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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS


PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM
ECOLOGIA DE AMBIENTES AQUÁTICOS CONTINENTAIS

ILHADOS EM PORTO RICO -


DO ÉDEN PESSOAL AO DILÚVIO SOCIAL:
a trajetória dos ex-ilhéus da Ilha Mutum

EDUARDO ALEXANDRE RIBEIRO DA SILVA

MARINGÁ
2002
EDUARDO ALEXANDRE RIBEIRO DA SILVA

ILHADOS EM PORTO RICO –


DO ÉDEN PESSOAL AO DILÚVIO SOCIAL:
a trajetória dos ex-ilhéus da Ilha Mutum

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Ecologia de
Ambientes Aquáticos Continentais, do
Departamento de Biologia da Universidade
Estadual de Maringá, como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em
Ciências Ambientais, tendo como orientadora:
profª Dra. Luzia Marta Bellini

MARINGÁ - PR
2002
Dissertação defendida e aprovada em 21 de novembro de 2002, pela Comissão
Julgadora constituída pelos professores:

Profª Dr ª LUZIA MARTA BELLINI

Profª Dr ª KIMIYE TOMMASINO

Profª Dr ª SUELI TRAIN


“Hoje em dia, não tem mais jeito dos pobre
trabalhar na ilha, os fazendeiro tomou conta. Lá
embaixo, tinha uma ilha que ia gente colher café, e era
de gente pobre, os café. Hoje não tem uma roça de
nada. Na ilha já foi bom. Não pode plantar nada, não
pode colher nada.
Vem gente, faz reunião, tudo para tirar as
pessoas, mas não tira não, o gado também continua lá,
ninguém conseguiu tirar, no mês passado teve uma
reunião, mas não deu nada. Só fazem reunião mas não
indenizaram ninguém e muita gente lá pra baixo tem
gado na ilha.
Mas se tirasse os gado, dava pra voltar morar
lá, agora não tem enchente.
Eu só saía de lá quando a água chegava
pertinho de casa.
E vai chover hein!”

Teresa, 2001
Dedicatória

Dedico este trabalho a tudo e a todos que de uma forma


ou de outra, possibilitaram a realização desta dissertação.
Aqui, está impressa uma parte, um determinado ângulo do
prisma daquilo que hoje sou. Assim, fruto de uma época, de
um contexto social, de uma cultura, de um modelo econômico,
de um sistema familiar, de uma origem filogenética, me
submeto a um ritual de aprovação, instituído e considerado
legítimo. Desta forma, este trabalho, este labor é dedicado às
experiências humanas efetuadas, sentidas por todas as pessoas
que se importam, e que assim, através de suas atitudes e ações,
auxiliam na árdua tarefa de tornar o mundo um lugar menos
"desumano" a todo tipo de população, seja humana ou não.
Dedico especialmente a meus pais, Erci e Vera Lúcia,
incansáveis batalhadores por dias melhores para seus filhos; à
Avelino e Cleusa, pelo irrestrito e incondicional acolhimento,
um exemplo de bondade e respeito; à L. H. Fabiano, que por
diversos agradáveis entardeceres, instruiu-me pelos caminhos
da vida intelectual. Neste sentido, contribuíram também,
Raymundo de Lima, José Artur Molina e Ana Maria Teresa B.
Pereira, queridos e inesquecíveis professores, que, mesmo sem
ter me dado aulas, proporcionaram-me grandes lições e
oportunidades.
Dedico também a minha noiva, Giane, ajudante atenta
em várias fases da pesquisa que, mesmo impaciente, soube
compreender, dividir e aceitar minha a dedicação ao estudo e à
pesquisa, muitos “insights” e momentos difíceis foram
superados com seu apoio e amor.
Por fim, dedico este trabalho, a minha orientadora, uma
pessoa extraordinária, que dedica sua vida a defender suas
convicções com uma rara dose de paixão e razão, sem perder
seu toque de feminilidade. Uma pessoa que acredita que as
coisas não apenas podem, mas devem ser diferentes.
Agradecimentos

Agradecemos ao NUPÉLIA -
Núcleo de Pesquisa em Limnologia,
Ictiologia e Aqüicultura da Universidade
Estadual de Maringá, que através do
Programa de Pós-Graduação em
Ecologia de Ambientes Aquáticos
Continentais, proporcionou parte da infra-
estrutura necessária para a
concretização desta pesquisa.
Agradecemos, em especial, à
população de Porto Rico, que de uma
maneira bastante amistosa, prontamente
nos recebeu e conosco colaborou,
sempre que solicitado.
SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................................................. i
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..........................................................................3

PARTE I

Capítulo I DESCRIÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO.............................................................5


Capítulo II DO LADO DE CÁ: A SITUAÇÃO ANTES DE CHEGAR À ILHA.................11
2.1. As condições que propiciaram a ocupação do território .....................12
Capítulo III DO LADO LÁ: A EXPERIÊNCIA NA ILHA ...................................................23
3.1. A chegada.............................................................................................23
3.2. As condições de vida ...........................................................................29
Capítulo IV UM DILÚVIO DE CONFLITOS .....................................................................51
4.1. Vivendo em conflito: As enchentes e as barragens............................53
4.2. Vivendo em conflito: a ilha como extensão das fazendas — as
pessoas saem, o gado entra .......................................................................65
4.3. Vivendo em conflito: o impasse ilhéus versus Área de Proteção
Ambiental .....................................................................................................67
4.4. Vivendo em conflito: o turismo voraz...................................................81
4.5. O retorno ao continente........................................................................84
Capítulo V SITUAÇÃO ATUAL ........................................................................................93
Capítulo VI A CENTRALIDADE DA CULTURA ............................................................112
Parte II

Capítulo VII MEMÓRIA SOCIAL DO GRUPO ..........................................................129


A Fundação da cidade...............................................................................129
A ocupação da Ilha Mutum — População de migrantes..........................129
A fartura .....................................................................................................131
Cultura de subsistência com venda do excedente...................................132
A fartura da Ilha Mutum se refletia na cidade...........................................133
Fartura e sofrimento ..................................................................................134
Identidade campesina ...............................................................................135
O Arrendamento ........................................................................................136
A vida Cotidiana.........................................................................................137
A socialização na ilha ................................................................................138
O saber naturalístico — adaptação aos ciclos da natureza.....................139
As Enchentes.............................................................................................140
A Presença do gado na ilha ......................................................................142
Os turistas na ilha ......................................................................................143
Os impactos ambientais percebidos pelos moradores ............................144
As barragens, a Invasão de espécies e diminuição do estoque de
peixes .........................................................................................................146
A APA como interdição do modo de vida .................................................147
Reconhecimento da importância da preservação ....................................149
Condições atuais de vida no campo e na cidade.....................................149
Identidade modificada — a ilha como local de passeio ...........................150
O que têm na ilha, têm na cidade? ...........................................................151
O que têm na cidade, têm na ilha ? ..........................................................151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 154

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 163

ANEXOS.............................................................................................................................. 175
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Gráfico da variação da população de Porto Rico nos últimos 30 anos ..........6
FIGURA 2 Ilhas do rio Paraná ............................................................................................7
FIGURA 3 Variedades de hábitats na Ilha Mutum.............................................................8
FIGURA 4 Gráfico representativo da reprodução material de vida.................................45
FIGURA 5 Gráfico comparativo de escolaridade .............................................................48
FIGURA 6 Fotografia - Dimensão individual ..................................................................162
FIGURA 7 Fotografia Dimensão coletiva .......................................................................162
FIGURA 8 Fotografia Dimensão ambiental....................................................................162

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Área (ha e % ) de cada ambiente da Ilha Mutum..........................................10


TABELA 2 Ocupações e uso das terras no Estado do Paraná (1980)...........................20
TABELA 3 Principais produtos e modalidades de produção ..........................................44
TABELA 4 Comparativo entre a ocorrência das atividades com finalidades de
subsistência e comercial .............................................................................45
TABELA 5 Atividades ocupacionais.................................................................................46
TABELA 6 Profissões dos entrevistados .........................................................................47
TABELA 7 Nível de escolaridade dos moradores de Porto Rico....................................47
TABELA 8 Nível de escolaridade da população entrevistada ........................................48
TABELA 9 Nível de escolaridade dos pescadores de Porto Rico ..................................48
TABELA 10 Principais atividades ocupacionais dos moradores de Porto Rico.............98
TABELA 11 Morbidade por grupo de doenças e número de casos que acometem a
população de Porto Rico e Porto São José..............................................103
RESUMO

Este trabalho apresenta a trajetória sócio-cultural da população que habitava a Ilha Mutum,
uma das ilhas do alto rio Paraná, e os conflitos vivenciados por esses antigos moradores, em
uma região que hoje integra a área de proteção ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná.
Nosso objetivo foi recolher narrativas dos ex-ilhéus sobre a experiência de habitar na ilha e na
cidade, de modo a encontrar indicações da conformação atual de sua identidade cultural. Para
apresentar a saga desses ex-ilhéus, discutimos temas sobre populações tradicionais,
populações tradicionais e Unidades de Conservação, política ambiental no Brasil, política
agrária e identidade cultural. Optamos por utilizar uma abordagem temporal, ou seja, a
apresentação da situação anterior à chegada, a posterior fixação, adaptação, conflitos e a
situação atual da população considerada. Deste modo, acreditamos expor de uma forma mais
clara o caráter dinâmico das forças que moldaram o quadro atual de impedimentos sócio-
político-culturais de uma população sem perspectiva de dias melhores. Como metodologia,
utilizamos a técnica de entrevista sugerida pela História Oral, indicada para o estudo de sobre
a adaptação e transição cultural de comunidades humanas expostas a situações estranhas ao
meio original. Considerando os conflitos e as negociações identitárias com as quais este grupo
se deparou, entendemos que a identidade cultural não se perdeu, manteve sua originalidade de
uma população campesina, mas foi transformada em uma identidade transitória, entre a
tradicional e a urbana. Hoje, vivem o dilema de serem cidadãos urbanos, sem contudo, poder
exercer as práticas sócio-culturais tradicionais.

Palavras-chave: Ex-ilhéus; Cultura, Populações tradicionais; rio Paraná; Unidades de


conservação.
ABSTRACT

This work presents the trajectory cultural and social of the population that inhabited the
Mutum Island, one of the islands of the high Paraná river, and the conflicts lived deeply by
these old inhabitants. This area, nowadays, integrates the region of Environment Protection
Area known as Islands and Floodplain water bodies of the Paraná river. Our objective was to
collect narratives of the previous inhabitants of the Mutum’s Island, about the experience of
inhabits in the island and in the city, in order to find indications of the current conformation of
their cultural identity. To present that trajectory, we argue subjects about traditional
populations, traditional populations and Units of Conservation, environmental politics in
Brazil, agrarian politics and cultural identity. We opt to use a temporal approach, that presents
the previous situation to the arrival, the adaptation, the conflicts and the current situation of
the considered population. In this way, we believe to display by a clearer form, the dynamic
character of the forces that had molded the current picture of social, politician and cultural
impediments of a population without any perspective of better days. We used the technique of
interview suggested for Oral History, indicated to study the adaptation cultural of human
communities that are in a strange situation, when compared to the original situation.
Considering the conflicts and the cultural negotiations of this group we understand that their
cultural identity was not lost, kept its originality of a pleasant population. Although their
identity was transformed to a transitory identity, between traditional and the urban one.
Today, they live the quandary to be urban citizens, without however, to be able to exert their
social and traditional culture activities.

Keywords: ex-islanders; culture; traditional populations; Paraná river; units of conservation.

II
Introdução

Este trabalho teve como objetivo a elaboração de dissertação de mestrado na área de


Educação Ambiental, Ética, Estética e Política do Programa de Pós-Graduação em Ecologia
de Ambientes Aquáticos Continentais da Universidade Estadual de Maringá, para obtenção do
título de mestre em Ciências Ambientais.
O interesse pela pesquisa surgiu durante as conversas com a orientadora sobre as
determinações culturais que influenciam as condições de vida de um determinado grupamento
humano.
O referido programa de pós-graduação veio ao encontro ao nosso interesse em
pesquisar o assunto sob a forma de um trabalho de dissertação de mestrado. Possibilitou-nos,
ainda, todas as condições necessárias à boa condução da pesquisa dentro do projeto PELD
(Pesquisa Ecológica de Longa Duração), um dos projetos institucionais do NUPELIA (Núcleo
de Pesquisa em Liminologia, Ictiologia e Aqüicultura) ao qual o programa de pós-graduação
está vinculado.
A pesquisa de campo foi realizada entre 2001 e 2002 na cidade de Porto Rico - PR,
onde tivemos a imprescindível colaboração da população, que, de várias maneiras, contribuiu
para a concretização deste trabalho. A cidade, apesar de pequena, como veremos no primeiro,
quarto e quinto capítulo, está situada em uma região com um histórico de conflito de
interesses por parte dos diversos atores sociais, entre eles, destacam-se, grileiros, fazendeiros,
posseiros, governo, empresas do setor hidrelétrico, agricultores, entre outros.
Procuramos primar pelo aspecto qualitativo ao invés do eminente aspecto quantitativo,
o que explica o reduzido número de entrevistados. Outro ponto a se observar é o grande
volume de informações que são geradas diante dos métodos adotados1. Tendo em vista os
critérios e prazos do programa de pós-graduação a que esta pesquisa se submete, um universo
amostral maior, inviabilizaria este estudo.
Ademais, a abordagem qualitativa favorece a pesquisa de características culturais de
forma detalhada, revelando preferências, acontecimentos, interpretações, sentimentos,
conseqüências emocionais, sociais e econômicas que, de outra forma, isto é, por meio

1
A transcrição de entrevistas de 1h e 10 min, em média rendem 18 páginas tamanho ofício e para 10
entrevistados, 15 fotografias totalizam 150 a serem analisadas. Em adição, o Manual de História Oral de José
Carlos Sebe Bom Meihy, 1996 esclarece que a história oral tem sido mais explorada em casos mais restritos,
devido a dificuldades de trabalho com grandes quantidades de entrevistas, aconselhando portanto, um bom
recorte na pesquisa, bem como a adoção de entrevistas com “personagens-chave” da situação a ser estudada.
II

exclusivo de fontes oficiais, não seria possível apreender. Quando procuramos compreender
as conseqüências que determinados fatos tiveram sobre alguém, ninguém melhor que o
próprio sujeito dos fatos para nos informar, nas palavras de Bom Meihy (2000, p.12):
“Algumas histórias pessoais ganham relevo à medida que expressam situações comuns aos
grupos ou que sugerem aspectos importantes para o entendimento da sociedade mais ampla”.
Como estratégia de análise das conseqüências dos conflitos e das transformações
sociais, econômicas e culturais, que afetaram a população dos ex-moradores da Ilha Mutum,
dividimos o presente trabalho em duas partes.
Na primeira parte (capítulos de 1 a 6), os relatos dos entrevistados são analisados
mediante os constructos teóricos e as contribuições dos diversos autores que consultamos ao
longo da pesquisa. A segunda parte (capítulo 7), está subdividida em algumas das categorias
programadas no questionário semidirigido, expondo a fala dos entrevistados sobre o tema.
Pretendíamos assim, incluir a fala dos entrevistados de uma maneira mais independente e
isenta de adequações teóricas. Procuramos valorizar o aspecto dinâmico envolvido nas
transformações dos cenários sociais, econômicos, políticos e culturais, que influenciaram a
vida dos ex-moradores da Ilha Mutum.
As entrevistas, foram realizadas, mediante as técnicas metodológicas da História Oral
sugeridas por Bom Meihy (2000) e Thompson (1998), que consideram a História Oral um
instrumento fundamental para a análise de fenômenos sócio-cultuais de grupos e ou
populações, vinculados à narrativa, memória e identidade. A análise dos dados foi orientada
por estudiosos em: populações tradicionais, Unidades de Conservação, identidade cultural,
políticas públicas, questões agrárias, política ambiental no Brasil e impactos ambientais
causados por grandes barragens, ao longo dos capítulos 2, 3, 4, 5 e 6.

II
Procedimentos Metodológicos

Entrevistas semi-dirigidas foram realizadas entre os meses de setembro/2001 a


dezembro/2001 na cidade de Porto Rico - PR com ex-ilhéus da ilha Mutum,
indicados pela comunidade, totalizando dez (10) participantes ou colaboradores.
Diante da representação social da comunidade, que revela quais são seus mais
legítimos porta-vozes sobre o assunto, fizemos contatos prévios com as pessoas
indicadas, no sentido de obtermos permissão para as entrevistas. Na mesma
ocasião, foi-lhes explicado o motivo e a intenção da pesquisa, bem como seria
sua participação no presente estudo.
Nesse ponto, convém esclarecermos que as entrevistas foram orientadas de
acordo com a teoria da história oral, que entre outros pressupostos coloca que:
As histórias pessoais ganham alcance social na medida da inscrição de
cada pessoa nos grupos mais amplos que as explicam. Com isso relativiza-se
a relevância de uma história oral valorizadora do indivíduo como se ele fosse
uma abstração. Casos de eventos circunstanciais, como cataclismas,
desastres, tragédias ou mesmo comemorações culturais ou cívicas, em geral,
também podem gerar estudos que passam pelas narrativas comunitárias ou
pessoais (BOM MEIHY, 1996, p.11).

Após confirmarem sua participação, que envolvia um acordo prévio entre


entrevistado e entrevistador, a data e o horário eram marcados para a realização
da entrevista. Esse acordo prévio consistia em: O entrevistado se comprometia
responder A dois questionários (Anexo 3). Um consistia em entrevista para falar
de suas recordações e experiências de vida na Ilha Mutum e na cidade de Porto
Rico (entrevista semi-estruturada) e outro, em responder a um questionário
dirigido de caracterização social. Ambos questionários seriam gravados em
vídeo para posterior transcrição.
Uma outra parte, realizada exclusivamente pelo entrevistado, consistiu na cessão
de máquina fotográfica, pronta para uso, por um período médio de 20 dias, para
que este tirasse fotografias sobre os temas e objetos mais relevantes e
significantes para sua vida atual. Com isto, pretendíamos obter importantes
informações não-verbais que não se revelariam apenas com a entrevista
(COLLIER, 1973). Por outro lado, o entrevistador se comprometeu a usar o
material para fins acadêmicos e conservar sigilo sobre a identidade dos
participantes, deste modo, os nomes dos entrevistados serão apresentados como
pseudônimos.
Cada entrevista teve uma duração não inferior à 50 min. e não superior à 1h e 25
min. Sendo a média de tempo de 1h e 10 min.

Os materiais utilizados para a pesquisa foram:


II

• 2 Câmeras fotográficas automáticas, com flash, sem zoom da


marca Kinon (filme de 135 mm ASA 100);

• Filmadora VHS-C, marca JVC, modelo GR-AX1027;


• Roteiro para a entrevista semi-dirigida (Anexo3 - A );

• Questionário para entrevista de dados formais (Anexo 3 - B ).

Objetivos

Levantamento de dados sociais indicativos do nível de adaptação sócio-cultural


da população de ex-ilhéus da Ilha Mutum, que permaneceu residente no
município de Porto Rico - PR, após a construção de barragens para
aproveitamento hidrelétrico no rio Paraná.

II
CAPÍTULO 1
Descrição da área de estudo

Aqui era um capinzal, isso aqui onde tem essas casas era
um colonhão danado. Tinha uma colônia de casa ali,
Onde hoje está a água alí hoje, era um barracão muito
grande, tinha um pé de figueira. E naquela enchente que
deu, matou. (João)

A região de Porto Rico situa-se no trecho fluvial compreendido entre a foz do


rio Paranapanema e a foz do rio Ivinheima, na parte média do alto rio Paraná.
Está imediatamente a jusante da barragem de Porto Primavera e cerca de
duzentos quilômetros a montante do remanso do reservatório de Itaipu. A cidade
de Porto Rico, juntamente com a vila de Porto São José, (margem esquerda do
rio Paraná), são as principais localidades na área (FILHO; STEVEAUX, 1997).
A localização política de Porto Rico é encontrada no extremo noroeste do
Estado do Paraná, ocupa uma área de 221 km2, e tem como limites municipais as
cidades de Querência do Norte, São Pedro do Paraná, Loanda, Santa Cruz de
Monte Castelo e do outro lado do rio Paraná, o Estado do Mato Grosso do Sul
através do município de Bataiporã.
De acordo com Sá (1998), Porto Rico foi fundada no início da década de 50 pela
empresa José Ebiner e Cia., que trazia migrantes em busca de terras férteis e
clima propício para o desenvolvimento da cafeicultura. Neste período a
localidade era Distrito Administrativo de Paranavaí e, por força da Lei número
13 de 5 de agosto de 1956, foi elevada à categoria de Distrito Administrativo de
Loanda. Em 5 de julho de 1963, pela Lei Estadual número 4738, foi criado o
Município e instalado oficialmente em 21 de abril de 1964, ocasião em que foi
empossado o Sr. Manoel Romão Neto, como primeiro Prefeito Municipal eleito.
Considerando os dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
em 1970 Porto rico contava com uma população de 6.192 habitantes, onde 1.025
residentes na zona urbana e 5.167 na zona rural. Em 1980, de um total de 5.341
habitantes, 1.181 residiam na zona urbana e 4.160 na zona rural. Em 1991, nova
e sensível diminuição: dos 3.211 habitantes, 1.495 residiam na zona urbana e
1.716 na zona rural. Em 1996, dos 2.714 habitantes, 1.490 residiam na zona
urbana e 1.224 na zona rural. E, finalmente, em 2000, a população total foi de
2.547 habitantes, registrando, neste ano, uma taxa de crescimento anual de –
1.58%.
-6-

7000
6000

Quantidade
5000
RURAL
4000
URBANA
3000
TOTAL
2000
1000
0
1970 1980 1991 1996 2000
Ano

Figura 1: Gráfico da variação da população de Porto Rico nos últimos 30 anos

Estes dados demonstram duas situações distintas: por um lado houve uma
considerável diminuição do número total de habitantes entre 1970 e 2000, de
6.192 para 2.547 habitantes, e por outro um processo migratório do campo para
a cidade, evidenciando um êxodo rural.
Uma parte da população atual de Porto Rico é composta por ex-moradores das
ilhas do rio Paraná, dentre estas, a mais famosa é a ilha Mutum, não só por sua
proximidade com o município (a ilha em frente a margem esquerda do rio), mas
também por ter sido a maior e mais populosa ilha da região (cerca de 400
famílias). Esta ilha conta com 14,6 km de extensão num perímetro de
aproximadamente 13 hectares, e situa-se a 800 metros do continente (SÁ, 1998).
De acordo com os entrevistados, era a mais produtiva da região.
Essa população de ex-ilhéus, basicamente formada por camponeses
expropriados, devido, entre outros fatores, ao crescimento da pecuária no
Estado, distribuíram-se para várias partes do país. Muitos, deixaram as terras dos
patrões na mesma condição em que chegaram, isto é, como migrantes,
aproveitando os programas do governo como os do INCRA.
Uma parte da população foi transferida pelo INCRA (Instituto Nacional
de Reforma Agrária) para outros estados, como Rondônia, Mato Grosso e
Pará. Outra parte, ocupou as ilhas do rio Paraná, passando a atuar como
pescadores, pequenos agricultores e trabalhadores volantes (SÁ, 1998, p.
12).

A cidade, bem como a grande maioria dos habitantes das ilhas foi formada a
partir da chegada de migrantes vindos de diversas partes do país, especialmente
da região norte e nordeste, atraídos pelas terras férteis e clima propício para
diversas culturas agrícolas, principalmente o café que se destacou inicialmente
na economia regional.
Fazem parte desse estudo, alguns dos moradores, ex-habitantes da Ilha Mutum
que permaneceram na região, fixando-se na cidade de Porto Rico. A maioria dos
-7-

que estão na cidade, habitam o perímetro urbano e outros, habitam a Vila Rural,
há 10 Km da cidade.
O Município conta com três bairros urbanos (Vila Nova, Pôr do Sol e Conjunto
Flamingo) e nove localidades rurais (Ouro Verde, Três Ranchos, Quatro
Ranchos, Vila Urubu, Miguel Pontes, Ponte Preta, Inácio Franco, Comunidade
Fazenda Jane e Distrito Relíquia do Norte). Como o Município está localizado
às margens do rio Paraná, que passa com uma extensão de 1.500 metros de
largura, entre uma margem e outra, Porto Rico conta ainda com 16 ilhas (Boa
Vista, Coutinho, Japonesa, Floresta, Bandeiras, Pombas, Defunto, Carioca, do
Pacú, Santa Rosa, Sílvia, Cajá, Mandaguari, das Vacas, Porto Rico e Mutum),
além das praias Carioca, Permanente e as que se formam apenas no verão. (SÁ,
1998)
Localizada no trecho do rio Paraná denominada por Maack (1981) como Alto
Rio Paraná, entre os municípios de Porto Rico (PR) e Taquaruçú (MS), a Ilha
Mutum (22°44’ a 22°47’ S e 53°12’ a 53°21’ W - Figura 1) ocupa uma extensão
de 976 ha, tendo sido a ilha mais populosa do arquipélago Mutum - Porto Rico
(CORREA, 1998).

Figura 2 - Ilhas do Rio Paraná


-8-

Esta região está situada a uma altitude aproximada de 230 m e o clima da região,
de acordo com o sistema de Köeppen, é do tipo Cfa – clima subtropical úmido
mesotérmico, com verão quente, temperatura média de 22ºC e precipitação entre
1200 a 1300 mm anuais (FILHO; STEVEAUX, 1997). Insere-se também na
região da Floresta Estacional Semidecidual, estando portanto, ecologicamente
condicionada pela dupla estacionalidade climática, uma tropical, com épocas de
intensas chuvas de verão, seguidas por estiagem acentuada e outra subtropical,
sem período seco, mas com seca fisiológica provocada pelo intenso frio de
inverno (CAMPOS; SOUZA, 1997).
Grande parte da rede hidrográfica da região está sob controle de barragens. À
jusante, o rio encontra-se barrado pela usina hidrelétrica de Itaipu e, a montante
pelas usinas de Porto Primavera e Jupiá. O único trecho do rio a correr livre está
situado entre a foz do rio Paranapanema e a cidade de Guaíra. Entretanto,
mesmo este trecho encontra-se ameaçado enquanto ambiente lótico, pela
construção da Hidrelétrica de Ilha Grande, atualmente suspensa (FILHO;
STEVEAUX, 1997; SBL, 2002).
O ciclo hidrológico do rio Paraná, com os seus pulsos de inundação, exerce
grande influência sobre essas ilhas. Segundo Thomaz et al. (1997), durante o
período de águas altas, as oscilações nos níveis hidrométricos chegam até 3 m,
provocando alagamento ocasional das partes mais baixas dessas ilhas. Esse
alagamento sazonal traz influências sobre a vegetação atingida, que, somado ao
recente processo de desmatamento e sucessão natural, gera uma variedade de
diferentes hábitats na mesma ilha (Figura 2) (SOUZA et. al., 1997)2.

Figura 3: Variedades de hábitats na ilha Mutum

2
Para maiores detalhes a respeito da composição do meio físico, consultar: . VAZZOLER, A. E. A. de
M. et al. ; AGOSTINHO, A. A.; HAHN, N. S. A planície de inundação do alto rio Paraná: aspectos
físicos, biológicos e socioeconômicos. EDUEM, Maringá, 1997.
-9-

De acordo com levantamentos prévios, a região conta várias ilhas, cujo processo
de ocupação está ligado à cidade (CAMPOS, 1997). No trecho do arquipélago
Mutum-Porto Rico, o rio Paraná apresenta um amplo canal entrelaçado com
baixa declividade e uma extensa planície fluvial. Esta planície abriga grande
conjunto de ilhas, pântanos, lagoas, canais secundários e diques marginais que
são de grande importância para a ecologia local (FILHO; STEVEAUX,1997;
FUEM/CIAMB-PADCT, 1995; AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996).
O primeiro registro de ocupação deste arquipélago, que inclui as ilhas Porto
Rico, Mutum, Melosa, Machado e Pithi, data do ano de 1952 ou anos
imediatamente anteriores. Os primeiros ocupantes estabeleceram-se na cabeceira
da Ilha Mutum numa área de aproximadamente 7 hectares, e providenciaram a
derrubada da mata do sítio de ocupação (CORREA, 1998). Esta ilha, apresenta
adiantado estado de degradação da cobertura florestal, encontrando-se apenas
resquícios das florestas originais, na forma de fragmentos pequenos e isolados
(Figura 2), havendo também o predomínio de zonas arbustivas, com diversas
pequenas lavouras de subsistência de moradores locais.
Toda essa região do arquipélago encontra-se inserida na Área de Preservação
Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná que foi criada em 30/09/1997 com
a finalidade de proteger a fauna e flora, especialmente as espécies ameaçadas de
extinção, tais como o cervo-do-pantanal (Blatocerus dichotomus), o bugio
(Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis), a anta (Tapirus terrestris), a
jaguatirica (Leopardus pardalis) e a onça-pintada (Panthera onça); garantir a
conservação dos remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual Aluvial e
Submontana, dos ecossistemas pantaneiros e dos recursos hídricos; garantir a
proteção dos sítios históricos e arqueológicos; ordenar o turismo ecológico,
científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis com a
conservação ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir para o
resgate da diversidade cultural regional e assegurar o caráter de sustentabilidade
da ação antrópica na região, com particular ênfase na melhoria das condições de
sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e entorno.
- 10 -

Tabela 1: Área (ha e %) de cada ambiente da ilha Mutum (CORREA, 1998)

Ilha Ambientes
Florestas Zonas Campos Zonas Total
arbustivas abertos aquáticas (ha)

Mutum 205 625 127 19 976


(total) (21%) (64%) (13%) (2%) (100%)

A pesca aparece não como uma atividade escolhida, mas como a única que resta,
numa região em que outras possibilidades ocupacionais são escassas. A
atividade da pesca acompanhou a vida econômica e a conseqüente degradação
ambiental da região; de atividade promissora e atraente, passou a quase que
obrigatória.
Mesmo tendo chegado à região como trabalhadores em terras alheias e, portanto,
como contratados, o trabalho, tal como efetivado à época, permitia que
mantivessem não só as formas a que estavam acostumados de contato com a
natureza, como sua autonomia e identidade cultural. Entretanto, isso não é mais
possível, e diante destas dificuldades, alguns se sentem tentados a trocar as
incertezas da pesca por uma atividade assalariada, onde os ganhos, embora
reduzidos, possam ser freqüentes e garantidos (SÁ, 1998).
As populações que num primeiro momento ocuparam as terras, foram expulsas
para as ilhas. Depois, foram expulsas das ilhas. Hoje, nem continente, nem ilhas,
sobrou o rio Paraná, que não é suficiente para o sustento da população
expropriada. A modernização, se faz às custas da exclusão da população que
hoje vive da pesca, gradativamente, o espaço se transforma em capital.
Sendo assim, o conflito, não se manifesta através de luta armada ou invasão de
terras, mas revela-se no dia-a-dia de uma população que já não tem de onde tirar
o seu sustento (SÁ, 1998).
CAPÍlTULO 2
Do lado de cá: A situação antes de chegar à ilha

A gente veio de Nossa Senhora das Dores, no Sergipe, a


gente queria comprar uma casa pra poder viver. (Teresa)

No Brasil foi muito comum a organização de grupamentos humanos para fins de


colonização e ocupação do território, o que propiciou estímulo extra aos
fenômenos migratórios verificados no país durante o período de expansão da
fronteira agrícola.
No início do século XX, os trabalhadores migrantes advindos de várias regiões
do país para integrarem a “frente pioneira ou frente de expansão”3, se
deslocaram cada vez mais para dentro do estado, por meio de empresas
colonizadoras, que, tendo o apoio federal, rapidamente ocupou e desmatou
extensas áreas do território paranaense.
Assim, a política de colonização do governo estadual favoreceu a ocupação das
terras “devolutas” pelas “frentes pioneiras”, contribuindo para a duplicação da
população total do estado que passou de 685.711 habitantes em 1920, a
1.236.276 habitantes em 1940, além disso, provocou graves conflitos de terras,
dando lugar a movimentos armados de importância e repercussão nacional
(PADIS, 1981). Nos anos seguintes, o Estado continua em crescimento
acelerado.
O crescimento econômico e demográfico do Estado foi
surpreendentemente rápido “Em menos de quarenta anos uma área de
aproximadamente 71.637 quilômetros quadrados, ou seja, cerca de 36% do
território paranaense transformaram-se, de densa mata, absolutamente
despovoada, em região, que em 1960, contava com cerca de 1.843.000
habitantes, distribuídos em 172 cidades, algumas de porte considerável
(PADIS, 1981, p. 83).

3
A frente pioneira exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas
regiões pela economia de mercado. Ela se apresenta como fronteira econômica. Compreendê-la
como tal, no entanto, implica em considerar que, no caso brasileiro, a fronteira econômica não
coincide, necessariamente, com a fronteira demográfica (via de regra aquela está aquém desta). A
faixa entre una e outra embora sendo povoada (ainda que com baixos índices de densidade
demográfica), não constitui basicamente porque sua vida econômica não está estruturada
primordialmente a partir de relações de mercado. É essa faixa com suas peculiaridades econômicas,
sociais e culturais, que se pode conceituar como frente de expansão. A figura central dessa frente de
expansão é o ocupante ou posseiro. (Martins, 1975, p.45-46)
- 12 -

Esse movimento propiciou a colonização e o adensamento populacional da


região, marcando suas principais características socioeconômicas, quais sejam:
economia mercantil dinâmica, baseada em pequenas parcelas, desenvolvendo-se
a produção de café e alimentos no sistema intercalar e rápido florescimento de
núcleos urbanos, que desenvolveram funções de apoio às atividades rurais e
estreita vinculação comercial com São Paulo. (ROSA, 2000)
A história da ocupação das ilhas do rio Paraná também está ligada à história de
ocupação do Estado, utilizando-se da estratégia de incentivos imobiliários
cedidos às empresas especializadas (ROSA, 2000; CAMPOS, 1997).
Para que possamos compreender melhor os motivos que conduziram a
colonização até as fronteiras do estado, chegando às margens e ilhas do rio
Paraná, é fundamental compreendermos o movimento econômico-social, que
historicamente trouxe uma fortíssima prática de exploração indiscriminada dos
recursos naturais da região. As práticas econômicas aliadas à política fundiária
de ocupação dos “fundos territoriais”, levarão, mais tarde, a população rural
interiorana, primeiramente atraída na função de frente pioneira, posteriormente
expropriada como força de trabalho excedente, à ocupação das ilhas do Rio
Paraná.

As condições que propiciaram a ocupação do território


Entre os Campos do Mourão e as barrancas do rio Paraná, brasileiros
livres descendentes de imigrantes das colônias do Sul, além de paraguaios e
argentinos, exploravam a erva-mate. Os ervateiros, entre eles os mensus
trabalhando no sistema de obrages, se apossavam transitoriamente da terra
para culturas de subsistência e criação de porcos, enquanto avançavam as
madeireiras e os conflitos pela posse da terra na região disputada com o
Paraguai e Argentina4 (WACHOWICZ, 1987, p. 11 apud ROSA, 2000).

Durante o processo de consolidação da colonização do Estado, é comum


encontrarmos referências a conflitos pela posse de terras, inicialmente com os
índios aqui residentes e, posteriormente, com os posseiros e grileiros.
Até a década de 60, a colonização é marcada por muitos conflitos pela
posse da terra, com a constante intervenção da polícia militar e do poder
judiciário, envolvendo migrantes de várias regiões do país, sobretudo,
nordestinos e paulistas, que desenvolviam seu trabalho basicamente nas
culturas do café e do algodão (SÁ, 1988, p. 19).

4
Segundo o autor, desde as últimas décadas do século XIX até, aproximadamente, a década de
1950, o sistema de obrages foi implantado no oeste do Paraná. “O sistema era típico das regiões
cobertas pela mata tropical, em território argentino e paraguaio, e sua existência baseava-se no
binômio: mate-madeira”. As obrages eram “gigantescas concessões por parte do governo paranaense
para exploração da erva-mate”. Obragero era chamado o proprietário ou concessionário da área onde
se instalava a obrage; mensu era o nome dado a quem se propunha executar o trabalho braçal na
obrage; e comissionista era aquele que recrutava a mão-de-obra para as obrages (Wachowicz, 1987,
p. 194 apud Rosa, 2000, p. 26).
- 13 -

(...) ainda estavam em processo de regularização fundiária as glebas


Pontal e 29, em Querência do Norte; a gleba Tigre, em Santa Cruz do Monte
Castelo; a gleba Apertados, em Paranavaí; algumas áreas em Amaporã,
Terra Rica e Santo Antônio do Caiuá; a Fazenda Curitiba, localizada em
Terra Rica e Querência do Norte; além dos ‘grilos’ Ribeirão Vermelho
(Alvorada do Sul e Florestópolis), Barra do Tibagi (Porecatu e Centenário do
Sul); Sertaneja e São Jerônimo da Serra, onde os conflitos se davam entre os
índios da reserva e os posseiros.” (WACHOWICZ, 1987, p. 157 apud
ROSA, 2000, p. 35)

Em 1955 ocorreram embates em Guaraniaçu. Em 1956 ocorreu novo


conflito em Porecatu. No ano seguinte, irrompeu a luta também em Guaíra.
Neste caso, contra a ação da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná –
Sinop, “(...) que, com seus jagunços, promovia o despejo de posseiros e de
proprietários com títulos de domínio legalizados. (...). Em 1957, trinta
companhias imobiliárias operavam no Oeste e Sudoeste do Paraná,
constituindo inclusive uma Associação das Empresas Colonizadoras do
Oeste do Paraná, fundada em 16 de agosto desse ano, na cidade de Guaíra.”
(WESTPHALEN et. al., 1968, p. 38)

Após a Revolução de 1930, antigas concessões anuladas, retornaram ao patrimônio do


Estado do Paraná, aumentando a extensão das áreas de terras devolutas, que a partir de 1939,
fora o grande alvo de um programa de colonização no norte paranaense, que ficou a cargo de
empresas especializadas que:

(...) recebiam do Estado áreas de 10 mil alqueires e deveriam abrir


estradas e patrimônios e se incumbir da venda de lotes. Depois desta fase,
pagavam uma cota determinada ao governo do Paraná, que expedia, então,
os títulos definitivos de propriedade. Eram vendidos lotes de diferentes
tamanhos: até 200 hectares, de 200 a 250 hectares, e de 250 a 500 hectares.”
(LOPES, 1982 apud ROSA, 2000, p. 42)

O governo estadual cedia a cada requerente 200 alqueires para as terras cuja
colonização era de competência do Estado, entretanto, de acordo com Soares
(1973 apud ROSA, 2000), ocorriam muitas irregularidades na posse das terras.
Usava-se de subterfúgios diversos para reunir grandes áreas. Um elemento usava
dez pessoas de sua confiança para requererem lotes coloniais, que logo em
seguida passavam às suas mãos. Na verdade, o baixíssimo preço do alqueire
suscitava grande interesse em terras de mata, como empate de capital (SOARES,
1973 apud ROSA, 2000).
Entre as empresas imobiliárias que atuaram na porção noroeste do estado,
citamos Boralli e Held (Alto Paraná); Cobrinco (Santa Cruz do Monte Castelo);
Leôncio de Oliveira Cunha (Paraíso do Norte); Armando Chiamulera e outros
(Nova Londrina); Tarquínio Ferreira e outros (Santa Isabel do Ivaí); Spinardi e
Sebastião Delfino (Loanda); Gutierrez Beltrão (Tamboara); Organizações
Ademar de Barros (Terra Rica); Imobiliária São Paulo - Paraná (Querência do
Norte); Sivas Pioli (São Carlos do Paraná); Almeida Prado (Itaúna do Sul e
Diamante do Norte). Com a atuação dessas empresas imobiliárias, o número de
- 14 -

cidades saltou de 49, em 1940, para 80, em 1950 (LOPES, 1982 apud ROSA,
2000).
Após a fundação da colônia Paranavaí-Paraná, a partir de 1939, iniciou-se o
processo de colonização do extremo noroeste do Paraná, região onde localiza-se
a área de estudo, coordenado pelo próprio Estado (SÁ, 1998).
Como já citado anteriormente, o processo de colonização do território não se
deu de forma pacífica. Até a década de 60, houve muitos conflitos, inclusive
armados pela posse da terra, envolvendo posseiros e jagunços a serviço das
empresas colonizadoras, apoiadas pela polícia estadual. Para conciliar tais
interesses, foi necessário a constante intervenção da polícia militar e do poder
judiciário (SÁ, 1998; Rosa, 2000; RÊGO, 1979).
Contudo, de acordo com Rosa (2000), a intervenção governamental nos
conflitos armados entre fazendeiros, empresas colonizadoras, grileiros, índios,
colonos e posseiros, também foi importante para estender a fronteira agrícola do
estado até as barrancas do rio Paraná, entre 1960 a 1970. Na maioria das vezes,
o governo transferiu os não-proprietarios para glebas recém-abertas pela
colonização oficial.
Apesar disso, a partir de 1980 , os conflitos continuaram, e novamente o
governo interviu, oferecendo incentivos para que os não-proprietários seguissem
as mais recentes frentes de expansão territorial, resolvendo assim, de forma mais
imediata os conflitos pela posse na região.
Uma parte da população foi transferida pelo INCRA (Instituto Nacional
de Reforma Agrária) para outros estados, como Rondônia, Mato Grosso e
Pará. Outra parte, ocupou as ilhas do rio Paraná, passando a atuar como
pescadores, pequenos agricultores e trabalhadores volantes (SÁ, 1998, p.17).

As férteis terras paranaenses constituíram o grande atrativo das levas de


migrantes. O café teve um papel preponderante na atração e fixação inicial dessa
diversidade de migrantes recém chegados ao Paraná. Seu cultivo absorvia mão-
de-obra durante os 12 meses do ano. Além disso, o sistema de colonato, parceria
e de empreitada, facilitava o acesso a terra, pois permitia a manutenção das
famílias que trabalhavam nas fazendas e sítios, dando-lhes a permissão para a
agricultura de autoconsumo, cuja preferência era a do cultivo do milho, arroz e
feijão. Posteriormente a exploração econômica possibilitou uma exploração
maciça das culturas de algodão, rami, cana-de-açúcar e amendoim, além de
outras culturas que foram sendo significativamente introduzidas no Estado como
veremos mais adiante. Esse processo de ocupação acelerada configurou o Paraná
como nova fronteira agrícola para onde se moviam as frentes pioneiras, a partir
de 1930 até 1970 (TOMMASINO, 1985, p. 26; PADIS, 1981; IPARDES, 1983;
SÁ, 1998; ROSA, 2000.).
A situação era bem diferente apenas 19 anos antes, pois:
No início da década de 1920, grande parte do território paranaense ainda
se achava coberta por matas. Do total ocupado pelos estabelecimentos
agropecuários a área mantida em florestas atingia a 46,1%. (...). Apenas
- 15 -

4,2% do total da área dos estabelecimentos eram cultivados em todo o


Estado. Na porção Norte, embora fosse a região agrícola mais nova, essa
mesma relação chegava a 13,3%, sendo que os cafeeiros ocupavam 5,7%
(CANCIAN, 1981, p. 61).

Segundo Padis (1981), em 1920, a produção cafeeira do Paraná não representava


1% da produção nacional, concentrando-se nos municípios de Jacarezinho,
Ribeirão Claro, Santo Antônio da Platina, Wenceslau Brás e Tomazina.
Aliada à cultura do café, havia outras que também evidenciava o Paraná como
estado de em franca expansão produtiva que requeria considerável mão-de-obra
na forma campesina.
No ano de 1960, a região noroeste do estado do Paraná, era considerada
uma das regiões de produção agrícola mais importantes do Estado,
contribuindo com 8% da produção nacional de algodão, aumentando para
20,1% em 1970. Entretanto, os contratos de parceria ou arrendamento,
previam a entrega da terra, ao final do contrato, com pastagem formada
(ROSA, 1997, p. 28).

Ao final do contrato, o parceiro muitas vezes tinha que procurar outro


contratante para celebrar novo contrato em um outro território a ser explorado,
caso não conseguisse permanecer nas terras.
O avanço da agricultura para o Norte e Oeste do Paraná se deu
fundamentalmente por meio de explorações agrícolas que combinavam técnicas
de cultivo rudimentar com o trabalho intensivo de mão-de-obra familiar.
Acompanhado do pequeno proprietário, disseminaram-se as formas de produção
de parceiros, colonos e pequenos arrendatários, que procuravam reproduzir sua
condição de trabalhador rural (IPARDES, 1983).
Através do café, a economia paranaense e nacional obteve forte sustentação em
um produto destinado ao mercado exportador, elevando o Paraná na categoria de
maior produtor do chamado “ouro verde” nos anos de 1950 a 1970. Entretanto,
assim como ocorreu com outros ciclos econômicos, o do café também teve seu
auge e sua derrocada. O programa de erradicação do café, em 1962, provocou
uma grande queda desse herbáceo em várias regiões paranaenses. Em meados da
década de 60, a cultura do café estava praticamente extinta e os parceiros e
pequenos proprietários cultivavam algodão e mandioca, enquanto os médios e
grandes proprietários plantavam milho e investiam em pastagens
(TOMMASINO, 1985; SÁ, 1998; PADIS, 1981; EIA/RIMA - TIBAGI, 1999).
Entre 1962 e 1967, devido a superprodução do café no Brasil e a fim de
manter os preços internacionais do produto, foi implementada uma política
de erradicação dos cafezais, quando foram eliminadas perto de 250 milhões
de cafeeiros. Na região noroeste do Estado, foram eliminados 62 milhões e
807 mil pés de café, liberando áreas para a introdução de pastagens (ROSA,
1997, p. 28).

Em princípios de 1970, não só o Paraná está territorialmente ocupado, como a


base técnica no campo foi substancialmente alterada com a modernização do
setor agrícola. Assim, a necessidade de mão-de-obra tornou-se muito menor.
- 16 -

Coincidiu, também nesse momento, uma forte prioridade agrícola na política


econômica nacional, que estimulou a difusão de uma nova forma de produção, a
produção agroindustrial.
Um dos indicadores da alteração do modo de produção foi o aumento do uso de
tratores que cresceu 326,3%, colocando o estado no 2º lugar de máquinas
agrícolas no Brasil, marcando a entrada triunfal da “revolução verde” no Paraná
(IPARDES, 1983).
No final da década de sessenta, sob regime militar, a “revolução verde”
atingiu o Paraná. No início dos anos oitenta, cerca de 60% do território já
estava ocupado com lavouras e pastagem, restando 13% em matas e
florestas, correspondentes a 2.598.608 hectares, sendo 1.972.946 hectares de
matas e florestas naturais, e 625.622 hectares de matas e florestas plantadas
(ROSA, 2000, p. 62).

Com as políticas de modernização implementadas na década de setenta e


seguinte, saíram da zona rural 2.516.000 pessoas, acelerando o processo de
urbanização, cuja taxa passou de 36,1% em 1970, para 58,6% em 1980, não
obstante o aumento da área trabalhada que passou de 7.624.050 para 10.696.750
hectares no mesmo período. (ITCF, 1987 apud ROSA, 2000)
Dessa relação surgiu um novo tipo de agricultura subordinada diretamente à
indústria. Como conseqüência, nossa agricultura foi perdendo sua independência
para se moldar às necessidades de padronização para a comercialização externa
do produto, o que necessariamente levou a aumentos nos custos da produção.
Nas regiões mais propícias, os médios e grandes produtores5 optaram por
incorporar as recentes conquistas do progresso técnico para aumentar a
produtividade do trabalho, com produtos exportáveis, reduzindo assim, em
termos absolutos a necessidade de trabalhadores. Disto, resultou o aumento da
produção e a redução da população, ou seja, o movimento inverso ao que
ocorreu no início da colonização, dificultando o acesso à terra (IPARDES, 1983;
IBGE, 1980; ROSA, 2000; EIA/RIMA - TIBAGI, 1999).
Essa modernização no setor agrícola trouxe a diversificação e ampliação da
indústria nacional e possibilitou o surgimento de modernos setores produtores de
máquinas e insumos para a agricultura. Assim, rapidamente o setor industrial
conseguiu impor a necessidade, cada vez crescente, da utilização de insumos
para o campo, através do consumo de produtos como tratores e equipamentos,
fertilizantes, rações, sementes, derivados petroquímicos e outras substâncias

5
Aqui seguimos a classificação do Ipardes (1983, p. 16) para definir as categorias de produtores
rurais. a) Pequenos produtores: Os que trabalham em estabelecimentos com até 20 ha e tem a
especificidade de utilizarem técnicas rudimentares e o trabalho familiar. Neste Grupo podem ser
incluídos aqueles que produzem em áreas com até 50 ha por apresentarem comportamento mais
próximo desta categoria; b) Médios produtores: Os que trabalham em estabelecimentos entre 50 ha e
500 ha. São na maioria produtores familiares, no entanto modificados por incorporarem novas
técnicas de produção. c) Grandes produtores: Os proprietários de estabelecimentos acima de 500 ha.
Dependem mais do trabalho assalariado, mas essa condição não os identifica como grande produtor
capitalista.
- 17 -

sintéticas com finalidades biocidas diversas. Acrescenta-se a isso, a ampliação


no número de frigoríficos que deu suporte ao setor de agropecuário.
Repentinamente, nessa década, as práticas agrícolas no Estado foram
modificadas. A política agrícola antes voltada ao pequeno produtor, logo sofreu
mudanças estruturais e migrou para uma produção altamente tecnificada, voltada
para resultados numéricos vultuosos de produção, transformando o campo em
uma verdadeira indústria com produção em série. Convém salientar que todo
esse processo de transição teve o apoio do poder público através do crédito rural.
Desta vez, diferentemente das décadas imediatamente anteriores, os incentivos
no setor agrário foram para poucos, apenas os médios e grandes produtores
puderam acompanhar essas transformações.
Todo esse processo foi sustentado pela política agrícola do Governo e
sua continuidade ainda se encontra, em boa medida, condicionada a esse
apoio. Mas, o desenvolvimento recente deixou bem claro suas exigências e,
principalmente, que segmentos de produtores estão aptos a preenchê-las
(IPARDES, 1983, p. 22).

Como resultado para o grande contingente de trabalhadores rurais dependentes


das relações tradicionais de produção no campo, sobreveio sua expulsão para
novas frentes de expansão ou pioneiras ou então para áreas urbanas. Atribui-se
também a esse processo, a concentração fundiária.
O número de estabelecimentos de pequenos proprietários apresentou reduções
que levaram a considerar praticamente extintas no Estado as condições de
arrendatários, colonos e parceiros, alterando significativamente o panorama da
estrutura fundiária no período de 1970/19806. Ao prescindir das categorias
elencadas anteriormente, desencadeou-se um processo de diferenciação social
que preponderantemente consolidou o mercado de trabalho assalariado no
campo.
Essas alterações causaram a substituição da cafeicultura e outros produtos que
absorviam muita mão-de-obra pelas culturas passíveis de mecanização, ou,
então, pela pecuária. Isso provocou o aumento dos trabalhadores temporários e
volantes, além de remeter a força de trabalho para novas frentes de expansão ou
pioneiras fora do Estado, ou então para as cidades. Tal movimento em direção às
cidades, funcionou, de acordo com Tommasino (1985) e IPARDES (1978,
1983) como reserva de mão-de-obra dos diversos setores econômicos, podendo
servir ao setor primário, secundário e terciário.
(...) o saldo mais marcante foi a redução de população rural. Todos os
municípios do Paraná sofreram um processo migratório; nenhum pôde conter
sequer o crescimento vegetativo da população. Os maiores fluxos ocorreram

6
Entre 1970 e 1980, a área trabalhada por proprietário passou de 76,8% para 87,1%, enquanto nas
demais categorias de produtores houve diminuição. No caso dos arrendatários, a área trabalhada
diminui de 6,7% para 5,3%; entre os parceiros de 12,2% para 5,2%, e no caso dos ocupantes de
4,3% para 2,5%, indicando, a despeito da diminuição da população rural, o incremento da área
agrícola. (FLEISCHFRESSER, 1984 apud ROSA, 2000)
- 18 -

no Norte do Estado, seguido do Oeste. As demais regiões registraram


deslocamentos menores (IPARDES, 1983, p. 09).

