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. Avaliacao de dialetos brasileiros: 0 sotaque' Jania M. Ramos Universidade Federal de Minas Gerais Abstract ‘This paper presents scores of attitude tests applied in five Brazilian cities: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianépolis, Jodo Pessoa and Porto Alegre. ‘The results made possible the iclentification of a narrow relationship between self-confidence and cultural identity: the more people in a city are aware of the difference between their dialect and the dialect used by the media the proucles they are of their accent. It is exactly this accent which received the highest scores of acceptability by the speakers of other accents, RAMOS: 104 este artigo apresento os resultados da primeira etapa de uma pesquisa sobre atitude lingilfstica. O trabalho realizado até aqui teve por objetivo responder a seguinte pergunta: como. os falantes de cinco estatlos brasileiros redigem aos diferentes sotaques? Esta questo esta intimamente ligada a uma outra, que tem sido objeto de atengao e debate entre sociolingitistas brasileiros, a saber: qual € 0 dialeto-padrio do nosso pais? A meu ver, os resultados de testes de atitude constituem um. instrumento util na busca de respostas a ambas as questdes, tendo em vista a reconhecida existéncia de consenso quanto as normas lingiiisticas de uso dentro de uma comunidade de fala. O presente artigo subdivide-se em quatro partes. Na primeira sio definidas as nogdes de atitude e sotaque. Na segunda € descrita a metodologia utilizada. Na terceira sto apresentados os resultados. E por tiltimo, a conclusio, abordando tépicos de pesquisa futura e limitagSes da metodologia utilizada. 1. CONCEITOS DE ATITUDE E SOTAQUE Sera adotada aqui a seguinte conceituagio de atitude: “Atitude € caracterizada como uma resposta incorporada ao individuo, resposta esta que tende a mediar ou conduzir as respostas avaliativas mais abertas de um sujeito em relagio a um objeto ou conceit.” (Fishbein (1965), citado por Santos (1980:19)).’ ‘Tal conceituacio permite a utilizagao de questionarios como instrumento de avaliagao da atitude do falante. £ deste instrumento que tratarei a seguir. Roy, Est, Ling., Belo Horizonte, ano 6, 0.5, ¥.1, p.109-125, jan.fiun. 1997, 105 Por sotaque entenda-se aqui tragos indicadores de processos fonoldgicos gerais e de padrées prosddicos.* 2. A METODOLOGIA Dois questionarios foram aplicados.' O primeiro compée-se de 48 perguntas respondidas por 60 falantes, em média, de cada um dos cinco estados investigados. Sio eles: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraiba, Foram consultados informantes de duas faixas etérias (14-15 anos) e (25 a 40 anos), de classe média. A defini¢iio da classe teve como critério 0 tipo de residéncia. Foram obtidos 17.040 dados. Foram formuladas questées cujas respostas apresentavam cinco opgées. Trata-se de uma escala semfntica diferencial (Osgood, Suci e Tannenbaum, 1957). Vejamos um exemplo: A lingua portugu simples: : s complicada Esse questiondrio constitui uma adaptagio do questiondrio aplicado por Almeida (1979) a falantes da cidade de Belo Horizonte. A opgio Por manter um questiondrio semelhante decorreu de seu cariter tecnicamente bem elaborado € da possibilidade de comparar os dados de uma mesma populicio apés um intervalo de quase vinte anos. As adaptagdes feitas consistiram na insergo de perguntas que permitissem avaliar a linguagem veiculada em noticidrios de TV, consiclerada representativa do padro culto atual. Foi tomada como objeto a fala dos apresentadores do Jornal Nacional, no periodo de margo/abril, por ser este o noticidrio de maior indice de audiéncia no pais. As quest6es formuladas sobre este tiltimo item foram: RAMOS 106 A fala dos jornalistas do Jornal Nacional reflete a fala