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2. 60 pasta 40 AB/1L/1 Laymert Garcia dos Santos POLITIZAR AS NOVAS TECNOLOGIAS impacto sécio-téenico da informagio digital e genética ! : editoralill34 EDITORA 34) POLITIZAR AS ators 34 Ua NOVAS TECNOLOGIAS Roa Hangria, $92 Jardim Europa CEP 0145S-000 Si Paulo- SP Brasil TeVFax (11) 3816-6777 wws.ediona34 com be Pref enn 9 >TECNOLOGIA E AMBIENTE: = Copyright © itor 34 Leda, 2003 1..A eneruilhada da politica ambiental brasileieg sso 1S Pobtzaras novastcnoogis © Laymest Garcia dos Santos 2003 2, Texnologa, natueea en “redescbena” do Bras, 49 A rorocina qatquen OLN ISTE LEO E MEGA, CONTRA A 3. A nova colonizagio genética sor NDE Dos DAES IELECTUAR F ATRIOS DO ATOR. (entrevista com Vandana Shiva). 2 4. A viralizagio da biodiversidade si Capa, projeto grafico ¢ editoragio eletronica: TreNoLoais Fsoctenape Oraher & Mala Produc Grafica 5. Considragies sobre a reaidade virtual 109 Benge 6, Consumindo o futuro a 13 Kin Pep 189), Ana Vita Msp. 2150, 7. Limits erupturas na esfera da informacSo ar cee de Mello. 245,220) 8, Modersidade, ps-modemiade Revs ce metamorfose da percep. 183 Cie Piguet tsbels Maca ee 9. ill Viola, xami cletrnico 185 10. Pasagens arias Ww + gio - 2008 eho 2 “U1, Atecnoestética de Rubens Mano 206 12. As videoinstalages de Sonia Andrade 22 , 13. pintura depois da pintura 17 Calogagdo na Fome do Deparamesta Nacional do Livro pico de Lars von Te 222 (Fundaio Biblioteca Nacional, R), Brasil «Hs Orcnemm undpico de ars yon Tatton = sn mgm i ik : “Tresotocaa #0 FUTURO DO HLMANO sano len 15, Tecnologia, pera do mano ee e ctise do sujeito de ditto no a 29 inno 16, Miller eo ritmo dos teenpos 247 | Ten da tg, 2. Flo os 17, Tecnologia e sees. 264 stance ST | cop 601 ' Sobre 0 autor rinse 39 8 ‘TECNOLOGIA, PERDA DO HUMANO- E CRISE DO SUJEITO DE DIREITO" t Quando se observa a velozcorrosio dos direitos e do Dicito susctada pela evolugio econdmica de um mundo globalizado, o que {alta aos olhos éaimpressio de inevitabilidade dese processo, Como seas sociedades nacionais democrtica tvessem sido precipcadas fnum movimento de desarticulagio por uma forge tal, que nenhu- sma outta parece capaz de fazer-lhe frente. Os neoliberais da auto ddenominada “world class” cunharam uma frase definitiva para ex pressar em toda cicunstancia esa inevitabilidade,eusificar suas ddecisex “No ha alternativa” — dizem eles. A frase sempre SO ‘como um ponto final no debate e, a0 mesmo tempo, como uma spied isengio de responsaildade pelos efeitos das medidas tomadas, por mais aegativas e predatéras que eas ejam. Os que resistem ot se opem, os inconformados ¢ os exchidos si0, assim, “lesafiados, com cinisio ¢ desprezo, a constevirem alternativas ¢2 comprovarem a sua consisténcia. Evidentemente, aqueles que afirmam no haver alternativa fazem- convietos de que nenhuma outa forga vai emergi ecrescer ‘a ponto de ameagar as tendéncias dominantes que os favorecem Jmpulsionam suas niciativas. Minha perguntaé De ‘onde thes ver . casa convigio, essa seguranca? Talvezsua confanga esteja funda «Texto apresenado na mesa-celonda “Para Além da Cidadania Formal” do Seminicio lnernacional “A Construgio Democtitia em Questio"Promo- sido pelo Nilo de Eds ds Diritos da Cidadania da USP, em 25, de Abril “11397, publicad em F. Oliveira e M,C, Paoli (ngs Os sends da de smocrac poltias do dssensoehegemonia global, col. Zero 3 Esauerda, S30 Paulo, Vores/Fagesp/Nedic, 1999, pp. 291-306, “Tecnologia, petda