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sgeologia ¢ uma geografia exaustivas di uma sucessio de sondagens, explo ‘mes propostos a reflexdo cotidiana do: Do monte de papéis rabscadosdariamente, muitos $6 servem para fazer fogo; ‘outros, que tinham em seu tempo um pequeno valor no que se refere ao estado do ‘inema contemporineo, hoje nao teriam mais que um valor de interesse retrospec- tivo, Eles foram eliminados, pois, se a histéria da critica jé mio é grande coisa, a de ‘um critico particular nao interessa a ninguém, sequer a ele proprio, a nao ser como ‘exercicio de humildade, Restavam artigos ou estudos necessariamente datados pe- las referéncias dos filmes que serviram de pretexto a eles, mas que nos pareceram, ‘com razdo ou sem ela, conservar, apesar da distancia no tempo, um valor inriseco, Naturalmente, jamais hesitamos em corrigi-los, quer na forma, quer no fundo, sem- pre que iso nos pareceu iti. Aconteceu também de funditmos virios artigos que jema, mas apenas conduzir o leitor a tratavam do mesmo tema a partir de filmes diferentes, ou, a0 contrétio, cortar pi- sginas ou parigrafos que poderiam se repetir dentro da coletinea; mas na maioria das veres as corregies so minimas ese limitam a atenuar as pontas da atualidade {que chamariam a atenglo do leitor sem proveito para a economia intelectual do ar- tigo, Pareceu-nos,entretanto, quando nio necessério, ao menos inevitével, respeitar ‘esta itima. Na medida ~ por mais modesta que ela seja ~ em que um artigo critico procede de um determinado movimento do pensamento, ue tem seu impulso, sua dimensio ¢ seu ritmo, ele se aparenta também com a criacio litera, e ndo pode- ‘amos, sem dissociar o cdntetdo e a forma, colocé-lo em outro molde. Pelo menos achamos que o balango da operacio seria defictirio para oleitore preferimos dei- ar subsistir lcunas em relacao ao plano ideal da coletdnea a tapar os buracos com luma critica digamos... conjuntiva. A mesma preocupagio nos levou, em ver de {ntroduzir fora nossa reflexdes atuais nos artigos, ainserilas em notas de rodapé. Contudo e apesar de uma escolha que esperamos ni indulgent, ra ineviével que o texto nem sempre fesse independente da data er excessivamente ia original dos artigos que forneceram substancia das Paginas que virdo a segui 6 a brevoos feitos por ocasido dos fil- Ontologia da imagem fotografica ‘Uma psicandlise das artes plisticas poderia considerar a pritica do embalsa- ‘mamento como um fato fundamental de sua génese.' Na origem da pintura ¢ da escultura, descobriria 0 “complexo” da mnimia. A religido egipcia, toda ela ‘orientada contra a morte, condicionava a sobrevivéncia& perenidade material do corpo. Com isso, satisfazia uma necessidade fundamental da psicol jam garantia sufi tual violagao do sepulcro; fazia-se necessério tomar outras precaugdes contra © acaso, multiplicar as medidas de protecio. Por isso, perto do sarcbfago, junto com 0 trigo destinado a alimentagdo do morto, eram colocadas estatuetas de terracota, espécies de miimias de reposigdo capazes de substituir 0 corpo caso lag Mader paras coletines A esperéncia do cinema organizada por ro: Graal Ebrafilne, 93) revsto pel tradutor para esa eo. et #0 primordial da tomar por outro aspe igico, identificado a fera viva, como um voto ao éxito da cagada, pomto pacifico que « evolugéo paralela da arte e da civilizagio desttuiu as artes plisticas de suas funges mégicas (Luis xiv nao se faz emt tenta-se com seu logrou foi sublimar, pela via de um pensamento logico, a necessidade incoercivel de exorcizar o tempo. Nio se acredita mais na identidade ontoligica de modelo ¢ retrato, porém se admite que este nos ajuda a recordar aquele e, portanto, a salvi- -lo de uma segunda morte espirtual. se libertar de qualquer utilitarismo antropocéntrico. O que conta néo é mais a sobrevivéncia do homem ¢ sim, em escala mais ampla, a criagdo de um universo ‘deal & imagem do real, dotado de destino temporal auto; 4 pintura, se sob a nossa admiracio absurda nao se mar rimitiva de vencer o tempo pela perenidade da formal Plisticas ndo é somente a de sua estética, mas antes a de sua psicologia, entdo ela éessencialmente a histéria da semelhanca, ou, se se quer, do realismo, A fotografia eo cinema, situados nessas perspectivas socioligicas, explicariam {ranquilamente a grande crise espiritual e técnica da pintura moderna, que se ‘origina em meados do século passado. Em seu artigo de Verve, André Malraux escrevia que “o cinema nao ésenio 4 instincia mais evoluida do realismo plistico, que principiou com o Renasci- ‘mento e alcangou sua expressio limite na pintura barroca E verdade que a