da minha regio. concorde: :discorlo Eu falo como os apresentadores do Jornal Nacional, da Globo. concorde: : discordo © calculo foi feito da seguinte forma: anotou-se quantos falantes marcaram cada um dos cinco espacos, tal como aparece a seguir: Gente da roga fala methor que gente da cidade. concorlo discordo No exemplo acima, houve zero marcas no primeiro espago a esquerda, 0 marcas no segundo espaco, 9 marcas no terceiro, 20 marcas no quarto ¢ 33 no quinto, somando um total de 62 marcas, © que indica que 62 informantes responderam aquela questio. As marcagdes foram classificadas em trés grupos: favordveis (as marcas referentes aos dois espacos & esquerda), neutras (as do terceiro espago) ¢ desfavordveis (as do quarto e quinto espagos), chegando-se, respectivamente, 4s seguintes porcentagens: 0%, 21,6% © 78,4%. Em seguida os valores correspondentes a cada questiio de cada estado foram comparados. E sio estes tiltimos resultados que aparecem nos-griificos e tabelas abaixo. O segundo questionario visava a avaliar atitudes a partir de amostras clos diferentes dialetos. O informante ouvia um fragmento de entrevista, de aproximadamente trés minutos de gravagao sobre diversdes (viagens, cinema, etc.), com falante de nivel superior e Ihe era solicitado identificar (1) a origem geogrdlica do falante; (2) sua profiss4o; (3) se aquele modo de falar Ihe era agraddvel ou desagradavel; (4) se aquela maneira de falar era correta ou incorreta; Rev, Est. Ling., Belo Horizonte, ano 6, n.5, v1, p-103-125, jan/iun. 1997, 107 e, finalmente, (5) se havia algum falante, dentre aqueles ouvidos na fita, que nfo apresentava sotaque algum. Um total cle 31 informantes mineiros respondeu ao segundo questionario, o que perfez um total de 775 dados. O formato dla folha de resposta referente a cada um dos cinco fragmentos de entrevista gravados aparece abaixo. O informante respondia imediatamente apés ouvir cada fragmento. Falante t Origem: ) Catarinense Profiss c io: Esse modo de falar &: ( )Paranaense (— ) Advogado ( Dagradavel ( Mineiro (-) Médico ( )desageackivel € ) Paulista = () Comerciante ( )Paraibano (_) Faxineiro { ) Carioca ( )Jomatista Para vot esse modo de falar é () Maranhense ( ) correto (_)incorreto A ultima pergunta deste questiondrio foi a seguinte: Dos falantes Assinale: (1), ), (4), (5), ©), (nentran) Passemos entio aos resultaclos. 3. OS RESULTADOS, 3.1 Questiondrio aplicado em cinco capitais Passarei agora a comentar os resultados de apenas um subconjunto das questées respondidas. Vejamos inicialmente a questio que avalia a relagao entre dialeto rural e urbano. RAMOS 108 Gente da roga fala methor que gente concorde: Os resultados aparecem na tabela 1. ‘Tabela 1: Avaliaglo, por estado, do dialeto rural como padi brasileiro T sc MG PB RS, R Ne % | N® 9% [| N® 9% [NP % | NP Favorivel 4 7 [2 37/1 16/4 5 fo 0 Desfavorivel 45 80.6) 45 848/55 88.6) 51 846/53 784 Total | S7 53 62 59 62 ‘Econsensual a rejeigho do dialeto rural como padriio/modelo de fala no Brasil: acima de 78% em todos os estados. A porcentagem de aceitagélo tem em Santa Catarina seu indice miximo (7%) e seu indice iminimo no Rio de Janeiro (0%). Seria interessante testar falantes cla zona rural em relagio a esse item, Se se tiver em conta que a semelhanga de atitude em relagio ao que 6 padrio constitui um critério definidor do que seja uma comunidade lingiiistica, a resposta de fatantes da zona rural poderd funcionar como uma orientagao em relagio ao ensino de lingua materna nas escolas rurais: se aqueles falantes assumem ou nado os mesmos pacrdes dos falantes urbanos, isto é, se fazem parte ou nao da mesma comunidade de fala, No primeiro caso, 0 ensino la lingua- padrao enfrentar& menos barreicas do que no segundo. No presente trabalho, conforme j mencionado, apenas falantes urbanos