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04. 30.
que velha que nada,
vidas itinerantes: em busca na medida! almas das ruas
do “respeitável público” A Kombi chega aos 60 anos e começa trocar o As personagens que dão vida às ruas.
.33
mercado automobilístico para se tornar quartos,
De cidade em cidade: a vida daqueles que levam
bibliotecas e casas.
.16
alegria e diversão.
10. 35.
pequenos em Santa Maria.
18.
notas de uma vida errante
no buraco da jogatina (des)agradável
Do glamour dos salões de jogos aos cubículos sub-
terrâneos da cidade: descubra onde as pessoas
.22 .36
vão jogar as máquinas caça-níqueis hoje.
imperadores de um reino talentos tipo exportação
.12 de aluguel De Santa Maria para o sucesso: a trajetória de
Memórias de ontem e de hoje no Imperial Hotel.
pessoas que passaram por aqui e que alcançaram
mar de apostas
25.
o reconhecimento nacional e internacional.
38.
Entre uma aposta e outra, a FDP visita o pôquer.
Esportes de contato, de força ou que fazem suar? Que nada! Santa Maria
mostra-se um polo de esportes em que os músculos não são prioridade.
– Eu já deixei até de f... pra jogar futebol físico, podem ser julgadas como brinca-
de mesa. deiras de criança ou simples hobbies por
– Mas então isso faz tempo, hein, ô Beti- quem é leigo. Entretanto, são sim consi-
nho! deradas esportes.
Foi neste clima de descontração que a É o que afirma o coordenador do
Fora de Pauta foi recebida no salão da Associa- Curso de Educação Física (Bacharelado)
ção Atlética Banco do Brasil (AABB) de Santa Ma- da UFSM, Rosalvo Luis Sawitzki. Segundo
ria, onde se reúnem amigos que têm em comum ele, existem vários conceitos de espor-
a paixão pelo futebol de mesa. Com os ouvidos te, mas um dos mais difundidos é aquele
atentos ao jogo Riograndense F.C. x Gaúcho de que o define como uma atividade física
Passo Fundo e os olhos grudados no certame de ou mental que tem regras uniformes no
seus botões, os praticantes do esporte, a maioria mundo inteiro. “Da mesma forma como
já veteranos, demonstravam levar os seus jogos ela [a prática esportiva] é jogada no Ja-
tão a sério quanto um técnico à beira do grama- pão, ela é jogada aqui”, afirma Rosalvo.
do. Então, atividades baseadas mais em es-
Futebol de mesa é apenas um dos espor- forço mental e/ou coordenação motora
tes “sedentários” – ou que aparentam sê-lo – que também podem ser consideradas espor-
coleciona adeptos, e até títulos, em Santa Ma- tes.
ria. Essas atividades, que não priorizam o esforço Em termos de esporte, Santa Ma- Embate de artilheiros: na mesa, Riograndense, de Glênio (à direita), e Vasco, de
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Beto (à esquerda) jogam de igual para igual.
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fora de pauta no 8 / junho de 2010
no buraco da jogatina
Por: Gabriela Loureiro Ilustração: Rodrigo Bitencourt
“Só o jogo não reconhece remitências: com anos atrás, aconteciam shows de punk e hardcore. doso tenta, inutilmente, dissipar a fumaça dos ci-
a mesma continuidade com que devora as noites As pichações se sobressaem por todos os lados, e garros dos jogadores, que se apinham na pequena
do homem ocupado e os dias do ocioso, os milhões assinaturas nos pilares e nas paredes remetem ao sala para jogar nas máquinas. Onze pessoas estão
do opulento e as migalhas do operário, tripudia movimento Anarquista. disputando os sete computadores adaptados ao
uniformemente sobre as sociedades nas quadras Uma lâmpada pendurada no teto ilumina sistema de jogatina, enquanto uma senhora, com
de fecundidade e de penúria, de abastecimento e o local de aparência decadente, com pedaços seus quarenta anos, troca notas, retira o dinheiro
de fome, de alegria e de luto.” (*) de madeiras e painéis espalhados pelos cantos. ganho das máquinas, serve cafezinho ou suco de
No centro de Santa Maria, entre o movimen- Saindo da sala, há um ambiente aberto e escuro. laranja e joga conversa fora com os clientes.
to incansável de milhares de passos, encontra-se Dobrando à direita, existem duas portas antigas, Os clientes se conhecem entre si, e algumas
um submundo pouco conhecido. Para desbravá-lo, uma de frente para a outra, com as fechaduras senhoras torcem umas pelas outras. A amizade e
é preciso “cair em um buraco”, como em Alice no corroídas pelo tempo e pelos trancamentos. Se a socialização, aliás, são dois motivos apontados
País das Maravilhas, e penetrar em um mundo de dobrar à esquerda, chegará a um botequim co- por duas senhoras como fundamentais para se ir
fantasias. Porém, esse buraco não é tão fabuloso mum, com paredes azul-celeste, televisão pen- “à jogatina”.
quanto o do filme. durada na parede, mesa de sinuca, variedade de – A solidão é difícil, a gente se aposenta, é
A entrada é uma porta delgada que abre cervejas baratas e um vidro de ovos de codorna viúva, os filhos mudam-se e vão trabalhar... A gen-
espaço para uma escada pouco comprida, de de- em conserva. te precisa de alguém pra conversar, diz M., que
graus irregulares, que, em analogia aos objetos tem jogado menos ultimamente devido à perse-
de Alice, parece dizer “me reforme”. Quando se Como uma reunião de amigos guição da família.
chega ao final da escada, depara-se com uma sala Cada um tem também o seu próprio “man-
que realmente parece com a de uma reforma que Até então, o ambiente corrobora com a tra da sorte”. W., um homem com seus trinta anos,
foi interrompida há algum tempo. É um daqueles ideia atual de transgressão e obscuridade liga- por exemplo, recita para a máquina “Vem pro ti-
porões de casas antigas, que perdeu o significado da a jogos de azar. Entretanto, quando se entra tio! O titio te ama!”. Ele refere-se aos animais
depois da reformulação de sua parte superior. em uma das primeiras portas antigas, depara-se que aparecem no jogo. No monitor da máquina,
Dois pilares de concreto sustentam as duas – quem diria – com um ambiente familiar. Lá, cin- existem cinco colunas e três linhas, totalizando
lojas de comércio que estão hoje onde, há 50 anos, co máquinas “caça-níqueis” e duas “videobingo” quinze animais que aparecem em cada aposta.
era a residência dos Gai, uma família tradicional estão dispostas entre quatro paredes pintadas de Cada animal possui um valor e se eles aparecem
de Santa Maria. Mas o que se vê na primeira sala roxo que se encerram em um cubículo. A única um ao lado do outro, o jogador ganha créditos.
do porão são os resquícios de um bar onde, quatro janela do local está fechada. Um ventilador rui- Dependendo do cenário (o qual o jogador pode
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escolher), os animais variam, como em um jogo co ou acessível ao público, mediante o pagamento
infantil. Dentre os temas: pantanal, Halloween e de entrada ou sem ele”. E por que as máquinas
Amazonia King (vulgo Tarzan), W. escolheu o pri- caça-níqueis são consideradas jogos de azar? Por-
meiro e torcia para que o elefante – animal de que, ainda de acordo com o artigo, jogos de azar
maior valia – aparecesse. Um senhor de calças e são “o jogo em que o ganho e a perda dependem
moletom do Internacional, aparentes 50 anos, a exclusiva ou principalmente da sorte”.
duas máquinas de distância de W., brinca com o Quanto a isso, não há do que duvidar:
próprio azar e com o de seu companheiro, dizendo qualquer um que já tenha jogado nas máquinas
“a essa hora o elefante tá no circo!”. de caça-níqueis sabe que basta apertar alguns bo-
tões mecanicamente para ganhar – ou perder – as
Distração que vicia apostas.
