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ISBN 85-7164-133-1 1. Asia — Estado ¢ ensino 2. cestrangeira — Ocidente 3. Impe te eocidente 5. Oriente 6, Oriente Médio — Oph dente L. Titulo. 90.1367 A, Asia! Copyright ©1978 Proibida 7), leo sobre {ela de Eugdne Delacroix (detalhe) Preparacio: ria Capote indice remissivo: Beatrs Calderaride Miranda Para Janet ¢ Ibrahim INTRODUCAO I v ‘Em uma visita a Beirute durante a terrivel gue ‘um jornalista francés esereveu com pesar sobre a tral da cidade que ela “parecera outrora pertencer mance, de seres exéticos, de memérias e paisagens obsessivas, de expe- rigncias notiveis.\Estava agora desaparecendo; acontecera; de um certo modo, o seu tempo havia passado, Talvex, parecesse irrelevante que os proprios orientais tivessem | em Jogo Nese proceso, que ‘mesmo no tempo de: houvesse orientais vivendo If, e que agora eram eles que estavam sofrendo; o principal, para um visitante europeu, era uma representagdo européia do Oriente e da sua ruina contemporinea, tanto um como a outra com um significado co- mum privilegiado para o jornalista e seus leitores franceses. ‘Os americanos no sentem exatamente a mesma coisa pelo Orien- te, que para eles est associado, muito mais provavelmente, ao Ex- ‘tremo Oriente (China e Japio, ipalmente){ Ao contrario dos ame- ¢ Tonga tradigo daquilo que deverei chamar de orientalismo, de resolver 0 Oriente que esté baseado no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiéncia ocidental européial|O Oriente nao esté apenas « adjacente a Europa; 6 também onde estto localizadas as maiores, mais ricas mais antigas colOnias européias, a fonte das suas civilizagdes e linguas, seu concorrente cultural ¢ uma das suas mais profundas recorrentes imagens do Outro] Além disso, o Oriente ajudou a definir a B Europa (ou o Ocidente), como sua imagem, idéia, personalidade e + Cexperiéncia de contraste; Contudo, nada desse Oriente & meramente imaginativo. O Oriente é parte integrante da civilizacao e da cultura ricano do Oriente parecer consideravelmente menos denso, embora as nossas recentes aventuras japonesa, core: indochinesa deveriam i mais sobria, mais rea- , © grande aumento da importincia do papel econd- dos americanos no Oriente Préximo (o Oriente Médio) 6 vilido seja a pessoa antrop6loga, sociéloga, historiadora ou filéloga —, nos aspectos especifico ou geral, é um orientalista, e aquilo mparado com estudos orientais ou ‘orientalismo, hoje em dia, vem. seus povos, costumes, “mente”, destino e assim por diante. Este orien- “ talismo pode acomodar Esquilo, digamos, e Victor Hugo, Dante e Karl Marx, Um pouco mais adiante nesta introdugio tratarei dos problemas ‘metodolbgicos que encontramos em um ‘‘campo” tio amplamente in- terpretado quanto este. * O interciimbio entre os sentidos acadlémico e mais ou men ‘ginativo do orientalismo & constante, e desde o final do século XVI tem havido um comércio considerivel, totalmente disciplinado — t vez até regulado — entre os dois. Neste ponto eu chego ao tercei sentido do orientalismo, que é algo mais hist6rica e materialmente defi- nido que qualquer dos outros ‘como um ponto de partida muito grosseiramente definido, otorienta- © oricntalismo como um discurso, nao sc pode entender a diseiplina enormemente sistemitica por meio da qual a cultura européia conse- guiu administrar — e até produzir — 0 Oriente politica, sociolégica, ideoldgica, cientifica ¢ imaginativamente durante o perfodo pés-Ilumi- , 0 orientalismo tinha uma posigo de tal autori- dade que eu acredito que ninguém que escrevesse, pensasse ou atuasse sobre 0 Oriente pocia fazé-lo sem levar em conta as limitagBes ao pen- ‘Samento e & ago impostas pelo orientalismo| Em resumo, por causa do * ricntalismo, o Oriente ndo era (e nao é) um tema livre de pensamento € de acdo. Isso nao quer dizer que o orientalismo determine de modo i gat esto sbtrae, esi ‘a cculturalmente, hé uma diferenca quantitativa, ¢ qua- tiva, entre o envolvimiento franco-britinico no Oriente e — até o lo de ascendéncia americana apés a Segunda Guerra — 0 envoke vimento de todas as demais poténcias curopéias ¢ atlanticas. Portanto, falar de orientalismo ¢ falar principalmente, embora nao exclusiva: ‘mente, de uma empresa cultural francesa e britnica, um projeto cujas Is dimensbesabaream reinos ‘Ho dspares quanto a propria imaginasto, toda a India ¢ 0 Levante, os textos biblicos as terras bi ismo deriva de uma proximidade particular que se terra ea Franga eo Oriente, que até 0 inicio do século a apenas a India e as terras biblicas. A partir do lo XIX até o final da Segunda Guerra, a Franga ¢ a Inglaterra dominaram o Oriente ¢ 0 orientalismo; desde a Segunda Guerra os Estados Unidos tém dominado o Oriente, e 0 abordam do ‘mesmo modo que a Franca e a Inglaterra o fizeram outrora. Dessa proximidade, cuja dinamica € enormemente produtiva, mesmo que sempre demonstze a forea comparativamente maior do Ocidente (brité- nico, francs ou americano), vem 0 grande corpo de textos que eu chamo de orieitalistas. ~ Deve ser dito imediatamente que, mesmo com o generoso ntimero de livros e autores que eu examino, hé um némero muito maior que tive simplesmente de deixar de fora. Meu argumento, contudo, niio