foram testados. A préxima questio busca verificar se, na opiniaio do falante, co dialeto em foco deve ser considerado um modelo para os falantes de diferentes regides do pais. Os grificos 1 ¢ 2 mostram os indices de aceitagao dos cinco dialetos. As perguntas relevantes aparecem Row, Est. Ling., Belo Horizonte, ano 6, n.5, v I, p. 103-125, jan/iun. 1997 109 abaixo. Cada uma foi feita em diferentes momentos do questionario; evitou-se fazé-las uma apés 4 outra, por razdes Sbvias. (A) Todos os brasileiros deveriam falar como 0s gatichos. concorde liscorcto (©) Todos 08 brasileiros deveriam falar como os mineiros. concordo discordo (D) Todos os brasileires deveriam falar como paraibanos. concorde discordo (E) Todos os brasileivos deveriam falar como o cariocas. concordo discordo ifico 1: Média dos indices de aceitagio de cinco dialetos brasileiros por todos os falantes pesquisados, © dialeto mineiro e 0 paraibano silo os menos aceitos, respectiva- mente, 6,5% e 7%. Muito proximo esta 0 dialeto carioca (8,5%). Ha vinte anos, a aceitagio desse tiltimo era maior (19,9%, ef. Almeida, 1979:273), o que possivelmente indica percia do estatuto de capital RAMOS: 110 cultural do pais por parte da cidacle do Rio de Janeiro. Ainda bastante préximo do dialeto carioca esta o dialeto catarinense (10,3%). O maior indice é alcangado pelo dialeto gaticho (16,5%) Vé-se ainda nesse griifico um alto grau de rejeigio a todos os dialetos testados quanto a poderem ser considerados “um modelo aser seguido por todos os brasileiros”: nenhum dos dlialetos alcanga um indice superior a 50%. A meu ver, isto no anula a aferigio de diferentes graus de prestigio dos diferentes dialetos. Possivelmente a formulagiio das questées (A-E) contribuiu para obscurecer a avaliagio por parte do informante: ao enfatizar um carater prescritivo através do modalizador “deveriam”, o informante foi colocado numa. situagdo de quem, ao concordar com a afirmagio, estaria disposto a abrir m&o de seu préprio dialeto. Vejamos agora uma comparagio entre © indice de aceitagio dos diferentes sotaques pelos respectivos falantes, isto €, o indice de aceitagio do dialeto carioca pelos cariocas, do dialeto gaticho pelos gatichos, ¢ assim sucessivamente, 40 30 20 10 PB RJ MG sc RS Grifico 2: Indice médio de aceitagio do proprio dialeto _ como pacirio brasileiro pelos falantes cle cada estado. Como se pode ver, o estado que mais positivamente avalia seu dialeto é 0 RS. A porcentagem de opinides favordiveis chega a 47.6%. O estado que menos aceita seu proprio clialeto € a Paraiba, apenas Rev. Est, Ling., Belo Horizonte, ano 6, 0.5, v1, p.103-125, jan./iun. 1997 1 13%. Certamente o prestigio externo, advindo da comparagio dos niveis de desenvolvimento sécio-econdmico das diferentes regides, parece refletir-se na avaliagdo dos respectivos dialetos pelos proprios falantes. Se assim for, RS e PB representariam aqui os extremos numa escala de desenvolvimento, no imaginsrio dos brasileiros. Veja-se também que cariocas e paraibanos apresentam indices bem proximos. Até que ponto a crise social que afeta o RJ niio estaria afetando a auto-imagem dos cariocas? Outro resultado interessante é que o dialeto mais aceito pelos préprios falantes (isto 6, o dialeto gaticho) € também o mais aceito pelos demais. Até que ponto a aceitagio desse dialeto pelos falantes das outras regies influencia sua aceitagao por parte dos proprios falantes?? Até que ponto a aceitagaio de um dialeto espelhia de modo transparente a aceitagio por parte dos falantes da situag%to politico-social da respectiva regio? Estas slo questOes que certamente s6 poderio ser respondidas com aajuda de uma anéllise cesenvolvida no ambito da psicologia social. E esta € uma tarefa a ser realizada. Podemos, por enquanto, fazer apenas algumas conjecturas, como as