As operações para apreensão de máquinas
– Ah, eu era viciada, era uma distração pra caça-níqueis e de fechamento de bingos lideradas
mim, um hobby, porque eu morava sozinha, não pela Polícia Federal intensificaram-se em 2004,
tinha o que fazer de tarde, aí comecei a ir, um dia quando o presidente Luís Inácio Lula da Silva
sim e o outro também, desabafa Dona A., 76 anos, editou a Medida Provisória 168, determinando o
que descobriu a máquina caça-níquel em 2007 fechamento de bingos em todo o país. Então, de
através de uma amiga, mas parou de jogar em salões luxuosos repletos de equipamentos, com
2009, quando os estabelecimentos que dispunham o ar glamoroso do gambling de Hollywood e com
de tais aparelhos pararam de funcionar à tarde. grandes janelas de vidro abertas durante o dia,
Acostumada a jogar o jogo do bicho há pelo as máquinas caça-níqueis foram parar em cubícu-
menos 50 anos, não tardou muito para Dona A. se los, escondidos em ruínas, que só abrem durante a
viciar também no “caça-níquel”: noite. O próximo passo seria a extinção dos jogos
– Eu comecei colocando dois reais e usava de azar?
o crédito que vinha. Aí comecei a botar cinco, ou É o que espera grande parte dos juristas
vai ou desce! mais renomados do país, que pensam que o “O
Ela afirma que nunca gastou mais que vinte jogo, o grande putrefator, é a diátese cancero-
reais em uma tarde, porém, quando se começa a sa das raças anemizadas pela sensualidade e pela
jogar, é muito fácil perder dinheiro. Existem casos preguiça; ele entorpece, caleja, desviriliza os po-
de pessoas que ganham dois mil reais em uma jo- vos, nas fibras de cujo organismo insinuou o seu
gada, mas também em que a pessoa perde muito germe proliferante e inextirpável” (*). Do outro
mais, inclusive o autocontrole. lado do níquel, estão idosos que não veem male-
fício algum em gastar seus merecidos tostões no
Na ilegalidade jogo, como Dona A., “Eu acho que foi a maior in-
justiça que eles fizeram, porque era uma distração
É por isso que as máquinas caça-níqueis es- para os velhinhos aposentados. Em vez de ficar em
tão entrando em extinção: trata-se de um jogo de casa assistindo TV, que só passa bobagem, iam lá
azar. A Lei de Contravenções Penais (nº 3.688), de jogar e se divertir!”. Basta aguardar para ver qual
1941, no artigo 50 (Das contravenções relativas à será o futuro das máquinas e se a jogatina é uma
polícia de costumes) decreta que é proibido “Es- questão política ou cultural.
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tabelecer ou explorar jogo de azar em lugar públi- (*) Frases de autoria de Ruy Barbosa
Cada jogador recebe duas cartas, e mais péu para descansar os olhos ou um mp3 player lidade de ser viciante, afinal, envolve dinheiro.
cinco são dispostas na mesa. Na primeira rodada, para se distrair. É, isso mesmo, se distrair. Apesar Muitos jogadores passam de seis a oito horas por
são viradas três das cinco cartas. Nas próximas de o pôquer exigir atenção extrema, o clima fica dia em uma mesa real ou virtual. Angelo explica:
rodadas, o outro par. Ganha quem fizer a melhor tenso quando uma aposta é alta ou um blefe está “o pôquer é um esporte que exige muita paciên-
combinação das suas duas cartas com as da mesa, prestes a ser percebido. cia. Jogadores bons são os que esperam a mão
ou quem convencer seus adversários de que é ca- Ah! O blefe. Havia me esquecido dele. Ele, certa para fazer uma aposta”. Talvez seja por isso
paz disso. Simples? Não. É pôquer. inclusive, originou o nome pôquer, vindo do ale- que um player que joga em todas as mãos é cha-
Nacionalmente, o pôquer é legalizado so- mão pochen, que quer dizer, adivinha o quê? Sim, mado de maniac. Certo, chega de gírias. Sobre
mente dentro de clubes, onde não há exploração isso mesmo, blefar. Dizem que o truco espanhol, as apostas, Vinicius Caponi, um dos fundadores
financeira do esporte. Na cidade de Santa Maria, carteado muito popular na fronteira castelhana, do Poker Residencial, diz que “qualquer jogo não
existem dois grandes clubes de pôquer. Um de- não pode ser jogado sem a mentira. O blefe nada se torna muito atrativo se não tiver alguma retri-
les é o Poker Residencial, que organiza jogos por mais é que tentar fazer com que o adversário buição”.
meio da sua comunidade no Orkut e do seu site. acredite que você tem um bom jogo, por inter- Bom, mas, então, a que estaria atribuída
O outro, o All In Texas Club, possui torneios que médio de uma aposta alta, tendo cartas ruins. É a habilidade do jogador? “O jogo é de muito ra-
variam a modalidade e a premiação, dependendo a mentira do pôquer. Muitos dos sharks do pôquer ciocínio, estratégia e leitura do adversário. Até
do número de competidores. O clube abriu suas são jogadores que conseguem notar um blefe. mesmo estratégia psicológica. Isso induz muitos
portas dia 18 de abril deste ano, amparado por Como? Sharks? Acho que chegou a hora de passear jogadores a pensarem de maneira errada” diz Vi-
uma sociedade de jogadores santa-marienses que por algumas gírias do jogo. nicius. Carlos Martins, também jogador, exempli-
ultrapassa 300 membros. Os jogadores são qualificados por suas ha- fica: ”durante toda rodada, fico calculando pro-
Como todo clube, os ambientes de pôquer bilidades. Um fish seria um mau jogador, aquele babilidades. O importante é não perder a lógica
são mantidos por regras. São normas de condu- que acaba por enriquecer mais ainda os sharks... e saber a chance que cada jogador tem de fazer
ta singelas, mas que fazem muito sentido para Ahn? Sacou? Sharks são os melhores jogadores, o melhor jogo”. Angelo salienta uma das quali-
os jogadores. No All In..., por exemplo, não é aqueles que ganham a maioria das mesas. Exis- dades do bom jogador: “o bom jogador é quem
permitido fumar ou se levantar durante o jogo, tem também os Whales. As baleias do pôquer são sabe jogar com o que tem para apostar”. Leo-
ou até mesmo comemorar de forma exagerada: os jogadores com o Bankroll mais alto. São os que nardo Rocha, outro jogador, completa com uma
“Gostamos de manter um clima de amizade e têm mais grana acumulada. Eles entram nas me- comparação: “assim como no xadrez você joga
respeito entre os jogadores”, diz Angelo Frazzon, sas e conseguem fazer apostas altas. Muitos fish com as peças, no pôquer você joga com as cartas
presidente do clube. e sharks perseguem whales pela possibilidade de e também com o seu adversário”.
dobrar seu dinheiro em uma rodada. É uma guerra Existem as mais variadas modalidades de
Nadando com peixes e tubarões em alto mar. Bom, chega disso. pôquer, desde o Texas Hold’Em, o mais popular,
até o Strip Poker, o mais interessante por envol-
Jogadores de pôquer geralmente Entre o esporte e a jogatina ver gente nua e garrafas de uísque. Mas melhor
carregam alguns costumes. Quase não falar de sexo, isso fica para a reportagem
todos andam com seus óculos O pôquer é recriminado pela suposição de da página 26.
escuros. Alguns ainda ser um jogo de azar. Angelo discorda: “o pôquer é
usam um cha- 95% raciocínio lógico e somente 5% sorte”.
Talvez, então, seja a possibi-
assunto: aumente seu pênis em uma semana
Por: Paolla Wanglon
Eu sei que parece bobagem. Mas a gente A verdade é que todo cuidado é pouco. Se
nunca sabe o que pode acontecer. Nunca se sabe tem alguém dizendo tudo isso por aí, um fundo de
o que é verdade e o que não é. E, por via das dú- verdade há de ter. E se muita gente repete, deve
vidas, prefiro duvidar. Me chamam de pessimista; ser porque não é só o fundo.
mas acho que prefiro presumir que o copo está Na superfície também. Boiando. Como
vazio do que ficar com sede depois. aquele dedo humano que acharam na lata de re-
A menos que a sede envolva certo “refri- frigerante. Milagre ainda estar inteiro, na verda-
gerante gaseificado à base de cola”. Nesse caso, de. Não sabia que o tal refrigerante é tão ácido
prefiro o copo vazio. A menos que seja para limpar que dissolve até ossos? Ossos, aliás, que as gali-
o motor do meu carro, como os próprios motoris- nhas que dão a carne para os hambúrgueres de
tas de caminhão fazem. É verdade. Mais barato e redes de fast-food não têm. São só carne, macia
mais eficiente do que um solvente industrial. Isso e lucrativa.