Para o Ipardes (1983) foi surpreendente a velocidade com que o Paraná passou
da condição de receptor para a de expulsor de população, a magnitude da
migração e a direção do seu fluxo, que desta vez não foi voltado principalmente
para novas frentes de expansão, mas sim para os centros urbanos. Somente os
produtores que detinham parcelas de terra, passíveis de serem vendidas é que
tentaram novos deslocamentos rurais para garantir sua reprodução como
produtor. Isso, sem contar o peso da população que partiu em direção ao
Paraguai, estima-se que aproximadamente 400 mil brasileiros deixaram o Estado
para ocupar as faixas da fronteira Brasil-Paraguai (IPARDES, 1983).
Em 1985 o censo agropecuário apontou a existência de 467.829
estabelecimentos agrícolas, indicando que entre 1970 e 1985 houve a redução de
quase 100 mil estabelecimentos, embora tenham aumentado as áreas de lavouras
que saltou de 4.718.606 hectares para 6.085.021 hectares entre 1970 e 1980,
indicando a incorporação de terras por um número menor de estabelecimentos,
configurando uma considerável concentração fundiária (ITCF, 1987; IPARDES,
1982, 1983).
O grande motor dessa nova ordem de produção agrícola e reordenamento do
espaço, foi o cultivo da soja que exigia extensas áreas para seu cultivo, bem
como o uso das “facilidades modernas”, da novidade do uso de máquinas para
plantar, dar manutenção e realizar a colheita. Contudo, outras culturas também
sofreram tecnificação como a da cana-de-açúcar, do milho, do arroz, pecuária
suína, bovina, a produção de aves e ovos, etc (IPARDES, 1982, p. 26-28).
- 19 -

Tabela 2: Ocupação e uso das terras no Estado do Paraná (1980)

Tipo de uso Área (ha) %


Área total do estado 19.955.400 100,0

Área de Lavouras 6.782.425 33,9

- Permanentes 952.320

- Temporárias 5.132.701

- Em descanso 697.404

Área de Pastagem 5.520.218 27,6

- Naturais 1.534.151

- Plantadas 3.986.067

Área de Matas e Florestas 2.598.608 13,0

- Naturais 1.972.946

- Plantadas 625.662

Áreas produtivas não utilizadas 602.528 3,0

Recursos Hídricos 754.490 3,7

- Rios 643.250

- Represas 111.240

Rodovias e Ferrovias 461.997 2,3

- Federal 17.850

- Estadual transitória 6.728

- Estadual 30.829

- Municipal 399.933

- Ferrovias 6.657

Área Urbana 593.963 2,9

Outras áreas/ ocupação não especificada 2.731.171 13,6


Fonte: PARANÁ. Secretaria Especial de Assuntos de Meio Ambiente. Paraná - 92: perfil ambiental e
estratégias. Curitiba, outubro de 1991, p. 55.
- 20 -

Durante a década de 1970, a soja substituiu o café como principal produto


cultivado nas terras paranaenses. Em 1973 a sojicultura ocupava 755.400
hectares. Em 1974 ocupava 34,24% da área cultivada, alcançando 1.958.000
hectares em 1976 (FERREIRA, 1996 apud ROSA, 2000). Como indica
Carnasciali et al., em função das especificidades do seu cultivo, a soja atuou
como um vetor da incorporação tecnológica (1987, p. 151).
Contudo, a pecuária também teve seu papel no campo. Aliada à agricultura
mecanizada, já na década de 1980, a pecuária representava um elevado índice de
ocupação do território: “No início dos anos oitenta, cerca de 60% do território já
estava ocupado com lavouras e pastagem, restando 13% em matas e florestas
(...)” (ROSA, 2000, p. 55).
O aumento no número de pastagens se deu novamente por modificações de
contingência político-econômica. No início dos anos 1980, vamos perceber o
corte no subsídio ao crédito agrícola e a redução do percentual do Valor Básico
de Custeio. Como conseqüência imediata, aumenta para os produtores sua
participação efetiva no montante de recursos próprios, fazendo com que o
produtor trabalhe com custos cada vez mais reais, sem que possa transferir os
custos para o valor de venda dos produtos.
Esse regime recaiu principalmente sobre os produtores da situação, ou seja, os
tecnificados médios e grandes. A atitude inicial foi o corte nos insumos, o que
trouxe como resultado, a inevitável queda na produtividade. Diante desse
quadro, muitos optaram pela substituição por culturas com baixa utilização de
insumos. A mais extrema e atraente foi trocar a agricultura pela pecuária, o que
segundo Paraná - Ipardes (1983), traz o risco de afetar seriamente a oferta
agrícola.
Para melhor caracterização das transformações sócio-político-econômicas
ocorridas no campo, até a década de 1980, e para facilitar a referência ao
período mencionado, propomos a classificação dos regimes de ocupação do
território paranaense em três etapas:
- primeira etapa - Refere-se a ocupação do território, à importância do
ciclo do café e a atração e utilização da mão-de-obra de empreita ou
parceria, dos não-proprietários com contratos de parceria e
arrendamento, a cultura predominante era a do café — início da década
de 1920;
- segunda etapa - Refere-se a modernização no campo, a “revolução
verde”, com a tecnificação rural, após a erradicação do café e do
sistema de pareceria/arrendamento a partir de 1960. O campo como
indústria, através do crédito rural para médios e grandes proprietários,
- 21 -

provocou a expulsão dos não-proprietários e pequenos produtores para


novas frentes pioneiras, cidades ou áreas marginais e o assalariamento
temporário dos remanescentes — início da década de 1970;
- terceira etapa - Refere-se ao fim do crédito rural e o maciço
investimento em pastagens, redundando em maior ocupação de áreas
férteis, menor produção agrícola e menor utilização de mão-de-obra
assalariada temporária — início da década 1980;
Como adiante veremos, todas as etapas tiveram influência direta na população
considerada nesse estudo. Por ora, interessa-nos a primeira e segunda etapa.
A adoção dessas medidas no campo levaram à termo somente os aspectos
econômicos, sem considerar ou ao menos planejar outras formas de utilização do
território, sejam elas sociais ou ambientais.
A cobertura florestal atingia 83,73% do território no final do século XIX, ou
cerca de 168.482km². Com a política de colonização implementada depois de
1930, o processo de desmatamento foi intensificado sem nenhuma preocupação
com a capacidade de sustentação dos agroecossistemas7. Calcula-se que, entre
1930 e 1965, o Paraná tenha perdido mais de 71% da cobertura florestal, ou seja,
cerca de 119.688 km². Tais dados revelam a violência na apropriação dos
recursos florestais no período mencionado, especialmente das florestas de
Araucária (CARNASCIALI et al., 1987, p. 158).
No aspecto social, que é o que mais importa para as análises nesse estudo,
chama-nos mais a atenção, a partir da década de sessenta, quando as
transformações no campo vão promover o surgimento do assalariamento
temporário como forma predominante de recrutamento de mão-de-obra rural,
provocando a expulsão dos trabalhadores não-proprietários dos locais fixos de
trabalho.

7
Em Carnascialli et. al., 1987, constatamos que a transformação de um ecosistema (meio natural) em
um agroecosistema implica modificações de diversas magnitudes. “Essa transformação implica obter
um sistema simplificado – sobretudo da vegetação – que seja mais eficiente na produção de
biomassa consumível pelo homem. Porém, a especialização diminui drasticamente a capacidade de
auto-regulação do sistema, isto é, torna-o frágil e suscetível aos processos de degradação. (...)
Quando se ultrapassa a capacidade de sustentação, instaura-se no sistema um processo de
degradação que diminui progressivamente a produtividade e a própria capacidade de sustentação.
(...)”. ( p. 162-163)
CAPÍTULO 3
Do lado de lá: A experiência na Ilha

"A ilha não é um lugar amaldiçoado. A única coisa que


não tinha, mas agora pode ter, é uma televisão. Agora
tem a televisão à bateria, mas isso para nós não
interessava, a gente queria viver e trabalhar.” (Sr.
Armando, 2001)

3.1 - A Chegada

Diante das condições existentes no campo paranaense, as populações de despossuídos,


inicialmente atraídas pela esperança de uma vida melhor, arriscaram-se na conquista de um
lugar no território paranaense, através de sua força de trabalho, já que em seu local de origem
sua permanência constituía excesso social e escassez individual.
Logo, e sem saber como, se tornaram migrantes, de sua própria condição, pois
além de migrar para um outro território, migravam também para outras culturas,
outros hábitos, outros ambientes, outras paisagens.
A fama das terras férteis do Paraná se estendia para o resto do país, causando a
rápida ocupação do território com pessoas dos mais distintos e distantes lugares,
inclusive de outros países. Longe de ser uma ocupação pacífica, como vimos, os
conflitos por terras muitas vezes foi o motivo de mortes e perseguições, expondo
a violência como a marca timbrada da ocupação territorial, aliás, marca que
vigorou na conquista do território brasileiro, isenta de qualquer romantismo dos
livros didáticos de história do Brasil.
Considerando a segunda etapa de transformações no campo, descrita no capítulo
anterior, muitos dos migrantes que aqui chegaram, e se fixaram, novamente
tiveram que assumir a condição de migrantes para se destinar a outros locais, no
Estado e fora dele, oxalá mais acolhedores. Desse modo, novas fronteiras
tiveram que ser alcançadas e, mais uma vez, estariam no papel de
desbravadores.
Visto nesses moldes, até parece obra com fundamentos em causas naturais:
chegar ao território, precariamente se fixar, derrubar o “mato”, preparar o
- 23 -

terreno para a fixação de oura comunidade mais definitiva, de outra comunidade


que não porta a “função” colonizadora inicial de preparar o ambiente. Nesse
processo, embora hajam exceções, a comunidade pioneira não está incluída para
a fixação definitiva no ambiente, resta-lhe a pseudo-sobrevivência em áreas
igualmente “não-colonizadas”, desprezadas pelos interesses da civilização. Tudo
isso seria mesmo natural e sendo assim, nada há o que se fazer, pois na natureza
em si, não há o que explicar ou o que questionar, pois tudo é como tem que ser,
pois assim o é.
Seria natural, se o homem fosse um ser preso ao mundo natural e às suas leis
determinantes, se não tivesse arbítrio, se não tivesse consciência de si, do seu
lugar e de sua época na existência. Não cabe aqui apresentar ou desenvolver a
discussão da separação ou não do homem e do mundo natural, entretanto, é
necessário apresentar essa idéia para não cair em noções simplistas das ações
humanas diante do meio. Sendo assim, não seria natural justificar a ação humana
de dominação sobre o próprio homem por intermédio da observação do mundo
natural, além de viver em sociedade, o homem a vive em uma organização
extremamente complexa, jamais observada em outro âmbito da vida biológica
nesse planeta.
Essa pequena ilustração, meramente ilustrativa, beirando o lúdico, pretende
situar o descaso social na relação com a população desses colonizadores,
migrantes, pioneiros que não conseguiram se fixar e se reproduzir sócio-
econômico-culturalmente.
Não o fazem, por uma carência inicial — já nascem despossuídos.
Não o fazem, por uma carência estrutural — crescem despossuídos à mingua de
oportunidades.
Não o fazem, por uma carência definitiva — permanecem despossuídos.
Andarilhos sociais que são, não estabelecem vínculos nem com o território, nem
com a cultura, nem com a economia, nem com o trabalho, nem com o urbano,
nem com o rural, por fim, o que lhes resta é somente a solução final, a eterna
espera de que um dia, as coisas possam ser diferentes.
No decorrer desse estudo, verificamos que a população que ocupava a ilha
Mutum a partir de 1960, era composta em sua grande maioria por pessoas de
origens rurais que, ao longo de sua prática quotidiana, como pequenos
produtores, parceiros e arrendatários, foram adquirindo características de uma
população campesina.
Migrantes de várias regiões do país, cada um com sua trajetória existencial,
traziam na bagagem a farinha, a carne seca, o macarrão, a cuia, o laço, o tutu de
feijão. Traziam também, a experiência de uma vida de privações, de
subordinações, de resignação, de carências, de “viver do possível”, na
esperança, de encontrar, mais do que dias; lugares melhores. Trouxeram
também, seu jeito de ver a vida, seus “causos”, seus valores, princípios, seu
linguajar, sua descendência étnica, seu vocabulário, suas referências morais,
materiais e espirituais.
- 24 -

O resultado da pesquisa de campo revelou que os entrevistados, antes de se


fixarem na ilha, residiam e trabalhavam no continente, tendo no meio rural,
exercido suas atividades de produção material, cultural e social de vida. Este
resultado é muito semelhante aos resultados da pesquisa efetuada por
Tommasino (1985), em que 52% dos entrevistados trabalharam unicamente na
zona rural. No nosso caso, todos trabalharam no meio rural, sendo três nascidos
em ilhas.
Retrocedendo pelos caminhos da memória, estes personagens da vida real
fizeram paradas em São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Sergipe,
estados onde nasceram e se criaram, a grande maioria, na condição de
trabalhadores rurais, que, procurando melhores condições de existência quando
aqui chegaram. Porém, uma vez dentro do estado do Paraná, observou-se que a
migração interna foi intensa, principalmente nas cidades de vocação rural do
interior.
Assim como ocorre com outras comunidades com predominância de práticas
tradicionais de subsistência, grande parte da população que ocupava as ilhas do
alto rio Paraná, na região de Porto Rico, trouxeram consigo uma tradição de
camponeses despossuídos (DIEGUES, 1997; ROSA, 2000; TOMMASINO,
1985; RUFFINO, 1999; LIMA, 1997; CARNEIRO, 1976 apud LIMA, 1997).
(...) os ganhos almejados por eles são apenas os necessários para que
possam se manter, sem os dissabores da pobreza e da insuficiência de
recursos em que vivem. O acúmulo de riquezas não parece ser, para eles, um
fim em si, tal como ocorre na sociedade mais ampla. Eles não manifestam
desejos de mudar de estilo de vida, de ingressar num mundo diferente
daquele em que vivem, mesmo que a riqueza acene com a possibilidade de
oferecer a eles outros prazeres ou confortos (UEM/NUPELIA/PELD, 2000,
p. 251).

Definimos como práticas tradicionais as atividades desenvolvidas por


populações que de algum modo reproduzem características essenciais de um
estilo de vida tradicional, tanto as culturas indígenas quanto as não-indígenas,
que de modo geral, são consideradas “camponesas”.
As populações camponesas surgiram da miscigenação entre o branco, o índio e o
negro, e incluem os “caiçaras” do litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná;
os “caipiras”, “caboclos” e “pirangueiros” dos estados do sul; os “vargeiros”
habitantes dos rios e várzeas do norte e nordeste; as comunidades pantaneiras e
ribeirinhas do pantanal mato-grossense; os pescadores artesanais do Velho
Chico; os jangadeiros do litoral nordestino, parcelas de agricultores familiares,
dentre outros. Trata-se de sociedades rurais tradicionais, estruturadas
historicamente em áreas de estagnação econômica, cujos padrões sócio-
econômico-culturais se cristalizaram ao longo do tempo, algumas remontando
ao período colonial. Todas apresentam uma maior dependência dos
conhecimentos empíricos adquiridos ao longo do contato com a natureza,
acumulados e repassados por gerações anteriores, aqui denominados
- 25 -

conhecimento naturalístico. Igualmente apresentam uma maior dependência dos


recursos naturais nos territórios onde vivem, explorando-os econômica, social e
simbolicamente (DIEGUES, 1983, 1997; CUNHA; ALMEIDA, 1999;
CAMPANILI, 1993; ALMEIDA, 2000; TOMMASINO, 1985).
Segundo Diegues (1983), até meados dos anos 80, o movimento ambientalista ignorava as
populações tradicionais, embora 84% dos parques e áreas protegidas da América Latina
tenham população moradora.
O conhecimento “naturalístico”, demonstra entre outras coisas, um sistema
próprio de classificação da natureza, de complexidade imensa, transmitido pela
prática e pela observação, pelas histórias contadas e pela tradição, que se
constitui nos saberes combinados de forma a obter uma certa previsibilidade,
que poderá determinar o sucesso de determinadas práticas para a subsistência
(LIMA, 1997).
Ao longo do processo de colonização do estado paranaense até 1960, as ilhas do
rio Paraná, representavam áreas marginais à ocupação territorial, não
despertando o interesse como área de valor para o sistema econômico da época.
Um dos motivos era a distância de acessos viários para transporte e locomoção,
importante fator para o escoamento da produção.
Entretanto, para alguns lavradores não-proprietários de terras, vítimas sociais
das transformações econômicas ocorridas no campo, as terras da ilhas do rio
Paraná, revelaram-se uma última alternativa, principalmente para a parcela
expulsa dos municípios que margeam o rio Paraná, onde entre 1970 e 1980, uma
pesquisa demográfica do IBGE constatou diminuição de mais de 38% no
número de habitantes. Nesse momento, grande parte do território paranaense já
estava ocupado, “As ilhas do rio Paraná, consideradas como áreas ‘marginais’ à
exploração agropecuária, serviram, nessa época, como áreas absorvedoras da
população expulsa do meio rural.” (CAMPOS, 1997, p. 6), restando então, este
remanescente de terras que não haviam sido incluídas na matemática do
mercado imobiliário, as ilhas.
Para alguns dos ex-ocupantes da Ilha Mutum, como veremos mais tarde, o
espaço insular representava, além de refúgio, sua autonomia, sua oportunidade
de reproduzir sua condição social de vida, ou seja, preservar sua identidade
cultural e social. Para outros, a posse representava, além de autonomia, uma
forma de inserir-se no mercado capitalista como pequeno produtor. Outras
características e especificidades da condição de ilhéu-camponês serão descritas
posteriormente.
Uma das formas iniciais de ocupação da Ilha Mutum foi a celebração de
contratos de parceria e arrendamento, a partir da década de 1940 até a década de
1970, coincidindo com a primeira etapa de transformações no campo e com a
própria ocupação do território. A ocupação seguiu os mesmos moldes da
ocupação que ocorrera no continente, anos atrás, incluindo a realização de
contratos apenas verbalmente, cabendo ao ocupante o compromisso de derrubar
certa porção de “mata” para “limpar o campo” e preparar o solo.
- 26 -

Tal semelhança se estendeu inclusive ao tipo de cultura praticada, levando


assim, nos períodos iniciais da ocupação, ao cultivo do café. De acordo com
Tommasino (1985), são raros os casos em que os trabalhadores rurais não
tenham passado pela condição de arrendatário e/ou parceiro.
No início da colonização, os médios e os grandes proprietários,
arrendavam suas propriedades para formação de cafezais, cabendo ao
arrendatário o desmatamento, a renda conseguida com a venda das madeiras
e a receita da primeira safra. Neste período - o de formação dos cafezais - o
arrendatário cultivava outros produtos para sua subsistência, além de manter
pequena criação de gado leiteiro, suínos e aves (FUEM/CIAMB-PADCT,
1993).

Como vimos no capítulo 2, no continente, a cultura do café foi a que mais


utilizou mão-de-obra na condição de arrendatário, ou “empreita”, como
costumam dizer, enquanto que a parceria é mais verificada em culturas sazonais,
chamadas “culturas brancas”.8 Porém, em outro estudo, observamos que na Ilha
Mutum também houve a tentativa de inserção no ciclo econômico do café.
Entrevistador: "Teve café na ilha também, não?"

Entrevistado: "Na ilha, teve teve. Teve dois trecho de café bonito aqui,
ah, qui nem eu tô dizendo, de frente aqui, no do lado de lá né. O Antônio9,
ah, quando era o Antônio aí né. Ele tinha um café bonito aí, né. Mas não era
o Antônio, entende, foi o Vergilo antes que daí vendeu, dispois do direito
pro Antônio, ele cuidou muito tempo aí. E lá pra baixo do Porto Rico, na
Mutum mesmo, tinha um cafezal bonito ali também. O cara tinha uns, uns
quinze mil pé de café alí." (SÁ, 1998)

Cabe observar que nossos entrevistados, por vezes confundiam sua condição,
uma vez que se diziam arrendatários. Entretanto, sua prática era de parceiros,
uma vez que na condição de arrendatários, teriam que pagar um valor fixo em
dinheiro e periódico pelo aluguel da terra, o que de fato não acontecia. Em
algumas ocasiões, quando o patrão era “boa pessoa”, era-lhes permitido
permanecer nas terras por certo tempo, cedendo uma parte de tudo o que
produzisse.
A ocupação das terras da Ilha Mutum, através da “compra” dos direitos de
posses dos posseiros que ali chegaram inicialmente, ocorreu a partir da década
de 1960, além desta data, não encontramos relatos de ocupação através da ação
de posseiros.
A compra dos direitos de posse diz respeito ao pagamento por benfeitorias
realizadas no local como edificação de casas, trapiche para embarcações,
plantações existentes e outras edificações, uma vez que as terras das ilhas em
território brasileiro pertencem à Marinha do Brasil.

8
Lavouras sazonais como as de amendoim, algodão, milho etc. (Tommasino, 1985)
9
Estamos usando este pseudônimo pois o informante está se referindo a um dos entrevistados neste
estudo, que conforme veremos mais tarde, é originário do Estado de Minas Gerais.
- 27 -

Assim foi com Sr. Antônio, que chegou na ilha em 1964, com todas as
benfeitorias necessárias de plantações e criação de animais, “já formadas”. Ele
veio à procura de uma propriedade para trabalhar e “progredir na vida”. Ele
acreditava que na Mutum, realizaria seu intento, devido a “fama” da ilha de ser
muito produtiva. Dentre os entrevistados, Antônio foi o que possuía maior
quantidade de terras na ilha, 20 alqueires.
Contudo, verificamos que 50% (5) dos colaboradores da pesquisa se instalaram
na ilha na condição de caseiros. A estes, cabia zelar pela “posse”, fazendo a
capina e a limpeza da casa de veraneio, “o clube”, e servir aos patrões durante
sua permanência, prestando-lhes pequenos serviços como pilotar o barco,
arrumar tralhas de pesca, ajudar com carga e descarga de materiais. Em troca,
recebiam um salário mínimo e o direito de plantar e morar na terra.
Deste modo, as ilhas do rio Paraná constituíram para esses lavradores remanescentes,
excluídos das transformações econômicas, no setor rural do Estado, um último refúgio na
tentativa de reprodução de sua condição camponesa.

3.2 - As condições de vida

Conforme dados das entrevistas, a Ilha Mutum começou a receber os primeiros


moradores da ocupação recente, a partir da segunda metade do século XX, por
volta de 1962.
Antes de ocuparem o local, estes residiam em outras ilhas do rio Paraná e do rio
Baia e outros residiam em fazendas no interior de outros estados, como
Pernambuco, Bahia, Sergipe, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, além do
Paraná. Entretanto, por mais distantes os lugares de onde tenham vindo, sua
tradição remete sempre à descendência camponesa, com práticas tradicionais de
existência. Uma vez na Ilha Mutum, essas características iriam se sobressair.
Os dados referentes às populações que residiram nas ilhas do arquipélago do alto
rio Paraná são escassos, e o pouco que se dispõe, carece de uma certificação
mais formal. Procurando ter uma idéia da quantidade de pessoas que residiram
na Ilha Mutum entre as décadas de 1960 a 1980, pudemos verificar que, segundo
a carta de Loanda, constata-se que entre os anos 1964 a 1966, havia 31 casas na
ilha Mutum, 5 na ilha Porto Rico e nenhuma nas demais ilhas. Em
levantamentos posteriores realizados pela FNS (Fundação Nacional da Saúde),
em 1983, existiam no arquipélago, 96 casas onde residiam 258 habitantes, e em
1993, 72 casas, sendo que destas, 28 eram destinadas a residências e as restantes
para atividades de veraneio, abrigando uma população fixa de 80 moradores
(CORREA, 1998).
De acordo com um de nossos colaboradores, “Morava muita gente na
ilha, era situada de gente essa ilha. Paranaense, paulista, tinha de toda espécie.”
(JOÃO, 2001) Outro antigo morador, por ocasião de um levantamento censitário
- 28 -

encomendado pela Secretaria de Educação da municipalidade de Porto Rico, nos


aponta um número, embora espantoso, mais preciso. De acordo com seu relato,
no ano de 1967 haviam 490 famílias residindo na Ilha Mutum, e atualmente,
residem 15 famílias.
Recorrendo aos resultados da pesquisa (Anexo 1), constatamos que apenas 3 dos
10 ex-ilhéus, não combinava as atividades de pescaria com a de lavoura. O
primeiro se declarou pescador profissional com dedicação apenas à pesca, o
segundo se declarou exclusivamente lavrador, e o terceiro, na época com 15
anos ajudava apenas nos pequenos afazeres de uma fecularia na cidade. Assim
como este último, outro entrevistado nessa mesma faixa etária teve vários
empregos urbanos, no Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Entretanto, os
pais de ambos, bem como seus irmãos mais velhos, exerceram a atividade
combinada de pesca e de lavoura na ilha.
Segundo Diegues (1983), a combinação agricultura/pesca é muito freqüente nas
populações litorâneas e ribeirinhas no Brasil. Assim, segundo dados do Pescart,
em 1974, no Amazonas, somente 64% dos pescadores viviam exclusivamente da
pesca, enquanto que 36% exerciam outras atividades complementares,
notadamente a agricultura. Tommasino (1985) atribui a importância da pesca
para os habitantes das ilhas, na medida em que substitui a carne na sua dieta
alimentar.
Segundo Resaldaves (1994), a atividade pesqueira equivale a 45% da produção
brasileira de cunho artesanal e representa um importante papel social, seja na
produção de alimentos para a população ou na geração de empregos diretos para
um contingente aproximado de 200.000 pescadores, além de empregos indiretos
gerados a partir da produção e comercialização dos seus insumos básicos e seus
insumos produzidos.
Assim, com estes pressupostos, os ex-habitantes da Ilha Mutum, com os quais
tivemos contato, serão considerados para esta pesquisa, lavradores-pescadores,
noção que remete à sua condição sócio-econômico-cultural e geográfica
particular de existência. Tal condição, refletirá diretamente na forma de
exploração do espaço da ilha.
O ilhéu lavrador tem na terra seu principal meio de reprodução material, social e
cultural de vida, e tem na pesca sua maneira de complementar as necessidades
alimentares e as pequenas necessidades de sua economia doméstica. Além disso,
dado a própria localização geográfica de sua habitação, o estimulava à pesca,
uma vez que o território insular fluvial fazia parte de sua paisagem cotidiana.
Durante a fase inicial de ocupação, esses lavradores adotaram práticas de plantio
através do preparo do terreno, desmatando a área a ser utilizada e vendendo a
madeira extraída, tal prática foi a mesma adotada pelos colonos que inicialmente
ocuparam o território paranaense. Posteriormente, a exploração do território
seria mantida através da manutenção de suas culturas de subsistência com a
venda do excedente produzido, e com a coleta de peixes através do
desenvolvimento das habilidades na pescaria. A extração de produtos
- 29 -

agrossilviculturais se verificou através do uso de ervas medicinais na época em


que residiam no território insular.
Após o estabelecimento na ilha, os ilhéus gradativamente foram definindo:
- sua forma de existência material ao estabelecer mecanismos de
captação de recursos financeiros com a venda do excedente da lavra e
com a coleta de peixes;
- os laços sociais de vizinhança e solidariedade através da rede local de
moradores durante os mutirões para o preparo, plantio e colheita; nas
campanhas de pesca com os parentes e vizinhos; e nos momentos de
urgência, com questões de doenças e acidentes, quando todos
procuravam ajudar.

A boa convivência com os moradores parecia ser o traço forte entre os ilhéus.
Muitos relataram o socorro e o auxílio nos momentos de necessidade. Ao que
parece, todos estavam no mesmo nível social e econômico, todos sabiam das
adversidades enfrentadas, igualando-se na forma de produção de vida. A
colaboração mútua era também uma forma de superar os desafios de se viver em
uma comunidade restrita que precisava se manter com as condições que tinham
disponíveis. Nessas condições, fica evidenciada a diferença das condições de
colaboração e ajuda mútua entre os habitantes nos dois ambientes. Atualmente,
entre eles na cidade, estas características não são tão presentes quanto era na
ilha.
Os laços sociais externos ocorriam através do contato dos moradores com a
sociedade mais ampla do continente:
- nas ocasiões da comercialização de seus produtos;
- nas visitas a familiares e amigos;
- no tratamento de doenças enfermidades;
- nas compras dos produtos domésticos básicos como o querosene para a
lamparina, a gasolina para o motor do barco, o açúcar para o café e
artigos de vestuário;
- nos bailes, festividades e comemorações como as de Nossa Senhora
dos Navegantes

Assim, sua cultura também paulatinamente foi desenvolvida, por meio do


contato com elementos intra e extra grupo, ou seja, com a comunidade de ilhéus
da Ilha Mutum e de outras ilhas próximas e com a comunidade do continente.
- 30 -

Esta última, diferentemente da comunidade insular, tinha acesso ao atendimento


de uma infra-estrutura urbana básica, com água encanada, energia elétrica posto
de saúde, farmácias, mercearias e escola.
Essa rede de amparo, que assegurava os direitos civis dos cidadãos residentes no
continente, era objeto do desejo dos moradores das ilhas que careciam de um
acesso facilitado a esses direitos.
A divisão do resultado do trabalho, utilizando elementos extra-familiares,
quando feito em parceria, seja na pesca ou na lavoura, era a partilha ou quinhão.
O produto era distribuído diretamente aos participantes. Em suma, era o próprio
produto que organizava a forma de produção e não a categoria monetária em si.
No que diz respeito a pesca, grande parte do pescado era salgado e secado para o
consumo direto, garantindo um tempo maior de conservação.
Um dos colaboradores da presente pesquisa, que se enquadra no perfil de
pescador artesanal, relatou ter vendido grande quantidade de peixe seco e
salgado ao atravessador, constituindo a principal fonte de renda disponível para
a compra de algumas mercadorias essenciais, bem como um meio de pagamento
das parcelas do motor que comprara a prazo. Os outros colaboradores, de perfil
campesino, cuja dedicação à produção pesqueira era menor, a venda do pescado
era feita mediante a conservação em gelo, o que obrigava uma rápida
negociação, devido a facilidade na degradação do produto, limitando a
negociação a valores mais módicos.
O mutirão, outra ocorrência comum entre comunidades tradicionais, também
estava presente na narrativa das memórias10 dos ex-ilhéus entrevistados. O
mutirão não tinha somente a função de organizar a força de trabalho em
unidades de produção maiores que a familiar, mas servia também para manter
laços de solidariedade entre os vizinhos das redondezas. Além disso, permitia
um fluxo mínimo de informações entre moradores das ilhas e possibilidades de
namoro e eventuais casamentos entre os jovens participantes.
Diegues (1983) esclarece que o mutirão acontece quanto, no limite, a
intensidade de trabalho do grupo doméstico não consegue executar as tarefas
dentro do prazo de perecibilidade de determinado produto. Nesse caso, apela-se
para o mutirão, ou ajuda de vários grupos domésticos, o que geralmente costuma
ocorrer em ocasiões especiais, tais como a colheita. Ao final, pode ocorrer uma

10
A memória é citada por diversos autores como o suporte fundamental da identidade, uma forma de
“mecanismo” de retenção de informação, conhecimento, experiência, quer em nível individual, quer
social e, por isso mesmo, constitui-se no eixo de atribuições, que articula, categoriza os aspectos
multiformes de realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade. Meneses. [...]
Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força viva do presente. Sem
memória, não há presente humano, nem tampouco futuro. Em outras palavras: a memória gira em
torno de um dado básico do fenômeno humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança
será sempre fator de alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência, e cada
ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a cada momento, um mergulho do
passado esvaziado para o vazio do futuro. É a memória que funciona como instrumento biológico-
cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que torna legível o fluxo dos acontecimentos.
Meneses (1987, p. 183 e 185)
- 31 -

confraternização e a divisão de parte da produção. Neste nível de reciprocidade


social, a solidariedade grupal atinge uma condição material e física
indispensável para a sobrevivência da comunidade.
Dado o fraco desenvolvimento das forças produtivas, a precariedade dos
instrumentos de trabalho, em geral relativamente acessíveis a todos, e o
importante papel desempenhado pelas atividades complementares (agricultura,
caça, extração), geralmente não ocorre o desenvolvimento de classes sociais
específicas na economia camponesa. Segundo Diegues (1983) são poucas as
diferenciações sociais no interior das comunidades de lavradores-pescadores,
que muitas vezes, não chegam a apresentar nenhum comportamento de classe.
Encontram-se sozinhos diante dos atravessadores que os exploram. Um dos
motivos, seria a distância física entre estes que vivem espalhados por inúmeras e
distantes ilhas.
Não verificamos a finalidade de acúmulo de bens de capital, até porque vivia-se
na dependência dos ciclos naturais e, assim, todo o tempo útil era utilizado para
a produção dos meios de subsistência para si e sua família, com pouca
possibilidade de formação de excedente.
A renda advinda desse excedente era destinada à compra de produtos essenciais
que não produziam por meio de sua força de trabalho ou de seus conhecimentos.
Assim, enquanto a pequena agricultura lhes fornecia os meios de subsistência, a
pesca lhes rendia dinheiro ocasional para compra de outros produtos de primeira
necessidade, principalmente alimentares e de vestuário.
Como afirma Marx (1978), sem um certo grau de produtividade do trabalho ou
de desenvolvimento das forças produtivas não há excedente de produção, o nível
de divisão do trabalho será baixo e, como conseqüência, não há diferenciação
social. A esse nível técnico e de produtividade social a solidariedade de grupo é
uma condição indispensável para a sobrevivência física e moral do grupo.
Entretanto, mesmo não havendo diferenciação social dentro da comunidade,
entre os antigos moradores da Ilha Mutum, havia outras formas de
reconhecimento de prestigio.
O barco é muitas vezes mais um meio de transporte que um instrumento usado
na captura do pescado. É através da pequena embarcação que o ilhéu mantém o
contato com o continente. Dessa forma, a embarcação se torna o principal
elemento de socialização, seja com o continente ou com os próprios moradores
de pontos distantes da própria ilha. Assim, além de ser um importante
instrumento de trabalho e de prestígio, principalmente no caso das embarcações
motorizadas, constituía um símbolo de maior autonomia.
Convém mencionar que a cidade tinha uma grande relevância nas atividades das
antigas comunidades tradicionais. Alguns autores chegam mesmo a afirmar que
não há economia camponesa sem as cidades. Alguns antropólogos, como Foster
(1963, 1967 apud DIEGUES, 1983), Potter (1967 apud DIEGUES, 1983) e
Redfield (1967 apud DIEGUES, 1983), enfatizaram as relações estruturais entre
as aldeias, comunidades e vilas dos camponeses com as cidades e descobriram
- 32 -

que a dependência dos camponeses para com as cidades era maior dos que se
supunha.
Entre a cidade e os camponeses, existem não somente relações de troca, mas
também de dominação e subordinação. Deste modo, uma determinada formação
econômico-social não participa somente da sociedade global através de meros
procedimentos de compra e venda de produtos, mas, através da cidade,
participam da grande tradição de que fala Redfield. Segundo ele, a cultura de
uma comunidade camponesa não é autônoma, e sim um aspecto ou dimensão da
civilização de que faz parte (REDFIELD, 1967 apud DIEGUES, 1983). Muitas
vezes, a dependência chega até mesmo atingir o nível da cultura, como foi
constatado nessa pesquisa, em que os ilhéus dependiam inclusive das expressões
culturais da cidade de Porto Rico11.
Durhan (1978) nos apresenta uma explicação bastante completa da dependência
das sociedades tradicionais em relação à sociedade mais ampla.
Na verdade, essas comunidades nunca são (nem foram) completamente
isoladas e auto-suficientes, e a dependência que manifestam em relação ao
mundo exterior é o fundamento da sua integração na sociedade nacional.
Essa dependência se manifesta inicialmente, na própria adaptação ecológica
A relação do caboclo ao seu ambiente, sempre dependeu de um mínimo de
utensílios, instrumentos e mesmo bens de consumo que só podiam ser
produzidos em uma economia diferenciada: quanto mais não fossem, armas,
utensílios de metal e sal. Os instrumentos fundamentais para a exploração do
ambiente, de um lado o machado e a enxada, de outro a espingarda e a faca
não são produzidos localmente. Aliás, grande parte de seu equipamento
material, mesmo quando de fabricação doméstica, são réplicas simplificadas
de elementos que se difundem de sistemas sócio-culturais mais complexos: é
o caso do monjolo, da prensa de cana, mesmo do vestuário e, em parte, do
modo de preparo dos alimentos. Tal dependência não impede o isolamento
mais impõe limites ao distanciamento cultural das sociedades tecnológicas
mais complexas (DURHAN, 1978, p. 82 apud TOMMASINO, 1985, p.
154).

Nesse mesmo segmento analítico, Redfield (1967, apud DIEGUES, 1983)


afirma que a classificação do que é ser camponês, aponta uma categoria social
que se define em relação às cidades. Neste caso, para o autor, os lavradores que
preexistiam às cidades são considerados de cultivadores primitivos. Nesse
sentido, os camponeses participam de uma sociedade mais ampla, uma
sociedade urbana, onde moram elites com as quais eles se relacionam.
Foster (1967, apud DIEGUES, 1983) foi um pouco mais longe, chamou as
sociedades camponesas de sociedades parciais (part-society - half society), que
fazem parte de um complexo social mais amplo, normalmente uma nação.
11
Além disso, em uma entrevista ao site ComCiência, o pesquisador antropólogo Mauro Almeida, que
estuda populações tradicionais na Amazônia, afirmou não existirem comunidades tradicionais puras,
atualmente é considerado tradicional aquele indivíduo que o grupo social local reconhece como
estando na condição tradicional. Mauro Almeida. As reservas extrativistas e as populações
tradicionais. nov./2000. ComCiência. Disponível em: http://www.comciencia.br/
entrevistas/almeida.htm.
- 33 -

É preciso lembrar, como faz Post (1972, apud DIEGUES, 1983), que essas
relações não se reduzem a um aspecto espacial ilha / continente, mas são
mediadas pela noção de um excedente produzido pelos camponeses e
expropriado pelas classes dominantes que se concentram no meio urbano. Post
enfatiza que a entrega desse excedente não é somente a venda de produtos ou
coisas, mas expressa uma relação de dominação assimétrica de poder. De um
lado, há uma camada social, por exemplo, os comerciantes, que, através de
termos desiguais de troca, compram a produção a baixo preço; de outro lado, há
os lavradores, que constituem um conjunto de produtores desprovidos do poder.
Por fim, Diegues (1983) adverte ainda que a representação de cidade, é diferente
para os pescadores artesanais e lavradores-pescadores. Para os pescadores
artesanais, a cidade é o mercado por excelência, onde dia a dia eles se defrontam
com os atravessadores no momento de vender o peixe. É ali também que vão
procurar o combustível, o gelo, o óleo. É ali que eles também habitam,
geralmente em casas pobres, nos arrabaldes da cidade, ou entulhados na área do
porto. Para eles, desapareceu a roça, a plantação e surgiu o rio para onde,
diariamente, saem para buscar o peixe, imediatamente transformado em valor de
troca.
Para os lavradores-pescadores, a cidade significa o centro para onde se dirige o
seu parco excedente, seja agrícola, seja pesqueiro. As cidades, no entanto,
mudam. Antes elas viviam da produção das pequenas sociedades camponesas,
hoje, grande parte vem de fora, mesmo a pequena produção agrícola,
diminuindo sua possibilidade de participação na economia na qual se
desenvolveram.
Era no continente que se localizavam as "máquinas de arroz" que, para os ilhéus,
funcionavam como uma espécie de "banco de crédito", onde negociavam o
excedente da produção de cereais, na medida de sua necessidade. O contato
comercial com o continente se dava em duas vias, tanto o ilhéu se dirigia para o
continente, quanto o 'continente se dirigia aos ilhéus'. Neste caso, eram os
compradores de banana que seguiam de barco até as margens das ilhas para
comprarem a farta produção relatada por todos os colaboradores da pesquisa.
Era na cidade onde estavam os armazéns, casas de comércio, para onde
o lavrador-pescador podia levar seu arroz, a farinha de mandioca, os ovos, o
peixe seco e mesmo a lenha cortada, em feixes, que servia para alimentar os
fogões. Nessas mesmas vendas compravam-se a fazenda para o vestuário, o
café e alguns instrumentos de trabalho como os anzóis, as enxadas, as foices,
os machados, etc. Em ambas as casas de comércio ficava o pequeno produtor
endividado, especialmente nas épocas de colheitas magras ou de minguadas
colheitas (DIEGUES, 1983, p. 222).

De acordo com Agostinho; Zalewski (1996), o trecho onde está localizada a ilha
Mutum, faz parte do último segmento da bacia do rio Paraná que não se
encontra represado em território brasileiro. A característica principal desse
ambiente é a presença de inundações periódicas que representam a principal
- 34 -

função de força que atua sobre as comunidades (bióticas) presentes na área


(THOMAZ, 1991 apud AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996).
Se as periódicas inundações na planície do alto rio Paraná eram os fatores
principais que atuavam de forma favorável às comunidades bióticas, à
comunidade de humanos as inundações naturais também representavam
benefícios.
Ao longo de sua coexistência com o ambiente, os ilhéus lavradores aprenderam
a conviver com este ambiente particular que se renova em vida e fertilidade
durante e após a inundação das ilhas e várzeas. No ano em que havia previsão de
enchentes, o plantio era antecipado para que a colheita fosse efetuada antes de
sua ocorrência, plantavam as culturas mais sensíveis à inundação nos locais mais
altos do terreno e culturas mais adaptadas à água como o arroz, nos terrenos
mais baixos. Além disso, as casas também eram construídas nos pontos mais
altos do terreno, no que denominavam “terra seca”, a parte produtiva, onde “se
plantando, tudo dá”, inclusive o arroz. Já a área que denominam “varjão” é a
várzea e somente é aproveitada para o cultivo de arroz.
Durante o período de inundação natural, antes da grande cheia de 1982-83, se
por um lado os ex-ilhéus relataram raros momentos de desconforto temporário
da fixação no continente, em barracos de lona, casa de amigos e parentes; por
outro lado, a cheia também coincidia com a fartura, um suprimento extra de
peixes e a época da colheita do arroz.
A referência aos momentos em que se viram obrigados a abandonar a ilha
durante as inundações anteriores a “grande cheia”, de acordo com esses antigos
moradores, foram poucas, pois, de acordo com eles, as enchentes até então eram
mais brandas, inundavam o suficiente para “lavar bem o varjão”. O período mais
longo para esta situação, de acordo com os entrevistados, foi de 3 meses, tempo
durante o qual, alguns ficaram acampados nas margens do rio. Mesmo assim,
nem todos os moradores eram obrigados a saírem de suas residências por motivo
da inundação, pois aqueles que tinham as casas nos locais mais altos da illha,
nos “espigões”, não precisavam abandonar a casa.
Nos períodos de ausência das inundações, a situação de ilhéu lavrador retornava
à normalidade de seu cotidiano, que, se pudesse ser resumido, seriam
necessárias apenas duas palavras, muito recorrentes em suas falas, fartura e
sofrimento.
Até mesmo o Sr. Armando12, o mais entusiasta colaborador defensor da presença
de moradores na Ilha Mutum, que integra a APA das Ilhas e Várzeas do rio
Paraná, essas duas palavras, aparentemente contraditórias, são claramente
identificadas em seu discurso. Isso nos remete a idéia de um paraíso às avessas

12
Por questões técnicas de sigilo à identidade de nossos colaboradores, optamos por substituir os
nomes verdadeiros por pseudônimos. O sigilo da identidade dos informantes colaboradores, na
técnica de História Oral, é indicado para situações que poderiam expor o colaborador a algum
prejuízo, caso sua identidade fosse revelada, ou ainda para permitir uma maior liberdade de discurso.
- 35 -

que consegue conjugar ao mesmo tempo a idéia de algo que é desejado e


rechaçado.
Logo no início da ocupação da ilha, os moradores providenciaram a policultura,
como dito anteriormente, com a finalidade primeira de atender suas
necessidades de subsistência como a mandioca, milho, arroz, feijão, batata,
abóbora, banana, cana-de-açúcar, criação de pequenos animais como porco,
galinha e gado leiteiro. Em segundo plano, estava a possibilidade incerta da
venda do excedente da produção. Para a produção com finalidades
exclusivamente comerciais, se destacavam o cultivo de mamona, vassoura e
banana, bem como, nos períodos de maior abundância, a pesca também era
voltada para o pequeno comércio. Este estilo peculiar de reprodução de vida, se
aproxima muito das concepções de diversos autores a respeito do que
classificam como “comunidades tradicionais”.
Petrere; Agostinho (1993 apud RESALDAVES, 1994), dando ênfase maior à
atividade pesqueira, classificaram três tipos de pescadores em exercício no canal
principal do rio Paraná. De acordo com essa classificação, os entrevistados se
classificariam como pescadores de subsistência.
Pescadores artesanais ou de tempo integral: são essencialmente profissionais,
pescando para companhias intermediárias ou de refrigeração. Geralmente, vivem
perto do local de pesca, utilizando barcos motorizados. Seus principais aparelhos
de pesca são rede de espera e tarrafa. Eles guardam os peixes em caixas de gelo.
Esses pescadores são representados por moradores de Porto Rico e Guaíra;
Pescadores de subsistência: a principio pescam mais para seu próprio consumo,
vendendo, algumas vezes, o excesso durante a estação mais abundante. Utilizam
espinhéis, pescando com canoas escavadas em troncos ou nas barrancas dos rios.
Conservam o peixe salgado. A pesca de subsistência é desenvolvida por
pequenos fazendeiros e bóia-frias que moram nas ilha e cultivam cereais ou
vivem em pequenas colônias à beira do rio;
Pescador de lufada ou ocasional: usualmente possuem outra atividade, na
agricultura ou pecuária, pescando somente no pico da estação ou na lufada.
Tendem a ser grupos nômades que seguem os pescadores artesanais, sendo
representados por moradores de grandes centros urbanos da região.
Ampliando essa discussão, Diegues (1983), também a partir da pesca, apresenta
outras classificações e características que, em essência, são muito semelhantes
às apresentadas acima.
O referido autor classifica como pescadores-lavradores as comunidades
afastadas do contato com civilizações mais modernas do continente. Estes
praticam uma pesca primitiva, atualmente bastante rara no país, com alguma
ocorrência em locais distantes do Amazonas, praticada seja dentro dos quadros
das tribos indígenas ou de pequenos agrupamentos ribeirinhos. Realizada por
reduzidos agrupamentos humanos, a pesca é somente uma das atividades do
grupo, aliada à caça e à pequena lavoura também de subsistência. Realizada
sobretudo dentro de uma economia onde só existe a produção de valores de uso.
- 36 -

Em nenhum momento há a mediação da moeda13 nas trocas existentes e o


eventual excedente produzido é utilizado dentro do princípio de reciprocidade
ou de padrões redistributivos. A unidade de trabalho pode ser a própria tribo ou
a unidade familiar.
A segunda classe, a pesca de pequena produção mercantil é a que mais nos
interessa, é em termos estruturais muito semelhante à anterior. Entretanto, há as
seguintes diferenças básicas: o contato com a civilização no continente, ainda
que bastante incipiente, é maior, os métodos de pesca são simples, podendo
ainda incluir a utilização de instrumentos mais eficientes como o uso de
pequenas embarcações motorizadas, uso de redes de náilon e espinhéis, utilizam
também a força de trabalho da unidade familiar, não raro estendendo também
para a complementação da mão-de-obra de vizinhos, amigos e parentes,
constituindo assim, uma “companha de pesca”. Contudo, a principal
diferenciação ocorre na finalidade da produção, onde há os dois tipos de
produção, a de uso, destinada à família e a de troca, destinada ao pequeno
mercado consumidor, envolvendo assim, a circulação de moeda.
O pequeno cultivo de lavoura também tem duas destinações, a primeira é para o
auto-consumo e a segunda é para a mercantilização, uma vez que as rendas
auferidas com a venda do pescado são sazonais e incertas. Essa modalidade de
trabalho pressupõe uma certa divisão, e se dá por critérios de sexo e idade, cabendo
às mulheres uma parte maior nos trabalhos caseiros e de roça, enquanto que os
homens, de maneira ocasional, integram as campanhas de pesca. Há também os
elementos que exercem funções especializadas, inclusive ao nível da pesca, que
não necessariamente participam da pesca, como é o caso daquele que trata da
construção e manutenção de canoas e de barcos (DIEGUES, 1983).
A pesca artesanal, segundo Diegues (1983), é praticada por pescadores
autônomos, geralmente descendentes de populações tradicionais, altamente
especializados, que atuam sozinhos ou em parcerias, usando instrumentos
relativamente simples. A remuneração na parceria é feita pelo sistema
tradicional de divisão da produção em “partes”, sendo o produto destinado
preponderantemente ao mercado. Da pesca retiram a maior parte da renda, ainda
que sazonalmente possam exercer atividades complementares, a diferença então
reside na ênfase da atividade, ou seja, a pesca para angariar recursos monetários,
visando a pequena acumulação de capital.