apontadas acima. Encaminhando-se na direglo de se definir qual seria o dialeto- padrio brasileiro, foram discutidas as respostas referentes a auséncia de sotaque. A questao relevante aparece abaixo, acompanhada dos respectivos resultados. Veja-se a tabela 2, a seguir: Bu falo sem sotaque algum. concorde:, : sdiscordo sc PB we % [Nt Concordo | 22 343/20 15 Discordo | 26 400/28 46,6 | 40 Neutros {6 25,710 20,1 [08 “Toul 64100 | 58100 | 2203 | 08 129 606 | 45 72,5 io Di [09 146 36100 | G2 100 ‘Tabela 2: fadice médio da caracterizagio do idialeto como sem sotaque, por estado. RAMOS: 112 Os gatichos, ao lado dos mineiros, foram os que obtiveram indices mais altos de concordincia com a afirmagao em teste: 33,3% 34,3%, respectivamente, 0 que confirma, de certo modo, um sentimento por parte de ambos de estarem usando um dialeto-padriio. Uma vez que ambos se reconhecem como fatantes de dialetos distintos, seria interessante saber como se véem em relacio ao dialeto usado pela midia. & desnecessdrio lembrar aqui que a midia tem um papel de forga reconhecidamente padronizadora. Espera-se, portanto, que os dois grupos de falantes se identifiquem mais com a fala da midia do que os cemais. Tomando-se o dialeto utilizado em noticiérios de TV como representative da fala da midlia, foi formulada a seguinte questio: A fala dos jornalisias do Jornal Nacional reflete a fala da minha regizio. concorto:___s st discon co o resultado aparece no grifico abaixo. B Fovordvel © Destevorével Grifico 3: Indice médio, por estado, quanto a semelhanga enire o proprio dialeto e a fala dla midia, Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, ano 6, 9.5, vil, p-103-125, jan./jun, 1997, 113 Este grafico mostra que quanto mais proximos do sudeste, mais os falantes sentem ser sua fala semelhante a fala da midia: RJ (45.9%), MG (34,4%), SC (17,5%), RS (11,99%) e PB (8%). Isto mostra que os falantes identificam a fala da micdia como ponto de referéncia. Vejamos agora 0 cruzamento dos daclos referentes 4 porcenta- gem de falantes que se dizem sem sotaque e a dos que concordam em que seu dialeto regional se aproxima da fala do JN. E de se esperar que tais porcentagens sejam semelhantes, ja que a fala da midia seria reconhecida como sem sotaque. 1 Falo sem sotaque E Atalado JN refiete o dialeto de minha regiao RJ Grifico 4: Comparagio das porcentagens de filantes que julgam ser seu dialeto regional semelhante ao da midia e, de Falantes que se julgam falar sem sotaque, por estado. Com base no perfil acima, pode-se ver que a expectativa se confirmou em trés dos cinco estaclos estudados: as duas porcenta- gens so quase coincidentes, com uma leve superioridade da avaliacdo da prépria fala. Quanto ao RJ e RS, entretanto, ha diferencas: apenas no primeiro a avaliagio do sotaque individual ndo supera a do dialeto regional; e no segundo nota-se_certa contradigao: ao mesmo tempo que os gatichos esto entre os que RAMOS 114 mais se consicleram sem sotaque (cf. grifico 3), siio eles que avaliam ser seu dialeto regional um dos mais clistantes do JN. Foi perguntado, entdo, ao informante se sua fala, considerada individualmente, se assemelhava & clos apresentadores do Jornal Nacional. O objetivo era verificar se a contradic&o se manteria. O resultado aparece no grafico 5. A questio formulada aparece abaixo. Bu falo como os apresentadores do Jornal Nacional concordo: discordo: Grifico 5: Indice médio de semelhanga entre a fala individual e a fala da midia, segundo a opinizo dos falantes de cada, por estado. Este grafico mostra que a avaliagio do idioleto se diferencia da avaliacao do dialeto regional. A correlagio entre distfncia geogratica e tipo de fala, refletida no grafico 3, nao foi mantida: os gatichos se sentem mais distantes clo que os paraibanos (6% e 10%, respectiva- mente), € os cariocas mais distantes que os mineiros (16% e 22% respectivamente). Parece haver aqui alguma interferéncia decorrente de se tomar a propria fala como objeto de andlise.