um sentido fundamental, néo se dé por indug4o (embora faga parte do processo) mas por deduc&o. Os momentos descritivo e explicativo buscam ndo a representagao da realidade mas sim a internalizagao da realidade, ou seja, a busca é compreensiva. Se a evasdo e a repeténcia sao hoje muito altas, se a qualidade de apreensao do que é “ensinado” 6 pequena, é provavel que boa parte deste ‘fracasso” se deva justamente ao ensino pela representacao da realidade. Portanto, para superar 0 fracasso devemos pensar em mudangas que alterem 0 foco de como se aprende. 203 Educagao e Filosofia, 10 (19) 201-205, jan jun. 1996 Uma das altemativas para essa mudanca de foco é 0 esforco incessante em conjugar teoria e pratica, e uma pesquisa constante do pensamento construtivista na agdo pedacdgica. Nesse sentido estaremos redescobrindo o professor que tem na praxis pedagégica a fungao de formar ou instrumentalizar os futuros cidadaos de uma sociedade. E evidente que a diregao construtivista implica, em muitos casos, na mudanga da postura do professor, na selecdo e organizagao dos materiais de ensino, nos procedimentos quanto a disciplina, e no processo de avaliagao. Implica em mudar a forma de olhar a aquisig¢ao do conhecimento. A “metodologia piagetiana” hoje é muito divulgada através da literatura, de seminarios, debates e cursos. E comum encontrar-se professores interessados na sua utilizagao. Ha inclusive, e muito, os que acham que estao utilizando a “metodologia piagetiana” sendo defensores do método clinico, mas diante dos impasses naturais do cotidiano escolar mostram dificuidades para agir de maneira construtivista. Como o construtivismo nao se coloca como uma apreensdo técnica, uma vez que os professores precisam construir e reconstruir ‘0 Seu proprio conhecimento pedagégico, alguns professores acabam buscando nas antigas formulas didaticas as respostas aos problemas, o que tende manter 0 status quo educacional. Como nao encontram uma resposta imediata para 0 ‘seu dilema (conflito cognitivo), mesmo sabendo que o modelo antigo é ineficiente, acabam utilizando-o, ou seja, nao véem o problema como um desafio a ser enfrentado. Ao professor é importante compreender que no cotidiano ele vai deparar- se com duas dimensoes relevantes a qualquer evento educacional: estrutura e génese. A estrutura tem afuncdo auto-reguladora, dinémica, capaz de incorporar novas informagoes. A outra é a génese, que corresponde as circunstancias, reaigando a mutabilidade e a singularide’.2. Macedo exemplifica essas organizagées dizendo que os dias, meses. ~stagdes do ano sdo estruturas, mas os dias (em fungao dos acontecimentos temporais. espaciais, da relagao com os objetos e das diversas causalidades) sdo diferentes entre si. Radicalizando um pouco, pode-se dizer que se nao hd duas folhas iguais, se 6 impossivel banhar-se duas vezes na mesma Agua de um rio, como podemos imaginar criangas iguais? Assim, por mais que seja planejado 0 cotidiano es- colar, sempre haverd algo que sé se define no momento da realizagao. 204 Educagao e Filosofia, 10 (19) 201-205, jan Jjun. 1996 E neste sentido que a formagao dos professores como diz Piaget, é longa e compiexa e nesta complexidade Macedo ressalta quatro pontos fundamentais: “é importante o professor tomar consciéncia do que faz ou pensa a respeito de sua pratica pedagdgica; ter uma visdo critica das atividade e procedimentos na sala de aula e dos valores culturais de sua fungaio docente; adotar uma postura de pesquisador e nao apenas de transmissor; ter um melhor conhecimento dos contetidos escolares e das caracteristicas do desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos”. Superar a situacdo atual de fracasso escolar é urgente. A busca de alternativas 6 uma necessidade, também 6 preciso entender-se que “construtivismo” e “nao construtivismo” sao duas formas de conhecimento. O problema é diferencia-las e integré-las; é saber quando e como opera-las em Proveito da educacao da crianga”. 205

You might also like