13
Entre os antropólogos, Maurice Godelier (1974 apud Lima, 1997) debate a circulação e a troca de
bens valorizados simbolicamente e apresenta dois tipos básicos de categoria, distinguindo as formas
não-mercantis das formas mercantis de circulação dos bens. Entre as formas não-mercantis assinala
a partilha, a dádiva, as prestações seguidas de redistribuição pelo beneficiário da prestação e o
tributo, entre outras. Dentre as formas mercantis, distingue as formas simples de circulação das
mercadorias, com ou sem moeda, das formas capitalistas de circulação das mercadorias. Quando se
produzem bens para a permuta e são permutados conforme taxas aceitas, temos formas de
circulação mercantil sem moeda. Quando, entre os bens permutados, há um que se especializa na
função de equivalente geral de todos os outros, temos a forma de circulação simples com moeda.
Dessa, podem-se distinguir dois tipos: aquela destinada a satisfazer necessidades, não orientada
para o lucro, e a que para ele se orienta, circulando a moeda como capital.
- 37 -

Para Mitlewski (1999), a atividade pesqueira na Amazônia está dividida em três


modalidades: pesca de subsistência, pesca comercial e pesca industrial.
Tradicionalmente, a pesca nos lagos de várzea tem sido praticada pelos
pescadores de subsistência que, devido à fragilidade de suas pequenas
embarcações, permanecem nestes ambientes o máximo possível,
preferencialmente durante o verão, quando durante as enchentes, a pesca no rio é
pouco produtiva e tecnicamente difícil.
Por outro lado, a pesca comercial enfoca principalmente a captura de espécies
migradoras no canal do rio (GOULDING, 1980) e é, portanto, praticada
fundamentalmente durante o período de seca. Para tal, são necessários
equipamentos mais desenvolvidos, tais como espinhéis, redes de cerco, redes de
deriva ou longas redes de emalhe, mais dispendiosos do que as redes pequenas,
arpões ou linhas simples usadas geralmente nos lagos, pressupondo um certo
preparo de acumulação de capital, descaracterizando a atividade como produção
camponesa, e se aproxima da pesca artesanal de Diegues (1983). Essa
descaracterização se acentua na modalidade de exploração industrial da pesca
que conta com equipamentos mais sofisticados, adaptados para uma coleta
quantativamente maior e são, conseqüentemente, mais dispendiosos. São assim,
de propriedade de grandes investidores para geração de grandes lucros.
Deste modo, as populações tradicionais campesinas, de acordo com Mitlewski
(1999), atualmente podem praticar as seguintes atividades econômicas: pesca de
subsistência e artesanal, agricultura de subsistência e comercial, pecuária de
subsistência e comercial, extrativismo de subsistência e comercial, artesanato,
criação de pequenos animais e eventualmente trabalho assalariado temporário.
Lembramos que toda atividade desenvolvida comercialmente é de produção em
pequena escala e as eventuais reservas de economia não estão direcionadas para
a acumulação de capital, mas para a manutenção das condições básicas de
subsistência. Entretanto, entre os ex-ilhéus entrevistados, havia os que preferiam
dedicar-se mais à pesca do que à lavoura. Ocorria também o inverso. Dessa
forma, dentro da unidade familiar, alguns se destacavam mais nas tarefas
pesqueiras enquanto outros nas de lavoura. Sazonalmente, nos períodos de
grande produção, agrícola ou pesqueira, todo o grupo familiar participava das
atividades.
Para os ilhéus, a terra, sob sua propriedade e em seu controle, constituía o meio
de produção mais importante, embora não chegasse a constituir um meio de
acumulação de capital, o que, de acordo com Diegues (1983), caracteriza a
condição camponesa de produção.
A terra, sob sua propriedade e em seu controle, é o meio de produção
mais importante. Ele [camponês] se sente mais à vontade junto à casa de
fazer farinha, no cultivo de seu pequeno pomar, que no calão do seu picaré.
(p. 153)
- 38 -

Na medida que as atividades de produção e consumo se realizam dentro da


unidade familiar, que também detém os meios de produção, e na medida em que
inexiste uma acumulação de capital contínua, podemos dizer que estamos em
presença de uma unidade camponesa de produção.
Baseando-nos em Diegues (1983), relacionamos abaixo, alguns pontos que
permitem a categorização dos antigos moradores da Ilha Mutum, como uma
comunidade dentro dos moldes da economia camponesa.
a) a importância do trabalho agrícola para a reprodução da família do
lavrador-pescador;
b) era o calendário agrícola que determinava o uso da categoria temporal
entre as atividades complementares (pesca, extração, etc.);
c) o fato de a reprodução dos meios de produção e da força de trabalho
passar necessariamente pelo trabalho agrícola;
d) a importância do trabalho familiar como limite extremo na organização
da produção;
e) a baixa capacidade de acumulação decorrente do reduzido excedente
gerado nesse tipo de economia;
f) a produção voltada sobretudo para o auto-consumo e eventualmente
para o comércio.
De acordo com Diegues (1983), à medida que a pesca deixa de ser uma
atividade complementar para tornar-se a principal fonte de produção de bens
destinados à venda; à medida que surge um excedente utilizado na compra de
embarcações motorizadas que exigem certos conhecimentos, a mão-de-obra
mais apropriada nem sempre é a familiar. Segundo as novas bases de partilha da
produção introduzidas, nem sempre era interessante utilizar um parente como
companheiro de pesca. Nesse estágio surgia o pescador artesanal, que passa a
viver exclusiva ou quase exclusivamente da sua profissão. Este passa a viver e a
reproduzir suas condições de existência na pesca, voltada fundamentalmente
para o comércio. O mercado é o objetivo de sua atividade, ainda que o balaio ou
cesto de peixe, religiosamente separado antes da partilha, constitua uma das
bases de sua sobrevivência e de sua família.
Aumentando as considerações para a condição tradicional, particularmente na
situação da pesca, ser pescador artesanal não é somente o ato de viver da pesca,
mas é sobretudo a apropriação real dos meios de produção; o controle do como
pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte de pesca. O domínio da arte
exige dele uma série de qualidades físicas e intelectuais que foram conseguidas
pelo aprendizado na experiência, que lhe permitem apropriar-se dos segredos da
profissão. Porém, de acordo com alguns autores, outras classificações de
pescadores devem ser consideradas para se fazer a distinção do conjunto de
procedimentos e de condições que um certo grupo de pescadores apresentam e
- 39 -

outros não. Para Diegues (1983), a condição de pescador artesanal é diferente da


condição de lavrador-pescador.
A distinção maior, no entanto, entre a pesca dos pescadores-lavradores e
a dos pescadores artesanais está no surgimento, entre esses últimos, do que
podemos chamar de corporação de ofício. Os pescadores artesanais se
identificam com um grupo possuidor de uma profissão. Esta é entendida
como o domínio de um conjunto de conhecimentos e técnicas que permitem
ao produtor subsistir e se reproduzir enquanto pescador. Esse sentido de
pertencer a um determinado grupo se concretiza no possuir a carteira .de
pescador profissional. “Eu vivo da minha profissão de pescador” não
significa somente a dependência exclusiva dos produtos da pesca, mas
também participar de um grupo que domina os segredos de sua prática, como
se locomover, como identificar as diversas espécies de pescado, seus hábitos
migratórios, etc (p. 197).

Entretanto, no aspecto econômico, o lavrador-pescador se aproxima da


economia camponesa, na qual somente uma parte da produção é comercializada,
ao passo que, na economia artesanal, todo o produto se destina ao mercado.
Contudo, a finalidade não é a acumulação de bens e sim a subsistência
(DIEGUES, 1983).
Enquanto a colheita agrícola é predominantemente sazonal, a produção
pesqueira pode ser diária. Por isso é que o próprio agricultor pode trabalhar
alguns dias como pescador na espera de algum dinheiro extra. O agricultor
recebe o valor de sua produção por ocasião da colheita e pode prever a
porcentagem dos ganhos que será consumida ou investida na compra de
equipamentos etc. Já o pescador pode ter uma renda diária, mas de maneira
irregular e imprevisível. Por outro lado, enquanto o agricultor armazena sua
produção, o pescador em geral não pode fazê-lo, dada a perecibilidade do
produto; daí sua urgência em negociar, mesmo resultando uma maior
dependência do intermediário.
Além disso, na lavoura, a unidade da produção é normalmente a família, ao
contrário da pesca que, por exigências próprias de atividade aquática, se
restringe em geral ao trabalho masculino, requisitando a cooperação de grupos
mais amplos, o que exige, por outro lado, um sistema de comunicação mais
complexo. Soma-se a isso, o fato de que enquanto o camponês investe mais na
terra de maneira permanente, o investimento do pescador em equipamentos está
mais sujeito a perda e / ou destruição do que os instrumentos utilizados na lavra.
Outro ponto, que descende do anterior, é a questão da propriedade sobre os
recursos a serem explorados. O lavrador pode adquirir um direito permanente,
transferível, sobre a terra, o principal fator de produção, o que não ocorre no
controle de recursos menos duráveis, como os utilizados na pesca ou no
artesanato. Aqueles que controlam a terra adquirem um status especial na
comunidade. Se os direitos sobre o uso da terra são transferidos para outrem,
não existe somente um problema de reciprocidade econômica, mas também uma
- 40 -

questão de subordinação. O trabalhador que arrendou a terra passa a ter um


status inferior àquele que recebe a renda (DIEGUES, 1983).
Ainda, seguindo Archetti e Stöllen (1975, apud DIEGUES, 1983), a economia
camponesa se movimenta dentro de um círculo de escassez e, por isso, não tem
defesas frente a uma crise na colheita, na demanda ou nos preços. O camponês,
por isso mesmo, nessas crises, tende a converter-se em artesão, pescador ou
extrativista, além de poder participar ocasionalmente do mercado enquanto força
de trabalho assalariada. Além disso, outra estratégia adotada para maximizar a
renda está em utilizar os membros do grupo doméstico em atividades
complementares como o artesanato, a confecção de cestos e esteiras para o
pequeno comércio.
Apesar de todo esse esforço, é comum constatarmos, assim como o fizemos
nessa pesquisa, que geralmente as populações residentes nos redutos naturais
remanescentes, se vêem cada vez mais impedidas de reproduzirem a forma de
vida com a qual se viram obrigadas a aprender, em nome do interesse
econômico. Isso, porque essas áreas, em nossos dias, subitamente adquiriram
valor, através de parâmetros culturais. Mais tarde veremos como isso foi
possível.
A diferença é que as populações de miseráveis que ali se instalaram, não se
fixaram por mero capricho do ‘lazer estandartizado’ como o fazem as classes
abastadas. Foi a exclusão da participação das riquezas que ajudaram a gerar, que
obrigaram essa leva de trabalhadores da terra a se retirarem do continente.
Recentemente, até mesmo essa possibilidade, como veremos em seguida, através
de vários fatores, lhes foi negada.
Situações semelhantes a essa, ocorreram também em outros locais:

No Litoral Norte de São Paulo, ambos [camponeses e lavradores


pescadores] passam a experenciar formas de vida diferentes. Os pescadores-
lavradores continuam a viver nas comunidades, nas praias distantes dos
centros urbanos, onde com dificuldade alguns guardam a posse da terra onde
fazem suas pequenas roças. Alguns, tendo-se tornado caseiros das
propriedades que antes lhes pertenciam, vêem os filhos partirem para as
cidades (DIEGUES, 1983, p. 220).

No fim, lavradores-pescadores e pescadores artesanais, fazem parte de um


mundo ao mesmo tempo idêntico e diferente. Ambos são grupos sociais
caracterizados pela dependência frente aos não-trabalhadores — os comerciantes
e aos proprietários não-pescadores. Ambos são produtores independentes, mas
ambos não tem poder, são grupos dominados. Ambos conservam em maior ou
menor grau, a propriedade dos bens de produção e do saber-fazer /conhecer: uns
mais vinculados à terra, outros mais vinculados ao rio.
A dependência cada vez maior do mercado pode induzi-los a explorar esses
recursos acima de sua capacidade de regeneração natural. Paradoxalmente, a
predação desordenada desses recursos poderá significar também seu fim, como
- 41 -

produtor independente, e sua proletarização ou sua marginalização como


subempregado nas áreas urbanas.
Acordando com o que foi discutido acima, Diegues (1983) afirma que
geralmente a produção campesina do pescado se inscreve dentro de atividades
predominantemente agrícolas, que constituem a base de subsistência e
organização comunitária. Em São Paulo, segundo Diegues (1983), esse é o caso
típico da lavoura caiçara, centrada no plantio da mandioca, mas que associa,
além da pesca, o artesanato caseiro, a coleta de frutos do mato, como palmito
etc.
As tabelas (3 e 4) e o gráfico (4) abaixo representam a totalidade das atividades
de reprodução de vida material da amostra da comunidade estudada. É possível
observar que em todas as categorias a predominam as atividades de subsistência
em relação às de finalidade comercial, se igualando apenas na atividade
pesqueira. Essa constatação indica a importância da atividade agrícola de
subsistência para o ilhéu na condição de lavrador-pescador.

Tabela 3: Principais produtos e modalidades de produção


Principais Produtos Subsistência Comercial
Pequena produção
agrícola
Banana 8 6
Milho 8 3
Feijão 8 8
Arroz 7 6
Mandioca 8 2 (fécula)
Hortaliças em geral 8 0
Mamona / Vassoura 0 4
Criação de animais
Porcos 7 2 (ocasionalmente)
Galinhas 8 4 (ocasionalmente)
Gado leiteiro 2 2 (ocasionalmente -
30)
Atividades ligadas ao rio
Pesca 10 10
Extrativismo
Plantas medicinais (plantas
medic., madeira/casas, 10 1
caça)
Pfafia (ginseng) 0 2
Total 84 50
- 42 -

Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)


- 43 -

Tabela 4: Comparativo entre a ocorrência das atividades com finalidades de


subsistência e comercial14
Pequena
produção Criação
Extrativism
agrícola de
o (plantas
(banana, pequenos
Pesca medicinas, Total
arroz, feijão, animais
madeira,
milho, (porcos e
pfafia)
mandioca, galinhas)
hortaliças)
Subsistência 10
47 (35%) 17 (13%) 10 (7,5%) 84 (63%)
(7,5%)
Comercial 10
29 (21,5%) 8 (6%) 3 (2%) 50 (37%)
(7,5%)
134
(100%)
Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)

Figura 4

Atividades de reprodução material de vida

37%
SUBSISTÊNCIA

COMERCIAL
63%

Fonte: Dados da Tabela 4.

Podemos observar também que a dedicação às atividades ligadas à terra foram


as que mais se destacaram, com a produção do feijão e do arroz, tanto para
consumo quanto para o comércio do excedente, sendo muito restrito o número
de culturas exclusivamente com fins comerciais, como a mamona e a vassoura.
A subcategoria das hortaliças tinham somente destinação ao auto-consumo.
Como os dados são cumulativos para a categoria e subcategoria de atividade, e a
pesca foi a única subcategoria de exploração relatada; os valores desta, foram
mais baixos. Ademais, as atividades ligadas ao rio poderiam ser maiores, caso

14
Valores cumulativos para a classe das atividades produtivas.
- 44 -

essa população tivesse se utilizado de outras formas de exploração em


aqüicultura.
Ainda que quantitativamente a dedicação a esta atividade não tenha se
sobressaído em relação as demais, no quesito subsistência, se mostrou a segunda
em importância econômica. Além disso, foi a única atividade praticada por
todos os entrevistados sem exceção. Nem todos plantavam, mas todos
pescavam, constituindo assim, uma reserva complementar de recursos
financeiros extremamente importante para os períodos de entressafra da lavoura.
No que diz respeito às atividades profissionais desempenhadas pelos
colaboradores, destacam-se novamente as formas associadas à terra, seja na sua
lavoura e na de terceiros, seja na qualidade de caseiros que ocupavam uma parte
do terreno onde cultivavam e pescavam. Estas informações podem ser
visualizadas na tabela 5, a seguir.
Ainda que a grande maioria tenha se dedicado à lavoura, tivemos ainda outras
categorias presentes como os que trabalharam no setor de prestação de serviços
como garçom, lancheiro e outros, e ainda na indústria e no comércio,
principalmente de Porto Rico, bastante incipientes. Ademais, estes últimos são
os mais jovens, com a idade de até 39 anos.

Tabela 5: Atividades ocupacionais15


Atividades ocupacionais desempenhadas

Lavra (inclui trab. volante) 8


Prestação de pequenos serviços
(constr. civil, garçom, 3
diarista, outros)
Caseiro 4
Comércio extrativista 3
(espécies vegetais)
Pescador artesanal / profissional 3
Indústria 1
Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)

Apesar da variedade de atividades profissionais já exercidas, os ex-ilhéus,


profissionalmente se definiram como lavrador (5), pescador (3), lavrador-pescador (1) e
lavrador / oleiro (1), conforme a tabela 6. Novamente a categoria de lavrador se sobressai
sobre as outras, ficando a categoria de pescadores em segundo lugar. Isso nos proporciona
maior segurança na afirmação da condição identitária de lavradores-pescadores.
Tabela 6: Profissões dos entrevistados 16
Profissão declarada

15
Dados cumulativos. A mesma pessoa pode ter exercido mais de uma atividade ocupacional.
16
Dados não cumulativos.
- 45 -

Lavrador 5
Pescador 3
Lavrador/Pescador 1
Lavrador/Oleiro 1
Total 10
Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)
No que se refere ao preparo educacional, os colaboradores que conseguiram estudar,
alcançaram baixos níveis de escolaridade, resultados que concordam com outros
levantamentos para populações de lavradores, pescadores e populações de práticas
tradicionais de um modo geral (BENATTI, 1999; LIMA, 1997; IPARDES, 1978, 1982, 1983;
TOMMASINO, 1985).
Comparando as tabelas 7 e 8, que indicam, respectivamente, a distribuição da
escolaridade dos moradores do núcleo urbano de Porto Rico e dos antigos moradores da Ilha
Mutum contemplados nesse estudo, percebemos que além da escolaridade na zona urbana de
Porto Rico ser mais distribuída, o maior valor é atribuído aos que concluíram o ensino médio
(13,8%), o que indica um preparo bem melhor em comparação aos resultados obtidos para os
ex-ilhéus.

Tabela 7: Nível de escolaridade dos moradores de Porto Rico - PR.


Porto Rico
Escolaridade Fem. % Fem. Masc. % Mas. Total%
Fundament.Completo 50 7.1 58 8.4 7,7
Fundamen. 283 40.4 333 48.3 44.2
Incompleto
Médio Completo 106 15.1 86 12.5 13,8
Médio Incompleto 45 6.4 41 6.0 6,2
Superior Completo 15 2.1 10 1.5 1,8
Analfabeto 95 13.5 55 8.0 10,9
Outros 108 15,4 106 15,4 15,4
Total 702 100 689 100 100
Fonte: Adaptado de: UEM/NUPELIA/PELD, 2001
- 46 -

Tabela 8: Nível de escolaridade dos ex-moradores da Ilha Mutum


Ilha Mutum
Escolaridade Fem. % Fem. Masc. % Mas. Total%
Fundament. 0 0 0 0 0
Completo
Fundamen. 1 33,3 6 86 70
Incompleto
Médio Completo 0 0 0 0 0
Médio Incompleto 0 0 0 0 0
Superior Completo 0 0 0 0 0
Analfabeto 2 66,7 1 14 30
Outros 0 0 0 0 0
Total 3 100.0% 7 100.0% 100%

Fonte: Pesquisa de campo (2001)

Tabela 9: Nível de escolaridade dos pescadores em Porto Rico


Porto Rico
Escolaridade Fem. % Fem. Masc. % Mas. Total%
Fundament Completo 9 8 9 8 7,9
Fundamen. 52 46 67 57.8 52
Incompleto
Médio Completo 10 8.8 6 5.2 7
Médio Incompleto 7 6.2 6 5.2 5,7
Superior Completo 0 0 0 0 0
Analfabeto 17 15 11 9.5 12,2
Outros 16 14,2 16 13.8 14
Total 111 100 115 100 100
Fonte: Adaptado de: UEM/NUPELIA/PELD, 2001
Figura 5
- 47 -

Gráfico comparativo de escolaridade

Ilha Mutum
700 Pescadores
600
Número de Pessoas
Cidade
500
400
300
200
100
0
Méd. Comp.
Fund. Cmpl.

Méd. Incom.
Fund. Incom

Sup. Cmpl.

Analfabeto

Outros.
No que se refere ao zeitgeist17, ao ambiente cultural e social que esses
personagens da história viva das ilhas do alto rio Paraná experienciaram, a
tônica é a narrativa de uma vida tranqüila e ao mesmo tempo, dinâmica.
Tranqüila, porque contavam com uma aparente segurança, tinham sua terra, sua
posse que, nesse momento já fora adquirida por via monetária. Além disso, a
natureza lhes era favorável, todo ano colhia-se o fruto do trabalho cotidiano e
comia-se o peixe, valorizado, direto de sua fonte, conforme veremos na segunda
parte desta pesquisa, os moradores estavam satisfeitos e as condições lhes eram
favoráveis. A dinâmica advinha com a colheita ou com as pescas abundantes
quando acorriam os compradores em busca de um bom produto, além das festas
religiosas e dos bailes que, naquela época, vinha ao encontro com as
expectativas culturais e tradicionais dos próprios habitantes, sem a pretensão de
“atrair o turista”.
Como anteriormente discutido, os moradores da Ilha Mutum, de tradição
camponesa, reproduziram também no espaço ocupado na ilha, as práticas de
populações tradicionais em seu dia-a-dia. Viviam através de sua cultura de
subsistência, cultivando seu próprio alimento, praticando atividades de coleta
como a pesca. Essas atividades, quando praticadas de forma excedente às suas
necessidades, eram destinadas ao pequeno comércio com o continente.
O ritmo, a intensidade e a regularidade do trabalho eram determinados de acordo
com suas necessidades ou pelos ritmos da natureza. Trabalhavam mais ou menos
de acordo com cada momento do processo de produção: no preparo do solo, no
plantio, na capina, na colheita. Eles sabiam o que fazer, como fazer e podiam
arbitrar livremente. Poderiam, inclusive, optar por não trabalhar, mesmo em
épocas de colheita. Vê-se que a síntese para esse tipo diferenciado de
reprodução de vida mesmo com níveis de dependência da produção da cidade, é
uma existência autônoma e mais livre dos “laços” do trabalho urbano.
17
Do alemão: o espírito do tempo.
- 48 -

Hoje, essa dinâmica de convivência comunitária se esmaeceu. Para quem


permaneceu na ilha, a opressão chega quieta, nos intervalos da batida do relógio.
Quando o relógio faz seu “tic” é mais um advogado, promotor ou agente do
IBAMA que chega dizendo que ali já não é mais lugar de gente. Como alguém
que em silêncio escuta, alguém que aguarda que o relógio da bomba ainda faça
no próximo segundo, mais um “tac”, vive hoje o ilhéu do alto rio Paraná.
Para aqueles que, depois da enchente de 1983, foram “escoados ralo abaixo”
para o continente, para as novas frentes agrícolas de batalhas latifúndicas, para
as periferias das cidades, de mãos atadas encontram-se perdidos culturalmente,
socialmente e existencialmente. Como fantasmas perdidos num tempo e espaço
completamente estranho, não têm profissão, ou melhor, sua profissão foi
interditada. Sem terra não há como exercer a lavra, não tem dinheiro e nem mais
o viço da juventude para recomeçar uma possível vida nova. O que sobra é
esperar pelo próximo mês a pensão e a aposentadoria. Aqueles que não
atingiram a idade do “benefício”, também esperam “acertar os papéis”. Talvez o
último e derradeiro papel, o de aposentado, aposentado da vida.
CAPÍTULO 4
Um dilúvio de conflitos

Com toda essa destruição, não tinha condições de continuar vivendo lá. Ninguém mais
podia morar nas ilhas. Então começou a sair o comentário que o governo estava dando terras
para fulano, para beltrano, para o pessoal que morava nas ilhas.
(Sr. Armando, 2001)

Se no capítulo 2 vimos a atração de toda uma frente de expansão composta por


lavradores de tradição camponesa que, posteriormente devido às mudanças na
política agrícola nacional expulsou esses colonos para áreas marginais do Estado
do Paraná e também para outros estados brasileiros e para o Paraguai; e, no
capítulo 3 vimos a experiência da ocupação na Ilha Mutum, como uma das
poucas opções não só de continuidade de sua forma de reprodução sociocultural,
mas inclusive como uma forma de sobrevivência, veremos agora, no capítulo 4,
os fatores que levaram esses lavradores novamente à expulsão e ao impedimento
de seu projeto de reprodução social de vida.
A experiência na ilha, até o início da década de 1980, proporcionou-lhes uma
vida de fartura, um espaço sem patrão, deu-lhes o bem cultural e material mais
precioso, deu-lhes a terra.
Adaptados às periódicas inundações da planície do rio Paraná, essa comunidade
aprendeu a coexistir com as peculiaridades ambientais e geográficas da região, por meio de
culturas adaptadas às diferentes situações do espaço que ocuparam, bem como a aquisição de
conhecimentos técnicas que proporcionavam melhores resultados na atividade pesqueira.
Segundo Agostinho; Zalewski (1996, p. 61), “Estas áreas são utilizadas para a
pecuária ou agricultura de subsistência (milho, feijão, arroz) e nelas estão
estabelecidas algumas famílias ou pescadores nômades. As áreas sazonalmente
alagáveis apresentam vegetação herbácea, sendo em parte usadas pela pecuárias
ou cultivo de arroz.” Isso demonstra que, de acordo com o que vimos no
capítulo anterior, o conhecimento naturalístico, desenvolvido a partir de uma
complexa relação entre o homem e o meio natural só é possível por intermédio
de uma associação quase simbiótica com o ambiente, pois para que ambos
subsistam, os dois devem ser preservados e respeitados em seus ritmos e ciclos.
A cultura de subsistência, desenvolvida pelos ex-moradores da Ilha Mutum,
entrevistados nassa pesquisa, só foi possível se reproduzir, graças à utilização do
conhecimento naturalístico que os pioneiros “tomaram emprestado” dos
descendentes de pirangueiros e pescadores que ali habitavam. Para os autores, a
- 50 -

ocupação das maiores ilhas do rio Paraná, e isso inclui a ilha Mutum, ocorreu a
partir de 1970, e a desocupação, na década de 1980.
A ocupação das maiores ilhas do rio Paraná, no trecho contemplado
neste documento, ocorreu efetivamente a partir da década de 70, quando as
transformações na agricultura e a expansão da pecuária expulsaram os
pequenos proprietários, parceiros, posseiros e arrendatários dos municípios
próximos ao rio Paraná (FUEM/CIAMB-PADCT, 1993 apud
AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996).

As enchentes da década de 1980, entretanto, acabaram por expulsar os ilhéus


para o continente, provocando novos conflitos, pois a região não tinha
capacidade para absorção de tal mão-de-obra, dadas as condições de produção
na agropecuária regional. Alguns foram assentados nos projetos do governo
estadual, implantados em 1984, outros voltaram para as ilhas, lá permanecendo
até recentemente, praticando a agricultura de subsistência, ou cuidando do gado
dos pecuaristas da região, ou ainda prestando serviços aos turistas (ROSA,
2000).
A partir dessa grande cheia, as ilhas e várzeas que anteriormente absorviam a
população expulsa do continente, foram ocupadas pelos fazendeiros da região
para a manutenção do gado durante os meses de seca, quando suas pastagens no
continente são insuficientes para a manutenção do gado.
De acordo com as informações recolhidas de outros trabalhos, parece que a
região em estudo não teve apenas a sua ocupação feita, naquele momento, de
forma violenta, mas, ainda hoje, continua a ser uma área de conflitos, que
expulsa e absorve populações, tendo as ilhas do rio Paraná servido,
eventualmente, como espaço de refúgio para uma população de excluídos do
setor produtivo formal (AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996, p. 19 e 21).
Temos aqui, alguns pontos iniciais para começarmos a adentrar no intrincado
complexo de fatores que culminou na expulsão dos ilhéus. Primeiramente, e de
forma mais evidente, a grande enchente de 1982/83, a mais intensa e prolongada
já vista por esses moradores ilhéus, foi o motivo mais pronunciado, entretanto,
não foi o fator definitivo da expulsão. Depois disso, vieram outras dificuldades e
impedimentos, talvez mais difíceis de serem superados do que as imposições
daquele meio natural. Entre elas, citamos, os pecuaristas que utilizavam as ilhas
como forma de manutenção do gado em período de seca no continente, a
ocupação do território por um novo elemento social até então desconhecido, os
turistas, as usinas hidrelétricas que com os represamentos “enfraqueceram o
fluxo da vida” do rio, diminuindo os estoques pesqueiros valorizados pela
população ribeirinha e insular, e por fim, a criação da APA das Ilhas e Várzeas
do rio Paraná, que atualmente, pelas vias da truculência judicial intimida os
moradores remanescentes a abandonarem seus ranchos, suas casas, seus hábitos,
seu estilo de vida, vinculados tradicionalmente ao rio e a pequena lavoura.
- 51 -

Vivendo em conflito: As enchentes e as barragens

A enchente de 1982/1983 foi a enchente mais duradoura que os ribeirinhos e


insulares do alto rio Paraná presenciaram. Começou em novembro de 1982 e
adentrou 1983, até agosto. Conseqüentemente, foi também a que mais dificultou
a vida desses moradores, o que eles não sabiam é que esse seria o começo do
fim.
Em oitenta e dois eu morava numa barranca no Paraná aqui numa
fazenda, na margem do Mato Grosso. A água fartô vinte centíme pá pegá no
teiado. E lá é alto. É alto, muito alto viu. Faltô bem poquin pá pegá o teiado.
Ah naquela época perdi, só di arroiz eu perdi, perdi deiz saco de prela, mil
litro. Milho, amendoim, foi tudo embora. Crio os porco mesmo e as galinha.
Mas o resto foi tudo.
A gente só pesca mesmo pá podê, mais só memo prá comê. O ganho aqui
é pouco. Ganho um salário, nóis são em deiz (SÁ, 1998, p.61).

Os relatos que serão apresentados na segunda parte deste trabalho, revelarão o


panorama do descaso do poder público e da iniciativa privada para com toda
uma população de comunidades humanas e naturais que ali residiam, muito
antes, dos desmandos políticos e da falta de responsabilidade social de
importantes setores empreendedores da economia nacional.
Por ora, devido a carência de informação sistematizada sobre as conseqüências
das enchentes para os ilhéus do arquipélago da ilha Mutum, nos basearemos
agora, nas observações de Kimiye Tommasino que, de forma muito precisa,
descreveu a experiência dos ilhéus de Ilha Grande, diante das desproporcionais
inundações do rio Paraná a partir de 1976, que segundo a autora, tiveram relação
direta com as construções das barragens ao longo do rio Paraná, mas antes, de
acordo com Agostinho; Zalewski (1996), e UEM/NUPELIA/PELD (2000) os
represamentos:
... estão entre as ações antropogênicas que mais modificaram as
características fisiográficas dessa bacia, afetando virtualmente todos os
principais afluentes, especialmente aqueles da metade superior do alto rio
Paraná. O número de barragens é superior a 130, considerando-se apenas
aquelas com alturas superiores a 10 metros. Desses, 26 têm mais de 100 km2,
cobrem cerca de 93% dos cerca de 14.000 quilômetros alagados e
armazenam porcentual semelhante ao volume total acumulado (250.109m2)
[...] Cerca de 80% desses reservatórios foram construídos a partir de 1960,
estando previsto um incremento acentuado no número e, principalmente, na
área represada até o final do século [XX], com aproveitamentos hidrelétricos
em rios ainda não regulados (p. 51 e 53).

... os ambientes aquáticos desta bacia têm sido seriamente afetados pela
atividade antrópica. Entre os impactos mais comuns, destacam-se as
elevadas cargas de biocidas e nutrientes decorrentes do aporte de esgotos
domésticos e da atividade agrícola, desmatamento da vegetação riparia e,
principalmente, construção de barragens, que têm alterado o regime natural
- 52 -

da cheia e suprimido trechos lóticos e amplas áreas alagáveis do rio Paraná e


de seus principais tributários (UEM/NUPELIA/PELD, 2000).

Os represamentos, não modificam apenas as características fisiográficas, mas


também e principalmente, todo um ecossistema adaptado às condições
particulares de um ambiente lótico que com os barramentos, se transformam em
ambientes lênticos, isto é, de rios com águas correntes, passam a ser grandes
lagos artificiais.
A literatura tem abordado sob os mais diversos pontos de vista os chamados
impactos sociais e / ou ambientais dos grandes empreendimentos hidrelétricos.
Quase sempre realizados em regiões periféricas, eles têm imposto às populações
das áreas onde se implantam rápidas e profundas alterações nos meios e modos
de vida: deslocamento compulsório de milhares ou dezenas de milhares de
pessoas, desestruturação das atividades econômicas e dos mercados de trabalho
e de terras, ruptura das teias de relações sociais, afluxo de populações que
pressionam as já precárias redes de infra-estrutura e serviços básicos, mudanças
na qualidade da água, no curso e regime dos rios com graves conseqüências
tanto para as condições sanitárias quanto para as atividades econômicas (pesca,
agricultura de vazante) etc. Ao invés de funcionarem como focos difusores da
modernidade e do progresso, como prometem coloridos prospectos e vídeos
propagandísticos, o reordenamento territorial resultante da construção destes
grandes aproveitamentos hidrelétricos tem sido acompanhado pela multiplicação
de carências de toda ordem (VAINER, 1996).
Rosa (2000) afirma que em paralelo às transformações da atividade
agropecuária, no final dos anos setenta e, especialmente na década seguinte, a
ação direta do Estado com a construção de usinas hidrelétricas nos rios Iguaçu,
Paraná e Paranapanema, promoveu a expropriação de proprietários e posseiros,
parceiros e arrendatários, trabalhadores permanentes e temporários —
produtores de algodão, soja, trigo, arroz, milho, feijão, e suínos.
Atribui-se a essas as empresas do setor hidrelétrico instaladas ao longo da bacia
do Paraná, as responsabilidades pelas sucessivas inundações na planície da bacia
do rio Paraná.
A intervenção na natureza, represando o rio Paraná e seus afluentes e
provocando mudanças fundamentais na dinâmica natural da Bacia do
Paraná, parece ser o miolo da questão. O que não se pode negar é a mudança
radical havida no movimento das águas: antes, não havia enchentes tão
violentas e nunca atingiram os níveis atuais. As enchentes naturais, presentes
vez ou outra, eram benéficas e traziam vantagens aos produtores das regiões
ribeirinhas: reconstituíam o solo e nunca destruíram suas casas e plantações.
A violência das enchentes atuais, no nosso entender, é uma metáfora da
violência da sociedade moderna, intermediado pelo Estado que representa os
interesses do capital. No centro desse processo, está o trabalhador e a
natureza, como objetos de exploração (TOMMASINO, 1985, p. 186).

No nosso caso, alguns colaboradores atribuíram às represas das usinas


hidrelétricas o verdadeiro motivo das inundações, mas, a partir de 1979.
- 53 -

Segundo alguns, a enchente foi além do “nível normal”, chegando até o local
onde suas casas foram construídas.
Para os mais velhos, que conheciam a região a mais tempo, mesmo antes de se
fixarem nas ilhas, foram as maiores enchentes dos últimos 50 anos. A partir de
então todo ano tiveram de se refugiar no continente. Durante vários meses
ficavam instalados nos municípios próximos do Paraná e do Mato Grosso do
Sul. Alguns conseguiam serviços como trabalhadores volantes, nas fazendas;
roçando pasto, colhendo algodão, quebrando milho, carpindo etc. Outros
trabalharam na pesca. Outros ainda, conseguiram se manter através da venda do
estoque de sua produção e da venda da criação de pequenos animais, outros
recebiam ajuda de parentes, amigos e vizinhos que tinham condições de ajudar.
Outros, diante da insistência da intensidade e duração das enchentes, decidiram
rumar para outras frentes agrícolas no Mato Grosso, Rondônia e Pará.
Os que retornavam para suas posses na ilha, após semanas ou meses de moradia
em instalações precárias nas barracas de lona, encontravam as casas destruídas
parcial ou totalmente, as roças não existiam mais, mesmo assim, voltavam e
plantavam tudo de novo até a próxima enchente, entretanto, conforme
Tommasino (1985), a enchente mais intensa prejudicou bastante os ilhéus.
Além das perdas na lavoura e benfeitorias, os ilhéus, agora na condição
de flagelados e expropriados, transformam-se em problema político. As
enchentes não só levam as esperanças do produtor autônomo, como também
levam a própria posse dele: depois de um ano, as águas, que cobriam as ilhas
na enchente de 1983, deixaram uma espessa camada de areia sobre a terra
das ilhas, tornando impossível a prática da agricultura. É como se, com o
início das cheias, se desencadeasse uma série incomensurável de outras
“desgraças”, resultantes de um processo deflagrado pelo homem e contra ele
se voltando. A especificidade é que, de um lado, os benefícios que tais
projetos trazem, são usufruídos pela população que não tem nenhuma
ligação direta com a Ilha, ao passo que os malefícios são absorvidos pela
população local. A sobrevivência da sociedade se faz com o sacrifício
concreto desse segmento: numa linguagem metafórica, com a “morte” das
comunidades ribeirinhas e ilhéus (p. 187).

As afirmações de Tommasino vêm de encontro com o relato dos colaboradores


da pesquisa quando narram a vergonha de serem nominados por “flagelados” ou
“loneiros”, em alusão às precárias moradias improvisadas de lona, onde
aguardavam a diminuição do nível da água, sem dignidade, sem perspectiva,
sem esperança.
Convém aqui fazer um pequeno adendo para distinguir o conceito de enchente e
de cheia, para o ex-ilhéu da ilha Mutum. A enchente é sempre negativa, ela
significa a perda de seus investimentos morais, financeiros, sociais e afetivos
naquilo que durante anos cultivou, sua pequena roça. Entretanto, a cheia é
benéfica, é símbolo de fartura, ela “lava o varjão”, e traz a abundância de peixe.
Assim, podemos então enunciar que as enchentes, para esses ilhéus eram os
processos anti-naturais, mais intensos e prolongados, desencadeados, segundo
eles, pelos barramentos à montante e à jusante. As cheias, eram as inundações
- 54 -

periódicas, por eles previstas, que trazia o peixe e a fatura, sem que fossem
obrigados a deixarem suas casas para se refugiarem no continente. Por sua vez,
nem todos os ilhéus reconheciam que eram as barragens, as responsáveis pelas
grandes inundações, mas todos reconheceram que as barragens exerceram
influências negativas para o rio e para os peixes.
A grande inundação de 1982, conforme nos relata o Sr. Armando, foi devido à
formação do lago da represa de Itaipu. Para ele, a cheia permaneceu por mais
“tempo do que devia” para favorecer o represamento da água na barragem de
Itaipu, seria inaugurada a maior UHE (Usina Hidroelétrica) do mundo a Itaipu
Binacional.
Conforme pesquisa ao site da empresa, constatamos que o lago começou a ser
formado exatamente no período de cheia do rio Paraná, coincidindo com o
período relatado para a duração da enchente, ou seja, novembro de 1982 a
agosto de 1983.
No início da formação do reservatório, em outubro de 1982, Itaipu
desenvolveu a operação Mymba-Kuera, palavra que na língua guarani quer
dizer “pega-bicho”. A operação resultou no resgate de mais de 30 mil
animais, soltos posteriormente nas reservas e refúgios biológicos criados
pela hidrelétrica nas margens brasileira e paraguaia do reservatório, com
exceção das serpentes peçonhentas, enviadas para os institutos brasileiros
que produzem soros antiofídicos (ITAIPU, 2001).

Rosa (2000), nos esclarece que as UHE teriam um papel decisivo no plano
nacional a partir da década de 1980, quando a ocupação da fronteira agrícola,
marcada pela violência no acesso à terra e práticas predatórias de utilização dos
recursos naturais, a política de modernização da agricultura acompanhada de
obras de infraestrutura, incluída a construção de usinas hidrelétricas, foi a
responsável pela expulsão de população do campo, fazendo emergir outros
conflitos pela posse da terra nos anos noventa.
A formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu promoveu a
desapropriação de 111.332 hectares de terras férteis e produtivas na margem
brasileira, atingindo cerca de 8.500 propriedades, em sua maioria minifúndios,
sendo 1.600 urbanas e 6.900 rurais, deslocando uma população de 42.444 mil
pessoas dos municípios lindeiros (ITCF, 1987 apud ROSA, 2000). Para Rosa
(2000), foi a ausência de uma política adequada de reassentamento da população
desalojada pelas obras das hidrelétricas, que elevaram os níveis de pobreza da
população carente atingida.
Percebe-se que os impactos das UHE são percebidos primeiramente no meio
físico, pois atingem a comunidade biótica. Porém, gradativamente, as
populações humanas, o meio sócio-econômico, que depende diretamente dos
recursos naturais afetados, também são atingidos.
Atualmente as populações que vivem em contato mais estreito de dependência
das atividades tradicionais de subsistência, têm conhecimento das catastróficas
- 55 -

conseqüências das UHE para o meio natural e para seu sistema de reprodução de
vida.
Segundo EIA/RIMA - TIBAGI (1999), uma grande agitação tomou conta dos
indígenas que, depois de serem informados de um projeto de construção de 4
empreendimentos para o aproveitamento do potencial hidrelétrico da bacia do
rio Tibagi. Eles estão preocupados com as modificações na paisagem natural e
com o desaparecimento das corredeiras que significa também a perda da pesca
tradicional e das matas ciliares que vão ser inundadas. Também vão desaparecer
algumas espécies de plantas, aves, pequenos animais e de peixes, e ainda, o
porto de areia, cuja exploração implica em algum rendimento para os índios.
Estão conscientes que as alterações no meio ambiente e os eventuais impactos
significam mudanças nos modos de ser, nas suas práticas culturais e relações
simbólicas que estabelecem com os rios e as matas. Vão necessitar conviver
com um contigente de população estranha que será deslocada de outras regiões e
que ocupará os canteiros de obras e dormitórios. Estão preocupados com suas
mulheres e jovens índias. Disseram que as doenças trazidas pelos de fora podem
contaminar a população das aldeias.
O deslocamento de máquinas e o asfaltamento das estradas de acesso às Áreas
significam contatos e experiências de vida e práticas culturais novas. As pontes
que possam ser construídas no rio Tibagi vão permitir o acesso mais fácil entre
as áreas e para os indivíduos que se deslocarem para a região. Também estão
preocupados com as áreas a serem alagadas e solicitaram que marcos fossem
colocados nos locais onde vão ser inundadas as suas terras. Pensam que não
podem perder mais áreas de terras, porque a população de jovens e de crianças é
significativa e se concordarem com as usinas, pretendem exigir a reposição das
áreas a serem alagadas, em quantidades maiores, com vistas às novas gerações.
Estão atentos quanto aos seus direitos e têm procurado apoio entre os
Procuradores da República nas sedes das Procuradorias, para receber
informações e orientação quanto aos procedimentos a serem adotados.
Os líderes querem a melhoria das condições de vida de toda a população que
está atravessando um período difícil, em que as verbas federais são escassas e
faltam recursos para seus projetos, principalmente para o exercício da cidadania
e aspiram a autonomia dos povos indígenas.
Essa situação é bem diferente daquela enfrentada pelos antigos moradores das
ilhas do alto rio Paraná. Os ex-ilhéus desconheciam por completo as
conseqüências de tais empreendimentos em suas vidas, alguns desconheciam até
mesmo a execução da obra.
De acordo com pesquisadores do IPARJ:
Empreendimentos econômicos do porte das usinas hidrelétricas causam
danos globais à populações tradicionais , isto é, têm influência, em geral
deletéria, em todos os setores da sua vida, desde a sua população e as
condições materiais de sua sobrevivência, até as suas concepções de vida e
visões de mundo. Os danos raramente são exclusivos a um número
populacional e, sim, a um povo como um todo, a uma etnia, a uma cultura,
- 56 -

os valores e os sistemas organizativos desses povos (IPARJ, 1989, p. 2 apud


EIA/RIMA - TIBAGI, 1999).

Assim, constatou-se que a classificação que divide os impactos em diretos e


indiretos é ineficaz, pois os impactos são globais e, muitas vezes, aqueles
considerados indiretos causam mais danos permanentes, do que um impacto
considerado direto. O conceito de impacto global incorpora uma realidade que
não é exclusivamente material, como a expectativa e o estresse que gera um
grande projeto, desde o início dos estudos do inventário ambiental e social
(IPARJ, 1988, p. 2-3).
Tomando como referência o EIA / RIMA visando a implantação de UHE na
Bacia do Tibagi, de acordo com sua área de influência, destacamos aqui 22 dos
impactos levantados para o meio biótico, do total de uma listagem de 78
impactos negativos, que coincidem com os impactos e alterações relatados pelos
entrevistados em nosso estudo.
1. Comprometimento da ictiofauna pelo movimento de sedimentos;
2. Alterações nas características hídricas das áreas marginais ao rio;
3. Redução da biodiversidade;
4. Desaparecimento de ilhas;
5. Comprometimento das fontes alimentares e locais de reprodução
de fauna, pela alteração das características das águas;
6. Interrupção do fluxo natural do rio com conseqüente competição
por ambientes a montante e jusante do barramento;
7. Alteração do meio aquático de lótico para lêntico;
8. Esvaziamento do leito do rio a jusante do barramento durante a
formação do reservatório e alteração das taxas de vazão, que pode
ser agravada devido ao efeito cascata;
9. Redução da oferta alimentar para populações semiaquáticas e
justafluviais, inclusive para os peixes com comportamento
frugíforo com a redução ou extinção da vegetação marginal;
10.Invasão de espécies alóctones ou exóticas provenientes de
pisciculturas;
11.Alteração da comunidade de peixes pela mudança de ambiente;
- 57 -

12.Aumento populacional de mosquitos dos grupos Anopheles


(Nyssorhynchus) e Culex (Melanoconion);
13.Alterações na composição da vegetação na área de entorno de
influência do reservatório;
14.Variações no do nível da água nos corpos de água influenciados
pelo reservatório;
15.Variação nos níveis de qualidade das águas a jusante da barragem;
16.Comprometimento da fauna íctica pela modificação dos índices de
qualidade de água;
17.Alteração na qualidade da água, após o barramento, por
potencialização dos efeitos da poluição;
18.Alteração da composição ictiofaunística pela modificação da
dinâmica da água, principalmente sobre as populações reofílicas;
19.Oscilação dos níveis de vazão a jusante da barragem, causando
instabilidade nos ambientes marginais e nas comunidades de
peixes, afetando a reprodução, o recrutamento a diversidade, a
composição e a densidade populacional;
20.Obstrução do fluxo de peixes, dificultando e impedindo a migração
— piracema;
21.Contaminação da água do rio e seus afluentes, potencializando o
aparecimento de doenças endêmicas nas populações indígenas ou
camponesas que utilizam este recurso;
22.Descaracterização cultural das populações tradicionais;

Dessa forma os efeitos para o meio físico e biótico, tomados individualmente e


em conjunto, atingem diretamente as populações tradicionais e campesinas que
dependem do ambiente situado na área de influência do empreendimento, ou
seja, a bacia hidrográfica. Isso dificulta a possibilidade da reprodução material,
social e cultural dessas populações que erigiram durante séculos, uma cultura
que privilegiava um contato estreito de dependência imediata com os recursos
naturais.
- 58 -

A respeito da construção da construção de grandes reservatórios, Resaldalves


(1994), pondera que a prática de construção de reservatórios tem sido acelerada
nas últimas décadas, desencadeando problemas sérios à fauna e flora. Entre
estes, são considerados:
- Interrupção do fluxo migratório de algumas espécies, comprometendo
a ocorrência das mesmas na região;
- Modificação na estrutura da comunidade, favorecendo o
desenvolvimento de espécies características de ambientes lênticos, em
detrimento às espécies reofílicas18;
- Redução da diversidade de habitats;
- Perturbação dos sistemas aquáticos e hidrológicos a jusante, incluindo
estuários;
- Redução considerável da biomassa pesqueira presente.
Estas considerações, reafirmam o caráter predatório que as construções de
reservatórios até agora vêm apresentando.
Com seu modo simples, os colaboradores da pesquisa falam dos impactos que as
barragens provocaram em seu modo de vida. Falam principalmente da fartura de
peixes que havia antigamente (década de 1980). Segundo eles, podia-se escolher
o peixe que serviria de alimento e atualmente se conseguir pegar um peixe é o
bastante. Atribuem a escassez de peixes ao baixo nível de água, “o peixe não
fica em lugar raso”. Em sua percepção, os barramentos são os principais
responsáveis pelo baixo nível da água que compromete a ictiofauna do rio
Paraná.
Sem as cheias naturais periódicas que havia antes da década de 80, o peixe não
desova e quando desova, não o faz em local adequado, sem o abrigo necessário
que antes encontrava nas lagoas das ilhas e várzeas, os ovos e larvas se tornam
presas fáceis, impedindo o sucesso no recrutamento de novas populações.
A pesca agora fica em defeso por um período maior, chegando às vezes a 4
meses de duração. Não são todos os pescadores que são registrados para
poderem receber o salário pelo período de “férias forçada”. Além disso, é
justamente no período de defeso que o rio está mais propício à pesca, e isso é
motivo de revolta.
Os ex-ilhéus entrevistados, queixam-se de espécies que desapareceram como o
pintado, curimba, piracanjuba e outras mais valorizadas comercialmente. No
lugar desses peixes, o que predomina agora é o armado e a arraia, espécies
rejeitadas por todos os entrevistados, menos uma moradora que afirmou não ter
preferência por nenhuma espécie. Outros afirmaram que a carne da arraia é
18
Espécies adaptadas às condições de água corrente.
- 59 -

envenenada e que já prejudicara um filho seu, causando-lhe dolorosas feridas


pelo corpo. Segundo ela, esse peixe é ruim para o sangue: “panela minha em que
esse bicho for feito vai ser jogada fora!”, adverte a mãe de um dos entrevistados.
Os pescadores agora estão se aventurando a pescar em localidades mais
distantes como as do rio Baia e Ivinheima, locais onde além da distância, há a
fiscalização que confisca os instrumentos e a carteira de pesca.
Após a grande enchente (82/83), além de desabrigá-los e expulsá-los de
seus lares e formas de vida, trouxeram consigo outras formas de desgraças. Nas
palavras de um dos entrevistados, para muitos, a Ilha Mutum, de jardim edênico
de fartura, tornou-se um lugar amaldiçoado. Agora não há mais a fertilidade que
havia anteriormente. Há também uma grande proliferação de mosquitos e
pernilongos. Dizem que mesmo os que ainda moram na ilha não conseguem
colher como antes, são, portanto, obrigados a comprarem no continente a
comida que antes produziam em suas próprias casas. Se alguém quiser produzir
alguma coisa, tem que investir em defensivos agrícolas, pois a enchente “trouxe
muita praga, a enchente veio e levou tudo embora.”
Afirmaram também que a ilha Mutum, bem como as outras do rio Paraná
não foi uma fonte de vida apenas para seus moradores. As cidades próximas das
ilhas como Porto Rico, também se beneficiavam com a prosperidade e fartura
dos antigos moradores das ilhas. Havia as casas de arroz, uma dinâmica maior
do comércio, bem como um número maior de moradores na cidade.
Em resumo, para os colaboradores da pesquisa, as várias usinas
hidrelétricas (mais de 130 — Agostinho; Zalewski, 1996) que represaram o
quase todo o rio Paraná foram responsáveis:
- as enchentes desproporcionais que os expulsaram de suas moradias;
- pela perda da produção anual de arroz, feijão e outras espécies que
cultivavam para subsistência;
- perda dos pequenos animais de criação como porcos e galinhas;
- perda da fertilidade das terras da ilha Mutum;
- perda de suas raízes tradicionais de lavradores-pescadores;
- perda de sua identidade cultural e social;
- perda de suas casas;
- diminuição das espécies de peixes importantes para sua economia;
- diminuição sensível da quantidade de peixes;
- erosão marginal e conseqüente assoreamento do rio
- diminuição do nível da água;
- transformou um ambiente lótico em lêntico;
- 60 -

- diminuição e extinção de espécies vegetais importantes;


- extinção de plantas frutíferas que serviam de alimento para os peixes;
- invasão e proliferação de outras espécies de peixes;
- mortandade de peixes por motivos operacionais das represas;
- impedimento da migração de espécies migradoras;
- retirou sua liberdade, autonomia e o “sossego”, valores fundamentais
da identidade social e cultural das populações de caráter
tradicionalista;
- impediu as formas tradicionais de reprodução material social e cultural
desta e de outras comunidade de ilhéus;
- motivou grande parte dos insulares a migrarem para desvantajosas
frentes de expansão agrícolas;
- poluição do rio;
- ocupação da ilha por fazendeiros e clubes de turistas;
- desaparecimento de ilhas menores;

A relação dos impactos supracitados, recolhida ao longo das entrevistas com os


10 colaboradores, revelam a dimensão do impactos que essa população sofreu
após a enchente de 1982/1983. Os colaboradores da pesquisa, afirmam que isso
tudo aconteceu depois do início das construções das represas da CESP19.
Ao que parece, as empresas do setor no mínimo desconheciam o Código das
Águas, que apesar de ser um pouco antigo, atendia muito bem as preocupações e
as necessidades do presente no que diz respeito ao uso social deste recurso. Ao
que parece, nenhum dos grandes empreendimentos para aproveitamento
hidroelétrico do curso do rio Paraná, seguiu as recomendações do Código das
Águas.
Demonstrando preocupação com o uso múltiplo da água, o Código de
Águas de 1934 estabeleceu (art.143) que em todos os aproveitamentos de
energia elétrica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses
gerais: a) da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas; b)
da salubridade pública; c) da navegação; d) da irrigação; e) da proteção
contra as inundações; f) da conservação e livre circulação dos peixes; g) do
escoamento e rejeição das águas. (Rosa, 2000)

19
Centrais Elétricas de São Paulo.
- 61 -

De acordo com considerações anteriores, Kimiye Tommasino, em 1985, já


apontava as conseqüências negativas dos barramentos no rio Paraná.
A partir de 1976, começaram a ocorrer grandes enchentes no rio Paraná,
que se seguiram nos anos seguintes. Variaram de intensidade, mas sempre
provocando perdas na lavoura e, por mais três vezes, obrigando a população
(ou parte dela), a se refugiar no continente, como resultado das barragens da
bacia do rio Paraná, construídas nos Estados de São Paulo e Minas Gerais.
Portanto, o dilúvio anual coloca-se como elemento novo na realidade dos
ilhéus de toda a área compreendida entre as barragens de ilha Solteira, no
Estado de São Paulo, até Itaipu, no Estado do Paraná. (p .19)

Para a autora, essas enchentes destruidoras passaram a ocorrer após a construção


das barragens das usinas rio acima e após essa intervenção na natureza,
ocorreram mudanças fundamentais na dinâmica natural da bacia do Paraná.
Apresentamos a seguir, algumas considerações sobre pontos específicos dos
impactos das represas, constante no Relatório de Impacto Ambiental que avaliou
a possibilidade de construção de uma usina hidrelétrica na bacia do Tibagi,
divulgado em 1999.
A composição ictiofaunística é alterada quando ocorre a dispersão de
peixes exóticos com maior plasticidade ecológica provenientes das culturas
existentes ao longo da bacia (psicultura), causando a competição com as
populações nativas por alimentação, espaço vital e reprodutivo, além do fato
de que estes peixes podem ser vetores de doenças e parasitas à ictiofauna
nativa.
A formação de uma seqüência de reservatórios podem causar diversos
efeitos negativos sobre a fauna aquática, tais como um incremento da
mortalidade de peixes e de macroinvertebrados decorrente de um aumento
brusco do oxigênio dissolvido e da turbidez, bem como o desaparecimento
local de espécies animais associados aos ecossistemas aquáticos, os quais
tenderão a se deslocar da área pela diminuição dos recursos alimentares e
pelo comprometimento de ninhos e tocas em função de elevações bruscas do
nível da água a jusante. Ambas as situações poderão gerar uma fragmentação
das populações animais de hábitos aquáticos ao longo do rio, causando um
empobrecimento gênico e problemas de consangüinidade nas populações
isoladas.
As variações de vazão das águas a jusante das barragens causam
influência direta no estabelecimento e sobrevivência de várias espécies
aquáticas e justafluviais, havendo modificações nos processos reprodutivos,
diminuição da oferta alimentar e abrigos. Com o desaparecimento das
corredeiras, pode haver extinção local de espécies reofílicas20 e o
favorecimento de espécies adaptadas a ambientes lênticos (lagos).
As espécies de peixes migratórias serão diretamente impactadas,
causando o empobrecimento genético das populações, devido à obstrução no
fluxo do rio. A seqüência de barragens limitam o deslocamento da
ictiofauna, criando setores isolados, impedindo a realização da piracema a
partir da primeira barragem.
Durante a operação das usinas poderá ocorrer o confinamento e a morte
de peixes nas turbinas, o que contribuirá para a redução da diversidade deste
grupo.