* Apesar desta interferéncia, a comparagio dos resultados apresentados no grafico 3 e na tabela 2 permite conclusdes interessantes sobre a percep¢io ¢lo préprio dialeto. fo que aparece no grifico 6. Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, ano 6, 1.5, ¥-1, p.109-125, jan.fiun. 1997 115 * Felo sem sotague ® Flo como os apresentadores do JN PB SC RJ MG RS Grifico 6: Comparagio entre a porcentagem de falantes que assumem falar sem sotaque ea porcentagem cle falantes que supoem ser suia fala semelhante 2 do JN, por estado. Pode-se ver aqui certa harmonia entre os cinco estados: a avaliagio quanto 2 auséncia de sotaque supera o indice referente a semelhanga com a fala dos apresentadores do JN. Quanto a clistincia entre os respectivos indices, observa-se que esta é maior no RS: os falantes que se consideram mais sem sotaque silo os mesmos que se véem mais distantes da fala da midia. Assim, a contradi¢ao observada nos grificos 3 e 6 se mantém. Uma explicagao talvez possa ser buscada com base na nogio de norma encoberta 3.2 Questiondrio de avaliagdo de amostras de fala O segundo questionario, cuja descrigao apareceu na segao 2 deste artigo, visava a checar se a atitucle manifesta em relagdo as questdes do primeiro questionirio se manteria quando os informantes fossem submetidos a amostras clos diferentes dialetos. Os resultados a seguir referem-se apenas aos falantes belorizontinos, o que equivale a um dos cinco conjuntos de falantes dos dialetos avaliados. A selegao desses falantes deve-se ao fato de seu dialeto ter sido o mais rejeitado.” A seguinte pergunta orienta a investigagio descrita a seguir: sera que o dialeto mineiro sofreria tamanha rejeiciio mesmo entre os mineiros? Vejamos. RAMOS 116 © primeiro dos quatro itens do teste buscava avaliar 0 reconhecimento de sotaques. Os seguintes indices foram obtidos: ‘Tabela 3: Porcentagem de identificacio de seis dialetos por falantes mineiros Ne % Dialeto carioca 26/31 838, Dialeto gaticho 22/31 70,9 Dialeto paulistano 2/31 709 Dialeto mineiro 20/73t 17 Dialeto maranhense 16/31 51,6 Dialeto catarinense 5/31 16,1 O dialeto mais reconhecido/icentificado foi o dialeto carioca (83,8%). O dialeto mineiro, embora fosse o clialeto local, obteve um indice que o coloca em terceiro lugar. Esse tiltimo resultado, embora curioso, foi semelhante ao encontrado por Rushmann (1984), com informantes paranaenses. Também naquele estado, o dialeto carioca foi o mais reconhecido e o dialeto paranaense ficou fora do primeiro lugar. A explicagio de Rushmann para os resultados foi a seguinte: © grau de reconhecimento é proporcional ao acesso ao referido dialeto via TV: dos seis clialetos analisados, os mais reconhecicos foram aqueles mais presentes na midia. Veja-se que tal explicagio, com base no acesso ao dialeto, embora possa dar conta do baixo grau de reconhecimento dos dialetos catarinense e maranhense na amostra aqui analisada, nao é capaz de explicar porque o dialeto local nao ocupa o primeiro lugar na escala. A nfo ser que o fator determinante seja a via de acesso, no caso a TV, 0 que implica que oreconhecimento exigiria uma representagio, na maioria das vezes, estereotipada. Vejamos agora, na tabela 4, os resultados referentes 2 classificagao dos dialetos quanto a ser agradéivel ou desagrackivel. Rey. Est, Ling., Belo Horizonte, ano 6, 0.5, v1, p.103-125, jan/iun. 1997 117 Tabela 4: Porcentagem de apreciacao positiva ce seis dialetos pofalantes mineitos N % Dialeto gavicho 25/29 86,2 Dialeto paulistano 22/29 758 Dialeto maranhense 20/28 714 Dialeto mineiro 20/30 66 Dialeto carioca 19/29 65 Dialeto catarinense 16/27 55,1 O dialeto considerado