de- pende nem de um exaustivo catilogo de textos que tratam do Oriente nem de um conjunto claramente del éi ‘que juntos formam o canone orientalista, Baseei-me em vez disso em ‘ums alternativa metodologica diferente — cuja espinha dorsal, de certo modo, & 0 con i fazendo nesta Aiscutir com mais detalhe anal I ‘Comecei com a suposigdo de que o Oriente nio é um fato inerte da natureza. Nao est meramente /4, assim como 0 proprio Ocidente no est apenas /é. Devemos levar a sério a notvel observagio de Vico segundo a qual os homens fazem sua pr6pria hist6ria, e que s6 podem conhecer 0 que fizeram, e aplicé-la a geografia: como entidades geo- , Fegides e setores geogrificos tais como o “Orit * sfio feitos pelo homem:\Portanto, assim como o proprio Oci 16 dente, o Oriente 6 uma idéia que tem uma histéria e ui pensamento, imagistica ¢ vocabulério que lhe deram re noe para o Ocidente. As duas entidades geogréticas, desse modo, apSiam e, em certa medida, refletem uma aoutra. 1Iss0 posto, devemos prosseguir declarando uma soma de qualifi- ‘cagdes razodveis. Em primeiro lugar, seria um erro concluir que 0 Oriente era essencialmente uma idéia, ou uma cria¢do sem uma reali- dade correspondente. Quando Disraeli disse em seu romance Tancredo ‘que o Leste era uma carreira, queria dizer que interessar-se pelo Leste cra uma coisa que os jovens ocidentais brilhantes descobririam ser uma paixio avassaladora; nao se deve interpretar que ele disse que o Leste era apenas uma carreira para ocidentais.(Fxistiam — e existem — cul- turas e nagbes localizadas no Leste, e suas vidas, histérias e costumes ‘tém uma realidade crua obyiamente maior que qualquer coisa que pu- desse ser dita a respeito no Ocidente.\Sobre esse fato este estudo do orientalismo tem muito pouco a contribuir, além de reconhecé-lo taci- ‘tamente. Mas o fendmeno do orientalismo, tal como eu 0 estudo aqui, trata principalmente no de uma correspondéncia entre o orientalismo ¢0 Oriente, mas da consistncia interna do orientalismo e suas idéias sobre o Oriente (0 Leste como carreira), a despeito ou além de qualquer correspondéncia, ou falta de, com um Oriente “real”. Quero mostrar que a declaragio de Disraeli refere-se principalmente a essa consistén- cia criada, essa constelagao regular de idéias, como a coisa proeminente em relagio ao Oriente, e no ao seu mero ser, como coloca a frase de Wallace Stevens. ‘Uma segunda qualificagto ¢ que as idéias, culturas e historias nfo podem ser estudadas sem que a sua forca, ou mais precisamente a sua configuragio de poder, seja também estudada. Achar que o Oriente {oj eriado — ou, como eu digo, “orientalizado'” — e acreditar que tais ar, Asia and Western dominance [A dominagdo ocidental na te foi orientalizado niio s6 porque se descobriu que ele ‘em todos aqueles aspectos considerados como lugares- comuns por um europeu médio do séeulo XIX, mas t ser — feito oriental. H& emogdes, presenga ou historia. Ele falou por ela e a representou. Ele 7 era estrangeiro, comparativamente rico, homem, e estes eram fatos his- toricos de dominagao que permitiram no apenas que ele possuisse Kuchuk Hanem fisicamente como também que ele falasse por ela e contasse aos seus leitores de que maneira ela era “‘tipicamente oriental”. ‘Minha argumentacdo é que a situaco de forca de Flaubert em relago a Kuchuk Hanem nio é um exemplo isolado. E uma representagaio passivel do padrio de forga relativa entre o Leste e 0 Oeste, e do dis- ‘curso sobre o Oriente que esse padrdo permitia. Isso nos leva A terceira qualificacao. Nao se deve nunca supor que aestrutura do orientalismo ndo passa de uma estrutura de mentiras ou de mitos que, caso fosse dita a verdade sobre eles, partiriam com 0 vento. Eu mesmo acredito que o orientalismoé mais particularmente valido como um sinal do poder europeu-atlantico sobre o Oriente que ‘como um discurso veridico sobre o Oriente (que é 0 que, em sua forma académica ou erudita, ele afirma ser). Apesar disso, 0 que temos de respeitar e tentar aprender é a forga nua e sGlida do discurso orienta- lista, os seus Lagos muito intimos com as politicas capacitantes, e 2 sua temfvel durabilidade. Afinal, qualquer sistema de idéias que possa permanecer inalterado como sabedoria que se pode ensinar (em academias, livros, congressos, universidades e ins- titutos de relagbes exteriores) desde o periodo de Ernest Renan no final da década de 1840 até o presente nos Estados Unidos deve ser algo mais formidével que uma mera colegio de mentiras. O orientalismo, por- tanto, ndo é uma fantasia avoada da Europa sobre o Oriente mas um corpo criado de teoria e pratica em que houve, por muitas geragies, um investimento material.O investimento continuado fez do aceitvel para filtrar 0 Oriente para consciéncia ocidental; assim como esse mesmo investimento multiplicou — na verdade, tornou real- mente produtivas — as declaragées que proliferaram a partir do Orien- te para acultura geral. 