do humane e crise do sito de dceito 29 ee * dda na crenga da primazia absoluta do capital, do sew cariter inve cfr desde que o desenvolvimento da raconalidade econmicacen, fundiu-se com o desenvolvimento da racionalidade tecnocientifica, Com eeito, tudo se pasa como sa evolu sentido desss das racionalidades houvessem se tornado um s6 ¢ tinico movimento a por um lado recusa até mesmo a idéia de qualquer limite aa ; capital, , por outeo, qualquer limitagéo ao progress tecnocientfico, Assim, no fundo, a frase “Nao hd alternativa” assume o contor de fatos do destino. i! ___Umexemplo claro da intrpenetrasio entre racionalidade eo- nndmica e racionalidade tecnoc tifca nos tempos atuais nos é por Fumio Kodama.! Condezindo uma vealne emp nda oa 0, inovagio e difusio de altas tecnologias no Japio, o scholar descobrin que esté ocorrendo uma mudanga paradigmatica com Felacio a tecnologia, “Tal mudanga”, escreve Kodama, “est tomando obsoletos os argumentos de politica cient- fica e teenolgica até agora correntes nas teoris da admi nistragio de empresas e nas eelagBes imernacionais. [| As uisformagdes esto em toda parte: em quem torna a alta tecnologia disponivel, em éomo esta € perada;¢ para que ela uilizada. Elasestio no campo das empresas industria, € dle seu principal negocio, isto&, nos agentes econdmios atra= vvés dos qunis a alta tecnologia chega a0 mercado, Els es ‘io nas atividades de pesquisa e desenvolvimento, ¢nos pro- «cessos de desenvolvimento tecnol6gico, isto & nas ativida des inteletans humanas qu ggram alta tenologia. Els também estio no padrio de inovagio, ena difusio da ree ralogia, ito € no process social através do qual a alta tecnologia € realizada"? “Kodama Ang pacing The shift, Londres, Pinter Publishers, 1991, “ nenenien 2 tides 9p. 12 Tecnologia o futuro do human ‘Kodama encontra ses categorias de transformagbes que ewe terizama mudanga de paradigma tecnologico, Destas, destaco duas que nos interessam sobremaneira. A primeira rferese 3s ativida des de pesquisa e desenvolvimento, E-que a indistria esta promo vendo grandes alteragdes nas tomadasc decisis sobre investment em pesquisa. As decisses de investi, arma Kodama, nase haseiam mais nas taxas de retorno ¢ se assemelham muito ao principio do surfe: as ondas de inovagbes se sucedem, uma atris da ouiraye vo? ou investe ou morre, Por outro lado, o padrio de competi tam- ‘pém estd mudando; até recentemente, 0 competidor costumava ser ‘uma outra empresa do mesmo setor industrial, mas agora, em muitos casos, ocompetidor € uma compari de um setor industria dife- is para ini Fente,o que faz.com que se passe de comperidores visi tnigos invisives. A segunda grande transformagio refere sags px Uraes de inovacdo, Na visio convencional a inovagSo 16 realiza atrav dda ruprora das fronteiras de tecnologias existentes, woeo que como é vaso dos transistores, por exemplo. Entretanto m3 ‘corre nos campos da mecatrOniea, da optoeletrdnicae da biotecno- Jogia, 0s quais a inovagio se dé muito mais através da fasig de diversos tipos de tecnologia do que de rupturas tecnoligicas. fu soma e a combinagio de techologias diferentes, porque implementa ima aritmética em que sii, escreve Kodama, significa mais qu tum mais um € igual a trés. A fusio € mais do que a complementa- ridade, pois cria um novo mercado e novas oportuni A fusio vai igoamentos, pois mistura sinergeti- se ese cimento para eada participante da inova acumulagio de pequenos aper camente aperfeigoamentos de: os campos antes separads,crian- {do um produto com wm ingrediente extra que ni tem igual ne 0 vaialém das relagiesinterindustiais, mercado. Finalmente, a fu pois diferentes inovagies de diferentes insti avangam parale- famente, assumindo a forma de pesquisa conjunta.