20
Espécies de peixe adaptadas a ambientes de água corrente (lóticos).
- 62 -

Com a implementação de uma usina hidrelétrica, inicia-se um processo de


profundas transformações na distribuição da população e organização do espaço,
que atinge inclusive as populações que vivem e dependem na área de influência
do empreendimento.
Para se ter uma idéia, até 1980 as represas tinham ocupado 111.240 hectares de
terras no Estado e em 1993 passaram a ocupar 204.210 hectares, ou 2.042,1km²,
localizados principalmente às margens dos rios Paraná, Paranapanema e
Iguaçu21.
Migrados de sua região de origem em condições totalmente adversas,
muitas vezes essas populações são transferidas para outras regiões do estado ou
do país, em áreas de baixa fertilidade e sem infra-estrutura, muitos abandonaram
os lotes, outros conseguiram incorporar ao processo produtivo terras
anteriormente improdutivas, enquanto as hidrelétricas se apropriavam das terras
mais férteis e das áreas de florestas remanescentes localizadas às margens dos
rios represados.
É preciso considerar, a exemplo de Diegues (1983), que o homem não conhece
nem tem o domínio suficiente sobre os ciclos da natureza; que os processos
físico-químicos agem independentemente da ação humana. É sobre esses
processos, em diversos níveis de elaboração, que o homem interfere através dos
outros elementos que formam os meios de produção (instrumentos de trabalho,
etc.). Daí, concluirmos que o homem não age sobre um objeto estático, mas
sobre um complexo biológico regido por leis e processos alheios à vontade
humana. Desse modo, a interferência humana nos processos naturais, por mais
preciso que seja o controle técnico-científico alegado, não se realiza de acordo
com a previsibilidade e controle estratégico apregoado pelas instituições
executoras de obras impactantes.

Vivendo em conflito: a ilha como extensão das fazendas — as pessoas saem, o gado entra

Nossos entrevistados relataram que, logo no início da saída das ilhas, enquanto
as águas ainda estavam baixando, em 1983, fazendeiros começaram a ocupar
grandes porções da Ilha Mutum com o manejo de gado durante os meses de
seca, quando as pastagens no continente são insuficientes. Segundo os ex-ilhéus,
os fazendeiros ocuparam as terras dos ilhéus que haviam abandonado suas
posses, ou ainda compraram essas posses a valores muito baixos, pois corria o
boato nas redondezas, que as águas não mais iriam baixar. Assim, ingenuamente
os insulares viram no negócio uma vantagem. Para essa decisão, pesava também
a divulgação de que o governo federal estava oferecendo terras para os
“flagelados da enchente”. Terras, estas, mais isoladas e distantes da civilização
do que as ilhas que antes habitaram. Descobririam também, mais tarde, que
essas terras eram inviáveis para qualquer cultivo sem razoáveis investimentos
21
Secretaria Especial de Meio Ambiente (Paraná). 1991, p. 45.
- 63 -

financeiros22 que sempre lhes faltou. Além disso, o financiamento prometido,


nunca chegou.
Após os anos 70, ocorreu um aumento constante das pastagens plantadas,
substituindo pastagens naturais e a mata nativa, passando a ocupar, praticamente
a mesma área total que as lavouras, devido ao aumento da pecuária de corte cujo
efetivo de bovinos passou de 8,6 milhões de cabeças em 1985 para 9,9 milhões
de cabeças em 1996 (UEM/NUPELIA/PELD, 2000, p. 267) Com o avanço
extensivo da agropecuária, perdia o ilhéu, perdia a natureza.
Mais de 50 % da atividade econômica do setor rural de Porto Rico, está voltada
a criação de bovinos e à criação de galinhas, galos, frangos e pintos, que
demandam exígua mão de obra. Tal situação traz repercussões sociais graves, ou
seja, incrementa sobremaneira a geração de renda (PIB), mas não produz
empregos, ao contrário, diminui sua oferta. A renda fica concentrada nas mãos
de poucos e os benefícios auferidos não são distribuídos localmente. Segundo
Uem/Nupelia/Peld (2000), essa é uma situação que não se limita a Porto Rico,
antes disso, o município reflete o que ocorre no resto do país, por causa do
modelo de desenvolvimento econômico.
Segundo Goulding (1995), a principal ameaça à integridade das planícies de
inundação é a sua ocupação recente pela atividade pecuária. O gado é mantido
nas planícies durante o período da seca. Para aumentar a área de forragens, as
florestas inundáveis remanescentes da exploração de madeira são derrubadas.
No período das enchentes esse gado pode ser levado para terra firme ou pode ser
confinado em barcaças e alimentado com as pastagens flutuantes, que são
componentes importantes na cadeia alimentar dos peixes. A introdução do
búfalo na planície de inundação é, segundo o autor, a maior ameaça presente à
biodiversidade desses ecossistemas.
Enquanto isso, o grande contingente dos desabrigados atingidos pelas
barragens no rio Paraná, favoreceu, segundo Rosa (2000), a organização política
dos sem terra, obrigando o governo a transferir centenas de famílias de
trabalhadores acampados em rodovias, instalando-as em projetos de
assentamento localizados nos municípios de Arapoti, Clevelândia e Palmas,
entre outros no centro-sul e no Sudoeste do Paraná. Também foram assentados
trabalhadores rurais nas áreas em processo de regularização, como ocorreu por
exemplo, em Querência do Norte, na fronteira com o Mato Grosso do Sul no
final dos anos oitenta23.
No entanto, para o governo do estado a tarefa de reassentamento das famílias de
sem-terra e desabrigados atingidos por barragens ficava cada vez mais difícil,
22
Eram grandes áreas de terras, três de nossos colaboradores, por ocasião da mudança para o local,
narraram ter tido a posse de propriedade maior que 42 alqueires, sendo a maior parte, com cobertura
florestal.
23
De acordo com Rosa (2000), quando houve necessidade de assentar as famílias remanescentes
do processo desapropriatório efetuado por Itaipu (1981) e, mais tarde, os ilhéus desabrigados pelas
enchentes do rio Paraná, o INCRA buscou áreas que pudessem ser ocupadas sem usar
desapropriação, com o objetivo político de não reascender a questão das desapropriações.
- 64 -

considerando que foram assentadas 8.389 famílias em projetos de colonização e


reforma agrária, em lotes de 15 hectares em média, e, em 20 anos foram
destinados cerca de 125 mil hectares para reforma agrária no estado. Não
obstante, no mesmo período, as barragens das usinas hidrelétricas construídas
nos rios Paranapanema, Paraná e Iguaçu inundaram mais de 216 mil hectares de
terra fértil. Adiciona-se a isso, o fato do poder público (federal e estadual) ter
proibido atividades produtivas em cerca de 474 mil hectares, reservados sob as
categorias de uso indireto, e condicionou o uso em outros 2.136.810 hectares
reservados sob as categorias de uso sustentável (ROSA, 2000).

Vivendo em conflito: o impasse ilhéus versus Área de Proteção Ambiental

Contudo, a sentença final, que definitivamente expulsou os ilhéus


remanescentes, aqueles que conseguiram resistir às enchentes, às hidrelétricas,
aos turistas, aos fazendeiros e ao gado, foi dada quando da decisão de
transformar as ilhas e várzeas do rio Paraná em Área de Proteção Ambiental.
O arquipélago da Ilha Mutum está inserido dentro dos limites da APA das Ilhas
e Várzeas do rio Paraná, considerada a segunda maior do Brasil, com a extensão
de 1.003.059 ha24, e um perímetro de 821,76 Km. Está localizada nos estados do
Paraná e Mato Grosso do Sul, abrangendo os municípios de Altônia, São Jorge
do Patrocínio, Vila Alta, Icaraíma, Querência do Norte, Porto Rico, São Pedro
do Paraná, Marilena, Nova Londrina e Diamante do Norte, no estado de Paraná,
e Mundo Novo, Eldorado, Naviraí e Itaquiraí, no estado de Mato Grosso do Sul.
Foi criada em 30/09/1997 com a finalidade de proteger a fauna e flora,
especialmente as espécies ameaçadas de extinção, tais como o cervo-do-pantanal
(Blatocerus dichotomus), o bugio (Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis) e
outros. Além disso, outros aspectos como o histórico, social e cultural também
foram contemplados visando a preservação. Assim, os objetivos também passam
por garantir a proteção dos sítios históricos e arqueológicos; ordenar o turismo
ecológico, científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis
com a conservação ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir
para o resgate da diversidade cultural regional e assegurar o caráter de
sustentabilidade da ação antrópica na região, com particular ênfase na melhoria
das condições de sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e
entorno. (IBAMA, 2002)
De acordo com a Sociedade Nacional de Agricultura (2002), as Áreas de Proteção
Ambiental pertencem ao grupo de unidades de conservação de uso sustentável.
Constituídas por áreas públicas e/ou privadas, têm o objetivo de disciplinar o
processo de ocupação das terras e promover a proteção dos recursos abióticos e
bióticos dentro de seus limites, de modo a assegurar o bem-estar das populações
24
Estende desde a foz do rio Paranapanema até o início do reservatório de Itaipu.
- 65 -

humanas que aí vivem, resguardar ou incrementar as condições ecológicas locais


e manter paisagens e atributos culturais relevantes.
Estas áreas são dotadas de características biológicas, ecológicas e paisagísticas
que exigem proteção especial, com restrições de ocupação e uso. O objetivo é
estabelecer uma convivência mais harmônica entre a conservação dos recursos
naturais e o desenvolvimento regional. Atividades turísticas e recreativas, bem
como outras formas de ocupação da área são admitidas, desde que se
harmonizem com os objetivos específicos: conservar ou melhorar as condições
ambientais locais; preservar recursos hídricos; preservar paisagens notáveis;
manter atributos culturais; experimentar técnicas e procedimentos que permitam
conciliar o uso e ocupação do solo com a manutenção dos processos ecológicos
essenciais, conciliados ao bem-estar das populações humanas locais. Esta
categoria compreende inclusive áreas de propriedade privada sob supervisão
governamental, podendo incluir trechos de domínio público. Nesse sentido, os
objetivos da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná estão de acordo com a
definição e contemplam os elementos cuja existência depende da preservação do
local.
Nas últimas décadas a criação de parques e reservas tem sido uma das principais
estratégias para a conservação da natureza. Na realidade, essas áreas, conhecidas
como Unidades de Conservação, se colocam como ilhas de preservação de
grande beleza cênica, onde o homem da cidade pode apreciar e reverenciar a
natureza. No entanto, a legislação brasileira que cria os parques e reservas prevê
a transferência dos moradores tradicionais de seus territórios, gerando conflitos
graves e causando uma série de problemas éticos, sociais, econômicos, políticos
e culturais. Dessa forma, as opiniões se divergem, enquanto alguns defendem a
continuidade dessas populações nos domínios das unidades de conservação,
outros criticam duramente esta posição.
Na opinião de Ibsen Câmara, da Fundação Brasileira para a Conservação da
Natureza (FBCN) e autor do Plano de Ação para a Mata Atlântica, da Fundação
SOS Mata Atlântica, “há setores conservacionistas que dão importância
excessiva às populações tradicionais e isso prejudica o ecossistema,
principalmente em áreas de proteção. Claro que as populações merecem
cuidados e atenção, mas unir as duas coisas é difícil”. Para Câmara, as Unidades
de Conservação devem ficar em um local e as pessoas em outro, pois as
Unidades de Conservação devem ser pensadas em séculos (KARAM, 2000).
Enquanto isso, Diegues (1998), diretor do Núcleo de Pesquisa sobre Populações
Humanas e Áreas Úmidas do Brasil (NUPAUB) e professor de pós-graduação em Ciência
Ambiental da Universidade de São Paulo rebate: “É injusto e antiético retirar as populações
tradicionais de seu local de residência. Além disso, é burrice, porque elas garantem a
diversidade e a população não cresce, pois a tendência de migrar para as cidades continua”.
- 66 -

Para Diegues (1998), ao contrário do que pensavam os ambientalistas seguidores


de Wilderness25, a presença da população indígena foi essencial na manutenção
da Amozônia e da Mata Atlântica. “Eles manejavam com cultivo itinerante,
introduzindo plantas frutíferas, que deixavam para trás quando se mudavam. A
biodiversidade era humanizada e garantida pelas populações tradicionais e
diminuirá se estas populações forem expulsas”.
De acordo com Mitlewski (1999, p. 2), muitos projetos bem planejados ou bem
intencionados em preservação ambiental que costumam definir critérios para uma
estratificação de seu universo e efetuar pesquisas estruturadas por amostragem, não permitem
incentivar a participação dos grupos tradicionais. Freqüentemente, estes falham por falta de
apoio das populações locais. Para tentar minimizar este fracasso recorrente, estão sendo
adotadas metodologias que contemplam a participação da população residente na área dos
projetos, de maneira a garantir uma certa identificação dos interessados com as medidas
administrativas resultantes das pesquisas efetivadas.

Para a Sociedade Brasileira de Limnologia (2002) foi o reconhecimento público


da importância que as várzeas do rio Paraná têm para a diversidade biológica
regional, aliado à subtração de metade destas áreas pelo reservatório da Usina
Hidrelétrica de Porto Primavera e à crescente incorporação dessas áreas pelo
setor produtivo, motivaram várias ações na região envolvendo associações
ambientalistas, promotorias públicas, órgãos de controle ambiental estaduais e
instituições de pesquisas. Ainda, de acordo com a referida instituição, como
resultado inicial destes movimentos destacam-se a retirada do gado das ilhas do
rio Paraná, as restrições à exploração da Pfaffia glomerata e a criação áreas de
proteção ambiental.
Essas atitudes são importantes para a preservação desse ecossistema
representativo de áreas alagáveis do rio Paraná. Uem/Nupelia/Peld (2001)
enfatiza que esta planície representa o último trecho deste rio, em território
brasileiro, onde ainda existe um ecossistema do tipo “rio-planície de inundação”,
além de possuir uma considerável variabilidade de habitats aquáticos e
terrestres, que conserva uma grande diversidade de espécies terrestres e
aquáticas.
Deste modo, os pulsos de inundação são considerados a principal função de
força que regula a estrutura das comunidades e o funcionamento deste tipo de
ecossistema, ainda que alterados pela operação da cadeia de reservatórios de
montante.
Os estudos realizados pelo Núcleo de Pesquisa em Limnologia Ictiologia e
Aqüicultura da Universidade Estadual de Maringá, demonstraram que os pulsos

25
Concepção do mundo natural segundo a qual, a biodiversidade é garantida pela intocabilidade
humana. (Diegues, 1998).
- 67 -

de inundação são fundamentais para a manutenção e preservação desse


ecossistema, e, apesar disso, o regime de cheias tem sido acentuadamente
alterados pela operação dos reservatórios a montante.
Para Uem/Nupelia/Peld (2000), este fato é preocupante, pois se as alterações
forem agudas, poderão ocorrer extinções locais de espécies cujo ciclo de vida
encontra-se acoplado ao regime de cheias. A alteração do regime natural de
cheias tem sido considerada como a principal fonte de impacto identificada na
região e os resultados obtidos têm servido para alertar os órgãos ambientais e as
operadoras das barragens das conseqüências para a biodiversidade local. Soma-
se a isso, o fato de que diversas espécies presentes na região são componentes da
listas de espécies ameaçadas de extinção, publicadas pelos órgãos de controle
ambiental.
Entre os resultados de nossa pesquisa junto às comunidades tradicionais de
lavradores-pescadores que ali habitam há pelo menos 30 anos, há sérios indícios
que essa região apresenta sinais de graves alterações ambientais, principalmente
no que diz respeito à composição da comunidade de peixes que ali se
encontrava. Esse impacto se faz sentir diretamente sobre essas populações que
tradicionalmente dependem da dos recursos pesqueiros para sua subsistência
econômica, social e cultural. Todos afirmaram que o rio está irreconhecível,
tanto pelo aspecto fisiográfico de vazão, profundidade (pela própria dificuldade
de navegação), quanto pela ausência de espécies de peixes de comportamento
migratório, que agora não são mais encontradas, como o pintado, curimba e a
piracanjuba.
Isso demonstra que os objetivos iniciais de preservação de espécies
vegetais, animais e do respeito a diversidade das manifestações culturais dos
povos que tradicionalmente ali habitam não estão sendo efetivamente
cumpridos, pois, uma comunidade tradicional inteira pode desaparecer junto
com seu principal meio de sustento, o peixe.
Apesar disso, como alerta Uem/Nupelia/Peld (2001), a descaracterização de
metade das áreas de várzeas do rio Paraná pelo reservatório de Porto Primavera
e a crescente incorporação das áreas remanescentes ao sistema produtivo,
especialmente à pecuária e à rizicultura, tem se mostrado incompatível com a
preservação da diversidade biológica e com a atividade pesqueira, constituindo
um exemplo claro da existência de conflitos de interesses na área.
Entretanto, o que mais nos surpreende é o fato desta área ser, segundo Peld
(2002), a metade mais importante da unidade de conservação, e ainda carecer,
segundo IBAMA (2002), plano de manejo, antecedentes legais, dados sobre
clima, características sócio culturais da região, conflitos que afetam a Unidade e
áreas de entorno, entre outros (vide Anexo 2). Esse fato traz diversos problemas
para o gerenciamento da área, que traz um histórico de interesses de múltiplos
setores sociais, como o caso dos próprios ilhéus, fazendeiros, empresas ligadas
ao turismo, agricultores, etc. Sem um plano de gestão que contemple a
participação efetiva dos atores sociais envolvidos, os conflitos tendem-se a se
- 68 -

agravar, redundando em prejuízos ainda maiores para a própria área de


conservação, podendo induzir até mesmo a uma exploração clandestina dos
recursos.
Cabe-nos agora, uma pequena incursão à respeito do quem vem a ser a
alternativa do manejo inclusivo ou manejo participativo.
É sabido que toda unidade de conservação deve ser objeto de um Plano de
Manejo.
Pode-se definir em acordo com a lei, como manejo todo e qualquer
procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos
ecossistemas. Esse documento técnico se fundamenta nos objetivos gerais que
uma unidade de conservação deve ter, nesse momento, é estabelecido:
 zoneamento ou a definição de setores — zonas com determinados
objetivos e finalidades, de acordo com normas específicas;
 normas e a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da
unidade ficam também determinadas;
 na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo de
qualquer unidade de proteção integral é assegurada a ampla participação
da população residente;
 o Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua
zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas
com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das
comunidades vizinhas;
 as condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública
serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade;
 deve também prever a recuperação e a restauração das áreas degradadas.
Apesar de ser aconselhável permitir e incentivar a presença dos moradores
locais na região de abrangência das Unidades de Conservação, concordamos que
não é todo morador que apresenta um comportamento preservacionista. Assim,
em muitos casos, se faz necessário um trabalho de identificação dos moradores
que apresentam um perfil histórico-cultural mais condizente com a tradição de
população tradicional. Tal atitude visa manter os objetivos iniciais da unidade
que prima por atender os requisitos de preservação ambiental e cultural da
localidade, caso contrário, a unidade de conservação corre o risco de ser
utilizada para outros fins que não venham atender as metas que justificaram sua
criação.
- 69 -

Em algumas APAs e outras Unidades de Conservação cujo zoneamento já foi


concluído e é levado a termo, a exemplo da APA de Guaraqueçaba, apesar de
sua permanência na área, o panorama para a população também não é dos
melhores.
A população tradicional que ocupa a região é formada por descendentes de
índios e colonos portugueses e vive quase exclusivamente da exploração dos
recursos naturais. Em 1986, do total de 6.364 pessoas que viviam de atividades
rurais no município de Guaraqueçaba, 2.794 estavam ligadas à pesca, o que
indicando que assim como no caso de nossa pesquisa, a lavoura era a atividade
primordial, e a associação com a pesca, uma prática comum à população de
ilhéus.
Segundo o Zoneamento da APA de Guaraqueçaba, a população do município de
Guaraqueçaba manteve-se inalterada nas últimas duas décadas e meia (1970-
1995), com uma população de 7.777 habitantes, na sua maioria rural. Na porção
insular, estima-se que as Ilhas de Superagüi e Peças contêm 1.700 pessoas,
distribuídas em doze comunidades e na Ilha Rasa; estima-se em torno de 1.250
pessoas, distribuídas em quatro comunidades.
Essa informação é um dado muito importante, pois para Diegues (1983) isso é
geralmente motivo de entrave durante a elaboração de planos de manejo que
prevêem a permanência de pessoas na área de preservação. Segundo o autor, o
número de moradores nessas localidades tende a se manter praticamente
inalterado, ou ainda, em decréscimo, devido principalmente ao êxodo da
população de jovens que saem em busca de trabalho e estudo. E, novamente, em
outro aspecto, essa comunidade das Ilhas de Superagüi, parece se assemelhar
aos dados de nossa pesquisa quanto ao levantamento do número de moradores
durante o ápice das atividades sociais na Ilha Mutum (1965-74), 490 famílias,
que, segundo um de nossos colaboradores, não parece ser muito. Ainda mais, se
em uma estimativa razoável, levarmos em consideração a média de 3 pessoas
por família, chegaremos a um número aproximado de 1470 pessoas, não
diferindo muito da comunidade de Superagüi.
Infelizmente, quanto à população que atualmente vive na APA das Ilhas e
Várzeas do rio Paraná, o processo parece estar ocorrendo da mesma forma que
em outras Unidades de Conservação, no que diz respeito à inviabilidade de sua
presença na área.
É raro um processo de estabelecimento de Unidade de Conservação que
contemple a presença controlada dos moradores locais, e que esta, seja feita
efetivamente como sugerem os estudiosos no assunto como Mauro Almeida, isto
é, de forma que as populações envolvidas participem do processo de elaboração
sobre o papel que devem desempenhar na localidade.
Um dos projetos bem sucedidos é o projeto do Alto Juruá, coordenado pelos
antropólogos Manuela Carneiro da Cunha, Mauro Almeida e pelo biólogo Keith
Brown. Mauro Almeida, natural do Acre e professor da Universidade Estadual
- 70 -

de Campinas é uma das maiores autoridades em estudos com populações


tradicionais no Brasil.
De acordo com Almeida (2000), um novo conceito, que não exclui o homem do
que se entende por natureza, que busca, ao contrário, transformar a maneira
como este interage com a floresta, é a proposta inovadora e inédita que
fundamenta algumas iniciativas de grande mérito que surgiram nos últimos anos
na Amazônia, as reservas extrativistas com desenvolvimento sustentável.
Essas reservas estão conseguindo aliar a necessária preservação de áreas de
grande biodiversidade com um implemento na qualidade de vida da população
que já habitava essas localidades. Almeida incentiva o enfrentamento de
posseiros e madeireiros que exploram região das UCs, e valoriza uma nova
forma de pensar o bem-estar, que tenta desligar-se do padrão de consumo
presente na sociedade contemporânea. Essas iniciativas vêm obtendo sucesso e
servindo como um interessante modelo de estratégia de conservação.
As razões apontadas pelo autor para incluir as populações tradicionais nos
planos de conservação são diversas, entre elas, destacam-se questões legais,
estratégicas e econômicas. É uma questão da justiça, já que essas populações
vivem nesses territórios e possuem direitos à terra e a seus recursos.
A participação das populações tradicionais na conservação de recursos envolve
muito mais áreas preservadas. De acordo com Almeida (2000), no caso
brasileiro, ao lado da conservação realizada nas unidades de conservação de uso
indireto, as áreas ocupadas por grupos indígenas e por populações tradicionais
ampliam consideravelmente as áreas conservadas. Economicamente, é mais
viável e também politicamente mais prudente reconhecer populações
tradicionais como guardiões de ambientes, em lugar de pagar por fiscais de
floresta.
Um dos objetivos de um plano de gestão para manejo participativo com a
comunidade local, é a possibilidade de garantir as condições que assegurem a
continuidade de reprodução social particular, incentivando o desenvolvimento e
a transmissão das tradições culturais alí praticadas pelas comunidades, de forma
a garantir seus direitos a uma cultura própria, fundada em sua experiência como
comunidades tradicionais.
Para tanto, se necessário não apenas a elaboração de estudos, celebração de
contratos com o poder público, iniciativa privada e lideranças locais para
implementação de planos e projetos. É preciso também analisar a consistência
das implicações imediatas e futuras. Não basta apenas montar cooperativas de
produtos agrosilviculturais sem antever claramente o ritmo de exploração, a taxa
de renovação, a intensidade do impacto local e regional, as interações desse
impacto para este ecossistema e os circunvizinhos, os jogos de conflitos entre os
vários segmentos sociais.
Faz-se necessário lembrar que, o projeto deve ter como claro objetivo, a
preservação das formas de vida produzidas pelas populações tradicionais, a
organização de uma forma de exploração econômica viável deve atender à
- 71 -

preservação da diversidade cultural e não atender às necessidades do capital,


opção que certamente dizimaria as condições tradicionais de existência e
identidade cultural.
Uma maneira de evitar que as populações tradicionais se tornem os novos
“empresários do meio ambiente”, a exemplo de índios que comandam a
exploração madereira, é estabelecer limites de exploração e delimitar formas
rústicas, mas assépticas de processamento dos produtos naturais. O que deixa
transparecer a intenção de manter a modalidade econômica que caracteriza essas
populações. A manutenção da economia de subsistência em detrimento da
economia de acumulação. Novamente o que se desponta como conveniência, é a
manutenção do estilo particular de existência, a garantia da subsistência no
local, com condições dignas das conquistas sociais adquiridas pelo homem, na
declaração de seus direitos universais, como saúde, educação, direitos de
expressão, habitação e saneamento.
Para que sejam mantidas as formas de expressão cultural, incluindo a identidade
cultural desses povos, dentro das perspectivas da contemporaneidade, se faz
necessário enfatizar a organização dos moradores insulares sob a forma de
associação de moradores, para evitar que indivíduos se beneficiem das
conquistas coletivas. O coletivo deve nortear o coletivo. Para isso, se faz
necessário também a capacitação de lideranças locais para uma melhor formação
educacional e política, para que não sejam manipulados por representantes dos
diversos setores econômicos interessados na exploração dos recursos naturais
como o turismo, o setor elétrico, imobiliário, agropecuário, etc.
As populações tradicionais são os maiores interessados na conservação, elas têm
se manifestado em muitos casos, a favor de estratégias de conservação. Isso
porque a conservação de recursos naturais tem importância direta para sua
sobrevivência, e é indiretamente importante como base de sua legitimidade face
à nação. Dessa forma, o interesse na conservação é maior do que o uso
indiscriminado (ALMEIDA, 2000).
Para ilustrar, vejamos o exemplo da implantação de projetos na região do litoral
sul de São Paulo que atuam na área de manejo sustentado de recursos naturais e
que têm surtido efeito em longo prazo. Estes resultados, são o fruto do trabalho
conjunto entre órgãos governamentais, não-governamentais e comunidades
tradicionais. Em Cananéia, funciona uma cooperativa dos produtores de ostras, a
Cooperostra. Ela é resultado do trabalho da comunidade do bairro Mandira e
tem possibilitado a extração racional e ordenada de ostras do mangue
Crassostrea brasiliana.
No Parque Estadual da Ilha do Cardoso, é cultivado o mexilhão da pedra Perna
perna pelas famílias de pescadores da vila do Pontal de Leste. Em Iguape há
tentativas de organizar uma cooperativa dos pescadores da manjuba. Na Ilha
Comprida são desenvolvidos o Programa de Manejo Sustentado da Samambaia
Silvestre e Produção e Comercialização do Siri-Mole do Lagamar. Todos esses
projetos são fomentados pelas próprias comunidades e associações de
- 72 -

moradores, com o apoio do Instituto de Pesquisas do Litoral Sul do Instituto de


Pesca, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São
Paulo, e da prefeitura de Ilha Comprida. São honrosas iniciativas, mas resta
saber se poderão acompanhar o ritmo das demandas causadas pela degradação
ambiental (COMCIÊNCIA, 2002).
Contudo, no que diz respeito ao aspecto mais jurídico da questão, Benatti
(1999), alerta que para que as áreas protegidas consigam alcançar os objetivos
almejados, em primeiro lugar elas não poderão ser vistas como “ilhas de
preservação” do meio natural, isoladas do seu contexto regional e nacional; em
segundo lugar esses espaços naturais protegidos não podem ser criados e geridos
sem consultar a sociedade, especialmente as comunidades mais diretamente
atingidas; em terceiro lugar, deverá se compatibilizar a necessidade de criar
áreas de proteção ambiental com a presença das populações tradicionais.
Em nosso entendimento a defesa do meio ambiente é muito mais do que a
defesa somente da fauna, flora e do meio físico, inclui também o ser humano,
através de suas atividades culturais e materiais. Portanto, o meio ambiente é,
assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A
interação busca assumir uma concepção unitária do ambiente compreensiva dos
recursos naturais e culturais.” (SILVA, 1994 apud BENATTI, 1999).
Cabe-nos assim, lembrar que os princípios de criação das unidades de
conservação, assim como os seus conceitos em vigor, são anteriores à
Constituição atual, portanto, requerem uma revisão a fim de que esses conceitos
se tornem mais adequadas aos princípios constitucionais. Caso contrário,
estamos nos deparando com uma inconstitucionalidade, pois de um lado, temos
uma Constituição que tutela os elementos naturais, artificiais e culturais, e de
outro, temos uma lei ambiental que desconsidera o aspecto cultural.
Benatti (1999) considera que as unidades de conservação com populações
tradicionais devem fundamentar sua criação em pelo menos dois pontos que
merecem atenção especial, o natural e o cultural. Contudo, da forma como elas
vêm sendo criadas até hoje, o natural tem se sobreposto ao cultural. Há casos
em que em nome da defesa do aspecto natural, destruiu-se, desarticulou-se o
cultural e isto ocorreu quando as populações tradicionais foram retiradas
violenta e ilegalmente de suas áreas.
Percebe-se de forma recorrente a relevância das Unidades de Conservação como
instrumentos da política de conservação do meio ambiente brasileiro, mas a sua
criação não pode se restringir às informações do meio físico, deixando sua
criação à mercê somente das informações contidas nas ciências naturais,
desconsiderando os processos sociais, econômicos e culturais existentes na área
a ser protegida. O meio ambiente é uma concepção unitária, um todo composto
por recursos naturais, artificiais e culturais.
Essa política autoritária de criação de unidades de conservação em áreas de
apossamento de populações tradicionais tem levado a um conflito de dois
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direitos fundamentais garantidos constitucionalmente: o direito cultural e o


natural (art. 215 e 225, respectivamente).
Para Benatti (1999) o conflito (ou colisão) de direitos fundamentais acontece
quando:
O exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide
com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não
estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na
concorrência de direitos), mas perante um ‘choque’ , um autêntico conflito
de direitos.

Trata-se, portanto, de um conflito entre direitos fundamentais e bens jurídicos


das populações tradicionais (patrimônio cultural) com o direito de preservação
de um bem ambiental (patrimônio natural). Essas considerações nos mostram a
dimensão da complexidade do assunto, e que, por isso mesmo, nem sequer
existem ainda resoluções legais claras que possam tratar do assunto de modo que
as ações estejam amparadas na lei. O amparo na lei, até que existe, mas, como a
lei não é clara a esse respeito, ele só está lá para quem quer ver. Apesar disso, o
mais freqüente, é que as populações locais com práticas tradicionais de
subsistência, sejam apenas comunicadas das sentenças que foram tomadas "nas
esferas mais altas" a respeito de seu destino.
Segundo Rosa (2000), diversos autores observam que a ampliação de normas
proibitivas do uso dos recursos naturais em áreas habitadas pelas chamadas
populações tradicionais ou locais, em geral, tende a provocar conflitos entre os
habitantes da área sob regulamentação de uso e os órgãos públicos.
Para implantação da APA federal de Guaraqueçaba, segundo Rosa (2000), uma
das primeiras medidas foi a remoção "negociada" das 150 pessoas residentes nas
ilhas, com o reassentamento de 78 famílias de ilhéus na Vila Rural em
construção no município de Altônia. Após a criação desta Unidade de
Conservação, em 1985, conforme Zanoni, Walflor e Rougeulle (1995, apud
ROSA, 2000, p.112):
(...) constata-se o agravamento da situação socioeconômica de pequenos
agricultores e pescadores artesanais de baixa renda, ocasionado em grande
parte pelas proibições de uso dos recursos naturais. A legislação acentuou o
processo de pauperização das populações locais. (...) Nenhuma forma de
comunicação ou diálogo foi estabelecida entre os agentes dos organismos
oficiais e as comunidades. A única expressão da nova legislação resumiu-se
na presença atuante da polícia florestal que, (...), executou, através de
repressão e da violência, os requisitos da lei.

Lange Jr. (1998 apud ROSA, 2000, p. 115), um dos pesquisadores do projeto da
APA de Guaraqueçaba afirma:
Os problemas podem ser caracterizados pelo processo crescente de
degradação ambiental dos ecossistemas e de transformação da sociedade
local, (...), determinante da piora da qualidade ambiental e das condições de
vida (situações opostas ao objetivo da gestão da APA).
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Entre os indicadores das condições ambientais na área estudada, o autor aponta


a continuidade dos processos de desmatamento; a substituição de técnicas
tradicionais do uso do solo por sistemas tecnológicos mais dependentes de
tecnologia, insumos, mercado e capital externos à região; a concentração da
propriedade dos recursos ambientais por atores desvinculados do sistema social
local; a degradação e exaustão de uma série de recursos ambientais extrativistas
como o palmito, o pescado e a matéria-prima para o artesanato, comprometendo
a prática sustentável dessas atividades.
A remoção "negociada" da população da APA, segundo Motta (1999), "surgiu
com a proposta de permuta de terras pela indenização das benfeitorias e não por
indenização das terras ocupadas, já que as ilhas do rio Paraná pertencem à
União." Entretanto, Rosa (2000) adverte quanto a essa incoerência mencionando
que entre 1978 e 1980, por ocasião da formação do lago de Itaipu, o INCRA
loteou as 250 ilhas do rio Paraná existentes no trecho entre a foz do rio
Paranapanema e Guaíra, entregando títulos de posse que não poderiam ser
transferidos por cinco anos a cerca de 955 posseiros.
A Lei 9985/2000 determina que "as populações tradicionais residentes em
unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida, serão
indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente
realocadas, pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes"
(art. 42). O reassentamento das populações tradicionais a serem relocadas é
obrigatório e deve ser priorizado. (§ 1.º). O prazo de permanência será
estabelecido "em regulamento".
Embora a nova Lei do Sistema de Unidades de Conservação (SNUC) vigore sem
a definição do que é uma comunidade tradicional, esta cita dezesseis vezes sua
existência e define que, enquanto não houver Plano de Manejo ou o
reassentamento em outro local acordado entre as partes, deve ser assegurada a
manutenção de seus modos de vida, das fontes de subsistência e dos locais de
moradia, bem como a sua participação na elaboração das normas e ações
específicas destinadas a compatibilizar sua presença com os objetivos da
unidade:
§ 2.º Até que seja possível efetuar o reassentamento, de que trata este
artigo, serão estabelecidas normas e ações específicas destinadas a
compatibilizar a presença das populações tradicionais residentes com os
objetivos da unidade, sem prejuízo dos modos de vida, das fontes de
subsistência e dos locais de moradia destas populações, assegurando-se a sua
participação na elaboração das referidas normas e ações.

A essência da lei 9985/00 é, portanto, o de que as populações tradicionais


merecem e devem ser protegidas. Ficaria sem sentido que, para a proteção
integral da natureza, as comunidades perdessem suas referências, criando um
novo problema social. Este critério se vê também em outro artigo, onde a Lei
9985/00 assegura a essas populações, porventura residentes na área, as
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condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades


materiais, sociais e culturais. Vale aqui reproduzir no texto legal na íntegra:
Art. 28 São proibidas nas unidades e conservação quaisquer alterações,
atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus
objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos.

Parágrafo único - Até que elaborado o Plano de Manejo, todas


atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção
integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos
recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações
tradicionais, porventura residentes na área, as condições e os meios
necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e
culturais."

Juntando-se os dois dispositivos, têm-se que às populações tradicionais, até o


reassentamento, se garante:
 condições e os meios necessários para a satisfação de suas
necessidades materiais;
 condições e os meios necessários para a satisfação de suas
necessidades sociais;
 condições e os meios necessários para a satisfação de suas
necessidades culturais;
 condições que assegurem seus modos de vida;
E, até o Plano de Manejo:
 condições que assegurem das fontes de subsistência;
 locais de moradia;
 participação na elaboração das normas e ações destinadas a
compatibilizar sua presença com os objetivos da unidade.
Uma solução para as populações tradicionais da APA das Ilhas e Várzeas do Rio
Paraná poderia, ser, caso se decida pelo impedimento da permanência no local, o
imediato estabelecimento participativo do plano de manejo (normas e ações) e a
fixação de um prazo bastante amplo para o reassentamento.
Ao invés disso, no decorrer de nossa investigação, observamos por meio dos
relatos dos entrevistados, o exercício da arbitrariedade contra uma comunidade
indefesa. Ao que parece, o plano de gestão para a área, quando for realizado, não
mais poderá ser feito de forma participativa, por completa inexistência da
principal parte interessada, ou seja, os moradores das ilhas. Será um plano de
gestão inédito, um plano de gestão que poderá ser chamado de "plano de gestão
exclusivo", não pelo caráter de originalidade, pois a expulsão de populações
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tradicionais no Brasil se faz desde seu "descobrimento" pelos europeus, mas sim
pelo seu caráter excludente.
Na prática, a defesa do patrimônio histórico e cultural fica em planos
secundários. Assim, a despeito dos objetivos e intenções de se preservar o
ambiente, respeitando e incentivando as práticas sócio-culturais, visando
assegurar o bem-estar das populações humanas locais, e, especificamente no que
diz respeito aos atuais e antigos moradores da Ilha Mutum, o que observamos na
prática é a expulsão e intimidação sem trégua das populações que ainda resistem
lutar pelo seu direito de viver da única forma que sabem viver, em estreito
contato com práticas tradicionais de existência, através da prática da pesca e da
pequena lavoura de subsistência.
(...) ao contrário do que apregoam os organismos nacionais e
internacionais quanto a manutenção das populações tradicionais ou locais
que já habitavam as unidades de conservação antes de sua
institucionalização pelo poder público, a prática em Guaraqueçaba e nas
ilhas do rio Paraná foi a transferência de população sob o argumento da
manutenção da biodiversidade local (ROSA, 2000).

Isso nos remete à observação de Guimarães sobre o novo estilo de


desenvolvimento adotado pelos organismos internacionais:
... faz [desenvolvimento sustentável] uso da noção de sustentabilidade
para introduzir o que eqüivale a uma restrição ambiental no processo de
acumulação capitalista, sem enfrentar contudo os processos institucionais e
políticos que regulam a propriedade, o controle, o acesso e o uso dos
recursos naturais (GUIMARÃES, 1997, p. 28-29).

Nesse aspecto, compreendemos a revolta de nossos entrevistados quando nos


afirmam categoricamente que "o que acabou com as ilhas não foi o pescador e
nem o pirangueiro que morava na Mutum, foram as represas." Esse nível de
entendimento de seu mundo, nos mostra de forma inequívoca que essa
população embora simples e sem estudo escolar convencional, sabe muito bem a
realidade política na qual está inserida. A realidade é a dos que podem pagar por
uma história e por um marketing elaborado por técnicos e cientistas, defendidos
por advogados e juristas, perpetuado por serviços especialmente estratégicos de
divulgação e assessoria de imprensa, incluindo-se aqui, as empresas ligadas ao
turismo. O núcleo da questão que atinge as raízes das políticas de
regulamentação do controle e acesso de dos recursos naturais não se discute,
"muda-se, para deixar tudo do jeito que estava."
Dessa forma, a criação da APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná, da forma
como vem sendo feita, consiste para a população de moradores da Ilha Mutum,
mais um forte impedimento sua perpetuação como remanescentes de uma
população de lavradores-pescadores, que primeiro teve seu peixe retirado, e,
agora, sua terra e sua casa.
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Vivendo em conflito: o turismo voraz

Entre os moradores de Porto Rico e das Ilhas do alto rio Paraná, convencionou-
se chamar de turista todo visitante regular ou não, que possui residência ou não,
na região. Durante nossa visita ao município, observamos que aproximadamente
de cada 20 casas, uma era de “turista”.
Os turistas procuram na região um local para descansar, para praticar esportes
náuticos em seus “jet-skis”, em suas lanchas velozes, passear de barco, tomar
banho de sol em algumas das praias formadas por bancos de areia no rio,
repousar em luxosas pousadas, visitar as ilhas, pescar ou simplesmente ficar à
margem, no calçadão, em uma das lanchonetes, se refrescando ao vento.
Na cidade de Porto Rico e nos arredores, em condomínios reservados, é possível
observar várias mansões que em requinte, constrastam de forma gritante com
uma paisagem natural que esteticamente requereria um padrão mais rústico. É
interessante perceber toda uma cidade de descendentes de pescadores e
lavradores e dentro dela, grandes elefantes brancos, incômodos, inquietantes e
barulhentos com sua suntuosidade.
Na Ilha Mutum isso não é diferente, além disso, alguns de nossos colaboradores
foram durante anos, caseiros destas riquíssimas propriedades e associações, em
troca recebiam o direito de permanecer nas terras que um dia foi sua posse,
recebendo regrados salários mínimos para servirem aos filhos, parentes, amigos
dos patrões. Era uma alternativa diante dos impedimentos de reprodução
material de vida que os ilhéus vinham enfrentando após as enchentes da década
de 1980.
Após a grande enchente de 1982/83, a Ilha Mutum se tornou alvo de um novo
tipo de população, além da população de gado dos pecuaristas locais. Os
“turistas” moradores casuais de fim de semana, muitos deles, empresários
residentes na cidade de Maringá, no norte do Paraná, possuíam casas dotadas de
melhor infra-estrutura do que os próprios moradores fixos da ilha. Assim, além
do gado que invadia as plantações dos ilhéus, os turistas também são apontados
como deflagradores de problemas, por não respeitar e não conhecer a dinâmica
local da natureza. Além disso, a ilha não representa para o turista o mesmo que
representava para os ilhéus, isto é, seu meio de sustento, seu meio de vida.
Os entrevistados também associam a falta de peixes e de animais nativos na
planície do rio Paraná, ao impacto da exploração turística predatória na ilha. O
ilhéu sabe que o peixe prefere regiões de vegetação para se abrigar e se
alimentar, e que na falta desta, o peixe irá procurar regiões que ofereçam
ambiente mais propício. Grande parte dos turistas que fixam residências de
veraneio na ilha, desmatam as margens. Esse comportamento predatório,
oriundo da atividade turística, parece ser generalizado, a degradação social e
cultural, invariavelmente desponta como as principais conseqüências negativas
do turismo para a população tradicional.
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As vilas de Pedrinhas, Juruvaúva e Morretinho já sofrem com o avanço


dos loteamentos sobre suas terras. Algumas comunidades, que antes viviam
apenas da pesca, hoje estão rendidas às atividades ligadas ao turismo. Muitos
tornam-se caseiros para os veranistas.
Isso não acontece apenas na Ilha Comprida. Na Ilha do Cardoso, um
Parque Estadual em Cananéia, quase todas as famílias, que ali vivem
espalhadas em vilas, complementam a renda com o dinheiro trazido pelo
turista. E, na própria cidade, muitos chegam ao extremo de abandonar suas
próprias casas durante as temporadas para entregá-las aos veranistas. Em
troca eles recebem uma quantia que nunca conseguiriam juntar com o
trabalho e os salários disponíveis na cidade. É assim que miséria e
degradação ambiental andam lado a lado. Sem falar nos caiçaras que, para
sobreviver, dedicam-se ao extrativismo clandestino de ostras, mexilhões,
caranguejos, palmitos e caça de animais silvestres, muitos dos quais a
caminho da extinção.
Barbieri ainda alerta sobre os riscos da degradação ambiental em ilhas.
"Os ambientes costeiros (insulares) estão entre os mais frágeis do planeta
devido à sua dificuldade e, muitas vezes, impossibilidade de recuperação
diante de algum tipo de impacto.

No litoral, o turismo tem uma atuação negativa, eliminando plantas e


habitats de animais e contaminando a água. Para o pesquisador, a ocupação
dos loteamentos previstos para a região estuarino-lagunar da parte sul da Ilha
Comprida poderia trazer crescimento econômico para o município.
Entretanto, esse crescimento não será convertido em melhoria da qualidade
de vida da população e os prováveis prejuízos superariam em muito os
eventuais benefícios (COMCIÊNCIA, 2002).

No Plano Plurianual do governo federal (1994-1999), o eco-turismo‚ entendido


como "um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o
patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de
uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente,
promovendo o bem-estar das populações envolvidas."
Ressalte-se que a Política Nacional de Turismo, que tem como principal órgão
de formulação e execução a Embratur, propõe um modelo cooperado e
descentralizado de atuação, e suas metas contemplam variados objetivos, como a
geração de empregos, a capacitação de mão-de-obra, a integração das
populações das áreas envolvidas, e a proteção do meio ambiente entre outras.
A Resolução CONAMA n. 10, de 14/12/1988, definiu as APAs como "unidades
de conservação destinadas a proteger e conservar a qualidade ambiental e os
sistemas naturais ali existentes visando a melhoria da qualidade de vida da
população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas regionais."
Isto significa que a implementação efetiva destas áreas passa, inicialmente, pelo
reconhecimento dos múltiplos aspectos que formam cada contexto onde as
APAs estão inseridas. Ao que tudo indica, conforme Rosa (2000), a política de
conservação da natureza implementada no estado do Paraná, especialmente na
década de 1990, esteve diretamente subordinada à implantação das bases de
- 80 -

desenvolvimento de um novo setor de produção, por alguns denominado a nova


"indústria do ecoturismo".
As terras já não eram mais tão férteis e produtivas quanto antes, os estoques
pesqueiros careciam das principais espécies comerciais valorizadas, o gado
invadia as plantações de subsistência dos ilhéus, destruindo todo um processo de
cultivo. Além disso, corria sempre o boato da volta da grande enchente e o
governo solicitamente ofertava terras em Rondônia e no Pará. Parecia um bom
negócio, talvez o único possível, vender tudo e arriscar o desconhecido. Muitos
dos moradores venderam suas posses a baixos preços, aproveitando que haviam
interessados, fazendeiros e turistas. Os que não venderam, no final da década de
1990, receberiam o ultimato da “necessidade de deixar o local”, por intermédio
da criação da APA.
Assim, foi-se "limpando" a área das ilhas para conservação da biodiversidade e
implantação de outros projetos, embora uma das prioridades definidas para a
gestão da unidade de conservação das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, afirme,
como mencionado anteriormente, o objetivo de:
- ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, e demais atividades
econômicas compatíveis com a conservação ambiental;
- incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da
diversidade cultural regional;
- assegurar o caráter de sustentabilidade da ação antrópica na região, com
particular ênfase na melhoria das condições de sobrevivência e qualidade
de vida das comunidades da APA e entorno.
Em suma, Rosa (2000, p. 257), conclui:
(...) incorporando tais espaços como reserva de valor, melhor dizendo,
como capital potencial de realização futura, a política de conservação da
natureza implementada nas últimas décadas no Paraná, em paralelo às
políticas de modernização da produção vem promovendo o reordenamento
do território preparando-o para outras espacializações sem a devida
preocupação com as populações locais, que no caso do Paraná constitui-se
de população migrante que procura alternativas de sobrevivência nas áreas
que até recentemente não interessavam ao capital e que agora são
valorizadas, sobretudo a diversidade biológica, como capital de realização
atual ou futura mediante o uso de novas tecnologias.