sem contar aqueles pobres meninos que morre- O lucro, que sempre move as coisas. Única
ram. Aqueles que comeram bala de menta e be- razão pela qual um príncipe nigeriano mandaria
beram o refrigerante depois. Dizem que a mistura e-mails em massa pedindo ajuda financeira a des-
é explosiva e fatal. conhecidos para investir em um negócio bilioná-
Fatal, também, é a gripe suína, H1N1, rio. E o retorno é garantido. Conto os dias para
gripe A, como queira chamar. Foi especialmen- receber minha parte.
te desenvolvida pelos governos do mundo, numa Mas perco a conta da quantidade de crian-
tentativa de controle populacional que não pode ças desamparadas com doenças terminais que ne-
ser comparada a nada antes visto. Sobraremos cessitam desesperadamente de ajuda financeira.
poucos no mundo: quem não morrer com a do- É uma benção poder ajudá-las reencaminhando
ença morre com a vacina. Vacina? Está mais para e-mails para a minha lista de contatos.
veneno. Aliás, pretendo ter filhos um dia. Bom que
Veneno outro é esse óleo de canola. Al- não sou homem, senão não poderia ter escrito
guém já viu um pé de canola? Acho que não. É esta crônica e ainda querer tê-los. Ficar com o
apenas mais uma tentativa dessas indústrias de notebook no colo não é nada bom para a conta-
lucrar ao máximo. Criam esse produto sintético gem de esperma. Mas, se eu fosse homem, pode-
e ainda colocam no rótulo que é mais saudável ria, pelo menos, aproveitar os ótimos descontos
do que outros óleos que vêm de plantas de ver- em terapia de aumento de pênis.
dade. Enviar 13
fora de pauta no 8 / junho de 2010
que velha que nada, na medida!
Por: Arnaldo Recchia e Hilberto Prochnow Filho Fotos: Divulgação e arquivo pessoal Inês Calixto e Franco Hoff
O vai e vem dos partidos pequenos e os problemas das chamadas siglas nanicas em âmbito municipal.
O Brasil possui 27 partidos políticos regis- sete partidos constituíram diretórios, enquanto Abrangência da consulta:
trados no Tribunal Superior Eleitoral. Em Santa 17 estão em comissão provisória. Municipal - SANTA MARIA - RS
Maria, 24 desses partidos estão presentes, de Partido Tipo do Orgão Inicio Vigência Fim Vigência
uma forma ou de outra. A maioria deles são des- Os lanternas da votação DEM Diretório 20/10/2007 20/10/2010
conhecidos, pois têm pouca representatividade e PCB Comissão Prov. 28/09/2003 28/09/2006
também uma duração muito curta. A causa disso é Nas últimas eleições municipais, 20 parti- PCdoB Diretório 12/09/2009 12/09/2011
a maneira como eles se formam na cidade. dos colocaram-se à disposição do eleitorado, sen- PMN Comissão Prov. 15/03/2009 31/12/2010
Existem duas situações nas quais os par- do que 14 em condição de comissão provisória. PR Comissão Prov. 26/08/2009 Indeterminado
tidos podem se estabelecer em um município ou Como não seria possível conversar com todos, a PSDB Diretório 13/09/2009 01/03/2011
região: por diretório ou por comissão provisória. reportagem da Fora de Pauta fez um mapea- PDT Comissão Prov. 11/11/2009 11/05/2010
O diretório exige 45 representantes registrados, mento do último pleito e, a partir dessa análise, PMDB Diretório 28/10/2007 28/10/2009
e que estes cumpram uma série de requisitos le- procurou integrantes dos três partidos que obti- PT Diretório 09/12/2007 09/12/2010
gais para que possam ser aceitos como tais. Já veram os piores índices de voto na disputa pela
PHS Comissão Provi. 05/10/2007 04/05/2009
a comissão provisória tem prazo de dois anos e Câmara de Vereadores. Excetuando-se o Partido
PPS Comissão Provi. 01/12/2009 01/06/2010
funciona como uma ponte para que, ao término Verde (PV) e o Partido Trabalhista Nacional (PTN),
PP Diretório 08/08/2009 08/08/2011
desse prazo, estabeleça-se o diretório, o que, na que não apresentaram candidato, o Partido Tra-
PRB Comissão Provi. 02/02/2009 Indeterminado
maioria das vezes, não acontece. Essa estrutu- balhista Cristão (PTC), com 109 votos, o Partido
PSDC Comissão Provi. 05/11/2008 04/05/2009
ra acaba configurando um jogo de “vai e volta”, Humanista da Solidariedade (PHS), com 88 votos,
com muitos partidos funcionando como legendas e o Partido da Mobilização Nacional (PMN), com
PSC Comissão Provi. 02/10/2009 Indeterminado
de aluguel para grupos e interesses pontuais e 33 votos, foram os lanternas da votação. PSL Comissão Provi. 16/03/2004 27/02/2009
transitórios, pois, ao término do período de dois Coincidentemente ou não, as direções es- PSOL Diretório 18/03/2008 18/03/2010
anos, as forças partidárias dessas siglas se disper- taduais ou nacionais do PHS e do PMN não soube- PSTU Comissão Provi. 14/06/2008 31/12/2009
sam. Tempos depois, o partido ressurge com no- ram informar sobre os representantes dos partidos PSB Comissão Provi. 08/01/2010 09/01/2011
vos líderes e nova comissão provisória, para logo em Santa Maria. Talvez o pífio resultado eleitoral PTB Comissão Provi. 12/03/2007 Indeterminado
depois acabar novamente. A realidade é tão com- tenha solapado, pelo menos por hora, o interesse PTC Comissão Provi. 15/04/2008 15/11/2008
plicada que alguns dos diretórios estaduais desses dos dois pequenos partidos na cidade. PTdoB Comissão Provi. 12/02/2009 Indeterminado
partidos não sabem ao certo a situação em que Já o PTC está se rearticulando, agora com PTN Comissão Provi. 30/06/2004 24/07/2009
eles se apresentam no município. Para se ter uma um novo grupo de líderes. A antiga base se des- PV Comissão Provi. 30/07/2008 30/06/2009
ideia do cenário político de Santa Maria, apenas fez, e agora o partido será comandado pelo Pastor Fonte: http://www.tse.jus.br/internet/partidos/orgao_blank.htm
16 fora de pauta no 8 / junho de 2010
Delenir Rosa de Quevedo, antes filiado ao Partido
Democrático Trabalhista (PDT), que se disse sur-
preso com o convite da direção estadual: “Eu me
surpreendi quando fui convidado. Acredito que é
pelo nosso trabalho pelas pessoas mais necessi-
tadas. Eu, como presidente de partido, acho que
um presidente não pode ficar sentado pensando
só em si e em cargos e sim pôr o pé no barro e
ver a situação de cada bairro, de cada habitante,
desenvolver um projeto para eles. O PTC vai nos
dar condição para isso”.
O Partido Trabalhista Cristão, segundo
Delenir, seria registrado no dia 5 de maio. A ex-
pectativa era que fossem filiadas 800 pessoas, es-
tando o foco no público cristão. A ideia é atrair
presidentes de bairros e montar uma base sólida
do partido na cidade, inclusive estabelecendo-se
na condição de diretório já nas próximas eleições
municipais. Questionado sobre o vai e vem das
siglas, um dirigente do PTC, que preferiu não se
identificar, afirmou que muitos partidos pequenos Dia 17 de abril houve a reunião para a instalação da comissão provisória do Partido da Pátria Livre no plenarinho da
estavam sendo utilizados para negociatas, caso Câmara de Vereadores.
Quando duas ou mais pessoas analisarem esse ensaio foto- o bizarro, o estranho é esquecido quando os contextuali-
gráfico, por exemplo, cada uma irá esboçar as mais variadas zamos ou fixamos o olhar em algum elemento que reflete
expressões, que nada mais são, na verdade, que resultados a sensibilidade do fotógrafo em gravar aquele momento,
de sentimentos comuns a todos os homens: sensibilidade, criar aquela estética e mexer com os nossos sentidos.
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fora de pauta no 8 / junho de 2010
Foto: Nandressa Cattaani
Foto: Andressa Quadro
Foto: Andressa Quadro
Foto: Marcelo De Franceschi Foto: Andressa Quadro
Fotos: Andressa Quadro
Passado e presente se misturam em um império que se mantém em pé, suportando a violência do tempo e da vida.