* * biden, pp. 3.121 “Tecnologia, pela do humano ¢ crise do sueto de dirsto 231 ee {As observagdes de Kodama sugerem que o principio da com- petitividade obriga a racionalidade econémica a atrelar-se & racioe nalidade tecnocientifica, a subordinar as decisdes de investimen- to nio is taxas de retorno, mas & dinémica da inovagdo; como sea corrida tecnologica langasse as empresas numa constante fuga para frente, ov numa consrante antecipagio do futuro; como sea sobre- vivéncia das empresas no mercado dependesse mais de sua capaci- dade de invengio ¢ substituicao de produtos do que da extensa cexploragdo comercial dos mesmos, cuo ciclo de vida cada ver mais, curto. Por outto lado, a fusio de teenologias parece imprimir uma velocidade inédita a dindmica da inovagao, confirmando o diagnds- tico de Richard Buckminster Fuller, de que estamos vivendo, desde ‘© inicio da década de 70, um processo de aceleracio da aceleragio tecnocientifica.t Tudo se passa entao como se estivéssemos vivenciando um petiodo de ondas de revolucionarizacio que, emergindo de dentro. do capitalismo, lhe dio novo alento e vao the abrindo novas pers- pectivas: é a Revolucio EletrOnica, seguida pela Revolugio das Co- ‘municagies, seguida pela Revolucio dos Novos Materiais e pela Revolucio Biotecnoligica. O impacto crescente que essa evolugio ‘econdmica e tecnocientifica exerce sobre as sociedades e 05 efeitos colaterais que ela suscita em todas as areas comesam a ser sentidos «e percebidos, mas ainda estamos longe de poder analisé-los ¢ avalii- los. De todo modo, os aspectos sociais ¢ ambientais negativos que cla ja explicitou nao parecem arranhar, muito menos comprome: ter, a legitimidade do progresso da cincia e da tecnologia, Ora, no ‘ha como questionar o carter aparentemente inexorivel ¢ irreversi- vel do amo tomado pela evolucao econémica eteenocientifica sem interrogar essa legitimidade. *R. Buckminster Fuller, Critical path, Nowa York, St, Martin's Press, 1981 @ Tecnologia ¢ofururo do human (© pensamento de Keiji Nshitanié,nesse ponto, de grande va- ia, a medida em que capta com grande clareza 0 “espirito” do pro- gress tcnocientfico eo que toma a soberania da ciéncia a0 mesmo ‘tempo tio onipresente tio inquestionada. Analisando as relagoes entre ciénciae filosofia de um Angulo novo, o filésofo japonés con- sidera a vignciaimediata das leis da natureza nos sees inanimados cenos sees vivos. As coisas inanimadas, diz ele, sio completamente passivas A vigéncia da lei, © nessa medida essa vigincia pode ser ‘considerada como diet; nos eres vivos, porém, as leis da nature 2a surgem come eis vidas, pois em todos esses seres as lis se apre- sera como les vividas em suas vidas. Nesse sentido, o termo “ins ‘ino designaria a apreensio cua apropriago dessa leis, com- portamento instintvo sera ale da natureza tornada manifest. (0 modo de ser do objeto t8eico, entretanto, nao ¢ imediato, cesim mediato, Diferentemente do instinto, a tecnologia implica uma apreensio intelectual dessas kis, um processo de abstragio que serd ‘em seguida desdobrado nur processo de concretizaso: quando 0 hhomem pré-historico aprendeu a fazer Fogo através do uso de ins- srumentos, esa