4 Gramsci fez a proveitosa distingio entre as sociedades civil e poli- > tica, em que a primeira é feita de afiliagdes voluntérias (ou pelo menos racionais € nflo-coercitivas) como escolas, familias sindicatos, e a Gl- tima de instituigoes estatais (exército, policia, burocracia central) cujo papel na entidade politica é a dominagio direta. A cultura, € claro, ser vista operando nos marcos da sociedade civil, onde a influéncia das idéias, instituigdes e ontras pessoas no atua por meio da domina- Ho, mas por aquilo que Gramsci chama de consenso. Em qualquer sociedade nao-totalitiria, entio, certas formas culturais predominam sobre outras, do mesmo modo que certas idéias so mais influentes que ‘outras; a forma dessa lideranca cultural é 0 que Gramsci identificou 18. ®\s surge um complexo Oriente adequ: como hegey sobre o Oriente durante 0 periodo que com das maneitase costumes dos modernos eg 19 estive falando até agora. O orien- 1e Denys Hay chamou de idéia da na cultura européia é precisamente 0 -a tanto na Europa quanto fora dela: mo sendo superior em comparagio @ projegdes) Se podemos ‘rudigao tais como a , de Edward William =7 Lane, temos de observar também que as idéias raciais de Renan ¢ Go- bineau tiveram @ mesma origem, assim como um grande niimero de novelas pornogréficas vitorianas (ver a andlise de “The lustful turk” [0 turco luxurioso], de Steven Marcus) * E, contudo, devemos perguntar-nos repetidamente se 0 que im- porta nolorientalismo €.0 grupo.geral de idéias atropelando a massa de material — 0 qual, nio se pode negar, esta permeado do doutrinas de ‘no ramo como William Jones, com grandes artistas como Nerval ou Flaubert. E por que no seria possi ambas as perspectivas jun- tas, ou uma ap6s a outra? Nao haveria um 6bvio perigo de distorgao linagao) se um nivel de descrigo geral demais ou especifico demais fosse mantido sistematicamente? dois temores sio a distorgdo e a falta de preciso, ou, antes, +¢ao produzido por uma generalidade dogmatica de dades que nos poderiam forgar, no primeiro exempl polémica grosseira em um nivel de descrigao tAo inaceitavelmente geral que nao valeria 0 esforgo, ou, no segundo exemplo, a eserever uma série tio detathada e atomistica de anttises que perderia totalmente de vista ide. Como, entéo, reconhecer a reconcilié-la com 0 seu contexto geral e hegem@nic modo algum passivo ou meramente ditatorial? a Mencionei trés aspectos da minha realidade contemporinea: tenho agora de explic4-los e discuti-los brevemente, de maneira que se possa ver como cheguei a um curso determinado de pesquisa e escrita. 20 1. A distinedo entre conhecimento puro e conhecimento politico. E muito fécil argumentar que 0 conhecimento sobre Shakespeare ou Wordsworth nao €: 9, enquanto o conhecimento sobre a China ou Unio Soviética porfineas 0 6.(A minha pr6pria designagio fr- mal e profissional é “humanista”, um titulo que indica as humanidades ‘como 0 meu campo €, portanto, a improvavel eventualidade de que ag eeadala en tdealas pt Losartan Sorte eae esate todas essas etiquetas e termos quase no tém matizes quando os uso aqui, mas a verdade geral do que estou assinalando €, acredito eu, nista que escreve sobre Wordsworth, ou um editor cuja especialidade € Keats, nto esté envolvido em nada de politico € que 0 que ele faz no parece ter qualquer efeito direto sobre a rente. Um erudito cujo campo € a economia rea altamente carregada, em que hé mui interesse do governo, ¢ 0 que ele possa produzir em matéria de estudos ou propostas sera apro- veitado por quem toma decisées, por funciondrios do governo, por eco- ica do pans tuma questo de importanc politica (embora possivelmente de grande importin legas no mesmo campo, que podem ter objecdes ao seu stalinismo ou lbgicas — c, portanto, é considerada como inequivocamente ‘Mesmo assim, a imposigao determinante sobre a maior parte do conhecimento produzido no Ocidente contemporaneo (e aqui estou fa- lando principalmente sobre os Estados Unidos) é de que ele seja apoli- parcial e acima de qualquer erenga com uma classe, com um conjunto de crengas, uma po- ‘ou da mera atividade de ser um membro da sociedade. Tudo iss0 continua a ter influéncia no que ele faz profissionalmente, ainda que, naturalmente, a sua pesquisa e os frutos dela tentem alcan- ar um nivel de da crua realid em ver de mais, pare na, Pois existe um conhecimento que é menos, ue 0 individuo (com as circunstincias emba- a ea ") obscurece as circunstineias politicas ex- ‘tremamente organizadas, ainda que de modo obscuro, que predomi- ‘nam quando o conhecimento é produzido. Ninguém ganha em entendi- ‘mento disso, hoje em dia, quando o termo politico € usado como uma ho que ouse violar 0 proto- Podemos dizer, primeiro, Desse modo, um estudo econd- mico do potencial energético a longo prazo de Uni efeitos sobre a capacidade militar tem probabi dado pelo Departamento de Defese, adquirindo com isso um tipo de categoria politica impossfvel para um estudo dos primeiros trabalhos de ficgao de Tolstoi parcialmente financiado por uma fundac&o. No entanto, ambos os estudos pertencem ao que a sociedade civil reco- embora um dos traba- ‘Nao quero continuar a sublinhar isso em nfveis teéricos gerais: parece-me que o valor e aeredibilidade da minha argumentagio podem ser demonstrados se forem muito mais especificos, do mesmo modo, mental is um sentimento de urgéncia, como se fosse uma infusio poll- ‘ica mde e quando quer que questdes relativas aos seus interes- ‘ses imperiais