A região da antiga estação ferroviária arquiteto Luiz Gonzaga Binato de Almeida, ex-
de Santa Maria, conhecida no passado pelo flu- professor da UFSM e professor da Ulbra Santa
xo constante de viajantes e pela prosperidade Maria, as principais influências arquitetônicas da
comercial, também abrigava a maior parte dos construção, contudo, são da art decó, movimen-
locais de hospedagem na cidade. Com a suspen- to vigente na década de 1930. Essa tendência,
são progressiva dos trens de passageiros, a área segundo ele, destaca em seus traços formatos ge-
passou por um declínio econômico, tornando-se ométricos, linhas verticais definidas, volumes e
reconhecida pelo abandono público, por roubos, ornamentações. Após as constantes ampliações,
assaltos e prostituição. A rede hoteleira padeceu o hotel tem hoje 37 quartos, alugados especial-
do mesmo destino e perdeu seu prestígio. mente para mensalistas a preços populares. O
Um dos estabelecimentos sobreviventes foi pernoite custa R$15,00, e a mensalidade varia de
aberto, em 1930, pelos recém-casados Elvira Sti- R$180,00 a R$220,00, sendo o valor mais elevado
val Benetti e Alfredo Benetti. Nesse ano, o casal dos sete quartos com banheiro privativo. Como
fixou-se na Rua Manuel Ribas, 1767, construindo registro de uma época onde o fluxo de hóspedes
um prédio baixo, com alguns quartos, que abrigou era alto, o prédio se estende para os fundos em
Movimento de passageiros na Estação a hospedaria. Ao empreendimento que começou formato de “L”, reservando um espaço para lazer,
Férrea de Santa Maria, em 1913. O
intenso trânsito de viajantes foi estí- tímido – mas que possuía pretensão de grandeza, com um grande pátio que abriga alguns bancos e
mulo ao desenvolvimento os hotéis da visto a localização estratégica próxima à estação folhagens.
região da Avenida Rio Branco.
ferroviária – chamaram Imperial Hotel. Após 80
anos de funcionamento e várias transformações, Caprichos que não saem da memória
o hotel mantém, da época áurea, a fachada im-
ponente, fustigada pelo tempo, e o ambiente fa- Albino Pozzobon, empresário aposentado e
vorável para o convívio e a amizade. um dos mais antigos moradores da Rua Sete de
A exuberante fachada data da década de Setembro, morou por três anos em hotéis da Ave-
1950, o que pode ser identificado nos anúncios nida Rio Branco. Nesse período, ele ainda dava os
das publicações lançadas no centenário de San- primeiro passos, ou melhor, andava os primeiros
ta Maria, comemorado em 1958. Conforme o quilômetros, na profissão de motorista. Em 1960,
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depois de estar hospedado um ano no Hotel Tupi, italiana e a inteligência do falecido marido são
alojou-se no Imperial, sob a rígida e eficiente di- as poucas e repetidas lembranças que a memória
reção de Alfredo Benetti. Do hotel, Pozzobon re- fragilizada pelo tempo permite dona Elvira recor-
corda da limpeza, da organização, dos bons servi- dar. As mãos trêmulas encontram-se constante-
ços de quarto e da vontade de trabalhar do casal mente, enquanto os pensamentos tentam conec-
proprietário. “O hotel era de primeira linha, eles tar-se, criar sentidos. Um pouco de insistência e
tinham aquele saboroso café colonial. Certamen- ela se lembra do piano que tocava para o marido.
te estava entre os melhores hotéis da época, jun- Instrumento vendido para financiar uma das am-
tamente com o Glória, o Pirajú e o Jantzen. O Be- pliações do Imperial Hotel.
netti era muito trabalhador”, lembra Pozzobon. Enquanto dona Elvira busca alguma lem-
Alfredo Benetti faleceu em 1986, e então brança do passado, seu sobrinho-neto Lucas passa
dona Elvira, que até então cuidava da organiza- em disparada empurrando uma motocicleta pito-
ção e da limpeza controlando as camareiras ou rescamente colorida. Lucas, atual administrador
mesmo realizando o serviço, passou a administrar do hotel, visto as limitações da proprietária, logo
sozinha o Imperial Hotel. “Eu era muito capricho- começa a soldar peças de ferro a alguns metros.
sa, tinha que ser, tratar bem os hóspedes, por- É que ele aproveitou o espaço do antigo restau-
que o hotel não fica na avenida grande, fica ao rante para acomodar as ferramentas de uma ofi-
lado”, explica dona Elvira, 96 anos. Seu capricho cina mecânica, prestando alguns serviços como
no comando do hotel, os pratos típicos da cozinha de solda.
Do falecimento de Benetti para os dias de
hoje, a paisagem ao redor do hotel, assim como Arlindo, Érico, Olavo e
Vasco (da esquerda para
os serviços oferecidos na rede hoteleira local, so- à direita) celebram a ami-
freram transformações. Nesse período, pararam zade, a grande imperatriz
do hotel.
de circular os trens vindos de todas as partes do
estado, o que trouxe mudanças no público do es- diferentes idades, residentes no Imperial Hotel,
tabelecimento. Antes, viajantes que precisavam mobilizam-se para cozinhar uma sopa e acomodar
de um “poso” para tomar outra composição no as visitas. Arlindo, Vasco, Érico e Olavo, em torno
dia seguinte e ferroviários que mantinham quar- da roda de chimarrão, falam da vida, das mulhe-
tos alugados para os dias em que não estivam via- res, do tempo e do Imperial. Lembram-se do que
jando. Agora, mensalistas, operários, solteiros, talvez não tenham visto, de um hotel garboso,
desempregados, com diferentes perfis. Uns que sempre muito limpo e organizado para receber
não querem atender suas portas, outros que dão os viajantes.
um dedo para uma prosa, e outros ainda que se Arlindo justifica seu título simbólico de
reúnem semanalmente para saborear uma sopa e “diretor social” do hotel, ao distribuir as funções
jogar conversa fora. para que o prato principal da janta seja servido
a contento, e trata de apresentar seus vizinhos.
Vasco, ex-cozinheiro do bispado, é quem coman-
Sob o véu da parreira, histórias da a cozinha. Mantém sob controle, ao redor da
Fruto da dedicação de uma vida inteira, o Imperial Hotel panela, batatas, couve, cenouras, carne. Além do
mantém-se em funcionamento desde a década de 1930, Na quarta-feira, 7 de abril, o espírito de chef, o jovem Olavo, estudante em preparação
mesmo com o abandono e a desvalorização da região.
hospitalidade revive no Imperial. Quatro homens, para o vestibular de Direito da UFSM, também dá
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alguns palpites na preparação da sopa. O de passageiros. A decisão pelo desenvolvimento
consultor de vendas de uma empresa de coleta de da indústria automobilística e pela construção de
resíduos especiais, Érico, dedica-se mais a man- rodovias gerou paulatinamente o esvaziamento
ter a conversa viva. dos vagões, processo que afetou diretamente a
Enquanto a sopa toma forma, Olavo relata saúde do hotel.
as surpresas que teve ao chegar à hospedaria, há
um ano e meio. Conta que nas três primeiras noi- Saudades da viação
tes de hospedagem acordou de madrugada banha-
do de suor. Nessas ocasiões, havia tido o mesmo Longe da sopa, no segundo andar do hotel,
pesadelo. “Era um vulto, assim, que aparecia em onde mora há sete meses, o ex-maquinista da via-
um ambiente nebuloso, chegava perto de mim e ção férrea, Evaristo de Moraes, é o mais arguto na
pedia: ‘acende uma vela pra mim, acende uma crítica ao abandono das ferrovias. O senhor de 85
vela pra mim’”. Intrigado, Olavo, que diz não anos é um homem elegante, que mantém o cabe-
acreditar em espíritos, comentou com vizinhos lo bem penteado e a postura sempre ereta. Em
sobre seus pesadelos. Descobriu então que um seu quarto, onde recebe as poucas visitas, osten-
senhor de idade havia falecido no seu quarto na ta sobre a geladeira um enorme retrato em que
semana anterior, e que ficara morto sobre o ca- aparece vestindo seu uniforme de maquinista die-
tre, por vários dias. Desfeito o mistério, Olavo re- sel. Relembra, com algum esforço, cenas de seus
solveu arriscar e não atendeu ao estranho pedido; tempos de ferrovias, mescladas com avaliações
felizmente o pesadelo não voltou. do sistema brasileiro de transportes. Diz que vai
Outras histórias cabreiras vão surgindo. se mudar, mas não sabe quando. A mala, contudo,
Um tal Cezar, que ficou dias sentado na mesma aparenta estar sempre pronta, encostada em um
posição, após ter sofrido um acidente vascular canto de sua cama.
cerebral (AVC), até ser levado ao hospital, sob Novamente ao pátio, a prosa chega ao seu
os esforços dos hóspedes. Um outro morador, que final. A sopa também. As visitas se despedem.
cumprimentou a todos, foi ao banheiro e tirou sua Algumas recomendações de cuidado, afinal de
vida com um tiro. E ainda, o misterioso caso de contas, caminhar pela Avenida Rio Branco à noi-
um cadáver que foi encontrado com marca de tiro te tornou-se perigoso com o passar das décadas.