habidade contnha embrionariamente a comprees so das leis da natureza como leis. Nesse caso, em vee de manifes- tarse digetamente, a lei da natureza se manifesta como le através da tecnologia do homem, sto, como atividade refratada pelo co- nnhecimento, “O mesmo ocorre no caso do conhecimento eda tee- nologia que se tornam cientificos”, escreve Nishitan “Nas ciéciasnaturas, a leis tornam-se conbecidas somente como leis em sua abstraglo euniversalidade a t=- nologia que contém tal corihecimento torma-s a tecnologia smecanizada ,.] As maguinas e a tecnologia mecénica sio 4 suprema incorporasio apropriagio das leis da natreza pelo homem."6 5 Keiji Nishiani, Religion and nothingness, trad introd. de Jan van Brogt, Berkeley, University of California Press, 1982, p. 79s. tbidem, pp. 81-2 “Tecnologia, perda do humanoe rise do sueito de deco 233 SS) Se ll ee AA vigéncia das leis da natureza se manifesta, portanto, em versas dimensGes. No campo fisco como mat Kaper se, 1 ORS Ian cd ea ie telecto... € no campo da tecnologia mecinica, como sua forma de rmanifestagio mais depurada. Vé-se que quanto maior o poder de apropriagio, incorporagio¢ uso dessas lis, mais intensa asa mae nifestagao. Mas por outro lado, ¢ paradoxalmente, quanto mai o poder dos seres de usa as isda natureza yaa seus préprios| i Pesto, Ge 0 grau de liberdade de uso dessas leis, new i sujeigio a elas [Nishitani acredita que nada expressa melhor esse paradoxo do aque a miquina, "As maquinas”, diz ele *sio puros produtos do intelecto hum: construidas para (5 propésitos do préiprio homert, Em lugar algum podem ser encontradas no mundo da nature atureza (como produtos da ntetanto, a ola ss les da matreza encontea 0 expressio mais pa nas miiquinas, mais pura do que cen qualquer produto da natureza. As eis da natureea ope- fam dirtamente nas msiquinas, com uma imediaticidade que ‘io pode ser encontrada em produtos da natureza, Na mé- ‘quina, a natuceza € trazida de volta para i mesma de uma smancira mais depurada (abstrada) do que possvel na prox pia matureza. Assim as operas da maquina tofnaramse ta expressio do trabalho do homem, Com uma abstragio amas pura do que tudo nos produtos da natureza, quer d- zer, com um spo de absteagio impossivel para 68 aconteci= ‘os naturals, a expressio das leis da natureza torncu-se uma expressio do trabalho do homem, Ito sostra a pro- findidace do conte das leis da natueca | Entretant,, supretna emancipagio da vigéncia das leis da natureza, a Suprema aparigdo da liberdade de usar tas kis. Na miqui- ‘a0 trabalho humano & completamente objetivado; de cer {© modo, a agio intencional do homem € incorporada na visto pelo outro lado, © surgimento da mig “Tecnolegiae futuro do humane natureza como parte das coisas da naturera,¢ assim 0 con trole sobre a nature € raicaliado. 4 natoreza mais abrangente do que 0 autocontroe da pro ria natureza, Veros entdo aqui com a maior claret ate Ingio segundo a qual subordinar-se ao contro da fim plicadietamente em liderarse dela"? ‘controle sobre ‘A analise de Nishitani é importante porque nos faz perceber a paradoxal east entre homem enatureza medida pela ciéncia e pea tecnologia Sua compreensio da maquina ao mesmo tempo ‘como suprema manifestagio das lis da natureza € como supremo rtificio € extremamente instigante. Mais ainda & sua caracteriza~ Gio da nova stuagiocriada com 0 avento da maquina. Com ee {0 fikisofo apontara win movimento segundo o qual, da maria inerte 8 maquina os sete