estejam em jogo.)Duvido que seja controverso, por exem- plo, dizer que um inglés na India ou no Egito, no final do século XIX, tinha por estes paises um interesse que nunca estava muito afastado da , na mente dele, de coldnias britinicas. Dizer isso pode diferente de dizer que todo conhecimento académico a € 0 Bgito esta de algum modo marcado, e violado, pelo fato politico vulgar — e, no entanto, isso é 0 que estou dizendo neste ‘estudo do orientalismo. Pois, se for verdade que nenhuma produgio de conhecimento nas ciéncias humanas pode jamais ignorar ou negar 0 envolvimento de seu autor como sujeito humano em suas prOprias cir- cunstincias, deve entio ser verdade também que, para um europeu ou ‘um americano que esteja estudando 0 Oriente, nao pode haver negagio das cireunstancias mais importantes da realidade dele: que ele chega ‘0 Oriente primeiramente como um europeu ou um americano, de- pois como individuc. E ser um europeu ou um americano nessa situa- ‘glo nao é de modo algum um fato inerte. Queria e quer dizer estar consciente, ainda que vagamente, de se fazer parte de uma poténcia com interesses definidos no Oriente, e, mais importante, de que se per- fence a uma parte da terra com uma hist6ria definida de envolvimento no Oriente quase desde os tempos de Homero, Colocadas desse modo, essas realidades politicas so ainda inde~ finidas ¢ gerais demais para serem realmente interessantes. Qualquer ‘um estaria de acordo com elas sem necessariamente estar de acordo que elas eram muito importantes, por exemplo, para Flaubert quando cle estava escrevendo Salammb6, ou para H. A. R. Gibb quando ele escreveu Modern trends in Islam (Correntes modernas do isla]. O pro- bblema é que fi uma distancia grande demais entre o grande fato domi- ante, tal como 0 deserevi, e os detalhes da vida cotidiana que gover nam & diseiplina minuciosa de um romance ou de um texto erudito ‘quando esti sendo escritos. Se desde 0 comego, porém, ‘qualquer nogdo de que os “grandes” fatos podem ser mec’ ministicamente aplicados & quest6es tio complexas como a cultura e as idéias, comegaremos entdo a abordar um tipo interessante de estudo. eA minha idéia € que o interesse europen, ¢ depois americano, pelo Oriente era politico de acordo com alguns de seus aspectos hist6ricos ‘bvios que descrevi aqui, mas que foi a cultura que criou esse interesse, ‘que agin dinamicamente em conjunto com as indisfargadas fundamen- ‘tagbes politicas, econémicas e militares para fazer do Oriente o lugar ‘yariado e complicado que ele obviamente era no campo que eu chamo de orientalismo. \, Portanto, 0 orientalismo ndo é um mero tema politico de estudos. ‘ou campo refletido passivamente pela cultura, pela erudigio ¢ pelas ruigdes; nem é uma ampla e difusa colegio de textos sobre 0 -presentativo ou expressivo de algum nefando compla idental” para subjugar o mundo “oriental”. E antes igdo de consciéncia geopolitica em textos estéticos, erudi- tos, econdmicos, sociolégicos, hist6ricos e filolégicos; é uma elaboragiio nao s6 de uma distingao geogrifica basica (o mundo é feito de duas metades, 0 Ocidente e 0 Oriente), como também de toda uma série de “i 5 que, através de meios como a descoberta erudita, a recons- légica, o orientalismo nao apenas cria como mantém; expressar, uma certa vontade ou intengdo de entender, e em alguns casos controlar, manipular ¢ até incorporar, aquilo que é um mundo manifestamente diferente (ou alternativo ¢ novo); é, acima de tudo, uum discurso que nao esta de maneira alguma em relagto direta, corres. pondente, ao poder politico em si mesmo, mas que antes é produzido e existe em um intercdimbio desigual com varios tipos de poder, moldado “imbio com 0 poder politico (como uma ;perial), com 0 poder intelectual (como as ciéneias fica comparada ou anatomia, ou qualquer uma das moral (como “nés” fazemos e 0 que “eles” ni podem fazer ou entender como fest arate sd verdadeiro argumento € que 0 orientalismové — e nio apenas repre- senta — uma consideravel dimensio da moderna cultura pol lectual¢ como tal tem menos aver eom o Oriente que com feito sobre 0 Oriente segue (e talvez ocorre dentro dos li linhas distintas e intelectualmente conheciveis. Tembém nesse ponto um grau consideravel de matizagao e elaboracao pode ser visto em aio centre as pressdes superestruturais mais amplas e os detalhes de compo- sigo, 0s fatos de textualidade. A maioria dos eruditos humanistas esta perfeitamente a vontade, parece-me, com a nogio de que os textos exis- tem em contextos, que existe algo como a intertextualidade, que a pres- sto das convengoes, dos predecessores ¢ dos estilos retéricos limitam aquilo que Walter Benjamin chamou de “‘sobretaxagio da pessoa pro- dutiva em nome do [..] principio da ‘eriatividade’ ”, segundo o qual se 4 fcredita que o poeta produz. sua obra sozinho e tirando-a da sua mente pura.’ Existe, contudo, uma resisténcia em admitir que as coagdes polt- ticas, institucionais.e,ideol6gicas agem igualmente sobre o autor indi- vidual. Um humanista considerara interessante para qualquer estu- dioso de Balzac o fato de que este tenha sido influenc jionério parece diminuir, de alguma maneira vaga, © seu “ger ririo, ¢, portanto, ter menor valor para um estudo sé- rio, De maneira similar — como Harry Bracken vem demonstrando incansavelmente — os fil6sofos podem conduzir suas discusstes sobre Locke, Hume e 0 empirismo sem jamais levar em consideragio o fato de que hd uma conexio explicita, nesses escritores cléssicos, entre suas doutrinas ‘filos6ficas” ¢ a teoria racial, as justificagdes da escravidaio ‘ea defesa da exploragio colonial.’ Estes so meios bastante comuns pelos quais a erudi¢o contempordnea se mantém pura. Talver.seja verdade que a maioria das tentativas de esfregar 0 nariz da cultura na fama da politica tenha sido rudemente iconoclasta; talver, também, a interpretagao social da literatura em meu proprio campo nio tenha acompanhado, simplesmente, os enormes avangos da fanilise textual detalhada. Mas nao hé como escapar ao fato de que os estudos literdrios em geral, e 0s te6ricos marxistas americanos em par- sm evitado 0 esforgo de fechar seriamente a brecha entre os ico e superestrutural na erudigao textual ¢ histérica; em outra , cheguei até a dizer que 0 establishment literdrio-cultural como cas ‘um todo tinha declarado estar fora dos limites o estudo sério do impe- rialismo e da cultura.*Pois 0 orientalismo pOe-nos diretamente fr esta questo — isto €, faz-nos perceber que o imperialismo politico domina todo um campo de estudo, imaginaglo ¢ insttuigdes erudi- tas —, de tal modo que torna o fato impossivel de ser ignorado inte- lectual ¢ historicamente. No entanto, havera nismo de eseape de dizer que um erudito lit ‘reinados, respectivamente, em literatura e em filosofia, alayras, o argumento loquear a perspectiva rualmente. Parece-me haver aqui uma simples resposta em duas partes a ser es respeito a0 estudo do imperialismo e da itura (ou orfentalismo). Em primeiro lugar, quase todos os eseritores ido sbeulo XIX (eomesmo vale para muitos escritores de periodos ante- lores) estavam ¢ rdinariamente conscientes do fato do império: ‘esse 6 um fema Nilo muito bem estudado, mas no seré preciso muito peer : oF ‘tempo para um modemo especialista vitoriano admitir que heréis cul- turais liberais como John Stuart Mill, Arnold, Carlyle, Newman, Ma- caulay, Ruskin, Georse Eliot ¢ até Dickens tinham opiniées definidas sobre raga e imperialismo, facilmente detectaveis em ago nos seus es- critos, De modo que até mesmo um especialista deve enfrentar 0 conhe- ‘cimento que Mill, pot exemplo, deixou claro em On liberty e em Repre- sentative government (Sobre a liberdade, Governo representativo] de ‘que as opini’es que &le expressava nesses livros no podiam ser apli- cadas na India (ele foi funcionario do Inc inal de contas), porque os indianos eram inferiores .O mesmo tipo de paradoxo em Marx, como tento mostrar neste livro, Em pode ser encontrad® Segundo lugar, acreditar que a politica na forma de imperialismo tem influgi wre a producdo de literatura, erudigao, teoria social e a escrita da hist6ria de Modo algum equivale a dizer que a cultura é uma jiminuida ou denegrida, Muito pelo contrério: tudo o que eu quero dizer € que podemos entender mi lidade de sistemas hegeménicos saturantes damos conta de que #5 Stas coagies intern: dores eram produtivas, € no unilateralmente inibidoras. Esta é a idéia que Gramsci, Foucault ¢ Raymond Williams estiveram tentando ilus- trar, cada um a sua Maneira, Até mesmo uma ou di i persistencia e a durabi- © a cultura quando nos sobre escritores © pensa- ‘ico entre autores individual dos pelos trés grandes impérios — britanico, francés, cujos territ6rios intelectuais e imaginativos a escrit dade de que 0s ocidesttis so superiores profundamente trabalhada modulada do seu marcos do enorme esP8eo aberto por essa verd: Iembrar que o Manne?8 and customs of the modern egyptians, de Lane, € uum cldssico da observasio hist6rica e antropolégica devido ao seu por causa da sua der 0 que estou di 0 tipo de ia econémica e politica, entraram para o servico da visio amplamente ‘entalismo tem do mundo? Que mudangas, modu- ages, refinamentos € até revolugdes tém lugar no interior do orienta- lismo? Qual é, neste contexto, o significado da originalidade, da conti- nuidade, da individualidade? Como é que 0 orientalismo se transmite € reproduz de uma época para outra? Finalmente, como podemos tratar © fenémeno cultural e hist6rico do orientalismo como um tipo de obra humana induzida — e no um mero raciocinio incondicionado — em toda a sua complexidade historia, detalhe e valor sem ao mesmo tempo perder de vista a alianca entre o trabalho cultural, as ten- & primeira questo 6 considerar o que esses poves, que so todos, nacionalmente , embora este seja um ponto que mereca cconsideragio, Mas é essencial que cada questiio especial seja deci principalmente com referéncia Aquilo que, & luz do conhecimento e da experitneia ocidental, temperades por consideragdes locais, acharmos ‘conscienciosamente que é melhor para a raga submetida, sem referéncia ‘2 nenhuma vantagem real ou suposta que possa advir para a Inglaterra ‘como ago, ou — 0 que costuma ser o caso com maior frequéncia — para os interesses especiais representados por uma ou mais classes de lar ao que é baseado na poderemes talvez pat fundamentada no respeit fos como dos que virdo: Poderd haver + alguma