O ontem e o hoje de Evaristo – seus tempos no comando das
máquinas a diesel estão nas memórias e no retrato. num dos quartos, sem que a polícia tenha desco- Essa região aguarda com ansiedade o projeto de
berto a origem do incidente – latrocínio, homicí- revitalização da avenida, que promete devolver
dio ou suicídio? Histórias nefastas que ofuscam o aos moradores os espaços de lazer, sobretudo o
brilho da antiga coroa do Imperial Hotel. canteiro central da via. O lado negativo desse
No estalar de pratos, sob a parreira que processo, contudo, é a crescente especulação
cobre o pátio feito véu, já armados com pães e imobiliária. Por suas características atrativas ao
colheres, anfitriões e visitas conversam sobre po- desenvolvimento do comércio e à construção de
lítica. Fala-se do presidente de agora, e dos es- arranha-céus, a região vem sendo cobiçada por
tadistas que passaram. Getúlio não conta porque empreiteiros da construção civil. Os prédios anti-
deu cabo da própria vida. Juscelino Kubitschek gos, datados do começo do século XX, podem não
é execrado pelo endividamento da nação para resistir às cifras propostas por construtoras, sob o
construir Brasília. Aliás, Juscelino é um dos res- risco de ruir a memória arquitetônica da cidade e
ponsáveis históricos pela desativação dos trens as lembranças do tempo da Estação.
bruços e agora tinha consciência de que estava bre as práticas sexuais e a sociedade, poderíamos
presa. O grito ecoou no silêncio da casa vazia, e dizer que tudo aquilo que os seres humanos pra-
então ouviu passos rápidos em sua direção; sem ticam entre quatro paredes (e noutros lugares)
pensar, gritou novamente, quase na mesma hora é um grande iceberg; o nível do mar é o espaço
em que a bofetada acertou seu rosto. Com o sus- limítrofe: aquilo que é socialmente aceito sobre
to, calou-se. o sexo e a sexualidade está visível; todo o resto,
Não sabia se ela tinha notado, mas ele a a maior parte do iceberg, está submerso nas pro-
havia prendido em uma tábua sobre três cavale- fundezas do mar, em algum lugar dos imaginários,
tes: um acima dos seios, um na barriga e outro dos quartos de motéis e dos nossos lares.
acima dos joelhos. Estava presa pelos dois torno- Da antiguidade até o século vinte, pro-
zelos, com as pernas ligeiramente abertas; pela fundas mudanças ocorreram de forma paulatina,
cintura, no cavalete do meio; e pelos braços, es- culminando com a revolução feminista e a de cos-
tendidos pelas laterais do primeiro cavalete. Ela tumes sexuais – que modificaram a percepção das
não movia um músculo... sociedades acerca do sexo e da moral.
Os trechos acima, do conto O Sequestro, São seis e quarenta da noite: encontramos
foram retirados do sítio Contos BDSM. Ao fim, re- nossa entrevistada pessoalmente após e-mails e
vela-se que o sequestrador era o próprio marido. telefonemas. O frio acompanha os primeiros dias
A esposa, depois de receber açoites com chicote da Feira do Livro de Santa Maria, e nos faz optar
de couro, de ter cera quente derramada pelo cor- por um café como ambiente para a entrevista.
po e de ser penetrada com um vibrador, “cede” Valentine*, 24 anos, conversou conosco sobre a
ao desejo sexual de seu “algoz”. No fim, a “víti- intimidade dela.
ma” revela que, desde o princípio, soubera que Outra fria noite, agora de sábado, e Ber-
Era uma porta alta de madeira – e estava era o marido a “torturá-la”. nac*, 46 anos, e Juliette*, de 53, estão em Santa
entreaberta. O corretor já deve estar aí, pensou. O imaginário da humanidade está repleto Maria para fotografar com um amigo. Residente
Empurrou um pouco a porta e olhou para dentro. de definições de cunho moral sobre o que é certo em Porto Alegre, o casal está junto há mais de
A escuridão era total. Decidiu então ligar para o e errado, normal e anormal a respeito do sexo. dez anos e é praticante de BDSM (bondage e sado-
telefone do corretor. Para sua surpresa, a cada Desde uma concepção reprodutora, as práticas masoquismo) há alguns. Numa conversa de duas
toque da chamada no ouvido, um telefone tocava sexuais estariam fadadas, por essa visão, ao ob- horas, desnudam-nos um universo ora secreto,
dentro da casa. Não vou entrar aí – pensou – já se jetivo de perpetuar a espécie. Entretanto, o sexo ora exibido – um jogo entre o íntimo e o voyeur,
virando para voltar ao carro. Foi então que sen- e seus meandros passaram por transformações que depende dos espaços sociais destinados às
tiu uma mão puxando-a pela cintura e outra mão diversas de acordo com as culturas e os tempos práticas menos aceitas socialmente.
cobrindo seu rosto. O cheiro do éter entrou-lhe históricos.
pelas narinas e não viu mais nada. O risco consensual, a dor prazerosa
As perguntas começavam a se formar na Somewhere over the… iceberg
sua mente enquanto ela tentou se mexer uma, Cordas, algemas, cera quente, relho...
duas, três vezes. Sabia que estava deitada de Caso quiséssemos fazer uma metáfora so- uma série de acessórios faz parte do universo sa-
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domasoquista – e fetichista em geral. A dor que é ela pode estar suspensa” afirma Valentine. Relações afetivas
infligida por meio desses objetos constitui parte Um recurso comum entre vários prati- – Oi, tc d onde?
fundamental do prazer a ser obtido. As técnicas cantes iniciantes é a palavra de segurança (sa- – SM, e tu?
de amarração com corda, por exemplo, imobi- feword): quando é dita, significa que o dominado – Tmb. Q proc?
lizam totalmente aquele que se deixa amarrar está em seu real limite. “No caso do masoquis- – Quero ser fistado**.
(comumente denominado submisso); quanto mais ta, ele vai tentar ir sempre além do limite dele. – Blz, tmb curto. (...)
movimento, mais justas ficam as cordas; além Mesmo sentindo dor, ele vai querer que tu conti-
disso, pode haver suspensão – a pessoa é amarra- nues. Por exemplo: está doendo? Sim. Quer que O diálogo acima se encaixa muito facil-
da, e as cordas são suspensas em ganchos. eu pare? Não.” A palavra de segurança, portanto, mente em chats nos quais as pessoas procuram
A estética, para muitos, é elemento fun- deve estar fora do contexto, jamais “pare” ou por parceiros sexuais e/ou afetivos. Não é exata-
damental. Algo como estética produzindo pra- “está doendo”. mente o caso de Bernac e Juliette, nem de Valen-
zer, e prazer produzindo estética. É o exemplo “Há práticas que causam lesão física. Por tine e seu parceiro, juntos há seis anos: “A gente
do shibari, palavra de origem japonesa. “Difere exemplo, quem gosta de ser queimado, isso pode meio que foi descobrindo as coisas juntos, então
do bondage no aspecto estético. Bondage impli- causar lesão. Tu tens que ter absoluta confiança muitas coisas que acontecem hoje nenhum dos
ca restrição, tu podes usar qualquer coisa para no parceiro, de que tu vais infligir uma lesão, e dois fazia antes ou sabia. Foi com o tempo, com
amarrar. Já o shibari exige um preparo mais inte- ele não vai depois te acusar de tê-lo machucado. a curiosidade e com a intimidade entre os dois”,
ressante, uma coisa mais estética. Usamos cordas Pressupõe uma confiança grande”, relata Juliet- afirma Valentine.