pintura universal alcancara diferentes tipos de equilibrio entre o simbolismo e o realismo das formas, mas no século xv 0 pintor oci- dental comegou a renunciar & primeira e tinica preocupagdo de exprimir a realidade espiritual por meios auténomos para combinar sua expressio com ‘imitagio mais ou menos integral do mundo exterior. O acontecimento deci- 28 sivo foi sem diivida a invengio do primeiro sistema cientifico ¢, de certo modo, ja mecnico: a perspectiva (a cimara escura de Da Vinci prefigurava a de ‘em que 0 modelo esta nido mais que seu du- ‘mesma, devorou pouco a pouco as artes resolvido © problema das formas, mas “ co realismo se prolongasse por uma busca da expressio dramatica no instante, cespécie de quarta dimensio psiquica capaz de st vida na imobilidade torturada da arte barroca* ; andes artistas sempre lograram Sones picitine easel ie emt i ‘Acontece, porém, que nos achamos em face de dois fendmenos essencialmente a objetiva precisa saber dissociar a fim de com- ‘A partir do século xv1, a necessidade de ilusio nio cessou de atua ente sobre a pintura. Necessidade de natureza ‘mental, em si mesma nao estética, cuja origem s6 se poderia buscar na men- talidade magica, mas necessidade eficaz, cuja atragao abalou profundamente ‘ equilibrio das artes plasticas. a ee cana realismo na arte provém desse mal-entendido, dessa confusao entre o estética eo psicologico, entre o verdadeiro realismo, que im- plica exprimir a significago a um s6 tempo concreta ¢ essencial do mundo, € 0 pseudortealismo do trompe loeil (ou do trompe lesprit), que se contenta 0, era natural que intese dessas duas ten- diferentes, os quais uma c preender a evolugao pi (0 sentido do documento fotogréfico 5 se impos: “ cera saturagio, um retorno a0 desenho dramatic do tipo “Radar 29 COntologia da imagem ftogrtica com a ilusio das formas. Fis por que a arte medieval, por exemplo, parece ‘do sofrer tal conflito:violentamente realistaealtamente espiritual ao mesmo tempo, la ignorava esse drama que as possibilidades técnicas vieram revelat. A perspectiva foi o pecado original da pintura ocidental. Niépee ¢ Lumiére foram os seus redentores, A fotografia ao elevar ao auge © barroco, liberou as artes plisticas de sua obsesséo pela semelhanca, Pois a Pintura se esforgava, no fund, em vio, por nos iludir, e essa ilusdo bastava a arte, enquanto a fotografia e o cinema sio descobertas que satisfazem defini tivamente, por sua propria esséncia, a obsessio de realismo, Por mais hibil {ue fosse o pintor, sua obra era sempre hipotecada por uma inevitvel subje- tividade, Diante da imagem uma diivida persistia, dada a presenca do homem. ‘Assim, ofenémeno essencial na passagem da pintura barroca A fotografia nio reside no mero aperfeigoamento material (a fotografia ainda continuaria por ‘muito tempo inferior pintura na imi 8 cores), mas num fato psicolé- gico: a satisfagao completa do nosso afi de ilusio por uma reproducao meci- nica da qual o homem se achava excluido. A solugio nao estava no resultado, ‘mas na génese.t Eis por que 0 conflito entre estilo e semelhanga vem a ser um fendmeno telativamente moderno, cujos tragos quase nio sio encontriveis antes da in- YYengio da placa sensivel, Bem se vé que a obj isticos menores, como & mode ulomatis na reproduce. 1 uma modelagem, um registro por ‘cio da hz das impresses dtxadas plo objeto, 30 do realismo, da qual Picasso é hoje o mito, abalando tanto as condigbes de ‘existéncia formal das artes plasticas quanto os seus fundamentos socioldgicos. Liberado do complexo de semelhanga, 0 pintor moderno o relega & massa {que ento passa a identificé-lo, por um lado, com a fotografia, e, por outro, ‘com aquela pintura que a ela se aplica. A originalidade da fotografia em relagdo a pintura reside, pois, na sua objeti- Vidade essencial. Tanto € que o conjunto de lentes que constitu o olho foto- 0 ao olho humano denomina-se precisamente “objetiva’ tre 0 objeto inicial e sua representagio nada se interpde, {1 nio ser outro objeto, Pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma automaticamente, sem a intervencio criadora do homem, segundo um rigoroso determinismo. A personalidade do fotdgrafo nao entra em jogo senao pela escolha, pela orientago, pela pedagogia do fendmeno; por mais as artes se fundam sobre a presenga do homem:; unicamente na fotografia & que fruimos de sua auséncia, Ela age sobre nés como um fendmeno “natural, como uma flor ou uum cristal de neve cuja beleza ¢ insepardvel de sua origem vegetal ou teldrica. ‘obra de artefsse a principio o modelo mais digo deimitao para ofotbgrao, pois aos seus ‘olhos ea, que f imitava a naturera