mais agraclavel foi o dialeto gaticho, Esse resultado é consistente com os resultados do primeiro questionario, que nao exigia a audigiio da fita. O dialeto maranhense obteve o indice de 71,4%. Esse indice é, entretanto, inferior aos dos clialetos paulistano € gaticho, o que constitui um evidéncia contra a afirmagio, até certo ponto corrente, de que 0 portugués mais bem falado no Brasil seria aquele falado no Maranhio. Vejamos, agora, a tabela referente A presenca de sotaque. Aparecem abaixo as respostas dacas & pergunta que pedia ao informante para assinalar qual dos falantes falava sem sotaque. Tabela S:Avaliagao das dlialetos quan wuseneia de sotaque por fakantes mineiros Ne % Falante 1 (mineiro) 4 129 Falante 2 (maranhense) 1 3,2 Fatante 3 (carioca) oO 0.0 Falante 4 (gaticho) 1 32 Falante 5 (catarinense) 1 32 Falante 6 (paulistano) 3 16,1 Nenhum dos falantes acima 1 35,4 Nio respondemam 8 26.0 Total aL 100 RAMOS 118 Para 35,4% dos informantes, nenhum dos falantes fala sem sotaque. ‘A porcentagem de 0% atribuida ao falante carioca indica que, aos ouvidos dos mineiros, este sotaque seria o mais marcado, enquanto que o paulistano, o menos marcado (16,1%). Assim, este Ultimo poderia ser considerado o mais préximo ao da midia, Por fim, o indice avaliado foi o grau de correciio. Pediu-se ao informante que, apés ouvir amostras de cinco dialetos, apontasse a mais correta. O dialeto paulistano foi o que obteve indice maior (93,1%), seguido de perto pelo dialeto gavicho (90%). O dialeto maranhense alcangou o indice de 76,6%, inferior aos dialetos carioca, paulistano e gaticho. Mais uma vez os resultaclos do teste que utilizou fita magnética coincidiram com o resultado do primeiro teste. Dentre 08 dialetos avaliados nos clois testes, 0 gaticho recebeu inclice mais alto. O fragmento de entrevista com falante de Belo Horizonte obteve o indice mais baixo em relacio A corregio (66,6%), enquanto que os fragmentos de entrevista com falantes dle outros dialetos obtiveram indices superiores 075%. A porcentagem de falantes que nalo reconheceram esse dialeto e ainda assim o classificaram como correto foi exatamente a mesma (66,6%). Em resumo, o dialeto mineiro € avaliado como menos aceito, menos correto e o segundo menos agradavel. Curiosamente seus falantes se reconhecem como aquelés cuja fala mais se aproxima 2 da midia (cf. grafico 5). ‘CONCLUSOES Este estudo, como se pode ver, constitui apenas um pouco mais do que um projeto piloto sobre alguns dos sotaques do portugués brasileiro. HA resultados muito curiosos que indicam serem necessdrias andlises mais detalhadas de modo a explicar as aparentes () contradli¢des em relaciio aos dialetos mineiro e gaticho. Seria também necessario: (a) ampliar o primeiro questionario de Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, ano 6, 0.5, v-1, p:103-125, janvun. 1997 119 modo a inserir uma pergunta que avaliasse diretamente a fala da midia quanto a possuir ou nio sotaque; (b) aplicar o segundo questiondrio nas outras quatro capitais inicialmente previstas, pelo menos; e (c) explicitar os comportamentos das diferentes faixas etdrias,!® apresentados aqui em conjunto. Estes dados, embora codificados, no apareceram nas tabelas € grificos devido aos limites do presente artigo. Apesar dlas limitag6es, os resultados acima revelaram que o dialeto preferido pelos préprios falantes é também o que é um dos mais aceitos pelos demais. Outro ponto importante € a sistemati- cidade das respostas. Nas cinco capitais, os questionarios foram aplicados conforme as mesmias orientagées ¢ as respostas exibiram um padriio semelhante. Isso mostra que a metodologia é de modo geral valida e merece ser mantida, caso a amostra venha a ser ampliada e algumas perguntas reelaboradas. NOTAS, * Uma versio inicial deste trabalho foi