que sejam de textura macia o suficiente para não te. Fica claro que o ato consensual é como um As práticas sexuais, portanto, são parte da
machucar a pele”, explicam Bernac e Juliette. contrato feito entre dois adultos que gozam de relação, e não o centro dela. A fixação num ele-
O bondage é das práticas que mais exige todas as suas capacidades, em que os limites es- mento específico como única forma de obtenção
entrega do submisso ou dominado. Mais que isso, tabelecem-se pelos parceiros, em parte antes do de prazer pode desencadear, em alguns casos,
presume total confiança entre os envolvidos. “No ato, em parte durante – no teste dos limites. De uma situação patológica. De acordo com o site do
bondage, eles têm um lema: para praticar, eles qualquer maneira, é uma dor prazerosa assumida Projeto Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psi-
tomam o cuidado de ter sempre uma faca e uma e desejada por ambos – ou pelos vários parceiros quiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
tesoura por perto... Digamos que o lugar pegue envolvidos numa play (festa), expressão que indi- Medicina da Universidade de São Paulo (IPqHCF-
fogo, tu vais ter que soltar a pessoa rápido, pois ca sessão com várias pessoas. MUSP), os transtornos de preferência sexual são
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fora de pauta no 8 / junho de 2010
práticas que produzem um comportamento que o anel peniano são componentes para a prática da
gera sofrimento clinicamente significativo ou pre- humilhação e para a produção de dor.
juízo ao funcionamento social ou profissional da É na conjunção das fantasias com os aces-
pessoa. É preciso cuidado, entretanto, para não sórios que se constituem as práticas. Restringir
“patologizar” o assunto. Muitas práticas serão para dominar; humilhar para dominar; ser humi-
vistas, de alguma forma, como negativas porque lhado para ter excitação. “No meu caso, bastante
há uma construção cultural nesse sentido. Bom corda, coleira, corrente. Objetos de sex shop –
exemplo é que o próprio sexo anal (também co- vibradores – a gente não usa muito”, revela Va-
nhecido como sodomia) era crime em vários esta- lentine. Disso, constituem-se as diversas práticas
dos norte-americanos ainda na década de 1960. – que sempre dependem da vontade expressa dos
“Não é porque as pessoas têm essas práti- envolvidos. A chuva dourada, que consiste em uri-
cas menos usuais que não haja sentimento, não nar no dominado, é uma das práticas comuns na
haja amor” pontua Valentine. Essa constatação humilhação. Outra prática, conhecida por alguns
joga luz sobre o sexo de um modo mais simples como travestismo fetichista, consiste em vestir-
do que o tema costuma suscitar: as relações e os se com roupas do sexo oposto – muito comum no
sentimentos existem, e isso independe das práti- caso de dominadoras e submissos. “Uma vez, par-
cas sexuais em si. No íntimo, cada casal ou grupo ticipei de uma play. O meu submisso não sabia o
de parceiros vai estabelecer (pela descoberta, que eu ia mandá-lo fazer. Então comprei um cal-
pelo desejo) aquilo que dá prazer – da penetração çado com saltinho e, numa sex shop, uma roupa
ou do sexo oral ao spanking ou à chuva dourada. de doméstica. Ele disse: ‘não acredito que você
Valentine e seu parceiro gostam de humilhação, vai me fazer isso’. Era algo que teve significância
chuva dourada e inversão (em que a mulher do- para ele, pois ele realmente se sentiu humilha-
mina e, eventualmente, penetra o homem, com do”, conta Juliette.
acessório ou com o próprio dedo, conhecido como O spanking também faz parte do repertório
fio terra). “Assim como ele precisava não ter pre- da humilhação. Usam-se chicotes e palmatória,
conceito com isso, eu também. Então, conforme por exemplo: um misto de acessórios para produ-
foi evoluindo o relacionamento, isso também foi zir dor e prazer – este a partir daquele. “Bater é
acontecendo”, complementa. uma coisa que eu gosto muito. Também produzo o
material, como a palmatória. A parte das cordas
Acessórios protagonistas também, que está relacionada com o shibari”,
explica Bernac.
Estar dentro de um universo sadomaso-
quista abre portas para um mundo de práticas – e Preconceito: prática do passado ao presente
acessórios. São brinquedos que, mais do que co-
adjuvantes, conduzem a produção do prazer pre- “Ele não era tão preconceituoso, mas
tendido. Espartilho, cordas, ball gag, fita adesiva não era de conhecer sadomasoquismo. Então, às
(silver tape) e algemas são alguns dos itens que vezes, eu tentava fazer alguma coisa diferente,
podem ser utilizados para as práticas de restri- mas não dava muito certo. A única coisa que a
ção, em que se restringe a respiração, os movi- gente se acertava era que ele meio que me do-
mentos, etc. do dominado. Já as velas, o chicote, minava, me batia”. A fala acima, de Valentine,
a palmatória de couro, a presilha para mamilos e revela o quão restritas as práticas podem ser. En-
* Os nomes são fictícios e foram retirados de contos do escritor francês Donatien Alphonse François de Sade, mais conhecido como o Marquês de Sade (1740-1814).
** Conjugação aportuguesada de “fistar”: vem do inglês fisting, que consiste na introdução da mão ou do punho (fist) na vagina ou no ânus.
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fora de pauta no 8 / junho de 2010
almas das ruas
Por: Felipe Viero e Gabrielli Dala Vechia Fotos: Ramon Pendeza
A Fora de Pauta foi às ruas conhecer os personagens que fazem dos espaços públicos um lar. Pessoas que não só dão alma às ruas,
como disse João do Rio, mas que são almas pela invisibilidade com que são tratadas pela sociedade e, por consequência, pela própria
mídia.
Vestindo uma camisa encardida e com a uma peça para viver cujo aluguel era compatível preferiram conduzir a vida sob as regras da rua.
barba por fazer, o porto-alegrense Victor Santheni- com seus ganhos como coletora de materiais reci- Para chegar ao mocó do casal, basta seguir
to discorre com eloquência sobre a época em que cláveis e cozinheira do Café Cristal, ela achou que pela Avenida Rio Branco até a Rua Manoel Ribas.
ocupou o posto de 3º Sargento da Aeronáutica, nos a vida ia bem. Mas a pequena mulher, de cabelos Ali, dobrar à esquerda e ir até a próxima quadra,
tempos da Ditadura Militar. O período, que durou negros e feições que não denunciam seus 38 anos, no entroncamento com a Sete de Setembro. Na
nove anos, oito meses e dezessete dias, chegou ao não pensou que dividir espaço com um depósito Sete de Setembro, depois de cruzar os trilhos, pas-
fim quando um membro do Serviço Nacional de In- de papelão pudesse deixá-la desabrigada à mínima sa-se pela Borges do Canto e pela Avenida Itaimbé.
formações (SNI) encontrou no sobrenome materno faísca. Finalmente, à direita, está a Rua Marechal Deodo-
de Victor – Gregorovtsen – uma ameaça comunista. Essas memórias sem-teto de Victor, Arlindo ro da Fonseca. Ali desemboca uma rua ainda sem
Do sargento para o homem de 52 anos que, even- e Lisiane estão, agora, protegidas pelas paredes nome, resultado da construção de um túnel inaca-
tualmente, dorme nas ruas de Santa Maria, pouco descascadas do Albergue Municipal Nossa Senhora bado, onde, num terreno às margens do Cadena,
se manteve: duas filhas bem sucedidas e o amor Medianeira e se confundem com as histórias dos, está o mocó.
pela cachaça. aproximadamente, cem mora-
Enquanto uma trajetória acaba na rua, dores cambiantes do local. Com
outras começam. Mesmo com o corpo castigado regras que, muitas vezes, não
pela poliomielite, Arlindo Mendonça, hoje com 48 lembram em nada o ambiente das
anos, saiu da casa dos pais, em Santa Maria, para ruas, como a obrigatoriedade do
viver nas ruas da capital paulista há mais de três banho e da abstinência às drogas,
décadas. A curiosidade em conhecer os estádios o abrigo propõe-se a oferecer teto
Beira Rio e Maracanã foi maior que a necessida- e comida a quem não os possui.
de de viver sob um teto. A afamada curiosidade Respeitando, claro, o direito cons-
também serve de justificativa para o fato de ter titucional de ir e vir dessas pesso-
deixado o lar uma segunda vez, agora para juntar- as, garante o coordenador do local
se a uma tribo indígena, a convite de um pajé, em Sérgio Bandeira.