O retorno ao continente

Diante dos impedimentos cumulativos que se impuseram diante do projeto de


vida na ilha, os moradores da Mutum, não tiveram outra opção senão deixar para
trás toda uma construção de vida baseada na sua força direta de trabalho.
Despreparados para a vida dos anos 80 e 90 no continente, sem instrução escolar
(fundamental incompleto (70%) e sem escolaridade (30%) — Tabela 8 - cap. 3),
sem uma capacitação profissional urbana, sem a terra que lhes é tão cara em
termos financeiros e subjetivos, os ilhéus da ilha Mutum, se viram expulsos do
- 81 -

único espaço que lhes havia sobrado na sociedade que lhes proporcionava
alguma dignidade e autonomia. Hoje, desistiram de procurar a parte que lhes
cabe nesse “latifúndio”. Sem terra, sem rio, sem peixe, sem estudo, sem
trabalho. Esse é o currículo que os ilhéus da Ilha Mutum têm para apresentar à
sociedade.
De acordo com os relatos dos entrevistados, alguns foram em busca de novas
terras para continuar sua autonomia; outros foram procurar abrigo em fazendas
próximas e distantes, cuidando de terras alheias; outros ingressaram em
movimentos mais políticos junto às comunidades de sem-terras e alguns ainda
ficaram na região, morando no núcleo urbano e rural de Porto Rico e
adjacências, engrossando as fileiras de desempregados ou subempregados que
vivem como caseiros ou biscateiros, vendendo sua força de trabalho aqui e ali,
em épocas de temporada turística, ou ainda continuaram em atividades ligadas
ao rio, como a pesca.
Muitos viam como solução a saída do núcleo urbano de Porto Rico, seja
em direção ao norte do país, em busca de novas frentes de desbravamento,
seja em direção aos grandes centros urbanos a procura de ofertas de emprego
diversificadas. (...) Outros saíram em busca de alternativas de trabalho no
próprio núcleo urbano de Porto Rico, sem o abandono efetivo da pesca
(UEM/NUPELIA/PELD, 2000).

No região urbana, os antigos moradores da Mutum se fixaram em casas


modestas, inicialmente cedidas por “compadres”, amigos e parentes. Os que não
conseguiram essa colocação, na época da grande enchente, se viram obrigados a
morar vários anos em situação precária no continente, vivendo em barracas de
lona em alguns pontos da cidade: um em terreno da igreja adventista, outro em
um terreno alagadiço de uma fazenda próxima, que, devido a concentração de
ocupantes foi denominado “favelão”.
Nesse favelão, os “loneiros” ou flagelados das enchentes do rio Paraná, se
acumulavam em carência, até que uma direção pudesse ser tomada. Entretanto,
muitos não conseguiram sair daquela condição e, além disso, sua situação só
tendia a piorar, devido às precárias instalações sanitárias. Alguns desenvolveram
doenças como pneumonia.
Enquanto as águas continuavam altas, a população da favela cresceu e, mesmo
depois, durante a vazante, muitos desistiram de retornar a suas posses diante do
estrago provocado, diante da infertilidade do solo, da casa destruída, dos animais
mortos ou já consumidos. Sem dinheiro e sem esperança, só lhes restava
continuar.
Face a esse impasse, o poder público começou a se mobilizar para retirar da
cidade aquela formação urbana de miséria. Nesse sentido, foi construído um
conjunto de casas, o conjunto Flamingo, conhecido popularmente pelos
moradores como “pombal”, devido ao minúsculo tamanho das residências (3
cômodos - sala-cozinha, quarto e banheiro).
- 82 -

Na época da vinda para a cidade, segundo os relatos coletados, havia a


alternativa de trabalhar como trabalhador volante, “bóia fria”, nas plantações de
milho, algodão, feijão, mamona, o que permitia uma remuneração suficiente
para as despesas mais imediatas de subsistência. Hoje, essa alternativa já não é
mais viável, pois grande parte da agricultura local foi substituída por pastagens
ou a agricultura mecanizada que dispensou a mão-de-obra.
O Projeto “Paraná 12 Meses” do governo do estado, por força dos termos
contratuais do acordo de empréstimo firmado com o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), gerou o Relatório de Avaliação Sócio
econômica na atividade Vilas Rurais. O enfoque principal foi dado às condições
de produção e trabalho dos moradores. O levantamento de campo foi feito pela
EMATER/PR nos meses de abril e maio de 1999, mediante distribuição de
questionários a serem preenchidos pelos moradores.
Segundo o relatório do Ipardes — Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social de 2000, as Vilas Rurais caracterizam-se por constituírem
pólos de trabalho e de produção agrícola e não-agrícola, com infra-estrutura de
habitação, energia elétrica e saneamento básico, tendo cada lote uma área de
5.000.m² e uma casa com aproximadamente 44,52 m². Cerca de 83,7% da
população moradora nas Vilas Rurais, encontra-se em situação de pobreza, dos
quais 41,5% são extremamente pobres. Apenas 2,2% não podem ser
enquadrados em programas de alívio à pobreza.
Dentre as ocupações profissionais dos moradores, há o predomínio de
trabalhadores rurais temporários, dos quais 15,5% são homens e 4,4% são
mulheres, perfazendo 19,9%. As ocupações urbanas, perfazem 11,9% do total
das ocupações dos moradores. (IPARDES, 2000)
Os rendimentos das atividades do lote e de outras explorações fora da área da
Vila, são baixos. A renda média mensal verificada é de R$ 284,43 (para 96%
das famílias). Esta renda é comprometida em 87,6% com as despesas
domésticas. Os principais problemas comunitários são: alcoolismo, brigas,
furtos, prostituição, drogas e outros.
A Vila Rural, seria uma boa alternativa, como forma de incentivo à produção
autônoma para a população dos excluídos do campo. Entretanto, seria necessário
oferecer melhores condições de subsistência. Os incentivos oferecidos pelo
Estado são insuficientes, considerando a gravidade da situação desses
moradores.
De acordo com nossos colaboradores residentes na Vila Rural, há um ano, todos
estão utilizando o espaço do terreno (aprox. 5000 m2) com suas culturas
tradicionais de subsistência, com hortaliças, mandioca, milho, café, banana,
abóbora, batata, laranja e assim por diante. Observamos também uma incipiente
criação de frangos com a mesma finalidade das plantas acima citadas. Eles nos
afirmam que tiveram sorte de conseguir a casa com um espaço para poderem
continuar a plantar seu próprio alimento, isso já ajuda na economia do apertado
orçamento familiar. A diferença que sentem na mudança da ilha para o
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continente, é que agora existem contas a serem pagas no fim do mês que antes
não haviam. Afirmam que depois que se mudaram para o continente,
aprenderam a economizar o dinheiro, que antes era todo gasto sem nenhum
propósito ou planejamento, como é peculiar nas comunidades tradicionais, em
sua concepção sobre a temporalidade, conforme visto no capítulo 3. Agora, é
preciso manter o dinheiro para pelo menos para continuar pagando a prestação
de R$ 20,00 da casa, mais contas de água e energia elétrica.
A esse respeito, Lima (1997) esclarece que:
...as “sociedades tradicionais”, privilegiam a conservação de bens de
consumo. Embora esses, sendo produtos da terra, possam ser tratados como
bens diretos (que podem oferecer satisfação imediata) ou como bens
indiretos (concorrendo para a elaboração de bens diretos, mas não sendo
fonte, em si, de nenhuma satisfação imediata), no caso da ocorrência de um
excedente, a preferência é tratá-los como bens diretos, ao invés de utilizá-los
para aumentar o produto futuro. Dessa forma, o futuro da produção encontra-
se sacrificado ao futuro do consumo, os bens potenciais aos bens atuais, a
previsão à previdência (p.66).

E, Bourdieu (1963), por sua vez complementa:


A economia moderna, onde a distância que separa o começo e o fim do
processo de produção é extremamente longa, supõe a posição de um fim
abstrato e, ao mesmo tempo, a continuação de um futuro abstrato, o cálculo
racional devendo suprir quaisquer defeitos de visão global. Com efeito, para
que o cálculo seja possível, é necessário que se encontre a unidade orgânica
que une o presente da produção a seu devir (à venir) , unidade que não é
outra senão aquela do próprio produto, como demonstra a comparação de
uma técnica artesanal fabricando produtos inteiros e da técnica industrial,
fundada na especialização e no parcelamento da obra. As tarefas do
camponês não se deixam assim facilmente fragmentar. São, com efeito,
solidárias ao mundo natural, que traz em si mesmo seus próprios princípios
de divisão e unificação e que, longe de se prestar a cortes arbitrários, impõe
seus ritmos próprios. (BOURDIEU, 1963 apud LIMA, 1977, p. 67).

Assim, é possível compreender que na época em que residiam na ilha, a previsão


de bens se limitava à providência presente, para um uso mais direto e imediato,
agora, com a mudança para o continente, na cidade, a maneira de encarar a
provisão de bens também muda, incorporando assim, comportamentos,
identificando-se com a cultura da urbanidade. A previsão agora tem uma
finalidade que inclui a dedicação a uma satisfação a longo prazo. Deste modo, a
nossa colaboradora da Vila Rural, Joana, nos informa que pensa na casa como
um bem que irá deixar para os filhos. Há de se ressaltar, que não são todos que
conseguem fazer essa transição, alguns moradores não conseguem pagar os R$
20,00 da prestação da casa e são obrigados a ceder espaço para outros, é quando
surge uma “vaga”, pois, de acordo com o contrato da Vila Rural, o morador
inadimplente por um período que varia de 3 a 6 meses, será obrigado a ceder o
imóvel para outro.
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Diante do comprometimento da identidade camponesa, a dinâmica de atividades


que envolvem o meio urbano, acaba por interferir em hábitos muito arraigados
em sua condição de lavrador-pescador. Os colaboradores residentes no meio
urbano, de uma forma geral se queixaram da impossibilidade de cultivar as
plantas e as criações de pequenos animais que antes tinham na ilha. Na falta de
terra para plantar, eles fazem o que podem, plantando flores, pés de abacaxi,
mangueiras, ervas medicinais, mandioca. O propósito maior, segundo eles, não é
nem tanto para comer, já que a aposentadoria do casal consegue responder pela
sua subsistência, mas o propósito principal é “não ficar parado”, ou seja, poder
exercitar sua identidade de população tradicional, mesmo na cidade, mantendo
as tarefas e atividades tradicionais. Apesar da idade, sentem que manter a prática
cultural é manter a própria vida.
Nesse sentido, Conceição, uma das colaboradoras, chegou a improvisar uma
velha banheira plástica quebrada para recém nascido, para plantar cebolinha,
visto que morava em uma casa cedida, construída com o auxílio de um vereador
da cidade, no terreno da casa da filha.
Na Vila Rural, os moradores ainda tentam, sem resultados, reproduzir a prática
da conjugação da cultura de excedente com a pesca. Plantaram milho e vassoura,
contudo, o grande contingente de remanescentes camponeses na região também
tiveram a mesma iniciativa, o que torna muito grande a oferta desses produtos,
tornando os custos da produção e da venda, mais dispendiosos do que os lucros
com a venda. No que diz respeito a pesca, a situação para os moradores da Vila
Rural é a mesma para todos os outros demais que buscam no rio, uma alternativa
de sobrevivência, não há, conforme Uem/Nupelia/Peld (2000, p. 245, 248, 249 e
seguintes), perspectiva de um ganho minimamente satisfatório com esta
atividade.
Outra iniciativa, também na Vila Rural, foi a construção de uma estufa para
plantar hortaliças, segundo os moradores, o propósito era criar um viveiro
comunitário de mudas de hortaliças que seriam destinadas ao comércio.
Novamente, por falta de maior assistência por parte dos implantadores do
projeto ou por falta de tradição com trabalhos cooperativos, a estufa está sendo
desativada por falta de participação. Segundo os entrevistados na Vila Rural, o
governo alega alto custo para sua manutenção e muito pouco retorno com a
produção. Segundo eles, o lucro seria maior se pudessem atingir maiores
mercados, a exemplo da cidade de Paranavaí e de Loanda (100 / 40 Km), porém
não dispõe de meios para efetuar o transporte ou ainda, de iniciativas para
efetivar esses objetivos.
A Vila Rural dista cerca de 12 Km da cidade de Porto Rico, o meio de transporte
mais utilizado é um ônibus que transporta crianças residentes na zona rural. De
certa forma, segundo os relatos, eles continuam “ilhados”, distantes da cidade,
sem meios de locomoção mais independentes, pois o horário do ônibus é restrito
e em dias de chuva, só vai até a estrada.
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Para os moradores, a insularidade não é mais física, restrita pelo espaço que
ocupam e se relacionam social e materialmente. Está caracterizada por um
isolamento mais perverso, que atinge níveis mais subjetivos.
Contudo, mesmo com essas condições mais favoráveis de “ter terras”, segundo
os moradores, as terras que fazem uso, já estão “cansadas”, pois o terreno sobre
o qual, estão instalados, há pouco tempo era pasto, pertencia a uma grande
fazenda dividida em três partes entre familiares. Uma dessas partes, a mais
improdutiva, foi vendida ao governo do Estado para que se fundasse a Vila
Rural. Sabe-se que, para qualquer boa produção, a terra precisaria de um
cuidado com correção de componentes químicos e adubação que, mais uma vez,
exige recursos financeiros e técnicos que esses moradores não dispõe.
A destinação de porções de terras mais degradadas e inférteis parece ser uma
prática comum quando se trata do assentamento de populações desfavorecidas.
A região era conhecida como o sertão central do Paraná até as primeiras
décadas deste século. Helm, em suas pesquisas pelo interior do Paraná na
década de 1970, relatou que a maior parte da reserva florestal que cobria esta
Área foi devastada, principalmente a mata de Araucária angustifolia e as
melhores terras foram cedidas aos novos povoadores. Os índios viviam em
terreno acidentado e pouco fértil. (EIA/RIMA - TIBAGI, 1999, p. 28)

Para tentar complementar a renda, os ex-ilhéus procuram fazer o que faziam na


ilha, plantar e pescar. Ainda assim, como já mencionado anteriormente, a pesca
está sendo um ofício infrutífero para essa população que culturalmente assimilou
a pesca e a lavoura.
A habitação pertencente aos ilhéus na época em que residiam na ilha, poderia ser
considerada como uma forma de apropriação feita pelo grupo. O espaço
característico da pesca e da atividade de lavra é que culturalmente erigia a
construção da casa. Mais próxima ou distante do rio e da roça, posições,
quantidades de janelas e portas, a habitação era uma construção funcional
surgida de acordo com as necessidades do grupo. Entretanto, hoje, cada vez
mais a cidade parece sufocar o resquício de autonomia dos antigos moradores da
Ilha Mutum, diante da falta de um espaço para exercitarem suas relações sociais,
culturais e simbólicas possíveis na sua relação com a terra.
Lima (1997, p. 209) observa que para essas populações, a racionalidade
econômica não tem a mesma equivalência que tem para uma população formada
a partir da cultura urbana. Nesse ponto, o autor salienta que muitas comunidades
indenizadas pela expropriação da terra, não sentiram vantagem alguma em
trocar sua casa e seus “bens” por uma certa quantia em dinheiro, haja visto que o
dinheiro se esvai rapidamente diante das novas necessidades urbanas como o
aluguel, alimentação, água e eletricidade. Na verdade, sentem que não foi a casa
e nem o lugar que mudou, foi toda uma forma de vida, uma forma de agir no
mundo que foi trocada, vendida por uma outra forma de vida que o ilhéu
desconhecia.
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Para Pereira (1965, apud TOMMASINO, 1985), a qualificação técnica para o


trabalho só se realiza adequadamente no homem quando nele se constituiu o
suporte das operações técnicas. Mais que traços estritamente físicos ou
biológicos (força e resistência orgânica etc.), tais suportes consistem em
atitudes, motivações e representações pelas quais os trabalhadores se põem
diante de sua força de trabalho como mercadoria. Devem ainda aceitar a
execução de tarefas que não são propiciadoras de satisfação em si mesmas,
podem se submeter à dominação do capital personificado no comprador de sua
força de trabalho, tomam o trabalho como um instrumento de satisfação extra-
trabalho, tornando-se suscetíveis aos incentivos salariais promotores da
competição, não se opõe à apropriação privada da mais valia, aceitam como
natural a existência do mercado de trabalho com suas conseqüências.
Na ilha, a casa era o resultado da construção por suas próprias mãos e muitas
vezes com o auxílio de amigos, vizinhos e parentes; portanto, era o resultado de
uma ação comunitária, em que os laços sociais eram reafirmados.
Da mesma forma, o alimento era resultado de sua ação direta sobre o meio em
que vivia e não da ação indireta, como ocorre na cidade, onde o trabalho
praticado renderá produtos e serviços para pessoas estranhas ao seu círculo
social. Seu alimento virá da dedicação e do cultivo de outras mãos ou máquinas,
com a quantia limitada ao seu salário.
A água e a energia elétrica, embora representem um conforto adicional, também
era uma preocupação a mais. Na ilha, a água, o aluguel, a alimentação era
gratuita, sua qualidade dependia do esforço que destinavam para preservar e
melhorar essas condições e recursos.
A iniciativa para a mobilidade, para se mudar de um lugar para outro, passa a
obedecer a outro ritmo. Residindo em áreas próximas aos recentemente
valorizados atributos naturais, na cidade, não são mais eles quem toma a
decisão, e sim a especulação imobiliária. A valorização da área onde os ex-
ilhéus residem, passa a não mais comportá-los, naquele espaço onde antes sua
presença era tolerada.
O resultado inevitável tem sido o esvaziamento da população da ilha e o
abandono das atividades tradicionais dos insulares. As atividades ligadas à
agricultura ou à pesca passaram a ser gradativamente proibidas ou dificultadas.
O Relatório Uem/Nupelia/Peld (2000), em uma pesquisa junto aos pescadores
da cidade de Porto Rico, revela os mesmos pontos negativos apontados para a
pesca. Segundo o relatório, alguns pescadores julgam que as condições para a
pesca estão ruins devido as mudanças no regime de cheias (no nível e duração),
que interfere na presença, espécie e na quantidade de peixes. Outros pescadores,
acrescentaram ainda, como fator negativo, o uso do solo nas margens do rio,
como o desmatamento, a utilização dessas áreas para a pecuária (pisoteio,
desmatamento e assoreamento) e agricultura (pesticidas, herbicidas, e biocidas
em geral que escoam para o rio). Nesse Relatório ainda, muitos pescadores
mencionam também, a interferência dos barramentos das usinas hidrelétricas à
- 87 -

montante e a jusante do trecho do alto rio Paraná, como fator impactante às


condições propícias para a fauna íctica.
Apesar disso, para alguns autores como Agostinho e Zalewski (1996), os
impactos não pareceram tão drásticos como muitos afirmam.
Utilizando-se dos critérios empregados por Welcomme (1979) para
determinar os estágios de modificação de rios de planície alagável, pode-se
classificar a planície de inundação do alto rio Paraná como “levemente
modificada”, com áreas mais restritas “não modificadas”. A vegetação
arbórea, naturalmente confinada às partes mais altas das ilhas, aos diques de
canais secundários e à margem esquerda do rio Paraná, mais elevada, vem
sendo submetida a um intenso desmatamento. [..] Os estoques de peixes
estão, em grande parte, inalterados, sendo que as espécies de grande porte
(Pseudoplatystoma corruscans - até 150 cm; Salminus maxillosus - até 100
cm) constituem a base da pesca profissional, Em síntese, o regime de cheias
é pouco influenciado pelos represamentos a montante em relação ao tempo,
duração e intensidade. Alguns canais de drenagem foram construídos
visando ao cultivo do arroz (AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996, p. 61).

Nessa mesma linha de raciocínio, os autores acreditam que os impactos são


minimizados pelos procedimentos operacionais “integrados” das represas:
O impacto desses represamentos sobre o regime hidrológico da planície
do rio Paraná é exercido sob a forma de elevação das vazões médias
mínimas e redução das máximas, além de pulsos de vazão com freqüência
diária e semanal, decorrentes dos procedimentos operacionais das barragens.
Tais pulsos são, no entanto, minimizados pelo funcionamento interligado das
barragens acima e abaixo da área. Como decorrência dos represeamentos e
do controle da vazão são esperados:
(a) limitações na rota de migração dos peixes anádromos pela barreira física,
representada pela barragem;
(b) mortandade de formas juvenis nas lagoas mais rasas da planície pelos
pulsos de grande freqüência;
(c) redução nos criadouros naturais pelo alagamento a montante da barragem
e atenuação dos extremos hidrológicos a jusante (AGOSTINHO;
ZALEWSKI, 1996, p. 63).

Ao que indicam, os autores, de acordo com seus relatos e a bibliografia


estudada, todos os impactos que eram esperados, estão de fato ocorrendo, sem
no entanto, haver ações concretas para recuperação desse “protegido”
ecossistema.
Diante dessa situação, os colaboradores de nossa investigação confessam estar
confusos em relação aos objetivos da área de proteção ambiental. Em sua
concepção, a proibição de permanecerem moradores na Ilha Mutum, seria para
preservar os recursos ambientais presentes na área. Entretanto, para eles não
sobrou nada a ser preservado... o rio não vai bem, a ictiofauna está
completamente impactada e descaracterizada. Para eles, os verdadeiros vilões da
natureza, naquele local, são os moradores do continente, principalmente as
barragens a montante e a jusante e não as pessoas que moravam na ilha.
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De um lado, os benefícios que tais projetos trazem, são usufruídos pela


população que não tem nenhuma ligação direta com a Ilha, ao passo que os
malefícios são absorvidos pela população local. A sobrevivência da
sociedade se faz com o sacrifício concreto desse segmento: numa linguagem
metafórica, com a “morte” das comunidades ribeirinhas e ilhéus.
É certo que renascerão, em outro lugar, metamorfoseados em outras
categorias sociais, mas não puderam cumprir aquilo que escolheram: viver
na Ilha Grande na condição de pequenos produtores, longe dos patrões e da
sociedade opressiva (TOMMASINO, 1985, p. 187).

Nesse aspecto, o relatório conclui que assim como no passado, as formas de


ocupação do ambiente (segunda e terceira etapa de transformações no campo)
que os havia expulsado das propriedades rurais, novamente, por meio das
formas políticas atuais de uso desse espaço, os está expulsando novamente; —
desta vez, do rio.
Com essas considerações, é possível compreender porque tanto o grupo dos ex-
ilhéus quanto o grupo dos pescadores artesanais, consideram que se nada for
feito para mudar essa situação, os peixes (ao menos as espécies mais
valorizadas) estão fadados a desaparecer desse ambiente. Convém ressaltar que
não se trata somente de uma grande alteração em um ambiente, antigamente um
reconhecido ponto de fartura de pesca de espécies importantes de peixe, mas da
alteração de toda uma cadeia de laços sócio-culturais que também desaparecerão
com os peixes.

“Então o problema não é dentro das ilhas, é fora.”


(Sr. Armando, 2001)
CAPÍTULO 5
Situação Atual

Quem é que ia acreditar que fosse acontecer um negócio


deste?
Quando vinha as enchente normal, você pegava um
barco aqui, no calçadão, a água vinha até o calçadão.
Cruzava essas ilhas todas e chegava lá em Nova
Andradina no Mato Grosso do Sul. Você pegava um
riozinho, chamado rio do Cipó, você levava três
quilômetros para chegar lá na cidade. Todo esse trecho
que você fazia tanto pra cima, quanto pra baixo, você via
o peixe circulando, o que aconteceu que agora não tem
mais ?
(Sr. Armando, nov./2001)

Diante das dificuldades e dos impedimentos à permanência da população de


moradores da Ilha Mutum, a maioria não viu outra alternativa senão mudar-se
para o continente. Dentre as conseqüências dessa mudança de um ambiente
insular para o continente, outras mudanças também se impuseram sobre seus
hábitos e valores sócio-culturais.
Uma das primeiras diferenças, a mais freqüente nos relatos dessa população, é a
necessidade de pagar certas taxas fixas mais ou menos variáveis, porém,
inevitáveis para a continuidade da sobrevivência básica nesse novo meio social.
Assim, as despesas com moradia, alimentação, educação dos filhos, saúde,
fazem parte de seu minguado orçamento, requerendo, dos ex-ilhéus, um “certo”
planejamento para adquirir meios de manter as novas variáveis urbanas.
Um novo ritmo de vida, diferente do anterior que era ditado pelos ciclos da
natureza, se fez necessário. Todo um arcabouço tradicional de conhecimentos
naturalísticos adquiridos ao longo de suas existências, agora não tinha muita
utilidade diante da escassez de empregos e serviços remunerados que fossem
vinculados a esses saberes. Como mão-de-obra para as tarefas rurais era grande
e as ofertas de trabalho, reduzidas, muitos dos novos moradores do continente
que permaneceram na região, continuaram exercendo a atividade pesqueira para
garantir uma renda mínima. Contudo, para eles, qualquer tipo de trabalho que
pudesse lhes dar sustento já servia para a sobrevivência no local.
Cumpria enfrentar novos desafios. A terra, nesse momento já não lhes era mais
acessível. A alimentação que antes dependia do esforço direto dos moradores,
passou a depender de uma qualificação para trabalhos com serviços urbanos
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limitadíssimos para uma cidade de pequeno porte como Porto Rico.


Os recentes problemas enfrentados pela população de ex-ilhéus residentes em
Porto Rico, são sobretudo, devidos à dificuldade de acesso aos recursos naturais
que dispunham anteriormente na ilha. A escassez de oportunidades de trabalho
no meio rural e o caráter sazonal da pesca que traz bons resultados, são os
desafios para os que continuaram exercendo atividades ligadas a terra e ao rio. A
essas dificuldades, soma-se a proibição da pesca justamente no período em que
há uma quantidade maior de peixes no rio (período de defeso).
Para esses moradores, diante da necessidade de morar no continente, o ideal
seria poder trabalhar naquilo que sabiam fazer, ou ainda, terem postos de
trabalho no meio urbano e um pedaço de terra, onde poderiam continuar
exercendo uma parte de sua autonomia para auto-subsistência e utilizar o
dinheiro ganho no trabalho com outras necessidades.
Segundo o Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), na região de Porto Rico e Porto
São José predominam as atividades agropecuárias, a pesca, a extração vegetal e
mineral e o turismo. As duas localidades apresentam problemas sérios no setor
agrícola causados pela concentração de terras, com uma produção basicamente
voltada para a pecuária, com culturas utilizadoras de agrotóxicos, além de
baixíssima presença de matas e florestas nativas. A população expulsa do campo
não encontrando emprego no meio urbano, migra para cidades maiores,
diminuindo assim a população das localidades menores a cada ano que passa. A
maior parte da população que fica tem que se sujeitar a oferta de empregos
sazonais e à falta de outras alternativas de sobrevivência.
As atividades econômicas existentes e viáveis para essa população no meio
urbano são: ajudante de pedreiro, pintor de parede, condutor de barco,
empregada doméstica, babá e assim por diante. Entretanto, essas atividades não
são suficientes para absorver a mão de obra de desempregados e subempregados
que se acumulam na cidade. Para eles, essas ocupações oferecem melhores
condições do que a pesca, pois tais atividades não envolvem a perda de seu
material de pesca devido à fiscalização. Além disso, o número e o número de
trabalhos de pedreiro e outros, crescem com o incremento de construção de
casas de veraneio da classe média de cidades maiores da região. Alguns
moradores que, algumas vezes, voltaram para casa sem peixe suficiente para
cobrir as despesas com o gelo e óleo do motor.
As empresas existentes em Porto Rico empregam 460 pessoas. Destas, 355
pessoas são empregadas de maneira formal, o que representa 77,2% e 105
pessoas trabalham de maneira informal, o que representa 22,8%. O comércio e
serviços, que representam maior quantidade na cidade, geram o maior percentual
de empregos, 90,0%. A maioria das empresas é microempresa privada
(UEM/NUPELIA/PELD, 2000, p. 304-305).
Segundo o Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), as atividades relacionadas à
exploração econômica do Rio Paraná ocupam apenas uma pequena parte da
população economicamente ativa de Porto Rico (Tabela 10), ocorreu também
- 91 -

uma acentuada redução de postos de trabalho no setor agropecuário, que é o que


menos oferta empregos. Trata-se de uma situação oposta à de 1993, quando as
atividades agropecuárias eram importantes bolsões de emprego.
Outra observação importante do Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), foi o
marcante decréscimo dos trabalhadores volantes, os chamados "bóia-frias", com
uma queda no número de indivíduos superior à 50%. Ainda assim, esta é
categoria agrícola que mais emprega pessoas no setor. Segundo nos foi relatado
pelos moradores entrevistados, a queda brusca de oportunidades de trabalho
nesse setor foi decorrente do crescente processo de mecanização do campo que
substituiu a mão-de-obra desse contingente populacional pouco especializado,
que vive à deriva das soluções sociais.
Viviane Forrester (1997), mundialmente conhecida por sua contundente obra,
“O Horror Econômico” descreveu, não apenas um futuro sombrio para o mundo
do trabalho, como fazem alguns autores, mas apresenta um presente aterrador,
sustentando que as condições para o trabalho estão ruins onde quer que haja
sistema financeiro.
Logo na contracapa lê-se: “O horror econômico não consiste somente no fato de
que o capitalismo existe, mas sobretudo no fato de que hoje este já não consegue
criar trabalho.”
Quanto ao desemprego, este consiste em uma espécie de trampolim, uma
oportunidade para políticos que se apropriam no discurso eleitoreiro, com
finalidades de conquistar a atenção e a confiança do público, principalmente em
épocas de eleição. Trata-se do discurso da esfera do vazio. Para Forrester, não há
mais sentido a discussão acerca do desemprego, pois, a sua resolução, o
emprego, no estágio atual de desenvolvimento do capitalismo, não pode mais
existir. Tornou-se obsoleto e serve apenas para elaborar estatísticas.
Mas, enquanto alguém diverte assim a platéia, milhões de pessoas,
colocadas entre parênteses, por tempo indefinido, talvez sem outro limite a
não ser a morte, têm direito apenas à miséria ou à sua ameaça mais ou menos
próxima, à perda muitas vezes de um teto, à perda de toda consideração
social e até mesmo de toda autoconsideração. Ao drama das identidades
precárias ou anuladas. Ao mais vergonhoso dos sentimentos: a vergonha.
Porque cada um então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu
próprio destino, quando não passou de um número colocado pelo acaso
numa estatística (FORRESTER, 1997, p. 10).

Para a autora, o direito ao emprego, no sistema capitalista equivale ao direito à


vida, que se torna então um direito imprescritível, sem o qual o sistema social
nada mais seria do que um amplo caso de assassinato, pois o trabalho, através do
emprego é o meio legítimo e reconhecido de acesso às produções materiais da
contemporaneidade. Entretanto, segundo Forrester (1997), insistimos em
enxergar o trabalho da forma antiga em que era praticado. Para ela, ainda
estamos acostumados a pensar no trabalho como se ainda estivesse ligado à
idade industrial, ao capitalismo de ordem imobiliária. Aquele tempo em que o
- 92 -

capital expunha garantias notórias e fábricas bem implantadas, lugares bem


identificáveis: indústrias, minas, bancos, imóveis arraigados em nossas
paisagens, inscritos em cadastros. Assim, na visão da autora, pensamos viver
ainda na época em que se podia calcular sua superfície, julgar sua construção,
avaliar seu custo. Ainda assim, toda essa confusão, que ao que tudo indica,
significa uma transição de uma forma de conceber a economia, para outra, traz
benefícios para perversos especuladores de momento.
Se já não há muito lugar e se esse pouco se vai encolhendo pelo fato de
o trabalho estar desaparecendo — trabalho sobre o qual a sociedade ainda se
baseia e do qual ainda depende a sobrevivência dos viventes —, esse
desaparecimento não incomoda em nada os verdadeiros poderes, os da
economia de mercado. Mas a miséria causada por esse desaparecimento
também não é seu objetivo. Eles a consideram, antes, um inconveniente
colocado em seu caminho e do qual podem tirar partido — sabemos que a
miséria beneficia geralmente o lucro. O que lhes importa e que deixa na
sombra todos os outros fenômenos são as massas monetárias, os jogos
financeiros — as especulações, as transações inéditas, os fluxos impalpáveis,
aquela realidade virtual, hoje mais influente que qualquer outra
(FORRESTER, 1997, p.28).

Deste modo, podemos compreender que a conformação social, econômica e,


conforme veremos mais adiante, cultural, que verificamos hoje em Porto Rico,
não é uma posição isolada adotada pelos governantes e poderosos da cidade.
Segue um fio mestre que se estende pelos confins do globo terrestre, alcançando
longínquos continentes. É uma malha que enredou o mundo, ditando regras
oficiais e oficiosas, leis escritas e invisíveis que, de um modo ou de outro, são
obedecidas, onde o que está em jogo é a própria sobrevivência. O que se resume,
em essência é que o trabalho atualmente é um artigo de luxo, cada vez mais
escasso, é disputado por milhares de pessoas que dele precisam para sobreviver
e reproduzir seu modo de vida. Para o sistema de mercado, isso é uma
vantagem, pois há mão-de-obra disponível suficiente que aceitaria situações
injustas de trabalho para ter uma oportunidade.
Entre os despossuídos e seus contemporâneos, ergue-se uma espécie de vidraça
cada vez menos transparente. E são cada vez menos vistos, como querem
alguns, mais apagados, riscados, escamoteados dessa sociedade. São os
chamados excluídos26.
Prosseguindo com a situação dos postos de trabalho em Porto Rico, os setores
produtivos que mais aumentaram em comparação com o censo de 1993, foram o
setor público e o comércio (bares, mercearias, lanchonetes e loja de confecções,
farmácia). Ademais, segundo informação do Secretário do prefeito de Porto

26
Motta (2002), argumenta que o próprio termo exclusão esconde as formas perversas de inclusão
social. Para ele, trata-se de entender a exclusão social, não como uma forma de negar o acesso aos
bens sociais, mas sim, de alocar pessoas em uma determinada categoria legitimada pelo sistema
capitalista. Nesses termos, não se trata de uma separação entre os que fazem parte do sistema e os
que não fazem parte, mas de uma inclusão prevista para sistema.
- 93 -

Rico, o município pretende investir no crescimento do turismo como setor


produtivo. A tabela abaixo relaciona as principais ocupações profissionais dos
moradores de Porto Rico.
- 94 -

Tabela 10: Principais atividades ocupacionais dos moradores de Porto Rico.


Sexo
Ocupações principais
Masculino Feminino Total
No. % No . % No . %
Ocupações ligadas ao rio
Pescador 51 7,0 7 1,0 58 8,0
Dono de barco de aluguel 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Trabalhador no porto de areia 20 2,8 1 0,1 21 2,9
Outros 5 0,7 0 0,0 5 0,7
Sub-total 76 10,5 8 1,1 84 11,6

Ocupações ligadas à terra


"Bóia-Fria" 14 1,9 8 1,1 22 3,0
Proprietário rural 2 0,3 0 0,0 2 0,3
Arrendatário/posseiro 0 0,0 0 0,0 0 0,0
Outros 1 0,8 0 0,0 6 0,8
Sub-total 17 3 8 1,1 30 4,1

Ocupações urbanas
Empregadas domésticas 0 0,0 36 5,0 36 5,0
Comerciante (outros) 30 4,1 11 1,5 41 5,7
Trabalhador autônomo 75 10,4 10 1,4 85 11,8
Trabalhador contratado 75 10,4 98 13,5 173 23,9
Trabalhador público 84 11,6 34 4,7 118 16,3
Sub-Total 264 36,5 189 26,1 453 62,7

Outras ocupações
Aposentados 65 9,0 80 11,0 145 20,0
Pensionistas 1 0,1 11 1,5 12 1,7
Sub-Total 66 9,1 91 12,6 157 21,7
Total 423 59,1 296 40,9 724 100,0
Fonte: Adaptado do Relatório Uem/Nupelia/Peld, 2001 - Componente
socioeconômico.

Como observamos na tabela 10, as ocupações ligadas à terra são as que menos
empregam trabalhadores, representam apenas 4,1% dos postos de trabalho na
cidade de Porto Rico. Para as ocupações ligadas ao rio, a atividade de pescador
é a que mais emprega trabalhadores, representando 8% (58). Já os aposentados e
pensionistas representam 21,7% (157) da amostra pesquisada (724).
A entrevista com o referido Secretário, realizada em novembro de 2001, nos
rendeu a informação que o funcionalismo público, em sua totalidade, abrange
um quadro de 210 funcionários, 175 na prefeitura, 6 na Sucam e 30 professores
estaduais. O Secretário apresenta os mesmos dados que o Relatório
Uem/Nupelia/Peld (2001). O setor público é o que mais emprega pessoas,
seguido pelo comércio. A pecuária é a mais expressiva em volume financeiro e
a que menos gera empregos.
Nosso estudo contemplou entrevistas com algumas autoridades e figuras da
cidade que pudessem contribuir de uma forma ou de outra para maior
compreensão das condições sociais e culturais da população estudada.
- 95 -

Pretendíamos também, saber se houve alguma iniciativa ou medida para auxiliar


a população de ex-ilhéus que saíram da Ilha Mutum. Acreditamos que alguma
iniciativa por parte das esferas públicas, seriam necessárias para dar alguma
destinação a cerca 490 famílias que residiam nas ilhas próximas à região.
Na entrevista com o secretário do prefeito (2001), confirmamos que o município
está perdendo moradores, devido principalmente ao êxodo rural. Há muitas
fazendas de grande porte que oferecem poucos empregos. Segundo o Secretário,
uma fazenda de porte médio só precisa de um ou dois funcionários para dar
conta de todo o gado. Para ele, o governo deveria investir mais em política
agrícola, dar mais incentivos para a formação de lavouras familiares para os
pequenos proprietários e empregar os que sobram, pois os grandes produtores
não estão interessados em investir em lavoura. “Antigamente, o governo dava
muito mais atenção à nossa agricultura”, complementa o Secretário.
A posição oficial da prefeitura de Porto Rico para gerar mais emprego é o
incentivo ao turismo. Quando questionado ao Secretário sobre a estratégia e o
plano para esse incentivo, este informou-nos que providências estão sendo
tomadas, como a venda de áreas públicas próximas ao rio para a construção de
pousadas e condomínios de luxo. Contudo, não há no município nenhuma
iniciativa para promover cursos profissionalizantes para a capacitação ao
atendimento do tão almejado turista. Em Porto Rico há o “Projeto Piá” que
oferece cursos de informática, bordado, costura e crochê somente aos alunos
que estão matriculados na escola.
As providências adotadas pela prefeitura desta cidade para auxiliar os
desabrigados das ilhas durante as enchentes e no processo de transição da ilha
para o continente, de acordo com o Secretário, se deram por meio de parcerias
com o governo estadual, como a construção do conjunto Flamingo e a doação de
cestas básicas, em 1995.
Os incentivos às atividades sócio-culturais limitam-se às datas comemorativas
como o desfile cívico em 21 de abril, a festa de Nossa Senhora dos Navegantes e
campeonatos amadorísticos de futebol. Outro incentivo cultural citado pelo
Secretário foi a casa do artesão. Esta comercializa artefatos manuais (bordados,
crochês, quadros, vasos, etc.) em uma estrutura cedida pela prefeitura e mantida
por uma associação. Entretanto, em visita ao local, em novembro de 2001,
constatamos que muitos artigos expostos são mercadorias que podem ser
encontradas em qualquer tipo de bazar como quadros, bonecas e outros,
“souveniers importados da china”. Testemunhamos pouquíssimas obras da
cultural local do ilhéu, ribeirinho ou do população de lavradores.
Constatamos assim, que não há, por parte do poder público, um planejamento
sólido voltado para a questão da cultura regional, que já está esquecida pelos
descendentes ribeirinhos e ilhéus. A tendência ao turismo é fugir do “lugar
comum” das grandes metrópoles com suas lanchonetes fast food, dos
comportamentos e expressões humanas standartizadas e estereotipadas pela
cultura ‘globalizante’. Veremos no próximo capítulo, que a preservação das
- 96 -

expressões culturais locais são as que mais pesam no interesse do novo


consumidor da recém criada indústria do turismo. Nessa lógica produtiva quanto
mais local, mais global.
As medidas adotadas pelo poder público municipal de Porto Rico, podemos
dizer, são circunstanciais. Não contemplam um planejamento e execução
estruturadas capazes de dar suporte para o desenvolvimento adequado do
município através do crescimento do setor turístico.
É preciso considerar, entre outros aspectos, a capacitação profissional, o
incentivo ao resgate, desenvolvimento e manutenção da cultura local dos
pirangueiros, ilhéus, ribeirinhos, pescadores e da comunidade de lavradores da
região que são as bases para sustentar as tranformações na dinâmica social e
econômica.
Faz-se necessário, também, implementar medidas, mecanismos, leis e
regulamentos para o uso turístico da área, a fim de que a viabilidade da atividade
turística na região não se limite apenas à capacidade de degradação acelerada
que essa forma de exploração econômica promove no ambiente.
Nesse sentido, a urgência da elaboração do plano de gestão da APA das Ilhas e
Várzeas do Rio Paraná, bem como para seu entorno, é mais que uma realidade, é
uma necessidade. Outro problema na região que poderia vir a incorporar uma
solução com a elaboração do plano, é a prática extrativista. Esta poderia sair da
clandestinidade e promover uma atividade produtiva regulamentada. Ao invés
disso, as medidas foram outras:
... a interdição da coleta da pfaffia glomerata, em toda a área de
ocorrência da referida raiz, que está confinada ao último trecho livre de
barramentos do rio Paraná. Essa espécie vegetal vinha sendo coletada por
bóias-frias residentes nos municípios ribeirinhos nos períodos de entre-safras
do algodão e outros cultivos na região (ROSA, 2000, p. 251).

Moraes (2000) recomenda que devido à sua importância e dependência em


relação ao ambiente, principalmente no que se refere ao rio, os pescadores
devem ser incluídos na formulação de diretrizes de proteção e gerenciamento
dos recursos naturais, como a criação de peixes e camarões como uma fonte
alternativa de renda. Acredita-se que assim, os impactos ambientais seriam
menores do os causados por extensas pastagens para criação extensiva de gado,
principalmente nas ilhas. Contudo, é imprescindível uma profunda avaliação
antes de qualquer interdição no ambiente, pois os resultados com introdução de
espécies não nativas ou o favorecimento induzido de espécies nativas, podem
agravar os impactos ambientais.
Prosseguindo com as nossas entrevistas, estivemos com a diretora da Escola
Municipal de Porto Rico que atende alunos do ensino fundamental, médio e
educação especial. Na época da entrevista, em novembro de 2001, a escola
atendia alguns alunos de famílias que ainda residiam em ilhas próximas como a
própria Ilha Mutum e a Ilha Bandeirantes e localidades mais distantes como
Relíquia do Norte, Vila Urubu, Três Ranchos e Ouro Verde. Os alunos que
- 97 -

habitam nas ilhas têm transporte gratuito, com a cessão de um barco pela
prefeitura local. A diretora nos informou que a equipe de professoras procura
transmitir aos alunos conhecimentos relativos à educação ambiental. Informou-
nos que os alunos que vêm das ilhas têm uma melhor qualidade de vida,
inclusive financeira, se comparado aos alunos que habitam no continente,
principalmente nas localidades anteriormente mencionadas.
Outras informações obtidas em nossa entrevista realizada em novembro de
2001, com o escrivão da delegacia da cidade, não há ocorrências graves
registradas no local. Também disse não ter enfrentado problemas com os ex-
ilhéus. As ocorrências mais corriqueiras são pequenos furtos praticados por
menores das localidades da região. As atenções da polícia são redobradas diante
das brigas e confusões provocadas por turistas alcoolizados no dia da festa de
Nossa Senhora dos Navegantes. Os casos mais graves, quando ocorre algum, são
encaminhados para a comarca de Loanda - PR, à 40 km de Porto Rico.
No único hospital da cidade, gerido pelo poder público, há 2 médicos clínico
geral, 1 pediatra, 1 dentista e 9 leitos. Os casos mais graves e os que necessitam
de cuidados intensivos (UTI) são encaminhados para a cidade de Paranavaí -
PR, considerada de porte médio. Os atendimentos mais freqüentes são pequenos
acidentes e partos. Em média, o hospital atende a 5 nascimentos por mês.
Há em Porto Rico, uma única funcionária pública que acumula os cargos de
secretária da saúde, educação, cultura, esporte e turismo. Esta disse estar
espantada com o número de atendimento aos casos de hipertensão e diabetes,
respectivamente, 258 e 63 casos em um único mês (novembro). Segundo sua
informação, não há triagem ou atendimento diferenciado para os moradores das
ilhas ou da cidade. Assim, não foi possível obtermos dados referentes à saúde
dos atuais moradores das ilhas.
Outro atendimento também freqüente é destinado a pessoas como problemas na
coluna. Para a Secretária, os casos de hipertensão podem ser explicados
levando-se em consideração a alta temperatura na cidade, já os problemas na
coluna se devem às profissões predominantes na cidade (auxiliar de pedreiro,
pescador e bóia-fria). Para a diabetes, não se sabe o que ocorre. A tabela 11
mostra a seguir, os dados de uma pesquisa que revela a incidência de doenças
entre a população de Porto Rico e Porto São José, que também faz margem com
o rio Paraná.
- 98 -

Tabela 11: Morbidade por grupo de doenças e número de casos que


acometeram a população de Porto Rico e Porto São José, Nov.2000.

Número de casos
Grupo de Doenças Porto % P. São %
Rico José
Doenças do aparelho 47,
170 40,8 57
respiratório 5
Doenças do aparelho 15,
81 19,5 19
circulatório 8
Doenças do aparelho digestivo 19 4,5 8 6,6
Lesões e envenenamentos 1 0,2 0 -
Doenças do Aparelho
13 3,1 3 2,5
Genito-urinário
Transtornos Mentais 18 4,3 4 3,3
Doenças infecciosas e
8 1,9 2 1,6
parasitárias
Neoplasias 6 1,4 2 1,6
Doenças do Sangue e
18 4,3 3 2,5
distúrbios imunitários
Doenças endócrinas,
20 4,8 0 -
nutricionais e metabólicas
18,
Demais causas 62 14,9 22
3
100,
Total 416 120 100
0
Fonte: Adaptado do Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001) - Componente
socioeconômico.