esperanga de que os egipeios 1] Até mesmo o sel- -a central pode eventualmente aprender a cantar um hino Redux, tal como € representada pelo funcionério co que Ihe nega gim mas Ihe dé justiga. Mais que isso, o comércio AA "sbrin consideragao” que 0 governante deve atribuir as pro- da raga submetida foi ilustrada na total oposigdo de Cromer 20 47 igdes nativas livres, a auséncia de ocupa- fo estrangeira, uma soberania nacional auto-sustentada: estas pro- postas pouco surpreendentes foram consistentemente rejeitadas por Crom 1a, sem ambigtidades, que “o verdadeiro futuro do Egito [...] nao est na diregdo de um nacionalismo estreito, que s6 incluiré os egipcios nativs [..] mas, antes, na de um cosmopolitismo As ragas subm para saber 0 que er: is convenientes sobre os orientais, para Cromer, era que los, embora as circunstancias pudessem variar um pouco aqui e ali, era quase a mesma coisa em quase toda a parte.’ Isso acon- tecia porque, &claro, os orientais eram em quase todos os lugares quase ‘os mesmos, Agora estamos chegando pert finalmente, do niicleo demorada- ocidental moderno: conhecimento de e sobre os orientais, sob raca, cardter, cultura, hist6ria, tradigbes, sociedade e poss , era um conhecimento testado e inalte- para todos os aspectos priticos, eram ‘uma esséncia platOnica que qualquer orientalista (ou governante de podia examinar, entender ¢ expor. Desse modo, no 34° capi- da sua obra em dois volumes Modern Egypt [Egito moderno], re- gistro magistral_ da sua experi goes, Cromer nos deixa ‘uma espécie de cdinone de sabedoria orientalista: ado, dado que os “orientai Sir Allred Lyall ‘A mente oriental abomina a pre: cise. Todo anglo-indiano deveria lembrar sempre essa méxima’’. Ca- réncia de preciso, que facilmente degenera em insinceridade, é na ver dade a principal earacteristica da mente oriental (0 europeu é um raciocinador conciso; suas declaragdes de fato sito Adesprovidas de qualquer ambigiidade; ele & um légico natural, mesmo que nfo tenha estudado légica; € por natureza cético ¢ requer provas antes de aceitar a verdade de qualquer proposigao; sua inteligéncia trei- nada trabalha como a pera de um mecanismo. A mente do oriental, por outro lado, assim como suas pitorescas russ, éeminentemente carente de simetria. Embora os antigos drabes tenham adquirido em um grau um tanto mais alto a cigncia da dialética, seus descendentes sio singular: mente deficientes de faculdades légicas. Sto muitas veres incapazes de tirar as conclusdes mais ébvias de qualquer simples premissa cuja ver- 8 ns}oabe FEDERAL DE VICOSA teca Centrat sucumbiré ao mais brando métode de interrogatério. ou Arabes sto simplérios, silo ineapazes de andar em uma estrada ou calgamento (suas mentes desordenadas nao conseguem entender aquilo que o sagaz europeu apreende imediatamente, que estradas e calcamentos sao feitos para andar); 0s orientais si mentirosos inveterados, so “letirgicos e des- confiados”, e em tudo se opdem A clareza, integridade e nobreza da raga anglo-sax6i Cromer nilo faz nenhum esforgo para ocultar que para ele 05 orientais eam sempre e unicamente o material humano que ele gover- nou nas col6nias britanicas. ‘Como sou apenas um diplomata e um administrador, cujo estudo ade- quado é também o homem, mas do ponto de o-me com observar 0 fato de que, la, gee pensa de uma maneira exatamente ‘oriental geralmente 2 do europeu.? As descrigdes de Cromer sio, é claro, baseadas parcialmente em obser- vyagSes diretas, mas aqui le faz referéncia a autoridades orienta- quando se trata de explicar por que 0s orientais so como sio. Ele nio tom diivida de que qualquer conhecimento do oriental confirmara as suas opinides, as quais, a julgar pela sua descrico do indo ao interrogat6rio, consideram culpado o oriental, O erime € que ental ¢ oriental, e 6 um sinal preciso da normalidade com que tal indigenas”* ‘Acho que estariamos cometendo um erro se subestimassemos 0 ryat6rio de conhecimento autorizado, 0s cédigos de ortodoxia orien- jsta, aos quais Cromer e Balfour fazem referéncia em todos os seus 9 escritos ¢ politicas piblicas. Dizer simplesmente que 0 orientalismo ‘era uma racionalizagao do dominio colonial é ignorar a extensdo em {que este era justificado adiantadamente pelo orientalismo, em vez. de sé-lo ap6s 0 fato. Os homens sempre dividiram 0 mundo em regides ccujas distingGes entre si eram reais ou imaginadas. A demarcagao abso- uta entre o Leste ¢ 0 Oeste, que Balfour e Cromer aceitam com tanta complacéneia, tinha demorado anos, até séculos, para ser feita. Houve, G claro, intimeras viagens de’ descobrimentos; houve contatos através do ‘comércio e das guerras. Mais que isso, porém, desde meados do sé- ‘culo XVIII houvera dois prineipais elementos na relagdo entre o Leste ‘Um era o crescente conhecimento sistematico na Europa explorado ‘comparada, filo centado um considerivel corpo ‘tas, poetas, tradutores e viajantes talentosos. O outro aspecto das rela- bes orientais-européias era que a Europa estava sempre em uma pos ho de forca, para no dizer dominio. Nao hé modo de colocar isso cufemisticamente. E verdade, a relagio do forte com 0 fraco pode ser disfarcada ou suavizada, como quando Balfour reconhece a “gran- deza" das