Auquidauana, cidade do Mato Grosso do Sul, onde Amparados por tal direito,
passou nove anos estudando o poder curativo das Gilmar da Silva Ramos, 42, e Deise
plantas. Silva Bastos, 33, vieram, foram e
Já para Lisiane Almeida da Rosa, morar nas não voltaram mais. Os dois se co-
ruas não foi uma escolha voluntária, mas sim de- nheceram na única noite em que
corrência de uma fatalidade. Quando encontrou se encontraram no Albergue, mas
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Mocó, na gíria empregada pelos moradores prio nome já diz”. Vendeu tudo o que tinha, deixou e um pedaço de concreto, que funcionam como
de rua, é o nome dado à habitação feita de lona, os oito filhos com os familiares do marido falecido bancos. Há ainda um fogareiro adaptado, onde
estacas e demais objetos adquiridos ou por traba- e foi embora. eles preparam as refeições, um móvel com frutas
lho, ou por doação. Para muitas pessoas, uma mo- Morou na rua e também passou pelo Alber- e potes e um espaço com baldes e galões de água.
radia improvisada. Para Gilmar e Deise, um lar. gue, mas não quis permanecer ali. Não gostava de “Sabe aquele cara que é estátua lá no Calçadão?
Gilmar, conhecido como sapo em função da não poder sair na hora em que quisesse e nem do Foi ele quem nos deu o sofá, ele mora aqui perto e
destreza com que pulava muros para fugir da po- fato de, no período em que estava lá, ser a úni- vem aqui às vezes”.
lícia, já teve dois relacionamentos, quatro filhos ca mulher do abrigo. Quando conheceu Gilmar, de Fome eles não passam. “A gente pede comi-
e um bar, localizado na Vila Maringá. Problemas quem é companheira há dois anos, foi com ele bus- da ou ganha catando latinha ou capinando”. Quan-
relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas o car um novo lugar para viver. do chove, eles mudam-se para as marquises do an-
fizeram divorciar-se, abandonar o negócio próprio O mocó onde eles vivem é subdividido de tigo depósito vizinho e deixam os móveis, que são
e deixar a casa para trás: “A juíza disse, tu és ho- forma semelhante a uma casa convencional. Em- cobertos com lonas. Quanto ao álcool e às drogas,
mem, tu se vira”. baixo de uma estrutura de lona, há uma parte o consumo diminuiu por parte dos dois, embora
E foi isso que ele fez. Desde 1999, Gilmar fechada, que é o quarto do casal, e outra parte, continue existindo. O banho pode ser tomado na
vem se virando como pode, sem ter uma residên- visível, com alguns colchões, que é o quarto para Gare da Estação Férrea, em horários comerciais,
cia fixa. Já morou no chamado Condenado, edifício hóspedes ou outros moradores. “Agora tem um ou na Avenida Rio Branco, que possui um local com
abandonado de quinze andares localizado na Ave- menino com a gente. Ele brigou com a família, saiu banheiro.
nida Rio Branco. Nesse lugar, relembrou as rodas de casa e pediu para ficar aqui.” Ao ar livre, fica Apesar da displicência com que encaram a
de chimarrão com a ex-esposa, viu uma mulher co- um sofá de três lugares, duas cadeiras, uma tábua ausência de quatro paredes e um teto, os planos
meter suicídio e um jovem perder futuros são bem elaborados. Vic-
a vida ao brincar de roleta russa. tor espera que o Ministério Públi-
Dormiu também em esqui- co reveja a sua cassação do cargo
nas, em dias como o Natal e o Ano de militar e lhe pague os atra-
Novo, quando pensava apenas em sados, corrigidos de acordo com
beber o máximo possível para que o cargo que ele poderia ocupar
a experiência de passar tais datas hoje se tivesse seguido a carreia;
sozinho fosse esquecida. No Al- Arlindo espera criar uma associa-
bergue, não gostou dos horários, ção de amparo aos indígenas sem
das regras, da hierarquia entre os teto; Lisiane espera voltar a ter
moradores e, sobretudo, do fato dinheiro para alugar sua própria
de ter objetos pessoais furtados. casa, ou mesmo outra peça, para
Deise é conhecida como poder levar os dois filhos para
Cigana em função de, antes de morarem com ela; já Cigana es-
passar a morar na rua, ter sido pera um filho, o primeiro do rela-
mãe de santo. Ela era casada, cionamento com Sapo, que deve
tinha carro e casa próprios. Com nascer em seis meses: “Nome eu
o falecimento do marido, entrou ainda não sei, sei que vai ser ou
em depressão, teve outro relacio- um sapinho ou uma rã”. No mocó,
namento e passou a usar drogas, no Albergue ou sob um teto co-
hábito que ainda mantém: “O mum, o futuro a Deus pertence.
crack é mesmo uma droga, o pró- Ou, no caso, à Olorum.
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fora de pauta no 8 / junho de 2010
notas de uma vida errante Por: Sarah Quines Ilustração: Rafael Balbueno
Fosse um cão qualquer, desses que vagam início de outono. Em frente ao posto de informa- As orelhas são contempladas com dois topes, nas
por aí, não chamaria a atenção. Tivesse a com- ções turísticas, jaz deitada uma figura conhecida cores roxo e amarelo, em formato de uma mar-
panhia de pulgas e carrapatos, na coceira de to- de muita gente. Gorda, Baleia, Batatinha são al- garida.
das as horas, para dividir os dias monótonos nas gumas das alcunhas usadas para se referir à vira- ***
vagas caminhadas, seria só mais um entre tantos lata mais famosa da cidade. Já se passaram dez anos desde que Gorda
neste mundo cão. Basta, no entanto, uma volta Tão conhecida quanto o chafariz da Praça veio perambular pelas primeiras vezes no calça-
pela 1ª quadra da Rua Dr. Bozano – ou calçadão. Saldanha Marinho, e mais notada do que o core- dão. De lá para cá, muitos foram os cochilos – de
Apenas uma. Lenta, rápida, com sacolas, livros e to; Thalia – como a cantora mexicana das novelas deixar a língua de fora. A cena? A desproporcio-
pastas, ou um galão de cinco litros de água nas no SBT – passa seus dias – e noites – vagando pelo nal língua caída para o lado, o corpo estirado de
mãos, para perceber, num instante, essa criatura centro da cidade. Entre um cochilo na porta da barriga para cima e as patas imóveis no ar. Não
errante. joalheria Gaiger, deitada no piso de mármore e raro se encontra Gorda nessa pose aparentemen-
Não é de hoje que se faz presente no ce- refrescada pela brisa do ar condicionado da loja, te letal.
nário das coisas vivas do centro da cidade. Junto e uma volta até a área dos hippies, vive Thalia, Enquanto a outra Baleia, a de Gracilia-
com os hippies e suas pulseiras-colares-brincos- já incorporada à paisagem do centro. no Ramos, sonha com seu mundo cheio de pre-
anéis, com os indígenas e seu artesanato de on- O corpo é robusto. Ao contrário do cachor- ás, a Baleia do calçadão saboreia um resto de
ças de madeira e cestas de vime, com o engraxa- ro magro típico de rua, Thalia mostra sua exu- cachorro-quente. Milho, ervilha, pão e salsicha.
te que carrega sua caixa de trabalho vestido em berância num porte avantajado – que Terminado o lanche, Gorda se espreguiça, levan-
bombachas azul-marinho e com os senhores sen- em muito lembra uma grande ta e segue com seu vagaroso passo,
tados nos bancos que conversam sobre o lance no e gordurosa coxinha de ga- contrapondo-se aos pés que cir-
jogo da noite anterior – lá está ela. Seja no meio linha, daquelas recheadas culam ligeiros, rumo a seus des-
dia da primeira segunda-feira do mês, em que com catupiry. tinos, sempre atrasados.
um turbilhão de pessoas cruza o calçadão numa
cadência apressada, seja no meio da tarde de um
sábado chuvoso e deserto – lá está ela.