ainda a “melhorav Fo preciso algum tempo para que, tornando-s cle proprio artista, compreendesse que no pda imitar senio a natureza COntolgla da imagem fotogriica Essa génese automética subverteu radical: radicalmente a psicologia da i A objetividade da fotografia lhe confere um poder de eredibiidede ane bilidade ausente = sind obra pictorica Sejam quais forem as objegdes de nosso espi- 8 critic, somos obrigados a crer na existéncia do objeto representado, li teralmente re-presentado, quer: AA fotografia se beneficia de uma to por algo mais do que um decalque bee das contingéncias temporais, la, sem valor documental, oar ot sua génese da ontologia do modelo; ela & 0 modelo. Dato fa fotografias de dlbuns.Essas sombras cinzentas ou sépias, fantasmagés ‘quaseilegiveis,jé deixaram de ser tradicionais retratos de fam; narem inquietante presenca de vidas I le vidas paralisadas em suas duragé seus destinos,ndo pelo sortilégio da arte, mas em virtude de uma mecinica impass a fotografia nao cria, como a arte, eternidade, ela embalsama © tempo, simplesmente o subtrai a sua propria corrupcio. aproximado: o proprio objeto, p A imagem pode ser nebulosa, desco {Seria preciso intzoduzir aqui uma psiol ‘igualmente de uma tranaferéncia de rea lems apenas que 0 Santo Sudéirio de Tus primeira vez, a imagem das coisas é também a de sua duragéo, qual uma mii- ‘mia da mutagao. ‘As categorias’ da semelhanga que distinguem a imagem fotogrifica deter ‘minam, pois, também sua estética em relagio a pintura. As virtualidades esté- ticas da fotografia residem na revelagdo do real. O reflexo na calgada molhada, ‘ gesto de uma crianga, independia de mim distingui-los no tecido do mundo exterior; somente a impassibilidade da objetiva, despojando o objeto de hi- bitos e preconceitos, de toda a ganga espiritual com que minha percepgio 0 revestia, poderia tornd-lo virgem a minha atengao e, afinal, ao meu amor, Na fotografia, imagem natural de um mundo que nao sabemos ou ndo podemos ver, a natureza, enfim, faz. mais do que imitar a arte; ela imita o artista, E pode até mesmo supers-lo em criatividade. O universo estético do pintor é heterogéneo ao universo que o cerca. A moldura encerra um microcosmo essencial e substancialmente diverso. A existéncia do objeto fotografado par- ticipa, pelo contrério, da existéncia do modelo como uma impressio digital. Com isso, la se acrescenta realmente a criago natural, em vez de substitui-la por outra Foi o que o surrealismo vislumbrou, ao recorrer & gelatina da placa sensi- vel para engendrar sua teratologia pléstica. £ que, para o surrealismo, 0 feito inseparvel da impressdo mecénica da imagem sobre 0 n05s0 espi= tito. A io ldgica entre o imagindrio e o real tende a ser abolida. Toda imagem deve ser sentida como objeto e todo objeto, como imagem. A foto- raf representava, pois, uma técnica privilegiada para a criago surrealista, ja que ela materializa uma imagem que participa da natureza: uma alucinagio verdadeira. A utiizagio do trompe loeil ea precisio meticulosa dos detalhes na pintura surrealista sio a contraprova disso. A fotografia vem a ser, pois, o acontecimento mais importante da hist6ria das artes plisticas. Ao mesmo tempo sua libertagao e manifestagao plena, a 17 Emprego o termo “categoria” na acepgio que Ihe di Henri Gouhier em su live sobre otea- tao, quando dstngue as ‘io implica nenhuma qualidade art beleza; constitu somente uma matéria-prima sobre a qual ofatoartistico vem se nserver. ‘ontologla ds Imagem fotogréfica 9 fotografia permit &pinturaocidental desembaragar.se definitivamente da obsessio realista e reencontrar sua auton sionista, sob seus dlibis ode devorar a forma porqu E quando, com Cézanne, a for 05, €0 oposto do trompe loel. A cor, aids, s6 Nada tals vi, doravante, que « condenagdo pascaliana, uma ver quea fotografia nos permite, por um lado, admir ats eae lhos nd teriam sebido amar, ena pintura um puro objeto caja referencia & naturezajé nio é mais a sua razio de ser, Por outro lado o cinema é uma linguagem. 1omia estética. O “realismo” impres- ‘© mito do cinema total livro de Paradoxalmente, a impressio que se tem a leitura do admirével ertas técnicas fun- superesruturas ideoldgicas e consideraras descobertas ae ‘damentais como acidentes providenciais¢ favordveis, olla mi nd cine relagio & ideia preliminar dos inventores. Pee ean ‘0s homens fizeram dele ja estava armada em ico, € © que impressiona, acima de tudo, & is do que as sugestdes da técnica & de mod a run cm cro dee mi ca ei ili to e nao pelo proceso inverso, s6 se interessasse pela andlise do moviment

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