De acordo com esta tabela, as doenças do aparelho respiratório são as que mais
se sobressaem. Mostra-nos também, que uma significativa parte dos
entrevistados, 19,5 % em Porto Rico e 15,8 % em Porto São José, é portador de
doenças que acometem o sistema circulatório, como a hipertensão arterial. Há
também, um destaque para as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas,
(cerca de 4,8%) como a diabetes (UEM/NUPELIA/PELD, 2001).
No aspecto habitacional, comparando-se o número médio de cômodos da
população em geral de Porto Rico com a população abordada em nossa
pesquisa, temos os seguintes valores: 5,8 e 4,1, respectivamente, indicando um
decréscimo de 1,7 cômodos, em média para os ex-ilhéus, sendo que em 1 casa,
encontramos um casal vivendo em dois cômodos e em 3 casas, três cômodos
para até 4 pessoas. Entretanto, o número médio de cômodos para os ex-ilhéus
cairia para 3,6 se retirássemos da estimativa, um dos entrevistados que reside
- 99 -

com sua esposa em 8 cômodos27. Apesar disso, a quantidade de moradores por


residência, raramente ultrapassa 4 pessoas, com exceção de uma residência que
apresentava 5 cômodos para 6 moradores (UEM/NUPELIA/PELD, 2001).
(Anexo 1)
Para ampliar nossa pesquisa sobre o aspecto cultural da cidade, entrevistamos a
funcionária da biblioteca da cidade. Ela nos informou que a biblioteca precisa
aumentar o acervo didático e literário, entretanto, para ela, a prioridade no
momento seria a construção de um museu na cidade para expor os fragmentos
da história da região que abriga vários sítios arqueológicos. Algumas peças
indígenas como urnas funerárias e outras "curiosidades", como uma casa de
“joão-de-barro”, estão sobre uma estante de livros da biblioteca, aguardando um
local mais adequado. Porém, de acordo com suas próprias palavras, a construção
de um museu está longe de existir, pois o município dispõe de pouco dinheiro,
que é investido preferencialmente em outros setores, que não o social.
A secretária de Cultura, Educação, Turismo, Saúde, em sua entrevista que em
outra ocasião nos concedeu entrevista na condição de Secretária do Turismo,
relatou que no município de Porto Rico, a educação é vista apenas como
formação escolar, não envolvendo atividades com a comunidade. O maior
investimento da prefeitura, segundo ela, é feito na saúde. Essa informação nos
remete à principal vantagem de morar na cidade que os ex-ilhéus entrevistados
relataram. Na visão deles, conforme já citado anteriormente, o atendimento em
saúde pública é o que há de melhor na cidade. Vale ressaltar que o prefeito está
legislando na condição de reeleito.
A secretária disse que procura convencer o prefeito para incentivar a cultura
local ao invés de importar de outros lugares e cidades. Em sua opinião, a área
cultural da cidade é a mais deficitária, falta incentivos, falta dinheiro, falta
capacitação por parte dos agentes públicos, falta interesse em desenvolver a
área, assim, as coisas são feitas conforme a "necessidade" — resta saber de
quem. Apesar disso, ela concorda com os loteamentos em locais públicos às
margens do rio para a construção de pousadas e hotéis na cidade. Para ela, essa
iniciativa é boa para a cidade; irá trazer movimento, arrecadação e emprego para
os bares, lanchonetes e hotéis e para isso, é preciso que a população se prepare
para receber esse incremento no turismo.
Ao mencionarmos a entrevista com a funcionária da biblioteca à Secretária, esta
última informou-nos que havia um projeto da escola para construção de um
museu na Ilha Mutum, mas o projeto não foi adiante porque deveria envolver
outras atividades dentro da ilha e eles não souberam implementar essa
proposição.
Mesmo com o turismo como carro-chefe da administração atual, a atenção da
prefeitura não é muito diferente da dispensada para as outras áreas, segundo nos
27
O casal teve 10 filhos que agora possuem uma vida independente. Ente eles, dois são técnico
agrícola, três filhas são professoras, uma é diretora do colégio da cidade, o mais novo estuda
agronomia, três são operários, e um trabalha em Santa Catarina.
- 100 -

informa a secretária. As ações, segundo ela, são isoladas e não há estratégias


para a implantação nem o desenvolvimento das ações no sentido de implementar
racionalmente o desenvolvimento do turismo. Mesmo as ações tradicionalmente
existentes na cidade, como a festa de comemoração da padroeira da cidade, a
referência cultural mais importante da região, está descaracterizada. Fazem três
anos que a festa não é mais a mesma. O que era para ser uma festa religiosa já
não carrega mais a solenidade de antigamente, as próprias músicas são estranhas
ao evento28. A secretária acrescenta que agora há bagunça, brigas e confusões, as
pessoas da cidade não estão aprovando o novo estilo de se fazer a festa, que
antes, era feita com procissão de barcos e bailes mais tradicionais.
Para a secretária, que também é proprietária de um hotel na cidade, essa festa
poderia ser repensada para os moldes de uma festa como a Oktoberfest, que atrai
turistas para uma finalidade já direcionada, reservando uma parte da festa para a
realização das cerimônias religiosas tradicionais, com as tradicionais músicas
sacras e bailes típicos, como ocorria antigamente, em outro dia. A festa teria
assim, o caráter que tem hoje, voltada para a diversão dos que vêm de fora da
cidade, os turistas.
Quando questionada sobre a aplicação dos proventos do ICMS ecológico, a
secretária não soube dizer com certeza o valor repassado para o município.
Forneceu um valor aproximado de 15 mil reais por mês. O motivo do
desconhecimento do valor, segundo nos informou, foi seu recente
empossamento no cargo. Ela acredita que o dinheiro do ICMS ecológico seja
utilizado em outras áreas e reconhece que uma parte do dinheiro foi utilizada
para fazer reparos na barranca que margeia o rio, na parte em frente às
lanchonetes e bares do calçadão.
Outra atividade turística citada pela secretária é sua participação nos eventos do
programa nacional do desenvolvimento do turismo que prevê a capacitação para
elaborar projetos. Um dos pré-requisitos para o repasse de verbas no âmbito
desse programa é a existência de um Conselho Municipal de Meio Ambiente
atuante. Este é o próximo objetivo de sua administração na secretaria de turismo.
A secretária mostrou-se curiosa em relação às pesquisas que a Universidade
Estadual de Maringá vem desenvolvendo na região há mais de dez anos, por
meio do Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura. Segundo
ela, até agora nem a prefeitura e nem a população sabe o que está sendo feito
disse que, recentemente, a prefeitura recebeu comunicado da UEM oferecendo
apoio técnico na área educativa em forma de palestras. De acordo com ela,
muitos moradores desconheciam que a região possuía vários sítios
arqueológicos e ficaram encantados com as informações que foram repassadas.
Para ela, o problema é recíproco. De um lado a população não cobrava a
instituição (UEM), e de outro, a instituição não se prontificava a divulgar suas

28
São executadas músicas de estilos típicos de trios elétricos como axé music e outras mais
carnavalescas.
- 101 -

pesquisas.
Outra entrevista que realizamos foi com a assistente social da cidade.
Aparentando desconfiança, ela nos recebeu, convidando para sua sala em outro
prédio, mais afastado da estrutura da prefeitura. Com uma aparência esgotada,
ela nos chama para sua sala, situada ao fundo de uma sala maior. Nesta, cabiam
apenas três pessoas, uma pequena estante de livros e sua mesa. Inicialmente, ela
conversa em tom oficial, falando sobre os objetivos do Projeto Piá, mas, em
seguida, passou a falar em um tom menos formal, revelando sua profunda
insatisfação com a administração pública local que na visão dela, não incentiva e
ainda tolhe as iniciativas sociais e culturais que por vez despontam na cidade.
Ela relata sentir-se impotente, decepcionada, sem equipe, sem equipamentos,
sem telefone, sem condições mínimas de trabalho, nem mesmo água para beber
ela dispõe na sala. Os dois dias de sua jornada de trabalho por semana, não são
suficientes para atender o acúmulo de trabalho que ela, sozinha, tenta
desenvolver diante de uma população carente.
O município apresenta problemas com pessoas viciadas em álcool e drogas, mas
não há uma estatística para esses casos. Há, também, o problema de prostituição
e prostituição infantil. Ela tentou solicitar auxílio através de um programa
nacional de combate à prostituição infantil, o Sentinela, porém, não conseguiu
preencher os requisitos para o formulário, pois seria preciso obter o processo de
confirmação oficial do problema, contudo, o município, moradores, polícia e
poder público, não admitem ter. Para ela, seu trabalho esbarra na política local e,
isso, a impede de fazer uma boa atuação como assistente social.
Ao falar de seu outro trabalho, na cidade Santa Cruz do Monte Castelo, próxima
a Porto Rico, ela se anima bastante. Falou sobre alguns programas do município
que trazem bons resultados, como a capacitação educacional e cultural dos
moradores, com a criação de uma banda municipal e outros programas sociais.
Confidenciou-nos entristecida que Porto Rico é uma cidade sem cultura, sem
prato típico, sem danças típicas, sem música, em sua visão, é preciso resgatar o
passado. A própria festa de agosto a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes
está descaracterizada29.
Os atendimentos sociais na cidade são a creche, a pastoral da criança, a pastoral
da juventude e o Projeto Piá. Este último, em sua opinião, deveria ser
profissionalizante, preparar para o trabalho, criar condições para o surgimento
de atividades econômicas, mas só ministra cursos manuais para trabalhos
domésticos. Contrastando com o que há em Porto Rico, na cidade vizinha de
Santa Cruz do houve cursos para cozinheira, camareira, doces cristalizados e
servente de pedreiro, capacitações condizentes com as necessidades locais.

29
Consta que a igreja católica e a prefeitura passaram a promoção da festa para um indivíduo que
cobra dos ambulantes e comerciantes para venderem produtos para os turistas e estacionamento nas
proximidades da festa. Outra informação que também recebemos na cidade foi que, no dia da festa,
havia um pedágio na entrada principal da cidade, cobrando uma taxa de ‘contribuição espontânea’
para entrar no município. Para alguns essa festa foi vendida.
- 102 -

Ao relembrar as ações públicas em favor dos ex-ilhéus, conta sobre a ação de


desfavelamento que houve após a grande enchente que tirou as famílias das
ilhas. “As famílias iam se abrigando nas lonas improvisadas em um terreno
alagado. Tínhamos muitos com problemas de saúde advindos das condições de
moradia. Esta ação foi a construção de algumas casas, o conjunto Flamingo e a
vila rural.”30
Para ela, as famílias que vivem na ilha, estão em condições razoáveis, alguns
estão até melhores do que muitos moradores que vivem no continente todavia,
há famílias em más condições de vida na ilha, como uma família em que os pais
são alcoólatras. Contudo, no geral, segundo ela, os que estão em melhores
condições são os que são caseiros de clubes e tomam conta da propriedade. O
que os preocupa, é que “com essa lei de que todos devem sair das ilhas, eles
estão sem saber para onde ir.”31
Por fim, um morador da cidade que aluga barcos para passear com turistas,
concordou em nos ceder uma pequena entrevista. Este revelou ter uma formação
política acima da média dos moradores da cidade. Ele considera o prefeito uma
boa pessoa, mas desconfia que tem secretário que está “metendo a mão” no
dinheiro, e perguntou: “Como pode funcionário que ganha salário de 270 reais
desfilar com carro do ano de mais de 20 mil reais sem ter outras fontes de
renda?”32
Para ele, sem o turista, a cidade acaba. A cidade depende, agora, do turista:
“O peixe acabou, e o turista vêm muito também por causa do peixe, o
turista só tá vindo por que aqui é beira de rio, mas peixe não tem mais não. O
prefeito deveria fazer alguma coisa para melhorar a cidade, atrair mais
turistas. As calçadas na beira do rio estão desmoronando, as praças não são
bem cuidadas, tem muitas lâmpadas quebradas. O único investimento que o
prefeito está fazendo é dando, isso mesmo, porque vender terrenos a esse
preço para a loteadora é dar, os terrenos para loteadoras. Tem lote aqui que
depois que cai na mão do loteador custa mais de 25.000 reais cada um.”
A festa de Nossa Senhora dos Navegantes está acabando, a última que
teve não houve nem festa direito, não veio gente, e eu e um monte de gente
espera que a festa não aconteça mais, do jeito que está não está direito, a
festa de Nossa Senhora dos Navegantes terceirizada é demais.33

No contexto das entrevistas que expusemos até agora, podemos fazer uma
imagem mental da configuração do cenário urbano em que os ex-moradores da
Ilha Mutum estão inseridos. Podemos dizer que consiste em um panorama social
de inacessibilidade às conquistas sociais, seres humanos idosos, apáticos,
cansados, ao mesmo tempo conformados e indignados com os acontecimentos
que se delinearam durante sua existência e com sua atual condição de uma

30
Comunicação pessoal da assistente social do município, 2001.
31
Idem, ibidem.
32
Comunicação pessoal de um morador da cidade de Porto Rico, 2001.
33
Idem, ibidem.
- 103 -

classe social impotente sem meios, mecanismos ou instrumentos para obter


melhores condições de vida. Situação muito semelhante a que descreveu
Forrester.
Quando jovem, uma energia que é imediata e incessantemente
desprezada, castrada; quando velho, uma fadiga que não encontra lugar de
repouso, o mínimo bem-estar, nem a menor consideração. Abandono dos
“excluídos” e dos que estão prestes a cair nesse estado, enquanto nos
apressamos em esquecer que cada um deles está desesperadamente inscrito
num nome, numa consciência, embora nem sempre num “domicílio fixo”.
Cada um é prisioneiro desse corpo a alimentar, abrigar, cuidar, fazer existir e
que incomoda dolorosamente. Lá estão eles com sua idade, seus pulsos, seus
cabelos, suas veias, a complicada delicadeza de seu sistema nervoso, seu
sexo, seu estômago. Seu tempo deteriorado. Seu nascimento que foi para
cada um o começo do mundo, a beirada da duração que os conduziu até aqui
(FORRESTER, 1997 p.36).

As funções e valores pelos quais os moradores da Ilha Mutum eram


reconhecidos, passam a não ter mais nenhuma importância ou lugar no cenário
social, de forma que, paulatinamente, essa população que, antes era reconhecida
por suas habilidades e conhecimentos específicos, como “o consertador de
barco”, o “amolador de enxadas” e outras, passam se a se sentir obsoletas, no
mesmo termo da palavra, empregada por Forrester. Além disso, esse sentimento
de ‘desnecessariedade’, é o sentimento que legitima a todo tipo de submissão.
...estes (os desempregados) são os primeiros a se considerar incompatíveis
com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais. São levados a
se considerar indignos dela, e sobretudo responsáveis pela sua própria
situação, que julgam degradante (já que degradada) e até censurável. Eles se
acusam daquilo de que são vítimas. Julgam-se com o olhar daqueles que os
julgam, olhar esse que adotam, que os vê como culpados, e que os faz, em
seguida, perguntar que incapacidade, que aptidão para o fracasso, que má
vontade, que erros puderam levá-los a essa situação.
... esse sentimento de ser indigno, que conduz a todas as submissões. A
abjeção desencoraja qualquer outra reação de sua parte que não seja uma
resignação mortificada.
A vergonha deveria ter cotação na Bolsa: ela é um elemento importante do
lucro (FORRESTER, 1997, p. 11-12).

Para Oliveira (1999), esse processo de banalização dos aspectos sociais e


coletivos que incutiam prestígio às experiências subjetivas dos indivíduos,
principalmente quando há referência ao domínio público, é o resultado da
intensa subjetivação da acumulação, concentração e acumulação de capital, cujo
emblema e paradigma normatizador é a globalização, que via de regra, expressa
ideologicamente a privatização do público como uma inevitável necessidade, ou,
ainda o público como desnecessário ou fundamentalmente ruim. O resultado é a
geração de uma falsa consciência de desnecessidade do público, onde
aparentemente o Estado somente se sustenta como uma extensão do privado,
- 104 -

quando o que ocorre é justamente o inverso. É a riqueza pública em forma de


fundo que sustenta a reprodutibilidade do capital privado.
Assim, a privatização da esfera pública, sua dissolução, a apropriação privada
dos conteúdos do público e sua redução a interesses privados sem a sua
contrapartida, a correspondente publicização do privado, levam inevitavelmente
a destituição de direitos, através da lógica implantada da supremacia do privado
(OLIVEIRA, 1999).
A própria formação da sociedade no Brasil, de acordo com Oliveira (1999), foi
um processo complexo de violência, proibição da fala e mais modernamente,
privatização do público, de anulação da política e do dissenso. Já no início da
formação do Estado Brasileiro, a proibição dos cultos africanos, foi uma forma
de proibição da fala, e aponta o rigor dos castigos diante de reivindicações de
populações pobres. É essa mesma base estrutural da interdição que enfrentamos
nas áreas de Unidades de Conservação.
Com o golpe de Estado de 1964, assistimos ao esforço desesperado para anular a
construção política que as classes dominadas haviam realizado no Brasil, pelo
menos desde os anos trinta. Tortura, morte, exílio, cassação de direitos,
produzindo a apropriação dos corpos, seu vilipendiamento e silenciamento.
Anulou-se também a possibilidade da reivindicação da parcela dos que não tem
parcela, tanto na produção quanto na distribuição do produto social.
Atualmente, a violência que campeia na sociedade brasileira e, sobretudo, a
violência que é produzida pelos próprios aparelhos de Estado, não é senão uma
pálida sombra da exclusão da fala e da privatização do público, e, no seu rastro,
da anulação da política. Quando se cobra da “sociedade civil” a resolução de
algumas mazelas sociais como as chacinas, está-se deslocando responsabilidades
importantes do Estado, e isso é a morte da política, pois esse deslocamento
somente produz indignação, mas não produz política. (OLIVEIRA, 1999) A
isso, Forrester (1997) se refere como “a violência da calma”:
Estamos realmente na violência da calma.
Calma e violência no interior de lógicas que desembocam em
postulados estabelecidos sobre os princípios da omissão — a omissão da
miséria e a dos miseráveis, criadas e sacrificadas por elas com uma
desenvoltura pontificante.
Os efeitos desse sistema excludente, que adota procedimentos
taciturnos, revelam-se muitas vezes criminosos, outras vezes assassinos.
Mas, em nossas regiões, a agressividade dessa violência tão calma resume-se
a fatores de abandono. Deixa-se enfraquecer e perecer — cabendo a
responsabilidade dessa derrota àqueles que faltam com seu dever, aquelas
legiões discretas de pessoas sem trabalho, mas que supostamente o têm, que
são obrigados a procurar e a conseguir, quando é público e notório que a
fonte secou.
Para o olho da rua, então. O olho da rua com seus paralelepípedos,
menos duros, menos insensíveis do que nossos sistemas! (p. 45-46)

Utilizando as considerações de Oliveira sobre a apropriação do público pelo


- 105 -

domínio privado, é possível delinear a trágica trajetória da população que


habitou a Ilha Mutum.
Retomando o capítulo 4 no qual discorremos sobre as dificuldades, conflitos e
impedimentos que culminaram com a expulsão dessa população, veremos que a
população que se fixou nas ilhas do rio Paraná utilizaram espaços públicos para
a reprodução de seu modo de vida. No entanto, tinham plena consciência de que
não eram proprietários das terras, mas sim das “benfeitorias” realizadas. Assim,
temos um exemplo de apropriação do espaço público pelo público. O caso se
inverte enquanto prosseguimos com as transformações atribuídas ao uso do
espaço para esta região.
A construção de usinas hidrelétricas em áreas públicas mostrou-nos que imensas
quantidades de terras férteis foram alagadas, reduzindo a área para cultivos
agrícolas e desalojando grandes contingentes de populações tradicionais como
sertanejos, índios, caboclos e pescadores. Em seguida, a expansão da pecuária,
através das várias formas lícitas e ilícitas de apropriação de terras públicas como
no caso das ilhas, novamente demonstra a transição da passagem do público ao
privado.
O caso da criação das Unidades de conservação é parecido com o caso das
usinas hidrelétricas. Inicialmente, decretos, resoluções e outros documentos
oficiais viabilizam a instalação do empreendimento e em num segundo
momento, aquilo que foi erigido sob a insígnia do Bem-Estar foi incorporado ao
setor produtivo, rendendo proventos a organizações privadas. Assim,
gradativamente, foram desapropriadas áreas públicas de uso público para
reapropriá-las a outro domínio, o privado, sem que com isso, surgissem
movimentos sociais de caráter político contundentes e eficazes.
Ainda que se sintam lesados, os ex-ilhéus não demonstram iniciativa política
para lutar por seus direitos, por meio de ações pessoais ou coletivas. Preferem
ficar à espera de algum agente externo que lhes entregue a solução para seus
problemas. Enquanto aguardam, pouca coisa muda. No máximo, o que
aguardam é poder desfrutar da parca aposentadoria de um salário mínimo até o
final de suas vidas. Os que ainda não são aposentados, procuram algum tipo de
influência ou auxílio junto a figuras políticas da cidade. Forrester (1997) resume
melhor a situação:
Não há pior angústia que a esperança. Pior tremor. E não há pior horror
que o fim de si próprio quando ocorre bem antes da morte e se deve arrastar
enquanto vivo. Esses passos incertos. Essa ausência de percurso, mas que é
preciso percorrer. Esses rostos, esses corpos de pessoas que não parecem
mais pessoas, que já não se consideram como tais (p. 37).
CAPÍTULO 6
A centralidade da cultura

O rio. Eu gostava desse rio, eu tinha prazer de andar


nesse rio aí, mas depois que eu saí da ilha.
Depois que saí da ilha, perdi toda a vontade de ir nesse
rio, às vezes passo meses sem ir na beira do rio, e eu que
moro a 200 metros do rio. Não sei, acho que a gente fica
amedrontado. (Antônio, dez. 2001)

Tomando como referência à noção de preservação da natureza, e o incentivo


para a manutenção da cultura das populações tradicionais em divulgações
oficiais, institucionais, científicas e populares, abordaremos aqui de forma
breve, dada a delimitação de nosso assunto de pesquisa e a complexidade do
tema, o papel fundamental que a cultura exerce na sociedade.
Tomando a nós mesmos como um ponto de referência, podemos nos fazer os
seguintes questionamentos: Onde estamos? O que estamos fazendo? Qual o
sentido dessa ação? Como cheguei a ser capaz de realizar esta ação? Qual a
importância dessa ação? Diante dessas simples perguntas, somos impelidos a dar
respostas rápidas. Porém, as respostas mais completas, exigirão um nível maior
de complexidade de auto-consciência. As respostas que surgirem para estas
perguntas, demandam a constatação de que somos seres sociais, condicionados a
pensar, agir e até mesmo sentir e a expressar sentimentos dentro de um escopo
de possibilidades pré-estabelecidas.
O ambiente cultural exerce grande influência sobre o modo como percebemos as
coisas e os fatos, isto é, a nossa weltanchäuung34. Diversos antropólogos e
estudiosos demonstraram que atitudes toleradas em uma cultura, em uma outra,
podem ser dignas de severas punições.
O suporte básico de uma sociedade é a cultura de seu povo que delimita seu
perfil. Seus traços culturais fortalecem a união e sobrevivência dos membros,
daí a relação íntima direta entre a cultura e a sociedade que ela forma. Um povo
que tem a sua cultura aniquilada perde sua identidade cultural, isto é, perde sua
"alma", fica desagregado e propicia condições para seu fim.
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação
social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a
observam: não em si mesma mas em razão dos muitos e variados sistemas de
significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as
coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos

34
Do alemão: visão de mundo. Concentra a concepção de realidade formada socialmente,
envolvendo a totalidade da experiência individual e o modo como cada indivíduo permite orientar
suas percepções acerca da realidade.
- 107 -

outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações.


Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em
seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que
toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou
comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação. É
através da cultura que constituímos nossa subjetividade, nossa identidade, nosso
papel social.
No aspecto jurídico, a cultura é entendida como a universalidade dos bens
representativos da cultura do país e nessa categoria, deve ser protegida por fazer
parte do patrimônio nacional. A definição jurídica de patrimônio cultural
encontra-se no art.216 da Constituição Federal, quando diz que patrimônio
cultural constitui-se “dos bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Incluem-se entre estes bens: I - as formas de expressão; II - os modos de criar,
fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico
(incisos I,II,III,IV e V, do referido artigo). Os sítios arqueológicos e
paleontológicos como patrimônios culturais estão protegidos especificamente
pela Lei Federal 3.924, de 26.07.61, que dispõe sobre os monumentos
arqueológicos e pré-históricos, protegendo as culturas paleoameríndias do Brasil
tais como os sambaquis e inscrições rupestres, entre outros. Como se vê, a
definição do que é o patrimônio cultural brasileiro é muito abrangente e ampla,
constituindo-se de uma enorme gama de expressões e objetos ligados à cultura
como um todo, estando inclusive incluída na legislação constitucional,
principalmente.
Etimologicamente, a palavra cultura vem do latim cultura e pode ser definida
como o conjunto das características étnicas, comportamentais, institucionais e
religiosas, entre outras, de uma determinada coletividade ou sociedade. Deste
modo, Castells (2000), define três tipos básicos de identidade.
Identidade legitimadora: introduzida pelas instituições dominantes no
intuito de expandir e legitimizar sua dominação sobre os participantes da
sociedade.
Identidade de resistência: criada pelos atores sociais que se encontram em
posições e condições desvalorizadas e ou estigmatizadas pela lógica da
dominação, constituindo assim centros de resistência e sobrevivência com base
em princípios diferentes ou mesmo opostos dos que se pretendem impor.
Identidade de projeto: quando os atores sociais utilizam algum material
cultural para construir uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na
sociedade e, a partir disso, buscar a transformação de toda a estrutura social.
Este foi o caso do feminismo que incialmente adotou uma postura de identidade
- 108 -

de resistência e posteriormente se afirmou como foco de transformação em


detrimento de todo um posicionamento histórico anterior.
No entanto, a cultura é dinâmica, é um sistema fechado e, ao mesmo tempo
aberto que resiste à mudanças e, apesar disso, se transforma. Para Hall (1997), a
cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que diz respeito à
estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de
desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos
econômicos e materiais. Os meios de produção, circulação e troca cultural, em
particular, têm se expandido, por meio das tecnologias e da revolução da
informação. Uma proporção ainda maior de recursos humanos, materiais e
tecnológicos no mundo inteiro são direcionados diretamente para estes setores.
Os recursos que antes iam para a indústria pesada da era industrial do séc. XIX -
carvão, ferro e aço - agora, na virada do terceiro milênio, estão sendo investidos
nos sistemas neurais do futuro - as tecnologias de comunicação digital e os
softwares da Idade Cibernética. Desta forma, no início do século XXI, podemos
facilmente constatar que os povos mais ricos e com maior tecnologia acabam
influenciando e alterando a cultura dos mais simples. Assim, a conscientização
cultural deve ser criada e estimulada nas escolas, nas artes e nos meios de
comunicação e nas mais diversas formas da convivência moderna, de modo a
formar uma sociedade consciente de sua cultura.
Um efeito desta compressão espaço-tempo é a tendência à homogeneização
cultural - a tendência de que o mundo se torne um lugar único, tanto do ponto de
vista espacial e temporal quanto cultural: a síndrome que um teórico denominou
de McDonaldização do globo.
Hall (1997), afirma que as gigantes transnacionais da comunicação tais como a
CNN, Time Warner e a News International, tendem a favorecer a transmissão
para o mundo de um conjunto de produtos culturais estandartizados, utilizando
tecnologias ocidentais padronizadas, apagando as particularidades e diferenças
locais e produzindo, em seu lugar, uma "cultura mundial" homogeneizada,
ocidentalizada. Porém, todos sabemos que as conseqüências desta revolução
cultural global não são nem tão uniformes nem tão fáceis de serem previstas da
forma como sugerem os ‘homogeneizadores’ mais extremados. Nesse sentido,
certamente surgem muitas conseqüências negativas, que para Hall (1997), até
agora continuam sem solução, minando as forças de nações mais antigas e de
sociedades emergentes, na definição de seus ritmos próprios de
desenvolvimento.
Para Forrester (1997), as alternativas culturais que estão sucumbindo diante do
modelo do liberalismo absoluto representado pela proposta da globalização, da
mundialização, da desregulamentação e da virtualidade, quando são notados,
estão quase sempre sob a dominação de potências distantes e complicadas.
Este processo corrosivo de culturas seculares, contudo, não se dá de forma igual em todas as
regiões do globo. Assim como em outros processos de transição sociocultural, encontraremos
as mais variadas formas de resistência para manter a condição já estabelecida, lembrando que
- 109 -

resistência pressupõe, aqui, diferença, história interna específica, ritmo próprio; modo
peculiar de existir no tempo histórico e no tempo subjetivo (BOSI, 1987).
Ainda assim, a cultura global necessita da “diferença” para prosperar, mesmo
que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial
como, por exemplo, a cozinha étnica. Assim, Hall (1997) acredita que é mais
provável que o desenvolvimento dos meios de comunicação, produza novas
identificações globais e novas identificações locais, ao invés de produzir uma
cultura global uniforme e homogênea.
O resultado desse sincretismo cultural possível, pode não ser necessariamente a
obliteração do velho pelo novo, mas a criação de algumas alternativas híbridas,
sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas - como
ocorre crescentemente nas sociedades multiculturais, culturalmente
diversificadas, criadas pelas grandes migrações decorrentes de guerras, miséria e
das dificuldades econômica do final do séc. XX.
Hall (1997) utiliza a expressão “centralidade da cultura” para discutir a forma
como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo
proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura está presente nas
vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de
gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é
atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro
de nossos lares por meio dos esportes e das revistas esportivas que,
freqüentemente, vendem uma imagem de íntima associação ao "lugar" e ao local
através da cultura do futebol contemporâneo. Elas mostram uma curiosa
nostalgia em relação a uma “comunidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia
das culturas vividas de importantes “locais” que foram profundamente
transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo
declínio industrial.
Considerando o aspecto do consumo, a cultura tornou-se um objeto de mercado.
Pode ser vendida, em qualquer esquina, em qualquer farmácia ou mercado, - o
que está sendo vendido, são valores atribuidores de status a quem possui
determinado bem. A venda de lotes em um condomínio em Porto Rico, mostra
que esses valores acerca do mundo natural são bem aceitos pela comunidade em
geral, tanto pelos moradores locais que não terão acesso a essa “vantagem”
quanto para os turistas que lá terão suas posses. A cultura é o intermediário mor,
pois hoje o escravismo à força, através da imposição ditatorial, está em desuso.
Contudo, é licito utilizar-se do escravismo via imposição cultural, para a criação
de “necessidades sociais” tão valorizadas quanto as necessidades biológicas.
Isto, é inclusive valorizado. O empresário, executivo, político ou marketeiro que
usa tais subterfúgios para imposição, não raro, é visto como “um empreendedor
de sucesso” campanhas publicitárias emparelham imagens e mensagens
associando pessoas felizes e saudáveis ao produto que se deseja oferecer. Na
verdade, todos sabem que a imagem veiculada não corresponde à realidade. Os
figurantes da campanha são atores, contratados para se comportarem como
- 110 -

pessoas felizes e bem sucedidas, apenas durante a gravação das imagens. Não
existe garantia alguma de que o consumo de tal produto irá proporcionar a
felicidade e saúde implicitamente incorporada na negociação. Acredita-se, que
assim será e assim agimos em direção à aquisição do produto. Para ilustrarmos,
durante a pesquisa de campo, deparamo-nos com a venda de loteamentos em
Porto Rico, um panfleto promocional do condomínio amplamente divulgado na
cidade de Maringá. O público-alvo são freqüentadores de um Shopping Center.
Encontramos no anúncio:
• “Um convite para quem prefere a mais perfeita integração entre lazer e
natureza.”
• “Um convite para quem prefere viver em contato com à (sic.) natureza”
• “A mais perfeita integração entre pesca, lazer, conforto e segurança.”
• “Um Condomínio Fechado as margens do Rio Paraná, foi idealizado para
oferecer a você, sua família e seus amigos o máximo em lazer; conforto e
segurança.”
• “Pesca - Lazer - Ecoturismo - Conforto - Segurança”
• “São 127 lotes residênciais (sic.) exclusivamente unifamiliar."
• “Qualidade de vida e garantia do seu investimento! Dê este presente a você e
a sua família.”
Essas afirmações procuram se sustentar emocionalmente atribuindo à natureza
valores culturais instituidores de status, incluindo, desta forma, a natureza ao
circuito do consumo. Manobra perigosa, visto que o comportamento consumista,
invariavelmente leva à exaustão aquilo que transforma em mercadoria.
Para Hall (1997), no cerne desta questão está a relação entre cultura e poder.
Quanto mais importante - mais “central” - se torna a cultura, tanto mais
significativas são as forças que a governam, moldam e regulam. Para que isto
funcione a contento, isto é, a dominação se dê via cultura, é imprescindível que,
primeiramente, a sociedade ampla reconheça os valores culturais que estão
sendo implantados como legítimos e em segundo lugar, deve haver mecanismos
de regulação de recompensa e punição, no mais genuíno estilo de psicologia
behaviorista.
... o mercado se auto-regula. Ele aloca recursos, recompensa a
eficiência e a inovação, pune a ineficiência e a “falta de criatividade” e,
acima de tudo, como observamos antes neste texto, cria vencedores e
perdedores. Estes são incentivos poderosos - e desestímulos - que induzem
certas formas de conduta e desencorajam outras (isto é, regulando as
condutas). E, como temos visto, os mercados criam e requerem “culturas”
administrativas e organizacionais próprias muito diversas - um conjunto de
- 111 -

regras, expectativas, procedimentos normativos e metas internalizadas (Hall,


1997, p.27).

Hall (1997, p.28) alerta que os meios de regulação e controle ficam cada vez
mais sofisticados e intensificam os meios de vigilância: “o que alguns têm
denominado ‘o governo pela cultura’, assim, a cultura deve ser vista como algo
fundamental, constitutivo.”
Até mesmo a construção de algo físico como um muro, envolve um sistema de
significados, de conhecimentos culturais, de normas, habilidades e conceitos; é
portanto, também uma atividade cultural. O tipo, tamanho, material utilizado,
cor, enfim, revelam várias informações a respeito do lugar, da época e do
morador, e assim, é , portanto, uma “prática discursiva”.
Se a “cultura” está em tudo e em toda parte, onde ela começa e onde
termina? Naturalmente, esta afirmação em relação à centralidade da cultura
não significa - como seus críticos por vezes têm alegado - que não há nada
senão a “cultura” - que tudo é “cultura” e que a “cultura” é tudo; ou,
parafraseando a observação agora considerada infame do filósofo
desconstrucionista francês Jacques Derrida, “Não há nada fora do texto”; ou,
como imputam a Foucault, “Não há nada além do discurso”. Se fosse isso o
que está sendo argumentado, seria certa - e corretamente - motivo para
crítica porque, neste caso, teríamos simplesmente substituído o materialismo
ou o socialismo econômico, que outrora ameaçavam dominar estas questões
nas ciências sociais, por um idealismo cultural - isto é, substituido uma
forma de argumento reducionista por outra. O que aqui se argumenta, de
fato, não é que “tudo é cultura”, mas que toda prática social depende e tem
relação com o significado: conseqüentemente, que a cultura é uma das
condições constitutivas de existência dessa prática, que toda prática social
tem uma dimensão cultural. Não que não haja nada além do discurso, mas
que toda prática social tem o seu caráter discursivo (HALL, 1997. p.37).

Isto explica por que a regulação da cultura é tão importante. Se a cultura, de


fato, regula nossas práticas sociais a cada passo, então, aqueles que precisam ou
desejam influenciar o que ocorre no mundo ou o modo como as coisas são feitas
necessitarão - a grosso modo - de alguma forma ter a “cultura” em suas mãos,
para moldá-la e regulá-la de algum modo ou em certo grau. Até mesmo a
quantidade de dinheiro que uma pessoa possui é simbólica. Simboliza,
representa uma variedade de poderes concretos e subjetivos. Dependendo da
quantidade de dinheiro há vários níveis de poder de consumo, de status, de
mobilidade e trânsito social, de prestígio, padrões estéticos etc. No final, a
quantidade de dinheiro não necessariamente remete à capacidade produtiva ou a
importância / relevância da existência de determinado ator para a sociedade,
simboliza privilégios dos quais muitos devem abrir mão em favor de poucos
indivíduos socialmente reconhecidos. Tal reconhecimento vem da convenção e
da aceitação social de que o fator monetário é indispensável na mediação de
trocas sociais de vários significantes socialmente valorizados.
Uma vez que a cultura regula as práticas e condutas sociais, torna-se
profundamente importante saber quem regula a cultura. A regulação da cultura
- 112 -

e a regulação através da cultura estão, desta forma, íntima e profundamente


interligadas.
Qual é a relação que existe entre a “cultura” e outras forças que exercem um
poder determinante de controle, de modelagem sobre a cultura? A princípio, é a
política, a economia, o Estado, ou o mercado o fator mais determinante em
relação à cultura? É o Estado que, através de suas políticas legislativas,
determina a configuração da cultura? Ou são os interesses econômicos ou as
forças de mercado com a sua “mão oculta” que estão de fato determinando os
padrões de mudança cultural?
Quanto a isso, Hall (1997) não chega a uma conclusão satisfatória. Para ele,
embora a cultura tenha vida própria e autônoma, ela é influenciada e regulada
por diversos fatores determinantes, como a economia, o mercado, o Estado e o
poder político. Entretanto, o que se nota atualmente é que os efeitos do processo
de “globalização” - enfraquecem a relativa autonomia dos estados nacionais na
determinação das políticas culturais em seus próprios territórios soberanos e
aumenta as pressões por políticas do tipo “céu aberto”, de internacionalização
dos mercados culturais. Saliente-se que está ocorrendo uma tendência, à qual
não se tem dado muita importância, da retomada da monopolização pelas
transnacionais globais. (HALL, 1997)
Forrester (1997) alerta que:
Essas redes econômicas privadas, transnacionais, dominam então cada
vez mais os poderes estatais; muito longe de ser controladas por eles, são
elas que os controlam e formam, em suma, uma espécie de nação que, fora
de qualquer território, de qualquer instituição governamental, comanda cada
vez mais as instituições dos diversos países, suas políticas, geralmente por
meio de organizações consideráveis, como o Banco Mundial, o FMI ou a
OCDE (FORRESTER, 1997, p.30).

Deste modo, a principal investida, em relação à cultura, tem sido a de retirar do


Estado suas responsabilidades na regulamentação dos assuntos culturais e abrir a
cultura, paulatinamente, ao jogo livre das “forças de mercado”. A liberdade,
ampliando as opções, aumentando a diversidade e o pluralismo cultural,
acabando com o paternalismo do Estado em relação às pessoas - estas são
algumas das formas pelas quais a desregulação tem sido “vendida”
positivamente pelos seus partidários.
Outra forma de “regular culturalmente” nossas condutas está nos sistemas
classificatórios que pertencem e delimitam cada cultura, que definem os limites
entre a semelhança e a diferença, entre o sagrado e o profano, o que é
“aceitável” e o que é “inaceitável” em relação a nosso comportamento, nossas
roupas, o que falamos, nossos hábitos, que costumes e práticas são considerados
“normais” e “anormais”, quem é “limpo” ou “sujo”
O interessante neste tipo de regulação é que ela é quase sempre acompanhada de
conflitos e resistências. Ao invés de constranger as condutas, comportamentos e
atitudes dos indivíduos, por meio de um regime externo de controle social, este,
- 113 -

busca levar os submetidos, a subjetivamente, regularem-se a si mesmos. A


estratégia, segundo Hall (1997, p. 368) consiste em:
... alinhar as motivações e aspirações pessoais e subjetivas de cada sujeito às
motivações da organização, redefinir suas habilidades e capacidades
conforme as especificações pessoais e profissionais da empresa, internalizar
objetivos organizacionais como suas próprias metas. Isso configura a
aplicação do que Foucault denominou as “tecnologias do eu” para “a
construção de si mesmo”, para produzir os sujeitos - nas palavras de du Gay
(1997) - como espécies diferentes de sujeitos empreendedores. A regulação
por meio da “mudança cultural” - por uma passagem para o “regime dos
significados” e pela produção de novas subjetividades, no interior de um
novo conjunto de disciplinas organizacionais - é outro modo poderoso de
“regular através da cultura”.

Isso demonstra que se a cultura não exercesse uma função tão fundamental sobre
a sociedade, não haveria necessidade de todas essas estratégias de regulação,
vigilância e controle. Sobretudo, não haveria o interesse das esferas
governamentais, legislativas e de mercado incidentes nessa questão.
É fundamental, como afirma Godelier (1974 apud DIEGUES, 1983), analisar o
sistema de representação que os indivíduos e os grupos fazem do meio ambiente
em que vivem, pois esta é a referência na qual os homens orientam suas ações
no mundo.
É a partir dessas representações mentais que eles agem sobre o meio
ambiente. A percepção que os indivíduos têm do seu meio ambiente natural
é formada somente de representações mais ou menos objetivas, mas
igualmente de julgamentos de valor e de crenças. Um determinado meio
ambiente pode ser lugar de moradia de poderes sobrenaturais, bons ou maus,
que podem interferir no funcionamento da vida dos homens (1974 apud
DIEGUES, 1983, p. 101).

Outro aspecto atualmente considerado importante para o estudo da cultura de


um grupamento humano, é a identidade cultural.
Para Meneses (1987), conceito de identidade implica semelhança a si próprio,
formulada como condição de vida psíquica e social. Nessa linha, está muito mais
próximo dos processos de re-conhecimento do que de conhecimento, é o modo
como o homem enxerga a si mesmo. Para Castells (2000) a definição é
entendida como o processo de construção de significado com base em um
atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados,
o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Deste modo,
admite-se a existência de uma diversidade de possibilidades de formação da
identidade, entretanto, algumas possibilidades se sobressaem sobre as outras.
Hall (1998), na obra “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, prefere
discutir a questão de uma forma mais ampla, envolvendo os recentes fenômenos
de estreitamento do contato entre as diversas culturas do globo terrestre. Para
ele, a identidade cultural deixa de ser pensada como um dado íntimo da história
de cada grupo, de cada etnia, de cada nação para ser percebida no trânsito, nas
- 114 -

imbricações que informam sobre paisagens em que produzem novas


identificações “globais” e novas identificações “locais”.
De acordo com essas considerações, a identidade cultural constitui-se na soma
de significados que estruturam a vida de um indivíduo ou de um povo, parte-se
do princípio de que será necessário ter em mente, antes de tudo, que a identidade
cultural não é mais una, porém múltipla.
Pelas definições citadas acima, podemos perceber que Meneses (1987) se atém
mais ao aspecto individual, mas também não desconsidera que a identidade
também é moldada por vieses coletivos, como bem explica.
A antropologia e a sociologia, por sua vez, informam-nos de que a
identidade, quer pessoal, quer social, é sempre socialmente atribuída,
socialmente mantida e também só se transforma socialmente. Isto é, não se
pode ser humano por si, por representação própria: os valores, significações,
papéis que me atribuo necessitam de legitimidade social, de confirmação por
parte de meus semelhantes. Pode-se dizer, assim, que é em virtude de
definições que existem indivíduo e sociedade. Dentro dessa ótica, é fácil
entender que o processo de identificação é um processo de construção de
imagem; por isso terreno propício a manipulações (MENESES, 1987, p.
183).

Relembremos aqui, o caso dos panfletos de propaganda dos terrenos loteados


para um condomínio em Porto Rico, que mencionamos anteriormente nesse
capítulo.
Silvia Lane (1984) também compartilha desse entendimento ao afirmar que o
indivíduo é um produto histórico-social, visto sua relação de transformação de si
e da sociedade, considerando os aspectos espaço-temporal e o contexto no qual
o homem se encontra.
O trabalho com as identidades, porém, é de difícil precisão, dadas as
pluralidades de pólos ou fatores identitários. Valendo-se de exemplos, pode-se
indicar que uma pessoa pode ser identificável por sua procedência regional,
opção religiosa, orientação sexual, etnia, preferência de corrente política ou
escolha de causas em que atua. As categorias de trabalho e de gênero têm sido
um elemento forte na definição identitária. A reunião dessas esferas, por
exemplo, acabam por matizar muitas orientações de trabalhos que se preocupam
com a atividade produtiva das mulheres na lavoura de cana no nordeste
brasileiro, no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ou na esfera científica
(BOM MEIHY, 2000).
Resumindo, preconceitos, relações de amor e ódio, manifestações culturais e
religiosas, comunicação e linguagem, crenças, valores, posturas, relações de
produção e reprodução dos meios de vida, anseios e receios, que são as
expressões mais genuínas de um indivíduo, de um povo, são, assim estruturadas,
em torno da identidade cultural do grupo que se considera. A identidade é uma
fonte importante de significado, por causa do processo de autoconstrução e
individuação que as envolve, pois ela organiza significados, diretrizes e
princípios de vida. Neste sentido, de forma geral, para se compreender melhor a
- 115 -

forma de sentir, pensar e agir de um indivíduo, de um grupo de indivíduos ou de


uma comunidade, é importante conhecer quais as identidades envolvidas em
questão.
Castells alerta que ocorre uma certa confusão em torno do termo e que por isso,
se faz necessário diferenciar o conceito de identidade cultural com outro
conceito próximo, por sua especificidade.
... é necessário estabelecer a distinção entre a identidade e o que
tradicionalmente os sociólogos têm chamado de papéis, e conjuntos de
papéis. Papéis (por exemplo, ser trabalhador, mãe, vizinho, militante
socialista, sindicalista, jogador de basquete, freqüentador de uma
determinada igreja e fumante, ao mesmo tempo) são definidos por normas
estruturadas pelas instituições e organizações da sociedade. (...) Identidades,
por sua vez, constituem fontes de significado para os próprios atores, por
eles originadas, e construídas por meio de um processo de individuação
(CASTELLS, 2000. p. 22-23).

De acordo com a teoria dos grupos, a identidade se forma a partir de alguns


elementos que denotam seu processo de formação. Entre eles, se destacam:

- Os grupos a que pertenceu;


- A camada social que freqüenta nos diversos grupos;
- “lugar” que cada grupo está inserido na sociedade.

Os grupos sociais recrutam seus membros através de duas formas básicas: a


forma automática e as formas não-automáticas.
A maneira automática de pertencer a um determinado grupo social é através do
nascimento. Os filhos tornam-se automaticamente membros da família,
adotando assim, grande parte dos preceitos morais, éticos, religiosos, bem como
a visão de mundo.
As formas não-automáticas figuram o quadro social da maioria das sociedades,
com qual o indivíduo toma contato ao longo da vida. Entre essas formas,
citamos os clubes e as associações, as instituições de ensino e a educação laica e
religiosa que freqüentamos, nosso grupo de amigos, vizinhança, trabalho etc.
O estudo da identidade cultural não é valorizado apenas nosso país ou na
América Latina, como forma de resguardar ou melhor compreender a formação
e o comportamento do nosso povo. As pesquisas nessa área, são também
seriamente investigadas em vários países.
Esse quadro relativo à identidade cultural não se manifesta apenas no
chamado “mundo subdesenvolvido” ou “em desenvolvimento”. Países
economicamente mais avançados vêem na preservação da identidade
nacional o instrumento decisivo para autocapacitação não apenas em
assuntos culturais como científicos e tecnológicos, com suas claras
dimensões econômicas. Medidas de exceção são formuladas para proteger a
cultura local em suas mais variadas formas, e, mais que isso, é resguardado o
próprio idioma nacional (CASTELLS, 2000, 305).
- 116 -

Aplicando a discussão anterior para analisar uma pesquisa divulgada pelo


Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001), a partir dos dados referentes às atividades
profissionais dos pais dos pescadores entrevistados em Porto Rico, verificou-se
que somente 14,8% dos pescadores seguiram o trabalho dos pais. A pesquisa
conclui que possivelmente, esse baixo índice está relacionado ao fato de uma
alta porcentagem dos pais terem como profissão atividades voltadas à
agropecuária e/ou à dificuldade de manter a família com a renda advinda da
pesca (UEM/NUPELIA/PELD, 2001).
Paralelamente à descaracterização da festa de Nossa Senhora dos Navegantes,
este, constitui um exemplo da interferência econômica sobre a uma prática
tradicional do moradores de Porto Rico. Como resultado dessa interferência,
uma série de conhecimentos empíricos e simbólicos mudam. Se esta tendência
continuar, esses saberes estão fadados a desaparecer juntamente com a extinção
da cultura da pesca tradicional em Porto Rico, ao longo das gerações.
Essa descaracterização cultural não se limita a Porto Rico. Diegues nos
apresenta outro exemplo.
A festa dos Reis, o Divino, estão fracassando; crente não vai na festa. O
povo está esquecendo as antigüidades. Agora é baile e só dá briga”
(entrevista com um pescador de Ubatumirim, católico). “Festas? Às vezes
São João e São Pedro, mas não se usa fazer mais Reis. Antes o festeiro
oferecia comida, peixe seco, agora tudo acabou. Entrou o Evangelho e o
povo desacreditou da festa das Imagens” (entrevista com pescador de
Picinguaba, adventista) (DIEGUES, 1983, p. 226).

Considerando a amostra da população que estudamos, pudemos observar que o


mais jovem da nossa amostra tem 34 anos e é também o que menos tempo
residiu na Ilha (11 anos), sendo este, o participante a exercer trabalho
remunerado como diarista sem qualquer vínculo atual com o rio ou a ilha.
Durante a entrevista, este ex-ilhéu repudiou completamente a hipótese de
retorno à vida na ilha, indicando uma ‘desidentificação’ com a forma de
reprodução de vida na ilha com a identidade camponesa daquela população que,
a exemplo de seu pai, entrou na ilha. O maior motivo de sua decisão de se mudar
para uma ilha, foi o de finalmente trabalhar em uma posse que fosse sua, para
evitar a amarga experiência de arrendatário.
Outro entrevistado, nascido na ilha, conta a história de como seu pai chegou até
a ilha. Este fugiu da máfia do café que operava naquela região.
Para os nossos entrevistados, os valores que mais se destacam são os que se
relacionam com o trabalho, a amizade, o estudo, a saúde, a habitação e o
conhecimento do seu ambiente. Cada um dos narradores, ao relatar sua trajetória
de vida, revela uma memória coletiva que desvenda uma identidade sendo
construída numa direção comum a todos. Embora cada vida tenha sua
especificidade, temos as semelhanças e traços básicos desse grupo. São todos
como remadores em uma canoa sobre um rio que os arrasta para horizontes
- 117 -

incertos, em águas que se recusam a reagir ante suas remadas. Tudo o que lhes
resta são seus valores.
É de suma importância para o ex-ilhéu a virtude do trabalho e da amizade. São
dois aspectos transversais em todas as entrevistas. O trabalho, em suas palavras,
embora “sofrido”, é o valor fundamental que agrega outros valores para eles
importantes como a honestidade, a confiabilidade, a autonomia e boas condições
de habitação. A amizade é o valor fundamental que agrega os valores da vida em
comunidade como a solidariedade, que em momentos críticos, muitas vezes era
o recurso decisivo, como narram os entrevistados ao relatarem episódios de
doenças e acidentes.
Percebemos, entretanto, que o único colaborador, pescador tradicional, diferia
dos outros que apresentavam uma identidade com características mais
camponesa. O pescador enfatizou que “nunca plantou um pé de roça”, não criou
nada, nem cachorro, em sua vida, só pescava, era a única coisa que sabia fazer e
o que sempre fez. Ele relatou que no tempo em que vivia na ilha, ele e seus
ajudantes chegavam em uma lagoa, tecia a rede da profundidade da lagoa e de lá
não saíam até que o último peixe de lá fosse tirado. Esse comportamento
predatório é por ele relembrado com auto-censura.
Diferentemente desse pescador, os outros moradores entrevistados procuravam
garantir a fartura das ilhas e do rio utilizando seus conhecimentos tradicionais
para preservar suas plantações, plantando por exemplo, tipos diferentes de
plantas em associação para prevenir insetos e pragas, plantando determinadas
espécies de plantas para preservar as margens e atrair os peixes.
Entendemos que a identidade cultural dos ex-ilhéus da Ilha Mutum não sofreu
alterações estruturais. Continua sendo de uma população rural simples que
atualmente se vê forçada a viver no árido campo de asfalto que representa a
cidade. Porém, embora a cidade represente a improdutividade, a infertilidade, a
impossibilidade de práticas camponesas, viver na cidade também traz suas
vantagens como a saúde, a água encanada e o uso de eletrodomésticos. Ainda
assim, nenhum dos entrevistados demonstrou ter aspirações de mudar de estilo
de vida, pretendem apenas, ter o suficiente para se manter. Com estes
parâmetros, cremos não ser possível afirmar a incidência da “desidentidade”,
como faz Bom Meihy (2000), que tem sido pensada para a caracterização de
espaços identitários que dialogam com a substituição de valores culturais. Para o
referido autor, grupos imigratórios, expostos a outra cultura, tendem a viver
processos duplos de identificação. Uma vez que a adesão a outro meio não é
absoluta nem harmoniosa, há que se relacionar com os pressupostos da cultura
original de maneira a se proceder um diálogo que implica renúncias e escolhas.
Sendo assim, nesses termos, preferimos adotar a concepção de Hall (1998) que
como vimos, afirma que a identidade não se perde, mas incorpora novos
elementos. De qualquer modo, Bom Meihy afirma que a análise dos processos
de identificação nas culturas, se levanta como desafio, pois envolve a
- 118 -

particularização de processos de aceitação ou recusa dos novos valores.