civilizagbes orientais. Mas o relacionamento essencial, em bases politicas, culturais e até religiosas, era considerado — no Oeste, que 60 que nos interessa aqui — como sendo um relacionamento entre ‘um pareeiro forte © um fraco. ‘Muitos termos foram usados para expressar a relagio: Cromer, tipicamente, usaram virios. O oriental éirracional, depravado fan dese modo, 0 europeu & racional, vir- aduro, “normal”. Mas 0 modo de estimular o relacionamento ‘era sublinhar a cada passo que 0 oriental vivia em um mundo pr6prio, ferente mas totalmente organizado, um mundo com seus propr ites nacionais, culturais e epistemolbgicos, e prinefpios de coeréncia fema. E, contudo, o que dava ao mundo oriental a sua inteligibili- \dentidade nao era o resultado de seus prOprios esforgos, mas .da a complexa série de manipulagdes cultas pelas quais 0 Oriente era identificado pelo Ocidente. Assim, os dois aspectos do rela~ ‘cionamento cultural que tenho estado discutindo so unidos. O conhe- ccimento do Oriente, posto que gerado da forga, em um certo sentido ceria 0 Oriente, 0 oriental e seu mundo. Na linguagem de Cromer ¢ Bal- four, o oriental é apresentado como algo que se julga (como em um tri- bunal), algo ) {que se disciplina (como em uma escola ou prisio), algo que se “(como em um manual zooldgico). A questo é que em cada um desses “GAi0s 0 oriental & contido e representado porestruturas dominantes. De = eum dos objetivos do presente trabalho é ilustrar, an sobre o orientalismo como um exercicio de forga cultural. palavras, & melhor nao acriscar generalizades sobre uma nogio tio ‘aga c, todavia, tZo importante como a de forga cultural antes que uma boa quantidade de material tenha sido examinada. Mas, em principio, ito a0 Ocidente durante os sé- nele havia, se no fosse patentemer ‘menos precisando que este fizesse um estudo corretivo a seu re Oriente era visto como que delimitado pela sala de aula, pelo tribunal, mento do Oriente que poe as coisas orientais na aula, sao ou manual para ser examinado, estudado, julgado, dis governado. 'Nos primeiros anos do século XX, os homens como Balfour Cromer podiam dizer 0 que diziam, do modo como diziam, porque uma tradigao ainda mais antiga de orientalismo que a do século XIX fornecia-Ihes vocabulario, imagistica e retérica, além de ntimeros para lustrar tudo. O orientalismo também reforcava, e era reforgado por, conhecimento seguro de que a Europa ou o Ocidente dominava a vyasta maioria da superficie da terra. O periodo de imenso avango das, instituigdes e do contetido do orientalismo coincidiu exatamente com 0 periodo de inigualivel expansio da Europa; de 1815 a 1914, o dominio colonial direto europeu cresceu de cerca de 35% para cerca de 85% de toda a superficie da terra.’ Todos os continentes foram afetados, ne- ‘hum mais quea Africa ea Asia. Os dois maiores impérios eram 0 brit8. 0 francés; aliados e s6cios em algumas coisas, em outras eram ri ‘ja cram adjacentes, freqlentemente sobrepostas, mui das. Masera no O1 imo, nas terras do Oriente Proximo arabe, “onde supostamente o isla defini ‘que britanicos e franceses enc lorde Salisbury em \cadamente problemitica: Quando se tem um I. iado que esté empenhado em intrometer- "se em um pais no qual se t8m profundos interesses — voeé tem trés jisio do SL ‘cursos de ago possiveis. Pode desistir — ou monopolizar — ou compar- tithar, Renuneiar teria sido pOr os franceses atravessados no nosso ca- ‘minho para a India, Monopolizar estaria muito préximo ao risco de uma ‘guerra, De modo que resolvemos compartilhar.” E bem que eles compartilharam, da maneira que estudaremos a seguir, O que eles compartilharam, entretanto, nao foi apenas a terra, ou 05 lucros, ou o dominio; foi o tipo de poder intelectual que venho chamando de orientalismo. Este, de certo modo, era uma biblioteca ou arquivo de informagio mantido em comum e, em alguns de seus aspec- tos, unanimemente. O que unificava 0 arquivo era uma famtlia de idéias" e um conjunto de valores que se tinha provado efetivo de v ‘modos. Essas idéias explicavam o comportamento dos orientais, forne- ciam a estes uma mentalidade, uma genealogia, uma atmosfera; mais importante, permitiam que os europeus lidassem com 0s orientais € até ue os vissem como um fendmeno que possufa caracteristicas regulares.. to de idéias duriveis, porém, as nogbes orienta- listas influenciavam tanto as pessoas que eram chamadas de orientais quanto as que eram chamadas de ocidentais ou européias; em resumo, Corientalismo é melhor entendido como um conjunto decoagdes splesmente uma doutrina posi Se a esséncia do orientalismo é a ridade ocidental e a inferioridade oriental, temos entdo de estar prepa~ manecira, no seu desenvolvimento © subse- smo aprofundou e até endureceu a distingao. -itica comum para a nenhum ocidental nunca precisava ver-se, espelhado nos olhos da raga algo diferente de um jovem Raj vigoroso, racional e literatura sobre 0 Oriente, herdada do passado europeu. O notii sobre 0 final do século XVIII e o inicio do XIX, que é onde este livro presume que comecou o orientalismo modemno, é que teve lugar uma renascenga oriental, nas palavras de Edgar Quinet.! Subitamente pa- ‘edade de pensadores, politicos e