apresentada no XI Encontro Nacional da ANPOLL, em junho de 1996, na cidade de Joao Pessoa. Agradego aos professores Paulino Vandresen (UESC), Dermeval da Hora (UFPB), Ana Zilles (UFRS/Projeto VARSUL), Cliudia Roncaratti (UPRD, lrenilde Pereira Santos (USP) pelo envio de dados e indicagio de monitores. Agridego 20s monitores Ckiudlia Presser Sapé (UFRS), Ana Luzia Dias Pereira (UFSC), Adriana Karla de Andrade (UEPB), Eliane Mattos (UFRJ) € Marcelo Luiz de Camargos(UFMG) pela aplicagio ¢ envio dos testes. * Conforme assinala Omdal (1995:86), “the concept of attitude is widespread both in social psychology and other scientific fields and among lay people. However, there is no general agreement on the definition of attitude, not even in social psychology". » Estou aqui seguindo o critério utilizado para descrever as dliferengas entre o falar das cidades de Tékio e de Tsuruoka, citados por Yoneda(1993) apud Chambers(1995:195). Embora reconhega que “clialeto” e *sotaque” sejam nocSes distintas, estarei utilizando um termo pelo outro no decorrer deste trabatho. 4 Ver integra do primeiro questionirio no anexo 1. O segundo questiondrio aparece no préprio texto, RAMOS 120 + Foi solicitado 20s monitores que selecionassem informantes de classe média: ‘os da faixa de 15 a 17 anos deveriam ser alunos de colégios particulares ¢ os informantes universitirios deveriam ser de cursos prestigiacos, Além disso, foram solicitados os seguintes clados de cada informante: Assinale com um x 0 que vocé tem em sua casa. ©) Ltelevisto ( ) gelacleiea ( ) computador ( ) video-cassete © ) 1 quarto (J maquina de lavar ( 2 quartos ( ) forno micro-ondas ()3 quactos ( ) Tbanheiro CT sala ( ) 2 ou mais banheiros ( )2salas © ) 1 0u mais caros noves ( ) 2televisoes () 1 carro antigo Na quantificagio foram atribuidos valores a cida item, um ponto, clois pontos ou trés pontos conforme o item. O total de pontos distribuidos foi 27. Estabeleceu-se entio a seguinte escala: quem obteve até 10 pontos, classe média baixa; quem obteve até 20 pontos, chisse méclia-média;_e quem obteve acima de 21, classe média alta. © A opcio por esse tipo de cileulo se deve A tentativa de se manter 0 mesmo critério utilizado por Almeida (1979) pelas razdes j4 apontadas. Sobre outros modos ele quantificagio ver Summers, G.{1977). 7 Agradego ao parecerista por esta sugestio. * Trudgill (1972:184, cidato por Omdal, 1995) comenta, a propésito cle as pessoas no serem capazes de dizer quais sejam realmente suas reais atitudes: “many informants who initially stated that they dict not speak properly, and would like to do so, admitted, if pressed, that they pethaps would not really like to, and that they would almost certainly be considered foolish, arrogant or disloyal by their friends and family if they did.” * Ver tabela i, cujos indices serviram de base para a méctia que aparece no grafico 1. Tabela is Porventagem de aceitagio dos cinco dialetos, por todos 0s informantes. w MG BS PB we | ee Dialeto Carioca 13/63 20.5 | 1/54 18 | 6/58 103 | 3/59 4.98 | 3/61 49 Dialeto Gaticho 14/63 22.1 | 4/54 74 | 4/57 7.0 [24/60 20.0 | 3/62 48 Dial. Catarinense [4/6364 | 2/54 3.7 | 20/57_ 45.1 | 2/00 3.3 | 2/6232 Dialeto Paraibano [1/63 1.5 | 1/54_18| 6/57 105 | 4/60 6.6 | 9/61 14.6 Dinleto Mineiro | 0/63 0 16/54 29.5 | 0/57, 0} 2/00 3.2 | 0/61 0 Rev. Est. Ling., Bolo Horizonta, ano 6, 0.5, v1, p-103-125, jan.fiun. 1997, 124 ® Moti (1984:113-4), a0 estudar o prestigio de sotaques brasileiros, comparou ‘0 comportamento de trés fitixas etdirias e concluiu que “as faixas etérins, coesas em alguns pontos, manifestam divergéncias, demonstrando os graus de desenvolvimento e equilibrio” dos diferentes grupos, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, M.A. Etude sur les attitudes linguistiques au Brés Montréal, Thése de Philosophiae Doctor. 