Constitui, portanto, um aspecto dinâmico, uma “re-identidade”.
Se por um lado, não houve desidentificação para essa população de ex-insulares,
também não houve uma “identificação completa”, se é que em algum momento
esse aspecto cultural poderá ser completado. O sentido do termo, neste caso,
pretende indicar não o final de um processo, mas sua plenitude, a satisfação de
sua finalidade. Mesmo que pudessem sofrer a “desidentidade”, o caso não se
aplicaria, pois não chegaram a constituir uma identidade particular de grupo na
Ilha Mutum, devido a uma série de fatores externos a eles como temporais,
políticos e econômicos. Não chegaram a se realizar como indivíduos da terra,
indivíduos camponeses com expressões culturais próprias, como uma orientação
artística artesanal, com tradições míticas e musicais regionais. Atualmente, não
são nem urbanos (por falta de uma formação inicial - estudo, capacitação para o
trabalho, etc.) e nem rurais (por falta de condições e meios para exercerem suas
tradições). Estes, jogados num limbo histórico e existencial, não têm acesso a
nenhum dos dois mundos, estão impedidos de se realizar como cidadãos.
Essa tendência de “desidentificação - re-identificação”, vista por um outro
ângulo, resulta, para alguns autores, em uma forma mais adequada aos interesses
do grande capital, a garantia de mercados para consumo dos produtos que
fabricam, entendendo-se como produtos, tudo o que a indústria cultural pode
produzir, dado o elevado nível de "coisificação" que os homens e suas
representações hoje chegaram.
Hoje, praticamente tudo pode ser comercializado, tudo tem um valor monetário.
Sentimentos, preferências, estilos, empregos, confiança, dedicação,
companheirismo, afeto e assim por diante. O artigo "Identidade e Cultura
Mercantilizada" de Fabiano (2001), expõe exatamente esse processo no qual o
homem atual e suas relações se tornam cada vez mais objetos de consumo. A
ideologia mercantil que se impôs nos vários estágios do desenvolvimento da
sociedade industrial produziu também um sujeito adequado a tais princípios
econômicos. Essa estrutura ideológica passa a fomentar uma estrutura
psicológica do indivíduo permeada por uma razão instrumental de objetificação
e reificação da subjetividade. É nesse processo de apropriação da identidade do
sujeito que essa mesma estrutura se alimenta e se eterniza por tais mecanismos
de controle. A cultura, assim administrada, adquire exclusivamente um caráter
mercantil com um nítido fundo de dominação ideológica subliminar.
Retomando novamente nossas entrevistas, acrescentamos que a memória da
paisagem do ambiente da ilha Mutum está associada à memória dos tempos de
fartura. Contudo, a fartura permanece apenas na memória e não se estende à
realidade cotidiana dos dias atuais. O rio, enquanto ordenador do ambiente em
questão, revela-se a principal fonte de significados, que denotam a dependência
intrínseca de uma vida, que já não existe mais. Isto é, o rio representa, enquanto
na condição de ilhéu, a diferença entre ter boas ou precárias condições de vida,
nos tempos de permanência na ilha. Sem sua dinâmica própria e original que dá
- 119 -

suporte a todos os elementos que a ele integram, como o peixe, as condições de


transporte, vegetação, a própria ilha e toda fartura inicial se vai. Nesses termos,
metaforicamente, o rio é o líquido vital que circula e nutre um grande conjunto
de órgãos, que impreterivelmente dele dependem - as ilhas do rio Paraná. O rio
transporta os nutrientes necessários a manutenção desse grande sistema
ambiental. A debilidade do rio, prejudica os outros sistemas, como um efeito
dominó que começa de todas as partes.
Com os órgãos internos em falência, o planeta está morrendo. As usinas e
represas, nessa analogia, representam válvulas de contenção instaladas ao longo
das principais veias do rio, usando e contaminando (acúmulo de algas, detritos e
sedimentos) o fluxo vital, para um propósito totalmente estranho daquele que
originariamente fora estabelecido pela natureza. Várias foram as condições que
interferiram no processo de expulsão dos ilhéus de suas posses, desencadeado,
principalmente, pela instalação de barragens para geração de energia elétrica,
expansão da pecuária e as determinações do IBAMA que proíbe a atividade ou
permanência de moradores nas ilhas que integram a área de proteção ambiental.
No imaginário do ex-ilhéu, a condição anterior de tranqüilidade, fartura e
condições de trabalho, podem retornar se os fatores intervenientes que os
expulsaram, não mais existirem. As enchentes, ao que se acredita, provocadas
pela construção das hidrelétricas foram o mais cruel e súbito agente da expulsão
da população. Uma vez expulsos da "terra prometida", estes se viram impedidos
de retornar, ou pela ação de fazendeiros, ou pela ação do poder público na figura
do IBAMA, pelos catastróficos efeitos impactantes das barragens sobre o
ecossistema do rio Paraná e suas ilhas. A memória do aspecto negativo de morar
na ilha está associada aos animais silvestres, os "bichos brabos" e a falta de
assistência social, principalmente a precariedade e mesmo ausência de
assistência educacional e médica.
A ilha representava uma nova oportunidade de vida e um novo desafio. Era uma
oportunidade de sobrevivência em um sistema econômico e social do qual
voluntariamente ou não foram banidos, produzindo para seu sustento, em um
espaço onde começavam a criar sua autonomia em relação ao sistema. Porém,
não tiveram tempo de consolidar uma identidade própria, além daquela da qual
eram conhecidos antes de entrar na ilha. Uma identidade de trabalhadores
volantes, expropriados, sem-terra, vagabundos, preguiçosos, indolentes,
flagelados, quando o que pretendiam era não ser nem expropriados, nem patrões,
apenas ilhéus. Aliás, a ilha parece ser mesmo o lugar apropriado para os que
estão a margem da sociedade, haja visto o destino final dos exilados e
degredados europeus para a imensa ilha distante de tudo, que foi a terra de Vera
Cruz.
Alcatraz também é um nome que se destaca nesse assunto. Os ex-ilhéus de
Mutum repetiram a saga dos mais autênticos brasileiros: os índios que tinham
uma cultura, religião e formas de produção material de vida que para eles era
suficiente. Porém, essa imensa “ilha” que hoje se chama Brasil foi habitada por
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pessoas estranhas, com hábitos estranhos, com uma linguagem estranha, isto é,
com uma identidade cultural própria. A ilha era prodigiosa em suas paisagens,
na abundância de riquezas naturais, na fertilidade do solo. Desconfiavam,
entrementes, que alí se encontrasse grandes veios de ouro. Havia também uma
grande vantagem, a população nativa era ingênua, aceitava trocar objetos e
coisas valiosas por objetos de baixo valor. Aos poucos o "homem branco" se
apropriava dos conhecimentos tradicionais dos nativos que cada vez mais
traziam novas expedições. Num certo ponto da história, disseram que lhes traria
o benefício da cultura, a inserção na sociedade legítima.
Assim como vieram os jesuítas, os bandeirantes e os ciclos de exploração
econômica de regime extrativista em nosso país, vieram para os ex-ilhéus, com
aspectos de calamidades bíblicas as enchentes, o gado, a morte dos peixes, o
desaparecimento do rio (em constante assoreamento) as usinas (novo ciclo
econômico extrativista?) e resoluções governamentais impeditivas às suas vidas.
O sistema socioeconômico do qual participamos, parece mesmo ter uma gritante
incapacidade de lidar com a uma alternativa de vida diferente que não dependa
exclusivamente de seus laços.
O desafio foi muito maior do que imaginavam. Onças, cobras, mato, não eram o
maior perigo a temer. Foram forças outras que as da natureza, que se tornaram
determinantes. Em outras palavras, forças políticas e econômicas. Foi o fim da
saga de um regime social utópico que conseguia subsistir com frouxas relações
com a metrópole (continente). Nisso, consistiu o término da oportunidade que,
para muitos, a ilha Mutum representava, uma alternativa às condições sociais
determinantes.
Parte II as entrevistas
Memória social do grupo

A segunda parte desta dissertação contempla os principais fragmentos das


entrevistas com os ex-moradores da Ilha Mutum, de acordo com os temas
abordados nesse estudo.

A Fundação da cidade

No início do século XX, os trabalhadores migrantes advindos de várias regiões


do país para integrarem a “frente pioneira ou frente de expansão”, se deslocaram
cada vez mais para dentro do estado, por meio de empresas colonizadoras, que,
tendo o apoio federal, rapidamente ocupou e desmatou extensas áreas do
território paranaense.
Essas terras aqui é tudo do Dr. Milton, ele ganhava do Governo as terras
das margens do rio, com o Porto para embarcar madeira, mas em troca ele
tinha que abrir picada para Londrina, Paranavaí e outras cidades. O Dr.
Milton era um Doutor muito sabido. Todos esses Portos aqui no rio era dele.
Aqui era um capinzal, isso aqui onde tem essas casas era um colonhão
danado. Tinha uma colônia de casa ali, Onde hoje está a água alí hoje, era
um barracão muito grande, tinha um pé de figueira. E naquela enchente que
deu, matou. (João)

A ocupação da Ilha Mutum — População de migrantes

A cidade, bem como a grande maioria dos habitantes das ilhas foi formada a
partir da chegada de migrantes vindos de diversas partes do país, especialmente
da região norte e nordeste, atraídos pelas terras férteis e clima propício para
diversas culturas agrícolas, principalmente o café que se destacou inicialmente
na economia regional.

Faz cinqüenta anos que eu vivo nesse rio. Sou do Estado de


Pernambuco. Com 18 anos eu vim para cá e comecei a pescar no Porto
Epitácio, em Guaíra e Foz de Iguaçú e de lá eu vim para a Mutum.
Cinqüenta anos na pescaria morando dentro do rio com mulher e filho.

Morei uns tempos na Mutum, 12 anos. Morei numa ilha na frente do rio
Amambai, 13 anos morei naquela ilha, no Estado de Mato-Grosso e sai do
município de Icaraíma. Do Porto Rico até lá dá 120 km. Morei 2 ou três anos
em Maracaí, mais tantos anos na Ilha Grande do Ivinheima e assim vim toda
essa vida morando na ilha, só que agora estou com 17 anos morando aqui no
Porto. No total, morei nas ilhas uns 40 anos.
- 122 -

Naquele tempo na minha terra, era muito ruim, tinha muita seca.
Viemos só eu e a mulher, casamos e já viemos para cá. Morava muita gente
na ilha, era situada de gente essa ilha. Paranaense, paulista, tinha de toda
espécie. (João)

A gente logo se acostumou, tinha tudo as coisas, tinha fartura das


coisas. A família gostou, a mulher gostava de mais da ilha. Depois que
entramos, deu duas enchente grande na ilha. Muita gente saiu, e eu fiquei,
não saí. E então passou um tempo sem dar enchente de novo... só foi ter
outra enchente em... 83.”
Vim pra ilha em busca de arranjar uma fortuna. Porque as terras eram
muito boas e eu achei que seria ali que eu ia ganhar dinheiro. Mas dinheiro
dava, não posso falar que não ganhei dinheiro, só não soube empregar o
dinheiro, eu não tinha cabeça boa. A única coisa que fiz foi comprar uma
casa em Loanda. (Antônio)

Por que ele saiu corrido de lá [seu pai]. Tinha um tal de Zé Cigano, um
pistoleiro, o pistoleiro engordou o olho por cima dele e queria matar ele. Era
essas coisas de contrabando de café. Lá baixava helicóptero, baixava avião.
Então o véio caiu fora. Meu pai veio de Recife. Quando ele casou com
minha mãe, meu pai tinha 27 anos, mas antes de morar na Mutum, ele foi
para Mato-Grosso. Meu pai é pernambucano, minha mãe é de Minas, mas os
filhos foram todos nascidos e criados na Mutum. Só o mais velho que nasceu
em Mato-Grosso.
Ele acertou tudo, veio prá cá e arrumou nóis. Ano que vêm eu faço 40
anos.
Aquela ilha Mutum, já foi muito rico, matou a fome de muita gente que
está aqui hoje nesse Porto Rico e de muitos que foram embora para o Pará.
Então, ninguém pode falar mal de lá, mas também só tinha a barriga cheia
quem trabalhava. (Marcelo)

Sempre moramos nas ilhas perto de Rosana e quando saímos, viemos


nas ilhas do Baía [rio]. Naquele tempo eu era criança, tinha uns 9 anos. Meu
pai era Sergipano e a mãe era baiana. Antigamente tinha muita gente na ilha,
era que nem numa cidade, tinha mais gente do que nessa vila. (Joana)

Nasci no Rio do Antônio, na Bahia. A mulher nasceu em Santo


Expedito em Minas. Antes de morar na ilha a gente morava no Baia, no
Mato Grosso. A gente pescava, só pesca. Nós viemos pra ilha, tomar conta
de um clube de um tal de Maringá. Depois ele vendeu e nós fiquemos com o
outro que comprou. Ele quis dar uns terrenos pra nós em Cuiabá, no Mato
Grosso. Trabalhei na ilha com ele por um ano, mas não adiantava porque o
terreno lá era só para quem tinha gado. Por isso que resolvemos ficar na ilha.
(Camilo)

A gente veio de Nossa Senhora das Dores, no Sergipe, a gente queria


comprar uma casa pra poder viver. (Teresa)
- 123 -

Sou de Minas, nasci em Minas Belo Horizonte, saí de lá novo e me criei


em São Paulo, em Martinópolis, pra lá de Presidente Prudente, e ela [esposa]
também. Antes de morar aqui a gente morava no Pará. A gente já era de
Porto Rico, mas não tinha lugar aqui pra gente, então foi quando saiu uma
caravana de gente para o Pará, nós fomos junto, isso foi em 1980. Depois
voltamos de novo para Porto Rico. Eu fui tomar conta de uma ilha, que era
de um fazendeiro de Três Lagoas. Veio a enchente braba e carregou nóis, a
casa e tudo, foi nesse tempo que a gente fugiu para o Pará (frente de
expansão). Do Pará, a gente voltou para ilha de novo. (Inácio)

A gente vinha do Pernambuco para o Paraná e depois que chegava no


Estado, passava a conhecer os outros lugares. No primeiro ano, a gente já
tinha uma hortinha. Com o tempo, eu comprei o direito de um. Porque as
ilhas sempre foi direito de posse, as terra é da Marinha. Comecei a trabalhar,
e alí, fui crescendo. Naquela época tinha muitas facilidades. Quem morava
para o lado de cá, no Paraná, geralmente tinha que trabalhar para
fazendeiros. Tinha muito trabalho, as lavouras produziam bem, mas era
muita pouca gente que tinha acesso às terras.
Inclusive, quando nós entramos lá, ela foi quem fez o recenseamento lá
e tinha 490 famílias na ilha Mutum. Hoje, se for contar, se tiver, quando
muito, tem 8 ou 10 famílias.
Com toda essa destruição [enchentes causadas por construção das
barragens], não tinha condições de continuar vivendo lá. Ninguém mais
podia morar nas ilhas. Então começou a sair o comentário que o governo
estava dando terras para fulano, para beltrano, para o pessoal que morava nas
ilhas. Só que as terras que o governo estava oferecendo era terra que o
pessoal não tinha condições de sobreviver. Era no Pará, no Amazonas,
Rondônia. (Armando)

A fartura

A fartura é a referência comum que desponta em todo relato coletado. Todos


foram unânimes quanto à essa propriedade da ilha Mutum.

Naquele tempo tinha até roça de café. Abacaxi, laranja, banana, café,
tudo o que era coisa de lavoura tinha nessa ilha. Era uma lavoura muito
grande. Era uma coisa bonita. Até que veio a enchente grande, a primeira
enchente grande acabou com tudo. (João)

Antigamente, quando tinha o pai e nós morávamos todos lá... tinha


fartura... tinha de tudo, tinha muita banana, tinha milho, tinha muitos
mandiocal, batata-doce, cará, então tinha muita fartura. Se você quisesse
comer uma carne, tinha. Carne de peixe, carne de porco, você escolhia.
(Marcelo)

Antigamente era uma maravilha. Tinha hora que você enjoava de tanto
peixe. E agora só tem praia e peixe não fica em lugar raso. (Joana)
- 124 -

Na ilha Mutum, teve um bananal, quando chegava sexta-feira o pessoal


começava a cortar e trazer para a barranca. Enchia carretas e carretas de
banana. Além do comércio do peixe, tinha o comércio da banana. Todo
mundo tinha bananal, vinha comprador de fora. Chegava apodrecer cachos
de banana na barranca, o comprador achava que estava pagando muito o
cacho da banana a 0,50 centavos, então não levava. Hoje você não encontra
um bananal na ilha. Acabou tudo, todo a produção das ilhas com aquela
enchente. E então esse pessoal todo teve que sair. (Armando)

Cultura de subsistência com venda do excedente

Logo no início da ocupação da ilha, os moradores providenciaram a policultura,


como dito anteriormente, com a finalidade primeira de atender suas
necessidades de subsistência como a mandioca, milho, arroz, feijão, batata,
abóbora, banana, cana-de-açúcar, criação de pequenos animais como porco,
galinha e gado leiteiro. Em segundo plano, estava a possibilidade incerta da
venda do excedente da produção. Para a produção com finalidades
exclusivamente comerciais, se destacavam o cultivo de mamona, vassoura e
banana, bem como, nos períodos de maior abundância, a pesca também era
voltada para o pequeno comércio. Este estilo peculiar de reprodução de vida, se
aproxima muito das concepções de diversos autores a respeito do que
classificam como “comunidades tradicionais”.

De 15 em 15 dias a gente cortava 300 — 400 cachos de banana. Era


como nós vivia lá. No ano que não dava muita enchente, a gente colhia as
plantação para vender, mas tudo que plantava era pra gente mesmo comer. O
véio só ganhava meio salário, a gente só vivia porque tinha o arroz, o feijão e
as plantação. Foi depois que eu me aposentei que a gente parou de ter ajuda
dos filhos. Só quando eu preciso dos remédio. (Teresa)

Agora para vender, quando sobrava muito arroz, a gente vendia, porco,
galinha, essas coisas, a gente não vendia não, era só para o consumo da
gente. Agora arroz, momona! Agora não, mas antigamente o que dava muito
dinheiro era a momona, né? Então, momona, arroz, feijão, às vezes o pai
separava dois, três sacos de feijão para nós, porque, não sei se você sabe, o
povo sergipano é bem puxado para o lado do feijão. Com três sacos de feijão
a gente passava o ano. Era o que ele tirava, o resto ele vendia para comprar
um calçado, uma roupa, café, açúcar. Banha não comprava, a gente tinha
porco, então quando matava um porco, já colocava outro na engorda. Depois
que eu fui viver com o meu marido, a gente nunca plantou para vender não.
Tinha as galinhas e plantava o milho que dava para elas, momona a gente
não mexia com momona. Galinha eu não vendo não, é só para dar o de comê
pra gente. Porco também nóis tinha bastante. (Joana)

Numa terra boa daquela, tudo o que você planta você colhe...uma terra
boa de plantar arroz, feijão, abóbora, mandioca, melancia. Antigamente,
quando tinha o pai e nós morávamos todos lá... tinha fartura... tinha de tudo,
tinha muita banana, tinha milho, tinha muitos mandiocal, batata-doce, cará,
- 125 -

então tinha muita fartura. Se você quisesse comer uma carne, tinha. Carne de
peixe, carne de porco, você escolhia. (Marcelo)

A fartura da Ilha Mutum se refletia na cidade

Os entrevistados afirmaram que a ilha Mutum, bem como as outras do rio


Paraná não foi uma fonte de vida apenas para seus moradores. As cidades
próximas das ilhas como Porto Rico, também se beneficiavam com a
prosperidade e fartura dos antigos moradores das ilhas. Havia as casas de arroz,
uma dinâmica maior do comércio, bem como um número maior de moradores
na cidade
Agora não é mais como antigamente. Toda hora tinha gente passando
nesse rio. Era pescador indo para o rio Baía. Na barranca não tinha nem
lugar para encostar um barco, e agora não tem nada. Tá aumentando a
cidade, tá bom. Já tem a pousada, tem o Termas já tá muito bonito. O Porto
Rico eu vou te falar, já foi melhor, prá trás. De tudo.
Tinha uma fábrica de torneira, alí era de comprar cereais. Comprava
arroz, algodão, mamona. Era da família do Valter Romão. Agora a família
era pouca e acabou, morreu tudo. Só quem existe é o irmão e a irmã, os
outros dois e o pai morreram de trombada.
Antigamente você trazia qualquer quilo de qualquer coisa, vendia.
Tinha duas máquinas de arroz para limpar. Depois disso, as ilhas foram se
acabando, porque o que dava as rendas para o Porto Rico era as ilhas. Tinha
duas máquinas de arroz, uma aqui e outra lá perto da margem. Muitos
tinham café plantado na ilha naquele tempo. De primeiro era bom. Eles
compravam qualquer coisa.
Festa só tinha aqui na cidade, na ilha não. Quem quisesse ir na festa
tinha que vim de lá pra cá. A única festa que tinha era a de Nossa Senhora
dos Navegantes. (Teresa)

Tinha gente nesse Porto Rico que falava que gente da ilha era
vagabunda, não trabalhava, não vendia 10 sacos de arroz, mas eu mesmo
cansei de vender feijão, arroz, de tudo, e tinha gente ainda que metia a boca.

Taí a prova. Depois que acabou o movimento das ilhas, Porto Rico
acabou, ficou pra trás. Mamona, na época de influência de mamona eu
plantei uma mamona medonha nessa ilha. Depois acabou tudo. Agora é
morto esse Porto Rico. Viver na ilha não tem um ganho. Mas dá prá viver do
que plantar. Na ilha eu ganhei dinheiro com banana, todo mês eu cortava
200, 300 e teve mês que cortei 800 cachos de banana, mas tinha outra
desvantagem porque a banana era muito barata. Era muito trabalho para
pouco dinheiro. Planta, cuida, corta, carrega.
Teve um homem de Paranavaí que eu enriquei. Ele vinha e comprava a
minha banana que era barata e vendia na cidade. Você sabe que trabalhador
nunca ganha nada. O trabalhador planta, dá para os outros e os outros é que
ganham dinheiro. (Antônio)
- 126 -

Por que naquela época a ilha era boa demais. Tinha de tudo. Era muita
fartura, todo mundo produzia, tinha o peixe, tinha a roça, tudo o que
plantava, dava. Essas ilhas foram um fonte grande de renda para o
município. O arroz era colhido lá, beneficiado aqui na cidade. Criava
galinha, porco, era muito bom. O peixe, a carne, o arroz, a mistura, a gente
não comprava. O que se podia produzir lá, a gente produzia. Só comprava o
açúcar, roupa, querosene, calçados, essas coisas. Plantava arroz e o que
colhia dava para usar o ano todo. Depois disso, vieram aquelas enchentes
descontroladas, fora de época, depois que começou a fazer as represas da
CESP. (Armando)

Fartura e sofrimento

Nos períodos de ausência das inundações, a situação de ilhéu lavrador retornava


à normalidade de seu cotidiano, que, se pudesse ser resumido, seriam
necessárias apenas duas palavras, muito recorrentes em suas falas, fartura e
sofrimento
Entramos na ilha em ’76. As roças eram muito boa, a pescaria também
era muito boa. Podia pescar a vontade, tinha peixe para todo mundo. Depois
a coisa foi acabando e hoje em dia para comer um peixe você tá danado.
Meu vizinho é pescador, tem vez que não tira nem para comer. De primeiro,
na ilha era bom. Na ilha, tudo o que eu fazia era meu, a gente só tomava
conta da posse, o resto era tudo meu. Mesmo assim, não era muito bom não.
A gente só tinha sofrimento com os bichos. Era pernilongo, mutuca,
amarelinha, muriçoca, maruin, não podia andar no meio do mato que tinha
que ficar se batendo. (Inácio)

Foi uma vida sofrida, uma vida cansativa, mas era uma vida que a gente
conseguia fazer para viver. Era uma vida boa porque era uma vida barata.
Você plantava e colhia de tudo, tinha o peixe e naquela época podia caçar.
(Armando)

Cheguei a ter oferta de trabalho, mas sempre fiquei assim, vivendo toda
vida em paz. Não precisei pedir nada pra ninguém não, o rio é um banco. É o
mesmo que ter um dinheiro num banco e negociar ele. Mas não vai pensar
que é moleza não, quem vai para pescar e pensa que é moleza não é não, é só
serviço e sofrimento. (João)

Identidade campesina

Para alguns dos ex-ocupantes da Ilha Mutum, (...), o espaço insular


representava, além de refúgio, sua autonomia, sua oportunidade de reproduzir
sua condição social de vida, ou seja, preservar sua identidade cultural e social.
Para outros, a posse representava, além de autonomia, uma forma de inserir-se
no mercado capitalista como pequeno produtor.
- 127 -

A gente já era acostumado com a roça, desde quando a gente veio do


Norte. (Teresa)

Faz 20 anos que estou com ele [marido], nos conhecemos em Porto
Rico, eu morava em P. Rico e ele em Porto Caiuá, no Mato Grosso. Eu
estava há nove meses sozinha. Toda vida ele era pirangueiro, ele era largado
da mulher e eu também era largada do marido, tenho 2 filhos casados desse
primeiro marido, e uma menininha moreninha, ele que ajudou a acabar de
criar. Depois fiquei grávida dessa menina, depois fiquei grávida desse
menino, e estamos juntos até hoje. Eu adorava ficar debaixo de uma lona,
tinha vez que dava um vento muito forte, arrancava o barraco e tinha que sair
correndo atrás da lona, a minha alegria era aquilo. E, então eu ficava sempre
nessa vida com ele, até que não pude mais, fui tendo ela, depois o outro.
(Joana)

Toda vida eu trabalhei de roça e na pesca. Eu e meus menino, agora eles


cresceram, casou, meu primeiro marido bebia muito. (Conceição)

Rapaz isso foi a coisa mais difícil. Eles queriam era liberdade, eles
queriam era viver igual índio. Foi a coisa mais difícil manter esses meninos
na escola. Dava trabalho. Já estavam tudo grandinho. A idéia deles não era
de aprender, era a da liberdade do mato. Estudaram até 4 anos, 6 anos,
chegaram no ginásio e não teve jeito de irem mais para frente, pararam com
tudo e foram pescar. Mas teve uns que desistiram antes de chegar no ginásio.
(João)

Na ilha era só mato quando a gente chegou. Era só mato, tinha só a casa
no meio do mato. Tive de limpar, fazer a roçada, sempre mexi com isso. Os
serviços de bóia-fria que eu fazia para os outros eu estava fazendo pra mim.
Peixe, passarinho, capivara, onça. A gente foi criado no meio daquilo,
era um divertimento pra nóis. Aqui não tem isso, mas é mais favorável prá
nóis. (Inácio)

Aqui no Paraná também foram dadas algumas terras, na região de


Castro, mas lá era um lugar frio, uma das regiões mais frias do Paraná, para
esse pessoal que vivia à vontade aqui nas ilhas, não servia. (Camilo)
(...) Você chega lá [na ilha], você deita na boca da noite, dorme
tranqüilo, fica em paz. Nós estamos aqui mas de vez em quando no fim de
semana a gente vai pra lá. A gente que mora aqui na cidade, nesse atropelo
de vida, quando chega lá é um alívio, parece que está no céu, só o barulhinho
da água já é bom.

Agora, também tem o ponto de vista da garotada mais nova, que quer
televisão, quer isso, quer aquilo. No meu tempo a garotada tinha outras
coisas para se envolver, independente de televisão, a gente ia pescar, caçar,
trabalhar, a noite ligava o rádio, assistia um jornal no rádio. Mas a evolução
foi tão grande e aconteceu de uma vez e que no fim vai terminar em nada. A
nossa situação do país, está aí. Deu um pulo tão grande para cima que vai
- 128 -

acabar caindo no mesmo lugar. A geração aumentou bastante num ponto de


vista, mas se atrasou em outro. (Armando)

Arrendamento

Uma das formas iniciais de ocupação da Ilha Mutum foi a celebração de


contratos de parceria e arrendamento, a partir da década de 1940 até a década de
1970, coincidindo com a primeira etapa de transformações no campo e com a
própria ocupação do território.
A gente tinha um patrão que arrendava a terra para plantar. E esse
patrão ia para ilhas comprar peixe, e a gente ia junto e começamos a pegar
conhecimento com o pessoal. E aí foi quando um homem que morava na
óleo crú e veio pra cá, na cidade e perguntou se a gente queria vir pra ilha, o
véio disse que se a mulher combinasse, a gente ia pra Mutum, foi quando eu
combinei com ele e nós fomos pra ilha.
Por que lá com o patrão a gente pagava 30% do que produzia, só que no
primeiro ano, a gente ia pagar 25% do que produzisse. No primeiro ano
plantamos arroz, não deu, plantamos feijão, não deu. O tempo estava muito
quente.
Depois plantamos mamona, aí a mamona deu.
E comecemos a plantar banana, que tinha pouco, plantamos mais
banana, e começou a dar arroz, o feijão, e continuamos juntando na mamona,
criamos porco, galinha, com o milho que tinha plantado, a gente tratava dos
porco, e as banana foi rendendo também. Só não criamos gado nem cavalo.
(Teresa)

E a maioria foi se cansando de trabalhar para fazendeiros, não tinha


condição de renda. Foi quando o pessoal começou a entrar nas ilhas.
(Armando)

A vida Cotidiana

O ritmo, a intensidade e a regularidade do trabalho eram determinados de acordo


com suas necessidades ou pelos ritmos da natureza. Trabalhavam mais ou menos
de acordo com cada momento do processo de produção: no preparo do solo, no
plantio, na carpina, na colheita. Eles sabiam o que fazer, como fazer e podiam
arbitrar livremente. Poderiam, inclusive, optar por não trabalhar, mesmo em
épocas de colheita. Vê-se que a síntese para esse tipo diferenciado de
reprodução de vida mesmo com níveis de dependência da produção da cidade, é
uma existência autônoma e mais livre dos “laços” do trabalho urbano.

Acordava às 7 horas, uns ia na roça, outros ficavam cuidando da casa


cuidando dos bichos, uns ia pescar, alguém ficava limpando a casa e fazendo
almoço.
Na pesca quem trabalhava era os meninos, eu. Só não gostava de pescar
de varinha na beira do rio. Eu gostava de pescar de rastão. Naquele tempo o
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rastão não era feito com barco não. Um pegava numa ponta, nadava um pra
um lado e o outro para o outro. Ou se não ia numa bateia pelo fundo,
segurando uma rede. De varinha eu não gosto, ficar lá só esperando por
quem vem?! (risos). De rede, um vai puxando e o outro vai soltando, a rede
vai baixando, por causa do chumbo, um vai, o outro rodeia, aperta o lanço, e
pronto, já tem todo o peixe. Mas a varinha só tem que esperar o beliscar.
Uma outra amiga minha, ela gostava do espinhéu, você sabe como é
espinhéu? É uma corda cheia de anzol prá ir iscando, soltava lá e só pegava
no outro dia. E hoje paremo com tudo isso. Ninguém tem mais barco pra
atravessar o rio para o outro lado para ir pescar, a pesca nesse tempo tá
fechada. Aqui não tem peixe, peixe pequeno não adianta. (Teresa)

Minha vida era essa. Levantar, tratar dos porcos, das galinhas e depois
ia trabalhar na roça. Outra hora tinha que ir buscar uma pessoa, levar na
cidade. O trabalho era todo dia e o dia todo, ninguém ficava à toa. A gente
carpia, plantava, colhia, o tempo todo. (Antonio)

Naquele tempo era bom demais. A gente passava a vida inteira e não
via. Era bom demais, eu pescava durante o dia e à noite saía umas horinhas,
armava a rede e no outro dia tinha uns quinhentos quilos de peixe. Lá pelas
três horas da tarde, terminava de salgar o peixe. E aí já era hora de ir de
novo, fazer outro trabalho daquele. Quando era final de semana, tinha dois
mil quilos, três mil quilos, dormia pouquinho. E aí o pessoal buscava, iam lá
no baía, buscar. Naquele tempo o véio Gustavo e... como era o nome do
outro...? Zé Camargo? É, Zé Camargo!
Gustavão véio vinha com aquele "pam, pam pam" dele, tinha um botão
qadradão com dez metros de cumprido e trazia aquela muntueira de charque.

Rapaz, tinha semana que eu fazia três mil quilos. Curimba era praga.
Fazia u monte de charque, meu trabalho foi dedicado na pesca, nunca criei
nem galinha, nem cachorro. A única coisa que fiz na vida, por derradeiro, foi
plantar uma roça de melancia, plantei 140 pé de melancia. Eu trouxe
melancia para a cidade e todo mundo comeu melancia docinha. Agora hoje,
para fazer o que eu fazia não dá mais não, o peixe tá muito pouco. (João)
[...]
Enquanto ele [Camilo] morava na ilha ele não passava perturbação por
nada, ele tinha porco, tinha galinha, roça, arroz. Aí veio para o Porto, vendeu
a madeira, trocava, com 2, 3 anos. A mudança da ilha deixa o povo
desmotivado. Todos que vieram de lá sofre desse jeito. Lá eles eram em 5, 6
filhos que ajudavam ele. Um tangia galinha, outro botava água para o porco,
outro fazia outra coisa. Quando mudou para cá ficou todo mundo na rua,
vadio sem ter o que fazer. Pagar aluguel, nem casa ele tinha aqui. Eu
conheço ele desde o começo da luta. (João, falando sobre Camilo)

Antes disso [construção das represas], a gente pescava, criava as


criação, quando era época de vim enchente, a gente plantava mais no alto,
então o prejuízo não era tanto. Depois que conlcluíu a Itaipu, essa água
descontrolada acabou com tudo. Essas margens do rio eram repletas, as
margens do rio era toda arborizada. Era só encostar um barco debaixo de
uma árvore, ficava o dia todo pegando peixe. Com essa enchente grande que
- 130 -

foi provocada para encher o reservatório de Itaipu, de dois anos, as árvores


não resistiu. Foi o que destruiu todos os barrancos. (Armando)

A socialização na ilha

A boa convivência com os moradores parecia ser o traço forte entre os ilhéus.
Muitos relataram o socorro e o auxílio nos momentos de necessidade. Ao que
parece, todos estavam no mesmo nível social e econômico, todos sabiam das
adversidades enfrentadas, igualando-se na forma de produção de vida. A
colaboração mútua era também uma forma de superar os desafios de se viver em
uma comunidade restrita que precisava se manter com as condições que tinham
disponíveis.
Morava muita gente naquela ilha, a gente morava perto da casa do Zé
Mineiro, que é casado com minha filha. Ele era solteiro, morava sozinho
fazia muitos anos. Tinha o Antonio, o Pernambuco. Era muita gente. Era
bom de amizade. (Teresa)

Nunca teve discórdia, era dado com todo mundo, todo mundo era dado
com a gente. Se eu precisava eles ajudavam, se eles precisavam eu ajudava.
Do tempo que morei ali, todos eram amigos. (Antônio)

Na Mutum, dentre as 400 famílias, a gente se dava bem com todos e


todos tinham confiança um no outro. Morador da ilha tem que ser tudo
unido, se não tiver união, morre. Mas agora, os poucos que estão lá, já não
são mais unidos, está quase igual na cidade. Os moradores que estão lá
agora, tem os turistas como salvaguarda. (Marcelo)

Eu me lembro que naquele tempo, a gente ainda era moleque. Saía da


escola, daquela escolinha que tinha na ilha. A gente no caminho passava por
um tacho de melado, que ia fazer rapadura, passava por lá e sempre a gente
ganhava um docinho. Como é bom lembrar daquele tempo. (Dimas)

A única festa que fazia era o baile. Uma ilha fazia, depois era outra, e as
pessoas iam conforme ficavam sabendo. A festa de Nossa Senhora dos
Navegantes, Não tinha essa festa, ela veio depois. Era diferente, era bom,
diferente do que é hoje.
Naquele tempo, a gente saía em 10 pescador. Então a piranha comia a
rede e todos ajudavam para arrumar. O primeiro motor foi eu que comprei.
Depois que comprei o meu, todo mundo se ajudou para comprar o do outro,
e assim fomos fazendo, acabava de comprar um, já começava dar dinheiro
para comprar o do outro.
Era um povo honesto, um povo de bem. Você largava uma coisa lá,
continuava lá. Todo mundo era gente direita, quando um passava
necessidade, todo mundo ajudava. Cansei de carregar gente doente no meu
bote. Nós era assim, o povo da ilha era tudo unido. Hoje é diferente, o outro
está te espiando na beira, para te empurrar no buraco. Hoje mudou... vixe
meu Deus! Se você deixar isto aqui [chave], daqui a meia hora você já não
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acha mais. Não dá mais para confiar, e se confiar, roda. Hoje você não pode
mais dormir. Tem que dormir com um olho fechado e outro aberto, que nem
meu papagaio, se fechar os dois, o gavião pega. (João)

O saber naturalístico — adaptação aos ciclos da natureza

Ao longo de sua coexistência com o ambiente, os ilhéus lavradores aprenderam


a conviver com este ambiente particular que se renova em vida e fertilidade
durante e após a inundação das ilhas e várzeas. No ano em que havia previsão de
enchentes, o plantio era antecipado para que a colheita fosse efetuada antes de
sua ocorrência, plantavam as culturas mais sensíveis à inundação nos locais mais
altos do terreno e culturas mais adaptadas à água como o arroz, nos terrenos
mais baixos. Além disso, as casas também eram construídas nos pontos mais
altos do terreno, no que denominavam “terra seca”, a parte produtiva, onde “se
plantando, tudo dá”, inclusive o arroz. Já a área que denominam “varjão” é a
várzea e somente é aproveitada para o cultivo de arroz.

Às vezes só a família que morava num local mais baixo, tinha que sair.
Outros que não tinha pegado o costume com a água ainda, saia. Porque os
mais antigos sabiam que a água só chegava até aquele limite e parava, não
era o caso de ter que sair. (Armando)

O peixe que subia o rio para desovar, tinha lugar certo para ele desovar.
E hoje é limpo. Então o peixe desova em lugar limpo, e os outros peixes
comem. Quer dizer então, que não tem jeito de aumentar o peixe. (Camilo)

Naquele tempo, não tinha um remédio, um comprimido de graça. Passei


dois anos que não fiz para comprar uma roupa, dia e noite para tratar de dois
filhos doentes. A menina comia papel e o menino não andava. A menina só
vivia comendo papel amontuada num canto, e o menino gastou 4 anos de
idade para andar. Andou sabe com o quê...? Eu fiquei oito meses trabalhando
num lugar que não tinha comércio perto, eu dava carne de capivara, jacaré e
sucurí para ele. Com oito meses ele comendo gordura de jacaré, capivara e
sucuri, ele criou força nas pernas e andou, só comia aquilo.
Pesquisador.: Quem indicou isso como remédio?
Ninguém, eu sei que é remédio então fizemos isso.
E então nós vivia desse jeito no mato. Pra você ver, eu tenho 68 anos, e
não tenho uma dor nas junta. Mas é por isso, é porque fomos bem tratado
com isso. Mas hoje, não pode nem chegar perto desses bichos, porque se não
o povo prende e bota na cadeia, mas antigamente era liberado. (João)

Enchentes

Assim, podemos então enunciar que as enchentes, para esses ilhéus eram os
processos anti-naturais, mais intensos e prolongados, desencadeados, segundo
eles, pelos barramentos à montante e à jusante. As cheias, eram as inundações
periódicas, por eles previstas, que trazia o peixe e a fatura, sem que fossem
- 132 -

obrigados a deixarem suas casas para se refugiarem no continente. Por sua vez,
nem todos os ilhéus reconheciam que eram as barragens, as responsáveis pelas
grandes inundações, mas todos reconheceram que as barragens exerceram
influências negativas para o rio e para os peixes.

Foi depois das represas que a coisa ficou pior. As represas já tinha água
acumulada. Aí vinha mais as águas das chuvas, juntava aquele volume todo
de água, então eles tinham que abrir as comportas, aí dava o acesso de água.
O que destruiu essas margens do rio, todinho foi as represas.
Aí começou a ser freqüente essas enchentes, todo ano, vinha todo ano.
Antes, a cada 4, ou cinco anos, tinha as enchentes. Depois foi constante, as
casas ficavam alagadas e a gente era obrigado a sair. Agora está com 3 anos
que o rio não está enchendo mais. Para a construção da Itaipu, durante um
tempo, as represas de cima, seguraram as águas. De repente, quando
terminou a Itaipu lá em baixo, soltaram a água e ficou dois anos cheio.
(Armando)

Aí veio a enchente. Fazia 20 anos que não dava. Foi de 59 para 60, a
primeira, e deu uma quebra nas coisa. Até que veio aquela grande, a
derradeira, aquela que fez subir água aqui em cima. Alagou até onde aquele
menino vem.
Matou imbaúva, matou figueira e aquela demorou 2 anos sem baixar.
Não estou bem lembrado o ano, o povo desistiu, uns foram para Rondônia,
outros para outros lugares. Dava enchente de 10 em 10 anos, agora, depois
que fez a barragem acabou, não tem mais enchente, não tem mais nada, o rio
aterrou todo, virou terra. (João)

Teve uma enchente em '84, '83, foi a que correu com todos nós de lá.
Na ilha antigamente tinha o quê? ... Tinha muita gente... vamos colocar pôr
baixo... umas 400 famílias... Agora hoje na Mutum se tiver 20 famílias é
muito, eu contei esses dias. Porquê? O governo encheu de barragem.
Então o povo, depois daquela enchente correu prá cá. Voltar prá lá para
quê? Acabou a roça, ia ficar comendo lama? Não tinha jeito.
[...]
Depois de formada as coisas, os bananal, a enchente vinha com 5, 10
metros de altura, aí o povo pegava a embarcação com mudança, animal e
tudo e vinha para a cidade, ficava nas margem do rio. Nós mesmo foi um
que ficou assim, e foi por isso que saímos de lá. Aí a mãe já desgostou e não
queria voltar, e se ela falou que não vai... não vai, né? (Marcelo)

Muita gente saiu da ilha por causa da enchente. Quando dava enchente,
eu saia e voltava depois e formava a roça de novo. Vendi minha posse para
uns rapazes de São Paulo que queriam fazer Clube, mas não fizeram até
hoje.
[...]
Depois que entramos, deu duas enchente grande na ilha. Muita gente
saiu, e eu fiquei, não saí. E então passou um tempo sem dar enchente de
novo... só foi ter outra enchente em... 83. (Antônio)
- 133 -

Saímos da ilha também porque depois das enchentes as terras ficaram


muito lavadas, a terra foi ficando ruim, fiquei desgostosa. Os moleques
precisavam estudar e lá não tinha estudo. Foi quando o homem da mulher
que dava aula lá, foi se embora pra cá, viemos embora para estudar o mais
novo. Eles estudavam aqui. (Teresa)
Foi feito muito barulho dos políticos nas épocas da enchente. Então os
políticos pediam recurso para Curitiba para os aflagelados das ilhas, mas a
gentes só recebia o nome de aflagelado, o recurso mesmo, ninguém nunca
viu. Político você sabe como é que é, então eles iam para Curitiba para
angariar recurso para os pessoal das ilhas. Só que morava alí, todo mundo
era independente e todo mundo trabalhava porque o que plantava, colhia.

A maioria do pessoal mudou, ficaram aqui na cidade, trabalhando no


que dava, e a história era que não podia mais voltar para a ilha, e de fato, nas
condições que estava, não tinha jeito. Mas era só conversa, aí veio a história
também de levar o pessoal para Rondônia, para o Pará. Foi quando as águas
começaram a baixar, as ilhas começaram a aparecer de novo, alguns
começaram a vender as terras da ilha, porque tinha um boato que o rio nunca
mais ia baixar, ia ficar sempre naquele nível. Então foi quando os fazendeiro
ia lá e comprava. (Armando)

Enchente, se não fosse a enchente, talvez a gente não tinha saído. Mas
quando voltamos do Pará, para a ilha. (Inácio)

Presença do gado na ilha

Diante desses conflitos, perdia o ilhéu, perdia a natureza, com o avanço


extensivo da agropecuária. Nesse estudo, os entrevistados relatam que os
fazendeiros “encheram” a Mutum de gado, prejudicando sua produção material
de vida.

Naquele tempo, os bichinhos do mato, quando tinha muito mato, ele


vinha dentro da tua casa, hoje não tem... os bichos correu. Mas por que os
bichos correu de lá? Foi por causa dos turistas. Os turistas e os fazendeiros
entrou na Mutum, tomou de conta. Os fazendeiro pra criar gado.
[...]
Se eu planto uma mandioca... Se eu planto uma roça lá... quando a
minha roça tá madura, o gado vai e come. Então quer dizer que não tem
como eu fazer fartura. O gado já invadiu muitas vezes e a gente não tem
forças com esses homens [fazendeiros]. Você leva na lei, eles têm dinheiro e
eu não tenho, a gente perde, eles têm, eles ganham.
Porque é que a nossa cidade aqui perece? Por que é que muitos coitados
aqui não tem nada? Os fazenderos tomaram conta, os turistas tomaram conta.
Antigamente, essa terra que está aqui do lado, era tudo roça. Plantação,
banana, tudo o que você pensava, tinha. (Marcelo)

Hoje em dia, não tem mais jeito dos pobre trabalhar na ilha, os
fazendeiro tomou conta. Lá embaixo, tinha uma ilha que ia gente colher café,
e era de gente pobre, os café. Hoje não tem uma roça de nada. Na ilha já foi
bom. Não pode plantar nada, não pode colher nada.
- 134 -

Mas se tirasse os gado, dava pra voltar morar lá, agora não tem
enchente. Eu só saía de lá quando a água chegava pertinho de casa. Depois
que o fazendeiro tomou conta também não dá pra ficar. O gado do
fazendeiro invade a roça e você não tem condições de dizer nada. E a gente
ficava no prejuízo. Quantas vezes falaram para o Zé Mineiro que ia ver o
que o gado estragou, mas nunca foram lá. Arame, a gente não tinha pra
colocar. O fazendeiro colocava arame velho pro gado estourar, acabava
estourando, foi quando muita gente desistiu. A ilha agora não dá pra morar,
por causa dos gado. (Teresa)

Mil cruzeiros, dois mil, inclusive eu tinha uma ilha de 18 alqueires e


vendi por mil cruzeiros. Tinha aquela história de que não podia morar mais
ninguém lá, e os fazendeiros compraram barato as terras de lá. Foram
comprando e jogando o gado lá dentro. Então eles foram manejando o gado.
Quando o rio enchia, tirava o gado e botava no pasto, o rio abaixava, o gado
voltava para ilha de novo. Até hoje tem gado na ilha que é de fazendeiro. E o
pessoal foi se extraviando. São Paulo, Rondônia, inclusive eu fui para o
Pará, mas não levei a família, fui só para explorar e vi que lá não tinha
condições.
Hoje, você veja bem, as áreas maior das ilhas, está tudo na mão dos que
vieram de fora. Tem fazendeiro que tem fazenda do lado de cá e terra na
ilha, eles se apoderaram, aproveitaram o desespero da gente que ficava
morando nas lonas, com água dentro de casa, dormindo no girau. No
momento em que você passa aquilo, você fica desesperado.
E foi o momento que conseguiram por a mão nessas terras. Deixaram o
gado lá. Veio uma lei, mas foi só lei de mentira. Foi a mesma história que
aconteceu nas enchentes, que é para poder tirar quem ainda ficou lá. O
fazendeiro no fim do ano, declara as cinqüenta que ele tem aqui na fazenda,
e deixa as 100 que está na ilha sem declarar. É isso o que acontece, o que
está lá, para todos os efeitos, não aparece. Ele põe alguém lá na ilha pra
olhar.
Os políticos inventaram essa Vila Rural, tem pessoas que moram lá
vivem na miséria recebendo uma cesta. (Armando)

Os turistas na ilha

Após a grande enchente de 1982/83, a Ilha Mutum se tornou alvo de um novo


tipo de população, além da população de gado dos pecuaristas locais. Os
“turistas” moradores casuais de fim de semana, muitos deles, empresários
residentes na cidade de Maringá, no norte do Paraná, possuíam casas dotadas de
melhor infra-estrutura do que os próprios moradores fixos da ilha. Assim, além
do gado que invadia as plantações dos ilhéus, os turistas também são apontados
como deflagradores de problemas, por não respeitar e não conhecer a dinâmica
local da natureza. Além disso, a ilha não representa para o turista o mesmo que
representava para os ilhéus, isto é, seu meio de sustento, seu meio de vida.

... os bichos correu. Mas por que os bichos correu de lá? Foi por causa
dos turistas. Os turistas e os fazendeiros entrou na Mutum, tomou de conta.
Os fazendeiro pra criar gado. Os turista chega alí e faz o clube. Diz que ele é
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poderoso, mas poderoso é Deus, né? Ele não tem poder, tem o dinheiro. Eu
não tenho. Ele chega, ele toma a minha frente, sabe como é que é, né? Às
vezes... por que eu tenho a minha ilha [posse], mas não tenho porto, e aí? Eu
não tenho a frente. E já tem um turista lá na frente, ele já desmatou a frente,
ele já derrubou a frente, já limpou a frente, agora você acha que vai correr
alguma coisa boa alí? Não corre.
O turista é velhaco, ele desmata a barranca sem consentimento da
justiça, faz a casa com menos de 50 metros da beira do rio, ele paga a multa
e depois de ter pago, ele ainda manda o caseiro derrubar a mata da frente,
que é lugar onde os peixes ficam. Os turista acabam com tudo.
Agora hoje? Porque que é que hoje ninguém pega o peixinho? Até a
turma da universidade quer fazer uma pesquisa, onde eles vai? Eles tem que
caçá o peixe lá na fazenda ganso, lá no Poitã, arriscado uma onça pegá,
mas porquê a universidade está indo pra queles lados, porquê? Por causa
dos turistas. É o turista que está acabando com tudo, entendeu como é que é?
Os turistas acabam com tudo. Então o peixe não fica onde não tem mata, ele
desce para o lado de guaíra. O peixe quer mato. (Marcelo)

O turista, para mim, ele não me estrova não. Tem muitos que falam
isso, aquilo, para mim não me estrova. Tem alguns que falam que é o turista
que acaba com o peixe. É nada. É o pessoal de cima. É a barragem. Não tem
água para o peixe subir. Aí ele desova em qualquer lugar e os outros comem.
(Camilo)

Eu tô falando assim [sobre a expulsão dos moradores ilhéus], sabe, por


que eu escuto comentário, falam mal... você pode prestar atenção, está tudo
cheio de clubes e clubes de gente grande, tudo nas ilhas. Muita gente de
recurso, tem clube nas ilhas, e os pequenos não. (Armando)

Os impactos ambientais percebidos pelos moradores

Os represamentos, não modificam apenas as características fisiográficas, mas


também e principalmente, todo um ecossistema adaptado às condições
particulares de um ambiente lótico que com os barramentos, se transformam em
ambientes lênticos, isto é, de rios com águas correntes, passam a ser grandes
lagos artificiais, alterando inclusive a dinâmica da população humana que ali
vivia.