assumiam cada vez mais o controle das leis da natureea; mas agora este movimento estaria sofrendo um sada vez mais con processo de inversio, no qual o controlador & trolado, De um lado, a leis da natureza comegaram a reqsstmir 0 ‘controle sobre 0 homem que as controla; de outro, quanto mais © hhgmem tem de sujeitar-se, mais procura trata as leis cl warureza como algo que Ihe € completamente exterior. gumdo Nishitani, o cam ‘Vejamos como as coisas se passa. pono quala maquina aparece & consttuido pela aticulagao entre dois fatores: uma intligéncia abstrata que busca a racionalicade cientifica, ¢ uma natureza “desnaturalizada”, “mais pura do que a propria natureza”. Ocorre que ese campo esti minando a propria natureza da humanidade, Quando as leis da natureza assumem 0 tniximo de controle sobre os seres os seres assumem o maximo de comrole sobre as les, rompe-se a barrcira entre a humaridade do homem e a naturalidade da natuceza, instaurando-se uma pro- funda perversio, uma inversio da relagio mais elementar na qual homem assumira 0 controle das-eis da natureza por meio do * bide, pp. 834. “Tecnologia, porda do humanoe crise do sujet de diets ay e controle que essas mesmas leis forjaram sobre a vida € o trabalho do homem; agora as lis da natureza reassumem 0 contele através / de um processo de mecanizagao do homem. A essa inversio corres- ‘Nishitani escreveu seu texto em meados dos anos 50 e jé apon- onde outra, elativa a vigéncia das les da natureza sobre o homem, tava, ali, plea era da tecnologia mecdnica, a tendéncia 3 perda Pois 0 maximo de racionalidade cientifca e © maximo de natureza do humano. f interessante observar que a mesma preocupagio vai ermanece . ‘oculta a verdadeira configuragao dessa situagao; isto €: a inversio, ‘a perversio da antiga relagdo entre homem e natureza. A racionali- 2agio da vida eva o homem a submeter-se as maquina que ele mes- . mo construiu; por outro lado, o progresso da ciéncia e da tecnolo- i gia caminha em sentido oposto ao do progresso da moralidade da te, ‘conduta humana, jé que o processo fortalece um modo de ser pré- ; reflexivo, ndo-racional e ndo-espiritual, e nem por isso .nstintivo. } a mesmo tempo areciproca bnimagdo do mecinico, Ja nao temos categorias pucas do ser vivo e do ser inanimado. [1 Esto falaado de nosso mundo real e nfo do mundo da fic 0 quando digo: Um dia teremas milhdes de entidades bi- bridas [.]. Vamos ter de quebrar a cabesa para defini-las verbalmente como ‘homer’ versus ‘miquina’. A questio real fe seri: A emtidade compésitacomporta-se de modo huma~ “yo? [] © homens’ ou ‘ser humano' sfo termos que deve- mos compreender ¢ usar corretamente, mas eles no se ¢e » Pilp K. Dick, “The android and the human, *Man, android, andl” * machine”, in The shifting ets ofPhiipK. Dick Selected trary and pir Tosophical rings, organizacio cintrodugio de Lawrence Sui, Nova York, * Tbidem, pp. 85-6 | Pantheon Books, 1995. Tecnologia eo fururo do humano “Tecnologia, perda do humano ¢ crise do sujeito de diccito 27 en eee SEEEEETSOSLCOC__CTC"#ENFFEPEP... =e fore 8 origem ov a qualquer ontologia e sim 20 modo de serno mundo J"! ( comentirio de Dick aponta para uma intensificaglo da me canizagio do homem e para um aprofundamento da relasio per- versa entre homem ¢ natureza. Por outro lado, constatando a per dda do humano e tentando encontrar onde este ainda se refugia, escritor descobre que ele se afirma no mais puro egofsmo, no dese- jo de expressar uma