artistas, sncia do Oriente, estendendo-se da China ao Me- iéncia era em parte resultado de rientais em Iinguas como o sAnscrito, 0 zenda ¢ 0 rabe, recen- te descobertos e traduzidos; era também resultado da relacdo yente percebida entre o Oriente e 0 Oeste, Para os meus propé- fits aqui, a nota dominante dessa relagio foi estabelecida para o Oriente Préximo e para a Europa pela invasto napoleGnica do Egito em 1798, uma invasao que, de muitos modos, foi o proprio modelo de uma io realmente cientifiea de uma cultura por outra, aparente- s forte, Pois com a ocupagio do Egito por Napoledo foram sm marcha processos entre o Leste ¢ 0 Oeste que ainda domi- sas perspectivas culturais e politicas contemporineas. E a ex- sao napoled smento coletivo de erudicio, 4 Description de I'Egypte [Descrigao do Egitol, forneceu um eenério . 0 teatro do efetivo conhecimento ocidental sobre 0 Oriente. Devo yoltar & aventura napolednica um pouco mais adi Com experigncias como as de Napoleéo, o Oriente, como um corpo de conhecimentos no Ocidente, foi modernizado, € esta é a se- gunda forma sob a qual o orientalismo dos séculos XIX e XX existiu. Desde 0 inicio do periodo que examinarei havia por toda a parte, entre os orientalistas, a ambigao de formular suas descobertas, experiéncias ¢ visdes adequadamente em termos modernos, de colocar as idéias 10 contato com as realidades modernas, As investigagdes lingo 1as em um estilo que se nutria pesadamente, para a joridade, da gramética comparada, da anatomia comparada ¢ teorias raciais contempordneas; estas conferiam prestigio ao orien- 1 e — 0 outro lado da moeda — tornaram-no vulneréi iment. Durante 0 séeulo XIX, 0 campo ctesceu enormemente em prestigio, assim como a reputacdo € a influéncia de instituigdes como a 1é Asiatique, a Royal Asiatic Society, a Deutsche Morgenlndische Gesellschaft e @ American Oriental Society. Com 0 erescimento dessas scciedades houve também um aumento, por toda a Europa, do nimero do citedras de estudos orientais; conseqentemente, houve uma expan- ‘io dos meios disponiveis para disseminar 0 orientalismo. Periédicos brientalistas, comegando pelo Fundgraben des Orients (1809), multi- 53 plicaram a quantidade de conhecimento, além do némero de especia- lizagbes. Pouco dessa atividade, porém, e muito poucas dessas instituigdes existiram e floresceram livremente, pois, em uma terceira forma sob a ual existiu, o orientalismo imps os seus limites sobre o pensamento 1 respeito do Oriente. Até os escritores mais imaginativos de uma época, homens como Flaubert, Nerval ou Scott, eram coagidos no que podiam experimentar do Oriente, ou no que podiam falar sobre ele. Isso porque, em dltima andlise, o orientalismo era uma visio politica ide cuja idente, ‘“nés") e o estranho (Oriente, Leste, “ele ferial apoiavam e estimulavam uma a outra, iberdade de comunicagio sempre foi privilégio do ociden- (© meu argumento afirma que a realidade orienta- lista é to desumana como persistente. © seu campo de agdo, tanto quanto as suas instituig6es ¢ sua onipresente influéncia, chega até o presente. ‘Mas como € que o orientalismo funcionava e funciona? Como se pode descrevé-lo cm conjunto como um fendmeno histérico, um modo de pensar, um problema contempordneo e uma realidade material? Vejamos Cromer de novo, um técnico imperial consumado, mas tam- bém um beneficiério do orientalismo. Ele nos pode dar uma resposta rudimentar. Em “O governo das racas subjugadas” ele enfrenta 0 pro- blema de como a Inglaterra, uma nacido de individuos, deve admi trar um vasto império de acordo com alguns prt contrapde o “‘agente local”, que tanto tem um con zado do nativo quanto uma individualidade anglo-saxi dade central em Londres. O primeiro pode “tratar temas de interesse local de um modo caleulado para danificar, ou até por em risco, os interesses imperiais. A autoridade central esta em condigtes de prevenir qualquer perigo que tenha origem nessa causa”. Por qué? Porque essa autoridade pode “‘garantir o funcionamento harmonioso das diferentes partes da méquina” e “deve esforgar-se, tanto quanto seja possivel, para se dar conta das circunstancias que afetam 0 governo da depen- ceber © que se quer dizer. Cromer imagina uma sede para 0 poder no 4 artir dessa sede para o Leste, uma grande ibrangente que dé sustentagio A autoridade central mas ‘Tudo-o que é posto na méquina tas especiais, petial como um todo. O que Cromer y@ com total preciso € a administragao do conhecimento pela socie- dade, 0 fato de que 0 conhecimento — por mais especial que seja — 6 regulado primeiramente pelos interesses locais de um especialista ¢ mais tarde pelos interesses gerais de um sistema social de autoridade. {A inter-relago entre os interesses locais ¢ os centrais ¢ intrincada, mas de maneira alguma ¢ indiscriminada, No caso especifico de Cromer como administrador imperial, estudo adequado é também o homem”, diz ele. Quando Pope procla- ‘mou que o homem era o estudo adequado para 0 género humano, cle ‘queria dizer todos os homens, “inclusive o pobre indiano”, enquanto Cromer nos lembra que ‘‘tambi ‘como 0s orientais, podem ser es adequado — neste sentido — dos orientais € o orient

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