1979. CHAMBERS, J. K. Socfolinguistic Theory. 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Sex, covert prestige and linguistic change in the Urban British English of Norwich. Language in Society 1, 1972:179-195, YONEDA, M. Survey of standardization in ‘Tsuruoka City, Japan: Comparison of results from three surveys conducted at twenty-year intervals, Paper presented at Methods VI International Conference in Dialectology. University of Victoria, British Columbia, 1993. RAMOS 122 ANEXO 1 FICHA Nome: Sexo: dade: ... Profissio: .. Cidade natal: Anos de residéncia nesta cidade: Baicca ven Escolaridade: .... Assinale com umn x 0 que vooe tem em sua casa. ( ) L sevisio C)geladeira ( computador () Video-eassete (> 1 quarto (— ) maquine de lavar ( 2 quartos (_) forno micro-ondas (93 quartos Ct sata ( 32 sales ( ) Lbanheiro ( )2 televisdes {2 ow mais banheiros ( ) | carro antigo ( ) 1 carro nova Questionstio Lnstrusio: Damos uma lista de pares de pelavias contririas com seis espagos entre elas. Voce pode marcar a sua opinido com um (x) ne espago que methor corresponde ao que voce pensa, Exemplo: Supondo que o yar de palavras seja “agradavel/desagradivel”, voeé pode marcar assim: agradével _x. ___-desagradavel (se acha agradivel) agradivel desagradivel (se aeha pouco agradivel) agradvel desagradavel (se é indiferente) agradivel fesagradivel (se acha pouco desagradivel) earadavel _ (desagradivel (so acha desagradavel) Adverténcia: 1) $6 deve haver um x em eada finha, 2) Coloque 0 x no meio dos espagos. Rev. Est. Ling,, Belo Horizonte, ano 6, 0.5, v.1, p.103-125, janfivn. 1997 123 Questocs A Lingua Portuguesa do Brasil é 1 bonita : fia Desuave < tspera. Sexpressivas__: ts inexpressiva 4 tica: + pobre Se simples: sss complica Gficil s it Towa: inte 2) As pessoas do meu Estado falam como os apresentadores do Jornal Nacional. concorde: : sdiseordo 3) As classes alta, média © baixa falam todas da mesma maneira concorde: : sdiscordo 10) 6 importante flor berm a Koga, eonsordo:_ iscordo 11) Eu flo como a classe alta concorde: : siseordo 12) Os gatichos fam o melhor poruguts do Bre concordo:___: siswordo concorde: ddiscordo 14) Gente rca fla methor que gente pote, concorde: — diseondo 15) Todos os Estados do Brasil deveram falar como os paribanos, eoncordo: : discordo 16) A lingua portuguesa auténtica ¢ a de Portugal, concord: :discordo 17) Todos os brasileiros deveriam falar como os gatichos. concorde: sdiseordo RAMOS: 124 18) A lingua portuguese nfo ¢ muito flada no exterior porque ela € muito dil cconcordo: discordo 19) Bu falo como a classe média, concord: : : iscordo 20) Todos os brasisios deveriam falar como os paulistanos, eoncordo: diseordo 21) A pessoa que uss a tingua cult fala bem, concordo: : discordo 22) Eu falo como « classe baixa, concord: : : : : sliseordo 23) Todos os brasitiros deveriam falar coma 08 goianos, concordo: sMiseordo 24) Eu falo como os apresentadores do Jomal Nacional, da Globo. ‘concorde: sdiscordo 25) Deveriamos methorar a lingua falada em Minas Gerais concorde: sdiseordo ceoncordo: diseordo 27) Eu filo pior em casa, concordo: sdiseondo 28) Todos os brasilciros deveriam falar como os minciros. concordo: idisconto 29) Entre amigas é que eu falo pior. concordor :discordo 30) Eu fatlo methor na escola concordo: : : disconto 31) Gente da roga fala methor que gente da cided, concorde: sdiscordo 32) Eu falo sem sotaque algum. ‘concordo: : sdiscordo Rov. Est. Ling., Bolo Horizonte, ono 6, n.5, v1, p.103-125, jan./jun, 1997, 125 33) Quem fala methor o portugués silo os vatarinenses, concorde: : : : : Miscordo Assinale com x Numere de | a 5 aquele protissional que melhor fala 0 portugués ( advogado ( ) jornalista ( ) faxincito ( ) médico ( }comerciante

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