vitalidade cada vez mais ameagada pelo avan- «0 da dominagdo fundada na racionalidade tecnocientfica. Numa palavra: Dick descobre que o humano manifesta-se num compor- tamento *selvagem”, 0 comportamento de um sujeito que perseguc a satisfg de seus desejos negando a mecanizagao ea ordem que a sustenta. Com efeto, como nao percebero nilismo do que Dick preconiza ao eserever: “fool a étiea mais importa para a sobrevivéncia do ‘erdadcto individu humano seria: engane, mint, escape, tropaccie, esteja em outra, forje documentos, constua dis- positives eletnicos aperfeigoados na sua garagem que sejam ca res de despistar os dispositivns usados pelas atridades"2!! ‘Os ensaios de Dick parecem confirmar aanslise de Nishitani, segundo a qual a mecanizagio da vida humana e a transformagao ‘do homem num sujito completamente nio-racional perseguindo seus descjos si faces da mesma moeda. Por outro lado, também pparecem corroborar a observagio do filésofo japonés de que o peo: {gress da cineia eda tecnologia caminha em sentido oposto a0 do progresso da moralidade da conduta humana. O mais fascinante, ro entanto, & dar-se conta de que a satisfagio do desejo desse su jeito que tenta escapar da mecanizagio se faz cada vez mais inten- °° tbidem,p. 212 Dbidem, pp. 194. Teenclogia eo feta do human0 sificando 0 préprio processo de mecanizagio, Isso ji desponta na propria recomendagio feta por Dick. Mas ercio que a melhor manera de entender o que se passa verifica-se no campo da repro- dugio humana. © desejo de ter um filho por parte de.individuos que no po dem ow nao querem té-lo pelas vias biologicas “normais” pode ser satisfeitoatualmente gragas aos avangos tecnociemifios da chamada reprodugio assistida. Como diz Lori Andrews,!? *os anos 60 trou: xetamn 0 sexo sem procriagio; os 80 trouxeram a procriagio sem sexo”. O leque de opgies para a satisfagto desse deseo amplia-se ininterruptamente: das inseminagbes artifcias & possibilidade de clonagem humana, passando pelos bebés de proveta, os hancos de ‘sperma, as barigas de aluguel, a comercializago de ovos ¢ emt brides, e as promessas da engenharia genética para a geragio da “crianga perfeita”. Ora, a abertura desse campo cst bes inéditas, Na Inglaterra, uma jovern deseja concer riando situa- sxperien cia da imaculada concepao porque se ientifica com a Virgem Ma ria,enquanto tm casa de gays ¢ um casa de lsbicas dlescjam coms- tituie um novo tipo de familia. Na Iria senhoras de idade desejam ser mies, Clientes japoneses viajam para contratar barrigas de alu- ‘uel no exterior porque a atividade é legal em seu pais. Nos Fs dos Unidos, diversos bebés gerados por mies substitutas vem sen- do abanidonados porque nasceram com o sexo errados ao mesmo tempo, disputas judiciais colocam aos juizes a responsabilidade de ter de decidir quem éa mie:a mulher que forneceo dvulo.ou aqua ave portowe pariu a crianga? Em todo o mundo as concepes ta- dicionais de vida, de mort, de procriagio, de filiagao, de parentes- co estio sendo implodidas e & grande a controvérsia em torno do momento em que o material humano passa a ser pessoa. Na Europa e nos Estados Unidos os juristas comegam a se defrontar com os efeitos da combinagao perversa entre mecaniza~ 2 Gado por A. Kimbrel, The lunnan body shop — The emgincering and marketing of fe, Penang,(Malisia), The Third World Necwork, 1993, p. 68 Tecnologia, peda do humano ecrse do sujet de dieito ww 8 ee

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