***
- Olha, só! Será que tá morta?
- Não sei...acho que tá respirando...
- Mas não tá se mexendo...
“Se Santos Dumont visse esses aviõezinhos, Corsino mexer no meu avião”, diz João, sem tirar
ele se mataria”. Essas palavras são de um homem os olhos (e as mãos) da recente aquisição.
apaixonado por suas máquinas voadoras, mas que Na oficina, Corsino exibe sua coleção de
se contenta em pilotá-las do solo, observando-as aeromodelos. Por todo canto, pedaços de asas,
de baixo. Adão Corsino é o presidente do Clube de hélices, parafusos, motores, e até mesmo aviões
Aeromodelismo de Santa Maria (CASM) e adepto quebrados estavam espalhados. Tudo isso sem fa-
da atividade desde 1981. Em sua casa, mantém lar no arsenal de ferramentas, e até mesmo num
uma oficina na qual trabalha diversas horas di- maçarico, destinados à montagem e manutenção
árias em seus brinquedos “de gente grande” – e das máquinas. “O aeromodelismo é isso aqui, faz
também nos aeromodelos dos associados e amigos parte do hobby”, explica o presidente – admitin-
do clube, principalmente dos novatos. É o caso do o costume de permanecer na oficina até altas
de João Carlos Martins Filho, que entrou em con- horas da madrugada. Adão gosta tanto da ativida-
tato com o aeromodelismo há pouco tempo e já de que nem mesmo o aniversário de sua esposa o
investiu uma boa grana em um modelo Tucano impediu de receber nossa equipe de reportagem:
(acompanhe essa história nos quadros abaixo). “É “Ela já está acostumada”, explica.
uma cachaça: se eu tenho uma horinha, venho no
João faz o acabamento da asa do Tucano para É no “hangar” da casa de Adão Corsino que Mas o hobby requer ajustes até a hora de
que a mecânica funcione: “Isso aqui é uma os iniciantes acertam seus aviões: “Esse Tu- decolar. Qualquer pane pode resultar na ne-
cachaça. Às vezes eu venho para a oficina e cano aqui, se fosse meu, já estava voando”, cessidade de investir mais tempo e dinheiro.
fico até de madrugada”, diz empolgado com alfineta o experiente aeromodelista. É o que deixa João apreensivo. Para regular
o primeiro avião os ajustes no ar, o comando do primeiro voo
é de Adão.
Três meses de trabalho depois, o Tucano de- O motor apaga, e Corsino perde o controle “É normal, João. É o teu primeiro avião, isso
cola sob os aplausos dos aeromodelistas. No do aeromodelo, para tristeza de João. Os faz parte”, consolam os amigos. Apesar dis-
comando de Corsino, todos observam o avião, pilotos começam as buscas pelo Tucano, no so, João pretende dar um tempo para os avi-
inclusive João, até que os procedimentos de mato fechado, e João encontra o avião com ões. “O Corsino devia pagar indenização por
pouso são iniciados. Começa o problema. a base da asa quebrada. danos morais”, brincam alguns, já acostuma-
dos com os acidentes do hobby.
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fora de pauta no 8 / junho de 2010
talentos tipo exportação
Por: Ivan Lautert e Juliana Frazzon Fotos: Matheus/Arquivo Pessoal; Leonardo/Patricio Orozco-Contreras; Murugappan/Letícia Nascimento
O que os três personagens dos relatos a seguir têm em comum? Além de reconhecido talento em suas respectivas áreas
de conhecimento, todas elas passaram por – ou permaneceram em – Santa Maria. Seja nas ciências exatas ou nas ciên-
cias humanas, cada qual se destacou ao mesmo tempo em que ia traçando sua história de vida.
Qual seria a melhor maneira de escrever sobre um homem com cheiro de cedro nas velhas e delicadas mãos? Em uma dessas noites
outonais, aficionado pela lua, a observava e lembrava de Moonlight Sonata, de Ludwing. Uma luz! Por que não traçar o perfil daquele
homem em três partes, em alusão aos três movimentos da obra de Beethoven, um dos maiores gênios da música?
Diferentes sons um robusto relógio de pêndulo e ainda uma es- rosto. Senti que ele esperava a pergunta desde o
pécie de sinalizador usado pela viação férrea em início da entrevista...
Anos 70 - Luiz Fortes levava seus filhos à tempos passados, o senhor de 78 anos, paciente e
escola para que, além das disciplinas obrigató- contraditoriamente apressado, falou durante al- Do sofá ao banco do carona
rias, estudassem piano. Tempos difíceis aqueles! gumas horas sobre sua vida e sobre a paixão por
Sem dinheiro para comprar um piano, restou a pianos. Com 35 anos de profissão, o santa-ma- Anos atrás decidi comprar um piano e, atra-
Luiz o aluguel de um instrumento para que suas riense calcula ter consertado cerca de 500 instru- vés de um anúncio nos classificados de um jornal
crianças pudessem evoluir no estudo. O piano alu- mentos, tendo prestado serviços para artistas e qualquer, vim a conhecer Luiz Fortes. “Eu coloco
gado literalmente quebrou o galho – ou deveria orquestras famosas, inclusive internacionais. “Foi a isca e espero algum peixe beliscar”, brinca Luiz
dizer o tampo? –, o que fez com que Luiz buscasse um bom negócio! Santa Maria não tinha ninguém se referindo aos anúncios.
conhecer melhor o instrumento para que pudesse que trabalhasse com esse instrumento”, gaba-se Eu, o peixe, conheci os
ele mesmo consertá-lo. Luiz pelo acaso ou ironia do destino que fez com pianos que Luiz coloca-
Pé na estrada... de ferro! Luiz, filho de que ele abrisse um negócio exclusivo na cidade. ra à venda em sua casa
ferroviário, fora criança de uma época romântica Ainda hoje, além de Luiz, apenas um de seus fi- na época. Não encontrei
de Santa Maria, na qual a estação de trens era lhos e também um neto sabem consertar pianos o que procurava, o que
ponto de chegada e de partida de muita gente, na região. me levou a uma viagem
um lugar onde, ao entardecer, os jovens iam em “Vivi momentos de alegria, principalmen- de Pampa à outra casa de
busca de um flerte ou de apenas uma ilusão ves- te nas horas de entregar um piano. Este momen- pianos do Luiz, em Porto
pertina. O ruído dos vagões e o tic-tac das má- to quase sempre é a concretização de um sonho Alegre. Esse convívio um
quinas foram supostamente os sons mais ouvidos acalentado por muitos anos”, desabafa o homem pouco mais longo e próxi-
desde a infância até meados de 1970, quando o que não tira os olhos das anotações deste que es- mo é o que dá a credibili-
então representante de insumos agrícolas, pres- creve, demonstrando um ar de insegurança com dade necessária para este
tes a se aposentar, fazia uma de suas últimas relação a sua exposição em uma revista. Luiz, último movimento.
longas viagens. Luiz chegava em São Paulo para porém, já ouviu músicas tristes. Sentado entre Luiz gosta de ler.
fazer curso e estagiar em uma fábrica de pianos. dois pianos, com outro tom de voz – mais baixo Em seu curto tempo de descanso, lê jornais e re-
Daquele momento em diante, o som em seu ou- e distante – e agora desviando o olhar, o senhor vistas. Seu maior interesse é a política. Luiz gosta
vido deixara de ser enferrujado e mecânico e se comenta a perda da esposa e de um filho. Há anos de música. (Sério?) Prefere o popular ao erudito.
tornara amadeirado e harmonioso. ele mora apenas com uma funcionária, que cuida Luiz gosta de contar histórias. Eu ouvi algumas
da casa e de sua agenda, mas não reclama de naquela viagem (mas não contaria todas). Luiz é
O piano e o pêndulo solidão. Então ressona o pêndulo. Detectando um um bom negociante. Ele me fez pagar, além do
leve mal estar, olho a minha volta mais uma vez piano, metade das despesas com gasolina da via-
Em uma sala ampla e de tons pastéis, de- e questiono Luiz sobre garrafas de vinho e de uís- gem. Ah! E eu voltei de ônibus. Mas valeu a pena.
corada com objetos antigos como um gramofone, que expostas sobre a lareira. O sorriso volta a seu Luiz resume-se em uma palavra: BRAVO!
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fora de pauta no 8 / junho de 2010