O rio acabou, o rio que você está vendo aqui não vale mais nada, só tem
uma água correndo. Esse rio tinha um paredão de árvore nativa, era maçã,
era ingá branco, tinha de tudo. Tudo alí, nunca foi abalado, aquilo vivia alí.
Você chegava era o pacú e a piracanjuva debaixo. Eles ficavam catando
aquela comida alí. Depois da barragem acabou, você não vê mais nada.
Depois que a barragem subiu, as águas vieram para cima, derrubou as
vegetação e ficou só isso daí que você está vendo. E nesse rio passava muito
barco grande, eu mesmo vim ni um.
De Guaíra até Porto Epitácio, Jupiá, Três Lagunas, dava para ir a todos
os lugares. Mas hoje a embarcação vai até no pé da barragem, eu mesmo vim
de barco para cá, vim de navio. Era o Capitão Itoa. Peguei ele em São Paulo
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e desci até aqui. A única vantagem que deu foi para os bandido, porque se
acabou a sete queda. Naquele tempo do 7 quedas, tinha a parede que os
bandido não subia, agora que acabou todos os bandidos atravessa tranqüilo.
Para o peixe nosso não deu vantagem. Por que existe outra coisa que é
pior que sete quedas. É a barragem de baixo. Aquela barragem de baixo está
pegando, então o peixe não passa. Então para o pescador foi a pior coisa do
mundo. Acabou a sete quedas mas ficou a barragem de baixo. Se você for lá
você vai ver um bocado de peixe morrendo. Já ouviu falar naquele peixe, o
armau? Esse peixe morre porque ficam trepado um no outro. Eles chegam no
pé da barragem e vai empilhando um em cima do outro, e fica pesado, mata
os de baixo. Porque todo peixe morre se ficar lá em baixo e não puder se
mexer sem conseguir sair. O armau morre assim. Daqui a poucos dias você
vai ver ele começar a rodar morto. Porque é o tempo que ele leva para
descer. Peixe que era para subir para cá que vem do Paraguay, chega no pé
da barragem fica alí, de lá ele não passa. Fica lá até chegar o tempo da
desova e eles voltam. A barragem atrapalha os pescador mesmo em tudo.
(João)

Agora tem que comprar de tudo, a gente não planta mais na ilha, tem
que comprar arroz, feijão, tudo. E hoje na ilha, não está dando nada por
causa das pragas, agora tem muita praga lá, e para comprar o veneno, a gente
gasta 40, 50 reais. Todo mês tem que estar comprando, 5 litros de veneno
não dá para passar em tudo. Antigamente não tinha tanta praga. Não sei o
que aconteceu, não sei se é devido às enchente que trouxe muita praga,
antigamente muita gente plantava e não tinha essas praga, hoje ninguém
planta e tem tanta praga. Foi tudo praguejando, o mato foi fechando e
empraguejando. (Joana)

Naquele tempo, o rio era outro. Era outro até pra peixe. Hoje não tem
nada. Hoje você se mata pra pegar um peixinho. Naquele tempo você só
precisava fazer duas viagens por semana. Hoje, se você ficar dez dias, se
você brincar não dá para pagar as despesas. E porquê? É por causa da
represa que ficou funda. O rio não enche mais! (Camilo)

Hoje, depois da conclusão de Itaipu, que o rio deu uma parada, é aquela
coisinha, hoje sobe, amanhã desce o nível, e acho também que as chuvas se
escassearam.
O rio não tem mais jeito. Não tem água suficiente para o peixe desovar,
o peixe fica preso lá em cima, o peixe de água corrente, como o dourado, de
água forte não sobe mais. E atrás disso aí, veio também a poluição.
Naquele tempo a gente bebia água do rio. A minha família toda foi
nascida e criada na Ilha Mutum, eu tenho 10 filhos. Só uma que nasceu em
Maringá, quando nós viemos de lá. Todos bebiam água do rio, nem poço nós
não tinha, hoje dessa família toda, não gastamos com doença.
Já hoje, eu não te aconselho a ir para a ilha sem levar uma garrafa de
água. Está tudo contaminado, depois dessas represas. A desmatação foi
cruel. Tinha fruta de toda a espécie, hoje não tem mais nada.
Na ilha todo mundo sobreviveu, até 1983, então falar mal, não tem
sentido. A poluição acabou com o peixe também. Hoje, as chuvas se
escassearam, e os níveis de água baixaram, o pouco de água que sobrou para
manter o rio, não mantém, as represas seguram para gerar energia. Só que
forma a energia, e atende a população do lado de cá (continente) e mata uma
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faixa de São Paulo - Paraná. Essa águas não vem, quem acabou com o peixe
não foi o pescador, foi falta de água e quando sai da represa, já sai poluída.
Quem acabou com as ilhas foi as represas, não foi o morador não que
plantava seu milho, seu feijão, seu arroz. Antigamente quando moravam 490
famílias, o lugar era bem explorado e podia ser bem poluído, e não era, todo
o pessoal cuidava do seu porto e de sua barranca. Tinha as árvores de fruta
na margem do rio, o peixe comia, você via o peixe pulando, hoje não tem
mais nada disso. Nem árvore de fruta não tem. Tinha aquelas moitas de
capim que formava beirando o rio, o rio não era assoreado, até aquela
semente de capim não existe mais, acabou. E as coisas foram se acabando.
O pessoal da UEM já soltou mais de milhões de alevinos alí. Esse
pessoal da UEM trabalha muito aqui. Soltaram um mundo véio de alevino.
Até aqueles marcadinhos, só que você não pega um. Solta hoje, desaparece
tudo, amanhã já morreu. Então é essa a diferença entre ontem e hoje.
(Armando)

Essa represa aí, acabou com tudo, rapaz.... Às vezes eu fico no rio,
parado, olhando e lembrando. Naquele tempo eu nunca dizia que ia
acontecer uma coisa assim. Outro dia mesmo eu estava pensando como ficou
tudo diferente. Você via onça, era bando de porco do mato, anta, veado, até
lobo tinha quando a gente mudou alí para o Baía, a gente via andando de
bote, não sei o que aconteceu, para onde que eles foram. Às vezes passa
nesses filmes esses bichos, essas imagens lindas, eu lembro do Baía quando
a gente chegou, era muito bonito. (Camilo)

As barragens, a Invasão de espécies e diminuição do estoque de peixes

Os ex-ilhéus entrevistados, queixam-se de espécies que desapareceram como o


pintado, curimba, piracanjuba e outras mais valorizadas comercialmente. No
lugar desses peixes, o que predomina agora é o armado e a arraia, espécies sem
valor comercial.

Se você for lá você vai ver um bocado de peixe morrendo. Já ouviu


falar naquele peixe, o armau? Esse peixe morre porque ficam trepado um no
outro. Eles chegam no pé da barragem e vai empilhando um em cima do
outro, e fica pesado, mata os de baixo. Porque todo peixe morre se ficar lá
em baixo e não puder se mexer sem conseguir sair. O armau morre assim.
Daqui a poucos dias você vai ver ele começar a rodar morto. Porque é o
tempo que ele leva para descer.
Peixe que era para subir para cá, que vem do Paraguay, chega no pé da
barragem fica alí, de lá ele não passa. Fica lá até chegar o tempo da desova e
eles voltam.
Ao invés de não ter peixe, tem mais espécie. Naquele tempo não tinha
arraia, não armau, não tinha o piau-açú, não tinha nada disso e outras ainda
que a gente ainda não viu. Não tinha o cabeça-de-porco, esse polaco, o
alemão, não tinha o tucunaré, agora tem. E o povo do ibama estão caçando
para matar, para ver se defende os outros peixes, ele acaba com os outros.
Então o problema não é esse.
Tem mais espécies do que tinha antes, mas agora tem menos peixe. Tem
de tudo, só que ficou muito menos, por causa da barragem. As águas não vai
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mais no mato e o peixe desova acampado no meio do mato. E lá ele fica


tranqüilo, quietinho, botando o ovo dele. (Armando)

A turma fala: Será que o jaú que é de toca vai no mato, ele vai do
mesmo jeito que os outros. E fica lá quietinha botando o ovo. Quando a
desova choca ele volta. Agora não tem mais água no mato para ele fazer o
serviço, o meio de vida dele era esse. Hoje ele tem que fazer diferente, se ele
achar uma loca de pedra se ele achar ou acampar na areia e botar os ovos
dele alí. Os outros comedor chegam, acham eles descobertas e vão comendo
o que sai dele. De outubro para novembro, a piranha vira o cão, comendo,
come até a cabeça do peixe. Mas é porque chegou o tempo da desova. (João)

O peixe que mais tá dando aí é o armau, o armau e raia. Mas esse armau
não é bom pra comer não. O peixe bom você não encontra no rio.
Antigamente, há muito tempo atrás, você escolhia o peixe para comer.
(Marcelo)

Antigamente tinha o pintado, o barbado, o curimba. Agora é difícil,


esses peixes acabaram, agora o que tá dando mais é o armau. Para você
pegar tem que ir para o lado do Baía, do Ivinhema, mas lá é perigoso. Lá se
pegar, eles não perdoa, leva barco, leva você, lá a pesca é proibida direta. Se
você for profissional e eles pegar, você tem que dizer que é amador se não
eles tomam a carteira. Já levaram de muitos pirangueiros do Porto. Mas para
comer o armau, é a mesma coisa de estar comendo um pintado, só é mais
ruim para limpar, porque tem que tirar com alicate. O espinho que ele tem é
a mesma coisa do pintado. (Joana)

O peixe do rio, hoje a gente escuta algumas pessoas falarem que foram
os pescadores que acabaram com os peixes do rio. Não foi. Quem acabou
com o rio e os peixes foram as represas. Esse ano que passou, morreu, por
base, uma média de 30 a 40 mil quilos de peixe. Era para se encher carretas e
mais carretas de peixe. (Armando)

A APA como interdição do modo de vida

Infelizmente, quanto à população que atualmente vive na APA das Ilhas e


Várzeas do rio Paraná, o processo parece estar ocorrendo da mesma forma que
em outras Unidades de Conservação, no que diz respeito à inviabilidade de sua
presença na área.
Mas na base da plantação, se você derrubar um pé de gamxumba, o
florestal se souber, vai lá e te multa, e você não tem condições nem de
comer. E não tem condições de plantar sem estar desmatado, como a nossa já
estava desmatada antes, três alqueires [no documemto] dá pra plantar.
(Dimas)
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Eu rocei um pedaço de terra lá, derrubando “rabo-de-burro”35. Me


disseram que o Sr. Carlinhos36 ia lá, e eu esperei. Quando ele veio eu disse:
Você quer empatar eu trabalhar? Eu tenho família para tratar, tenho que
plantar feijão, mandioca, batata. (Marcelo)

O governo tomou conta, impôs o Meio Ambiente e muitas outras coisas.


O Meio Ambiente é duro com o pescador. É a coisa mais difícil, o Meio
Ambiente para o pescador. Então nesse lado [fiscalização], tirou a paz do
pescador. A tranqüilidade foi embora, não existe mais. Então o pescador tem
que se conformar com isso. Porque agora tem o Meio Ambiente que não
deixa mais construir casa, e quem tiver lá tem que sair. E para morar na ilha,
tem que ter vaca, cavalo, cachorro e porco. Por que se uma pessoa vai morar
na ilha e não cria essas coisas, o que é que está fazendo lá? Que venha para
cá!
Você sabe...
... a vida do mato é difícil mas é boa.
... hoje não dá mais para ficar ali [ilha Mutum].
... o Meio Ambiente. ... o Meio Ambiente desacatou o pescador! O
pescador era acostumado na vida do mato, matava capivara e outros bichos
para comer. Jacaré, cobra, tudo, chegou o Meio Ambiente e disse que não
podia matar mais nada. Tirou a tranqüilidade do cabra que mora lá. Tinha na
ilha muito matão bonito e o pessoal chegava e derrubava tudo para plantar,
foi assim, tinha madeira da boa. Tinha Peroba, Ipê, Cedro, agora acabou
tudo. (João)

Vem gente, faz reunião, tudo para tirar as pessoas, mas não tira não, o
gado também continua lá, ninguém conseguiu tirar, no mês passado teve
uma reunião, mas não deu nada. Só fazem reunião mas não indenizaram
ninguém e muita gente lá pra baixo tem gado na ilha. (Teresa)

Então depois que vendeu a posse da ilha, não dava mais para continuar,
não tinha ganho de nada, as terras era da CESP, a Cespe não acertava com os
patrão (iindenização), os patrão não acertava com os empregados. A Cespe
foi tirando todos os povo de lá. Tivemos que sair com uma mão na frente e
outra atrás. (Conceição)
Diz que não é pra ter nada na ilha, então não vai ficar ninguém. Já
tiraram muita gente, mas ainda não acertaram [indenização]. Lá tem a minha
menina, tem o meu filho que eu deixei lá para pode acertá, deixei eles lá, pra
não perdê os direito da terra. De vez em quando eu vou prá lá, hoje mesmo
eu estou querendo ir. Mas vou ter que ir de sombrinha, estou com esse olho
que fiz a cirurgia em Paranavaí, vou bem de tardezinha. Foi uma inflamação
por de trás das vistas. Deve ter sido uma veiinha. Quando a gente foi prá lá,
meus filhos era tudo pequeninho. Faz três mêis que eu saí da ilha.
(Conceição)

Chegava turista na ilha e perguntava: “onde é que fica a divisa?” Eu


mostrava, eles falavam que iam na divisa pra ver capivara, eles falavam “
Nós não mata não, a gente só quer ver onde tem, a gente acha elas bonita”.

35
Espécie de capim, segundo o entrevistado.
36
Fiscal do IBAMA, segundo o entrevistado.
- 140 -

(risos) E já vi muita onça por lá. A amarelinha era a que mais chegava perto,
a preta não vinha não. (Inácio)

Hoje não dá mais [morar na ilha] porque a pesca fecha, tem época que
você não pode pescar, e isso é um meio de sobrevivência. Não pode criar
gado, não pode ter criação, nem carneiro você não pode criar mais, nem
porco, não pode plantar, não pode fazer uma lavoura.
Tem um tipo de organização, de Potreção Meio Ambiente que eu não
estou entendendo, o que é que eles querem potreger. Esse pessoal que faz
parte da administração do nosso país. Vamos supor, vamos reflorestar, foi o
que aconteceu. Depois de reflorestado, soltam uma água lá em cima e
acontece o que aconteceu. Foi o nível de água do rio que destruiu tudo. Se a
água passa de um certo nível, já é excesso, será que eles não sabem disso?
Então as águas foram amolecendo as vegetação. É então isso que eu não
consigo entender o Meio Ambiente.
Hoje essa área está impedida, mas tem fazendeiro que não tirou. Se é
lei, a lei é para todos. Então é por isso que eu digo para você que hoje em
dia, não dá mais para acreditar nesse povo. (Armando)

Reconhecimento da importância da preservação

O pescador era acostumado na vida do mato, matava capivara e outros


bichos para comer. Jacaré, cobra, tudo. Chegou o Meio Ambiente e disse que
não podia matar mais nada. Tirou a tranqüilidade do cabra que mora lá. Hoje
tá bonito de se ver. Os bichos está uma beleza, está igual a uma fazenda de
gado. Agora você já vê o veado, a capivara, a onça, a capivara virou
chiqueiro de porco. É bonito de se ver. A coisa melhor que foi feita no
mundo foi esta. O Meio Ambiente ter tomado conta do mato. (João)

Condições atuais de vida no campo e na cidade

Cumpria enfrentar novos desafios. A terra, nesse momento já não lhes era mais
acessível. A alimentação que antes dependia do esforço direto dos moradores,
passou a depender de uma qualificação para trabalhos com serviços urbanos
limitadíssimos para uma cidade de pequeno porte como Porto Rico.

Não foi difícil não, não foi ruim, não estranhemo, porque quando eu
vim pra qui, já comecei a trabalhar na roça, colher algodão, café. O que a
gente estranha é se está acostumado a trabalhar e se vê obrigado a ficar
parado, sem fazer nada. Ficar parada eu não gosto. (Teresa)

E se for trabalhar por dia aqui... para quem trabalha de volante não
dá. Uma indústria para o povo ganhar dinheiro, não tem. Agora Porto Rico
é praticamente fazendeiro que mora por aqui, turista que tem casa e vem no
final de semana e aposentado que nem eu. (Antonio)

Eles [irmãos] ficaram na ilha porque também não tem outro lugar para
ir, aqui em casa não posso colocar todo mundo, também tenho meus filhos, o
principal era a mãe, senão, não dá para nem eu nem para eles morarem. Eles
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trabalham por dia, vai pagar aluguel como? E trabalho tá muito difícil. (Filha
da Conceição)

O trabalho que não tem. E quando tem é só para os homens. Tem muito
bóia-fria que vem de Castelo trabalhar aqui e pra gente não sobra serviço. Eu
já fui muitas vezes bóia fria, trabalhei pra esses lados, pra turma do Rocha.
Tinha algodão, feijão, quebrar milho, mamona, o que tinha eu fazia.
Montava no caminhão de bóia-fria, duas, três horas de manhã e ia embora.
Tinha bastante gente, naquele tempo era animado! Mas hoje não. A gente
não vivia nessa crise que a gente veve, faz um servicinho aqui, outro alí.
Antes o serviço era garantido.
Hoje, você trabalha o dia e ganha doze reais (R$ 12,00), o dia, mas em
compensação, você fica duas semanas sem nada. Ah, se eu ganhasse isso
todo dia esse dinheiro, eu já tinha saído da Mutum fazia tempo. (Joana)

De primeiro, a gente colhia também muito café, algodão, feijão. Acabou


isso, acabou o serviço. O único trabalho que tinha aqui era pescar ou
trabalhar de bóia-fria. Agora o serviço de bóia fria é meio duro, a pesca
fechou faz dois meses e pouco. Eu tô parado esse tempo todo, não acho
serviço para fazer, pescar, não pode, e se for teimar pesca, eu já não tenho
nada, o resto que tem o Ibama vai levar embora. Quando abrir a pesca, não
vai ter nada, acaba os peixes. (Camilo)

Identidade modificada — a ilha como local de passeio

Para esses moradores, diante da necessidade de morar no continente, o ideal


seria poder trabalhar naquilo que sabiam fazer, ou ainda, terem postos de
trabalho no meio urbano e um pedaço de terra, onde poderiam continuar
exercendo uma parte de sua autonomia para auto-subsistência e utilizar o
dinheiro ganho no trabalho com outras necessidades.

Ah, eu não voltava não. Talvez passar uma semana lá, e voltar depois,
tendo a casa aqui. Acho que agora eu não volto pra lá mais não. Esses dias a
gente estava conversando isso e eu disse que não volto mais não. O véio
queria, mas a gente não tem mais barco, o véio não tem mais força pra
manejar um barco. (Teresa)

Nem pagando eu volto prá lá de novo. Se for viver da lavoura, não dá


mais. O florestal tomou conta. Mas se pudesse ter trator, pudesse ter uns
quatro, cinco burros e fosse liberal, e tivesse jeito da gente se movimentar,
começar fazer as plantações de volta, mas a terra já não tá mais ajudando,
porque as enchente levaram embora o poder da terra, não tem mais vitamina.
(Dimas)

Na ilha eu não tinha minhas traia de cozinha, não tinha minhas


coisinhas. Não tinha um fogão bom, não tinha uma geladeira, não tinha uma
casa boa, não tinha uma cama boa pra dormir. E também nem adiantava,
porque podia vir enchente. Então não posso dizer que na ilha eu tinha coisa
boa, toda vida que eu morei lá nunca tive nada de bom, só a saúde. Se tivesse
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coisas boas lá, se melhorasse, eu voltava, sempre fui criada no mato mesmo,
nunca fui de cidade. Eu sou assim, prefiro mais o mato do que a cidade.
Se eu tivesse uma vida boa lá na ilha eu não tinha vindo morar aqui.
Vim por causa dos filhos pra ter condição de estudo, de saúde. Nas ilha não
tem água encanada não tem luz, a água tem que ser do rio. Se lá tivesse uma
casa bem confortável, sem um inseto, eu não me incomodava de voltar pra
lá. Aqui eu abro a janela e não tem um mosquito que me provoca. (Joana)
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O que tem na ilha, tem na cidade?

Diante das dificuldades e dos impedimentos à permanência da população de


moradores da Ilha Mutum, a maioria não viu outra alternativa senão mudar-se
para o continente. Dentre as conseqüências dessa mudança de um ambiente
insular para o continente, outras mudanças também se impuseram sobre seus
hábitos e valores sócio-culturais.

Lá eu andava a vontade, andava pelo mato, criava um porco, criava uma


galinha. Trabalhar na roça eu não posso mais, há dez anos que tenho o velho
doente. Agora só dentro de casa. Eu sinto falta sim de uma galinha, um
animalzinho, um porco. Sinto falta. Lá eu tinha galinha e ovo pra vender
aqui no Porto Rico. Trazia bastante frango, hoje em dia não tenho nada
disso. Na roça a gente tinha mais movimento de trabalho, ficava ocupado
cuidando das coisas. Agora para não ficar parada eu faço colcha de retalho.
(Teresa)

Eu acho que era gostoso [na ilha]. Até hoje, eu não vejo a hora de ir
para ilha. Lá é muito sossegado, tem dia que eu não vejo a hora de ir para a
ilha. Na época a renda era melhor, ganhava do patrão, ganhava dos peixes, e
ainda tinha a comida lá que a gente plantava. Durante as enchentes eles
vinham para Porto Rico. A água pegava na casa. Ficava até três meses aqui.
E depois voltava de novo para ilha. Na enchentona ficamos 6 meses fora.
Voltava porque não tinha como ficar debaixo de barraco. Lá a gente era
livre. Soltava as galinhas, eu ficava toda alegre. As galinhas ficavam presa,
se soltasse, a turma roubava. (Conceição)

Não era bem bom não [viver na ilha], mas também não era muito ruim,
podia criar um frango um porco pra comer, então é bem melhor que aqui por
que aqui a gente não pode criar nada, todas as coisas de plantar você podia
plantar, mandioca, milho... Era bom, mas também não era bom demais não.
(Camilo)

Se a pessoa tiver o arroz, feijão, carne, ovos, galinha, não paga aluguel,
não paga luz, ele vive muito melhor do que um que ganha salário mínimo.
Pagando as contas e para comprar comida com salário mínimo, o que é que
sobra? Ele vive muito pior aqui na cidade do que morando na ilha.
(Armando)

O que tem na cidade, tem na ilha ?

Um novo ritmo de vida, diferente do anterior que era ditado pelos ciclos da
natureza, se fez necessário. Todo um arcabouço tradicional de conhecimentos
naturalísticos adquiridos ao longo de suas existências, agora não tinha muita
utilidade diante da escassez de empregos e serviços remunerados que fossem
vinculados a esses saberes.
- 144 -

É sobre doença. Aqui tem assistência. Na ilha se amanhecer um dia de


vento, ninguém entra numa maré braba prá passar para o lado de cá. A
vantagem é essa. Mas aqui não dá mais pra ter criação. Na ilha agora tão
falando que não dá pra criar mais nada. (Teresa)

Aqui é mais fácil, porque as vezes uma criança fica doente a gente
também. E lá na ilha, quando foi pra mulher ganhar esse tal de Ricardo
[filho] eu sai de baixo de chuva no vento . O batelão não prestava, ficava
fazendo água eu vim buscar ...busca a mulher pra atender ela lá no rio, a
gente tinha que ir andando e tirando água. (Camilo)

Aqui é tudo comprado. Lá não pode criar, não pode plantar nossas
coisas, né? Aqui não tem, tudo é comprado. Lá tinha laranja, banana, limão
galego, limão rosa, tem peixe, manga. Aqui na cidade tem que comprar tudo
para poder comer. Se eu fosse aposentada, e tivesse um dinheiro para receber
todo mês eu ia morar na ilha. Criava uma galinha, um porco, plantava as
coisa, com fartura. Se quisesse comê um frango era só pegá no terrero, não
precisava compar.
Se lá tivesse condição de renda, lá seria melhor.
Aqui melhorou porque lá a gente não tava ganhando, aqui ele [marido],
tá trabalhando então no final de semana tem um dinheirinho. Lá não tinha,
quando acabava, acabou. Não tinha patrão, não tinha salário, não tinha nada.
(Conceição)

O que não melhorou é que agora tem duas despesas, aqui a gente paga
20 reais na casa, a prestação, mais água e mais luz, e esse dinheiro tem que
tirar de lá. Se tivesse serviço aqui na cidade, só eu conseguia tirar as
despesas da água, comida, da luz e da casa, mas não tem. Olha só esse
homem (vizinho) já chegou, não tem mais serviço, o serviço que ele foi,
acabou. E na hora que arruma [trabalho] é só para os homens, agora, Bonito,
eu trabalhar no meio de 10, 12 homens? A gente se sente envergonhada,
sozinha. Às vezes, alguém pode falar, mesmo que você não esteja fazendo
nada: Olha lá a mulher do Sr. Fulano, enquanto ele está na ilha, ela fica no
meio dos homens.
Na ilha não tinha despesa de água, nem luz e nem aluguel, por isso que
eu falo que melhorou em um ponto e piorou em outro. Mas eu prefiro estar
aqui por que é uma coisa que tem futuro, se um dia eu morrer, isso vai ficar
pros filhos, mas se estivesse na ilha, não precisa pagar as despesas e ainda
assim, a gente acaba gastando com outras coisas, aqui a gente paga mas tem
futuro.
Agora aqui é meu, eu estou pagando, é meu. Se o patrão manda embora,
eu tenho para onde ir, não vou ficar embaixo dos paus. Por isso que eu falo,
que muita coisa melhorou, mas muita coisa piorou também. Mas podia estar
melhor, veja só, aqui mesmo, em frente de casa, do outro lado da rua tem
serviço, mas o homem não paga prá nós, paga para o trator, o trator vem aqui
com a colheitadeira, passa e já quebra o milho, debulha, não sobra serviço,
se pagassem para gente fazer esse trabalho, não ia faltar trabalho pra nós.
(Joana)

Eu estranhei muito quando eu soube que a água era paga. Estranhei


porque se usasse a água da torneira ou do chuveiro, tinha que pagar, eu não
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achei bom não. Até nisso, a gente achava diferente. Outra coisa ruim
também era pagar aluguel. Na ilha não precisava, a gente fazia uma casinha
de sapé, de madeira. Então você vê que era um outro mundo.
Só tem uma vantagem: A saúde. O governo tomou conta, impôs o Meio
Ambiente e muitas outras coisas. O Meio Ambiente é duro com o pescador.
É a coisa mais difícil, o Meio Ambiente para o pescador. Mas no
atendimento à saúde, melhorou muito. Então nesse lado [fiscalização], tirou
a paz do pescador. A tranquilidade foi embora, não existe mais. Só que tem
esses outros meios de vida. Então o pescador tem que se conformar com
isso. Só que se um filho seu caiu, quebrou o braço, atendimento tem. Febre,
o doutor aplica um injeção e tá tudo bem. Então não tá ruim não. (João)

Depois que eu saí da Ilha, a minha vida não mudou. Se você me


perguntar se minha vida melhorou depois que eu vim para Porto Rico, eu
não tive melhoria nenhuma. Eu gosto mesmo é de ir para ilha quando tenho
tempo, vou pra lá e fico lá a semana inteira sossegado. Eu trabalho, hoje eu
estou aposentado. Um tremendo de um salário mínimo.
Mas, aqui eu não tenho nada para fazer. Tudo o que eu tenho é essa
casa. Se eu fico aqui 30 dias, é trinta dias sem fazer nada. Então eu acho que
não mudou. Hoje nós temos a energia, mas só se tiver dinheiro, se não tiver,
a Copel vem e corta a enrgia e com a água, é a mesma coisa. Então por que
eu vou dizer que mudou? Muita gente que saiu por último da Mutum foram
morar na Vila Rural. Tem 26 ou 27 famílias morando na Vila Rural. Mas
eles tem que pagar uma taxa mínima, mais água e mais luz e não tem
emprego. O que produz lá não dá, é só uma quarta de terra. Então pra que é
que serve isso?
É só para segurar o eleitor, porque se sair do município, a cidade acaba
e não vai ter ninguém para votar neles. Por que senão, o cara vai sair para
procurar recurso. (Armando)
- 146 -
- 147 -

Considerações finais

Como vimos, as mudanças sócio-econômico-culturais ocorridas com a


população considerada da ilha Mutum, no período de 1970 a 2000, expulsaram
esse contingente populacional para o continente, alterando seus valores, seu
modo de produção e reprodução de vida e sua identidade cultural.
Atualmente, os que conseguiram se fixar na cidade com uma fonte de renda,
consideram a ilha, seu antigo lar, um entretenimento, isto é, vêem seu antigo
meio de vida de forma muito semelhante ao posicionamento de um turista. O Sr.
Inácio expressa bem essa concepção atual em sua fala: “Peixe, passarinho,
capivara, onça. A gente foi criado no meio daquilo, era um divertimento pra
nóis. Aqui não tem isso, mas é mais favorável prá nóis.”
A população que saiu da Ilha Mutum incorporou a vinda para o continente como
uma vantagem. Mesmo ganhando muito pouco, mesmo não podendo reproduzir
suas práticas tradicionais de existência, mesmo sem a posse da terra que
reafirma sua autonomia e lugar no mundo, mesmo sem o peixe. As comodidades
da vida moderna com os aparelhos eletrodomésticos, energia elétrica, serviços
sanitários, atendimento da saúde pública, são mais atrativas do que a vida
independente, baseada nas práticas tradicionais. Um dos entrevistados, após
refletir sobre a questão da preferência do local de moradia (na ilha ou na cidade,
caso fosse possível retornar), considerou: “...acho que se a gente não soubesse
como era viver na cidade, a gente ia querer voltar a morar lá, entende? Lá não
era assim tão ruim, tinha as amolação, mas aqui, as coisas é mais fácil, quer
dizer, dá menos trabalho.”
Este discurso nos fornece os indícios de que a exemplo do que ocorreu com a
população indígena, a identidade original de população tradicional já não existe
mais na população de ex-ilhéus contemplada em nossa pesquisa, principalmente
entre os mais velhos que guardam um profundo conhecimento do ambiente em
que vive. Parte desse etnoconhecimento está sendo perdido no processo das
“mudanças sociais” com a chegada do “eco-turismo” e da especulação
imobiliária, como já mencionamos anteriormente. No entanto, é provável que
entre as poucas pessoas que ainda não cederam às pressões para saírem da ilha,
ainda existam indivíduos que preservaram sua condição cultural camponesa.
Seria então, necessário, um outro estudo para identificar a existência deste
caráter identitário entre a população remanescente da Ilha.
Atualmente, com o crescente avanço das condições impeditivas à presença de
comunidades humanas em Unidades de Conservação em nosso país, em pouco
tempo, não teremos mais uma população em condição cultural compatível com
os objetivos das áreas protegidas.
O que torna uma identidade forte, distinta, coesa é a capacidade humana de
produzir. Enquanto o homem produz conhecimento, cultura e trabalho, está
- 148 -

exercitando sua identidade, dando sentido e significado particularizado à sua


existência, promovendo vínculos sociais mais saudáveis com sua época e
localidade. Sem a possibilidade de exercer o contato mais íntimo com o cultivo
da terra e com a produção pesqueira pré barramentos, sua identidade original aos
poucos se esmaece.
Vale lembrar que apesar da planície amazônica ter sido ocupada por longo
tempo pelas populações nativas, estas trouxeram poucos problemas ao ambiente.
Alguns pesquisadores estimam que naquela época a planície chegou a possuir
uma população em torno de 1 milhão de habitantes (GOULDING, 1995).
Situação bem diferente para os impactos causados pelas grandes obras de
engenharia.
Entendemos que, a presença humana em unidades de conservação, auxilia a
preservação do ecossistema a ser protegido, entretanto, é preciso que as
aspirações da população que habita o local tenham compatibilidade com os
objetivos de manutenção do local. Cabe salientar que as aspirações advêm de
um determinado perfil cultural. Deste modo, residir em um ambiente com pouca
intervenção humana, como no caso da Ilha Mutum, requerirá uma identidade
cultural de população tradicional, identidade esta, que entre os ex-moradores da
ilha, foi mesclada com a identidade urbana.
Se de forma objetiva esses moradores não conseguem expressar o desejo de
retorno à ilha, de forma subjetiva, essa expressão foi possível através das
imagens fotográficas que realizaram. Os motivos fotografados remetem à três
categorias bastante nítidas.
A dimensão individual, mais intimista, recolhida, expressa nas fotografias do
interior de suas casas, com seus eletrodomésticos e seu cotidiano doméstico
dentro da casa.
A dimensão coletiva, mais social e comunitária, marcada pela ausência das
práticas culturais, religiosas e públicas, sugerindo o sentimento do pesar da falta
das atividades coletivas que antes se manifestava nas ilhas através das práticas
religiosas, das festas e bailes, da ajuda mútua, da boa vizinhança em dividir as
provisões excedentes, e dos mutirões em épocas de colheita. As fotografias para
este tema, são do calçadão em momentos de pouco movimento, ruas com pouco
trânsito, o santuário de sua santa protetora que atualmente não é mais
comemorada da forma tradicional a contento da população e o salão onde antes
eram realizados os bailes da cidade, atualmente desativado. Segundo seus
relatos, a “última” festa de Nossa Senhora dos Navegantes foi comemorada no
ano de 2000. Atualmente, a festa parece estar mais vinculada à exploração
econômica, denotando um afrouxamento de seus vínculos com suas origens
culturais e religiosos.
E, por fim, a dimensão ambiental, expressa nas fotografias panorâmicas e de
“close-up” a motivos naturais como o rio, plantas no quintal e árvores das ruas.
É interessante notar que essa dimensão natural é concebida como uma natureza
“humanizada”, domesticada, pela vida urbana. O rio é rio enquanto nele for
- 149 -

possível navegar, pois o peixe, para eles é mais fácil ser encontrado no mercado.
Assim, nas fotografias do rio, os barcos aparecem em primeiro plano.
150

Figura 6: Dimensão Individual Figura 7: Dimensão Coletiva

Figura 8: Dimensão ambiental

Deste modo, suas falas não indicam o desejo de retornar à condição tradicional,
mas as fotografias, que de acordo com Collier (1973), podem expressar
conteúdos que os níveis racionais e objetivos não permitem revelar, indicam o
desejo,
151

não do retorno à condição tradicional, mas sim o desejo de continuidade das


práticas tradicionais.
Este posicionamento não ficou demonstrado de maneira clara em seu discurso,
possivelmente pela instituição do mecanismo da negação da fala, de que cita
Oliveira (1999). Ademais, isso demonstra também que a identidade cultural
continua a mesma, alterada com a adição da identidade urbana, fazendo surgir o
desejo implícito de serem cidadãos do meio urbano com práticas sócio-culturais
tradicionais.
Objetivamente e apesar das dificuldades enfrentadas com o rio, é por meio da
pesca que essa população procura manter algum tipo de vínculo com a sua
identidade cultural. Embora precária, a pesca constitui ainda, uma válvula de
escape para os que não conseguiram nenhuma colocação profissional. Deste
modo, se fazem necessárias ações mais enfáticas no sentido de preservar e
renovar os estoques pesqueiros do rio, principalmente com as espécies nativas
que tinham valoração comercial.
A população humana vinculada ao sistema de planície de inundação do alto rio
Paraná, a exemplo do meio físico e biótico, também apresenta grande
dependência social econômica e cultural da periodicidade, intensidade e duração
do regime de cheias daquela Bacia.
A representação do “antigamente”, freqüentemente presente em seus discursos,
fornece uma imagem de “mais vida própria”, de maior “fartura de peixe”
(embora não de dinheiro), de uma maior disciplina e obediência durante as
atividades da pescaria, de regularidade maior de condições ecológicas,
meteorológicas e fluviais (que implicam maiores chances de previsibilidade), de
festas mais freqüentes, ocasionando vinculações mais estreitas grupos vizinhos e
também uma identidade mais viva do grupo.
Outra constatação que fizemos, foi o fato de apesar de estarem cientes das
dificuldades enfrentadas atualmente e quais os agentes responsáveis por esses
problemas, a população da cidade e dos ex-ilhéus, não parece ter tomado um
engajamento no sentido da resolução desses problemas. O discurso mais
politizado que encontramos por parte dos moradores entrevistados, foi a
entrevista com um morador que não se enquadrava no tipo amostral da pesquisa.
Este denunciou dissensos administrativos municipais. Em acréscimo, também
não falou de nenhuma forma de organização dos moradores, à exemplo do que
aconteceu com os moradores residentes em outra Unidade de Conservação
pertencente à mesma Bacia Hidrográfica próxima, a de Ilha Grande
(TOMMASINO, 1985), nem mesmo através da Colônia de Pescadores de Porto
Rico.
Aos pobres, resta a ocupação de áreas marginais, até pouco tempo, sem valor
para o mercado financeiro, e por motivos diferentes dos da clientela-alvo dos
anúncios de condomínios fechados que oferecem “A mais perfeita integração
entre pesca, lazer, conforto e segurança.” Nem todos os despossuídos se
identificam com o “mato”, o homem se identifica com a sua época e com o seu
152

lugar. Se o lugar e a época lhe são negados, a vida precisa continuar a fluir, em
outra época (tradicional), em outro lugar (refúgios naturais) onde possam dar
manutenção à sua subsistência.
A agenda 21 discute a erradicação da pobreza, concluindo que a pobreza exerce
pressão sobre o ambiente. Entretanto, basta analisar a dimensão do impacto que
uma grande obra de engenharia pode trazer ao ambiente contra o impacto que
uma pequena comunidade de subsistência faz. A questão não parece ser destruir
ou não destruir o ambiente, trata-se de quem pode ter o direito de destruir. Quem
degrada mais, paga mais. Talvez os pobres não possam indenizar a degradação
que causam, mas mesmo podendo, os ricos não pagam. Recorrem à “justiça”,
bonachona com o poder, demora tanto a pronunciar a sentença que nem
pronuncia e quando o faz, o som da voz é completamente inaudível, para
ouvidos já moucos.
A pobreza causa pressão, mas a riqueza a motiva em dobro. Primeiro pelo ritmo
exploratório gananciosamente indiscriminado, o objetivo não é a produção de
bens para uso da coletividade, mas o insano e desumano lucro. Em segundo
lugar, peca por não distribuir satisfatoriamente o resultado social dos bens
produzidos.
A consideração dessas questões pressupõe o reconhecimento de que a adequação
do uso do solo, da água e dos demais recursos naturais ao novo padrão, por parte
dos diversos segmentos produtores, é diferenciada em função da disponibilidade
de recursos materiais e técnicos para o desenvolvimento de suas atividades
produtivas. É fundamental, então, que a concepção de processo de gestão da
APA não se restrinja apenas às atividades de fiscalização e pesquisa científica.
Este processo deve envolver necessariamente a definição, a partir do
zoneamento, de um plano de desenvolvimento para a APA que objetive a
viabilização de atividades produtivas compatíveis com a manutenção da
dinâmica ecológica e que resultem em melhores condições de vida para a
população aí residente. Isso implica instaurar e integrar um processo de trabalho
conjunto das diversas instituições (de pesquisa, extensão rural, educação, saúde,
etc.), de modo a viabilizar alternativas que garantam a reprodução social dos
pequenos produtores e pescadores artesanais.
Evidenciou-se que a região do extremo noroeste do estado do Paraná, embora
não apresente o dinamismo econômico de outras regiões, não ficou imune às
transformações que marcaram a economia paranaense. Nas três últimas décadas
foi intensa a apropriação de terras por grandes grupos empresariais, fato que não
só configurou um novo quadro fundiário, fortemente concentrado, como
também delineou uma nova relação, fundamentando a apropriação da terra e a
exploração de seus recursos naturais. Ou seja, a situação de predominância, até o
início dos anos 70, da produção familiar de subsistência e extrativismo florestal
foi alterada num contexto marcado pela presença de novos grupos sociais e
econômicos.
153

Embora esses empreendimentos se caracterizem na atualidade por um baixo


grau de exploração, a sua presença na área aponta para uma estratégia de
valorização da terra a médio e longo prazo, que poderá resultar em maiores
pressões sobre o contingente de produtores familiares que aí se mantêm e ainda,
em alguns casos, redundar em significativo impacto sobre o ambiente.
Alguns desdobramentos dessa estratégia podem ser vislumbrados: o interesse na
exploração de recursos extrativistas (ginseng), e outros — neste caso com
demanda por matéria-prima energética; a ocupação da área de planície com
pecuária e agricultura; o incremento do mercado imobiliário através de
loteamentos na área rural — com pequenas chácaras — e na área urbana, e a
expansão de atividades turísticas.
Entendemos que a implantação de uma Área de Proteção Ambiental se
configura como uma experiência singular, no sentido de preconizar formas e
limites de uso de um dado território. São criados mecanismos de indução —
fomento público e mesmo privado — que podem garantir a permanência dos
grupos sociais que já ocupam o território.
A partir do planejamento e da gestão da APA, já é possível vislumbrar a
conciliação entre o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das
populações locais, compatibilizando as atividades produtivas com as
peculiaridades do meio rural, respeitando a manutenção dos processos
ecológicos essenciais à preservação da diversidade genética e à utilização
sustentada das espécies e ecossistemas.
Dessa forma, e tendo em vista a ausência de gestão para a APA das Ilhas e
Várzeas do Rio Paraná, as recomendações que se seguem têm como
preocupação principal a melhoria das condições de vida da população residente
na área e envolvem:
◊ A disseminação e divulgação de tecnologias diferenciadas e
apropriadas para a gestão e o desenvolvimento de sistemas complexos;
◊ O resgate dos conhecimentos acumulados pela população daquele
espaço, visando recuperá-los e integrá-los ao processo de gestão;
◊ O desenvolvimento de programas educativos junto à população local,
que reiterem a importância de se manterem processos físicos e
biológicos característicos de uma área como a APA, de modo a
propiciar o uso sustentado de seus recursos e garantir a sobrevivência
da população no local.
No que se refere à pesquisa, há necessidade de dar continuidade ao
desenvolvimento do conhecimento científico sobre esse distinto ecossistema.
154

Este conhecimento deverá reverter em suporte para o desenvolvimento


sustentado da região. Nesse sentido, faz-se necessário:
a) fomentar os estudos ictiológicos que permitam garantir a manutenção
da atividade pesqueira, principalmente com as espécies nativas da
região;
b) permitir o avanço dos estudos para o desenvolvimento da aquicultura,
seus possíveis impactos sobre o meio, disponibilidade de tecnologias e
adequação dessa prática enquanto atividade alternativa aos pescadores
artesanais e população de ilhéus e ribeirinhos;
c) identificar técnicas de conservação do pescado, que permitam a
formação de estoques comunitários para comercialização na
entressafra, e as alternativas de aproveitamento de espécies existentes
no local;
d) elaborar levantamentos das atividades artesanais desenvolvidas pela
população, com vistas ao resgate desta atividade cultural como forma
de geração alternativa de renda;
e) ampliar pesquisas sobre espécies florestais com valor comercial,
adaptabilidade ambiental e passíveis de reflorestamento em pequena
escala; bem como de espécies frutíferas que se configurem como
opção de reflorestamento de encostas onde atualmente são
desenvolvidas outras atividades;
f) desenvolvimento de tecnologias apropriadas ao local, como por
exemplo, o manejo adequado do solo;
g) viabilizar estudos que recuperem as formas de organização social
existentes entre os distintos grupos sociais, compatibilizando-as aos
objetivos do desenvolvimento sustentado e também de incentivo à
manutenção de características sócio-culturais definidoras do modo de
vida das populações locais
155

h) implementar e / ou reativar entrepostos para recepção e


armazenamento de pescado nas comunidades de pescadores, através da
expansão da área de atuação da colônia de pescadores;

Especificamente para a população que ainda reside nas ilhas, seria


recomendado:
a) disponibilizar miniposto para atendimentos de saúde e manter estoque
de medicamentos;
b) contratar recursos humanos qualificados, principalmente médicos e
dentistas, que realizem visitas programadas às comunidades locais;
c) dotar a defesa civil para atendimentos de emergência;
d) implementar microssistemas de abastecimento de água, através da
construção de reservatório e tubulação para um ou mais pontos
comuns;
e) buscar formas apropriadas às condições da sede municipal para a
destinação final dos dejetos.
No que se refere ao desenvolvimento do turismo para a região, é necessário planejar e
desenvolver ações que visem minimizar os impactos oriundos dessa exploração econômica.
Daí a necessidade urgente de:

a) Elaborar um Plano Diretor para a sede do município, regulando o uso


dessa área;
b) Definir um Plano Turístico para a APA considerada, que oriente a
distribuição e localização dos equipamentos e infra-estrutura
necessários, de forma a adequá-los às características ambientais e
minimizar ou evitar a degradação ambiental.
Serão necessárias a adoção de novas estratégias para o gerenciamento da região,
como as acima mencionadas, para alterar o problemático quadro sócio-cultural
que encontramos no município, durante a elaboração deste trabalho, em vista do
dinamismo relatado de antigamente.
Para os moradores remanescentes da Ilha Mutum que hoje habitam Porto Rico,
todas as fontes secaram, restando apenas se conformar com as minguadas
condições de vida na cidade, que, mesmo precárias, são melhores do que a vida
na ilha. Se nem na cidade e nem na ilha existem boas condições de vida, na
156

cidade, existem as vantagens mais básicas, entre elas, a maior de todas, a


assistência da saúde pública. O salário da aposentadoria é o que permite a
precária manutenção das necessidades básicas de vida, inclusive a alimentação.
Alimentos que sempre por eles foram produzidos, agora precisam ser
comprados, pagando-se valores que extrapolam em muitas vezes, o valor da
produção que todos eles bem conhecem.
Sua moradia agora é na cidade, onde de qualquer ponto, é possível ver extensas
terras continentais e insulares, para eles intocáveis, como que banidos, exilados,
sonham, um dia ter um pedaço de terra para plantarem a si mesmos e tentar,
mesmo que tardiamente, fixar as raízes de sua existência no mundo.

“Vem ver minha lavourinha como está.” (Seu Inácio,


morador da Vila Rural, ao final da entrevista, 2001)
157

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Maringá, 2001.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ. UEM/NUPELIA/PELD. Economia,


políticas públicas e qualidade de vida - Relatório anual do projeto. Maringá, 2000.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ. UEM/NUPELIA/PELD. Indicadores,


hábitos e necessidades de saúde - Relatório anual do projeto. Maringá, 2000.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ. UEM/NUPELIA/PELD. Representações


Sociais - Relatório anual do projeto. Maringá, 2000.

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WEIGAND, V. M. e Müller, S. O uso do solo e a situação fundiária da Chapada Diamantina.


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WESTPHALEN, C. M., MACHADO, B. P., BALHANA, A. P. Ocupação do Paraná.


Boletim n. 7. Departamento de História. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1968.

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pesqueiros do médio amazonas – abordagem socioeconômica. Série Estudos Pesca nº 21.
Edições Ibama - Coleção Meio Ambiente, 1999.

ZANONI, M. M., WALFLOR, M. M. e ROUGEULLE, Marie. D. Novas modalidades de


pesquisa, ensino, extensão: o programa de desenvolvimento sustentável de Guaraqueçaba
(Paraná, Brasil): a Universidade e a demanda social das comunidades (1995). In.: ROSA, M.
C. Conservação da natureza, políticas públicas e reordenamento do espaço: contribuição
ao estudo das políticas ambientais no Paraná. São Paulo, 2000. 315 f. Tese (Doutorado em
Geografia) USP - FFLCH, 2000.
168

Perfil dos entrevistados - ANEXO - 1

Categorias Marcelo João Antônio Dimas Joana Teresa Camilo


Idade (anos) 39 68 84 34 43 67 70
Estado Civil Casado Casado Casado Casado Amigada Casada Casado
Montes Claros Nossa S. das Dores Bahia (ele)
Naturalidade Ilha Mutum Estado Pernambuco Ilha Mutum Terra Rica - PR
- MG - Sergipe Minas Gerais (ela)
Profissão Lavrador Pescador Lavrador Lavrador / Oleiro Lavradora Lavrad./pescad. Pescador
Nº de filhos 2 13 5 0 5 28 (7 - pai) 9
Garçom, pizzaiollo,
Todas as atividades Fáb. torneira,
oleiro, servente, const. Pesca, lavoura, Pesca / lavoura,
fecularia, metalur., Pesca, lavoura,
profissionais de asfalto, batateiro Pescador Lavrador volante, caseira volante, caseiro
pç artes., constr. de volante
exercidas (extr. Pfafia), lavrador, (clube), diarista (clube)
guia (meio-fio)
pescador, volante
Carteira assinada Não Não Não Não Não Não Não
Ocupação atual Roça e pesca Aposentado Aposentado Oleiro Diarista Aposentada Aposentado
Tmp total de
16 anos 12 anos 16 anos 11 anos 34 anos 18 anos 21
perman. em ilhas
Tempo de moradia
23 anos 17 anos 12 anos 23 anos 1 ano 18 anos 19 anos
no continente
Compra
Forma de ocupação Compra direitos de Compra direitos de Compra direitos de
direitos de Caseira / Cedido Arrendamento Caseiro / Cedido
território posse posse posse
posse
Tam. do terr. ilha 3 alqueires 2 alqueires 20 alqueires 3 alqueires 2 alqueires ≅ 5 alqueires 3 alqueires
Santo Amaro (SP),
Nova Andradina (MS),
Lugares onde Porto Epitácio (MS), Terra Rica / Ilha
Baitaporã (MS), Terra Rica - PR,
Ilha do rio Amambai Estado de São Caraíma / Ilha
morou, além de P. Presidente Prudente Loanda - PR, Pirapozinho - PR, Fazendas do Mato
(MS), Maracaí (MS), Paulo e Loanda Coelho / Rosana /
Rico e da Ilha (SP), Porto Epitácio Maringá - PR Cafezal - PR G. Sul, outras ilhas
Ilha Grande do - PR Ilha Mineira / Ilha
Mutum (MS), Bela Vista (PR- do rio Paraná
Ivinheima Óleo Crú /
PY), Santa Izabel (PR),
Loanda (PR)
Gr. de escolarid. 2º prim. 4º prim. Mobral 6º ginásio s/ escolaridade 3º prim. s/ escolaridade
Descendência Pernambucana Pernambucana, Mineira Pernambucana Sergipana - pai Segipana - pai e Baiano
169 Código de campo alterado

italiana, português, Baiana - mãe mãe Mineira


índio e alagoano
Categorias Marcelo João Antônio Dimas Joana Teresa Camilo
Congr. Cristã
Religião Igreja Pentescostal Deus é Amor Igreja Pentecostal Católica Católica Católica
do Brasil
Nº de pessoas na 4 (ele, mulher, filho (10) 3 (ele, mulher e um 2 (ele e a 4 (ela, esposo, 3 (ela, marido e 6 (os dois, 2 filhos,
2 (ele e a esposa)
casa e filha(14)) filho 8 anos) mulher) filho e filha) uma neta) 1 filha 1 neto )
430, 00 180 + aux. event.
Renda familiar 300,00 (aposentadoria x 270,00 (aposent. x 1 230,00 (trb 360 (aposentadoria
(aposent. x 2 + 260,00 (aposent. + trb.
mensal 1 + pesca + lavoura) + pesca) diarista) x 2)
40% salar.) diarista - filhos)
Próprio - financ. Cx Cedido (caseiro Próprio (no mesmo Próprio (Vila
Situação do imóvel Próprio Própria Casa própria
econ. federal. de chácara) terreno - 4 há fam.) Rural)
3 (sala-coz., quarto e 4 (sala, coz., 3 (sala-coz., 2 (sala-coz., 4 (sala - coz., 5 (3 quart., sala e 5 (sala, coz., 2
Nº de Cômodos banheiro) banheiro, quarto) quarto e banh.) quarto) banh., 2 quartos) coz.) quart., banh.)
Tv Color., fog. a gás,
Tv colorida, fogão à Fogão a gás,
fog. a lenha, mesa, Fogão a gás, mesa, Tv. Colorida, Televisão, rádio, Tv. Color, rádio,
gás, fogão à lenha, mesa, cama,
Aparelhos sofás, camas, máq. rádio, cama, fogão a gás, rádio, geladeira, fogão a geladeira, fogão
mesa, sofá, camas, máq. guarda-roupa,
domésticos de lav. roupas, guarda-roupa e mesa, sofá, camas, gás, lavadora de gás, camas, mesa,
lavar roupas, guarda- geladeira, pia e
geladeira, pia e geladeira e pia. geladeira, pia roupas, cama etc.
roupa, geladeira, rádio rádio
rádio.
Lazer / Ir à Igreja,
Andar pela cidade, Comemorações na
Ir à igreja e participar participar dos
Atividades Visita aos filhos visita à ilha Não participa Não participa cidade e visita aos
dos eventos religiosos eventos e
culturais Eventos da Igreja filhos
visitar os filhos
Aux. poder púb.
Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Nenhum Cestas básicas
reacom. na cidade
Os filhos
casa própria / Enchente /
saíram e não Doença/Tratam
Motivo saída Ilha Enchente Enchente Enchente educação dos educação dos
quis morar no continente
filhos filhos
sozinho
Voltaria a morar na
Ilha caso tivesse
condições de
Sim Não Não Não Sim Ela não, ele sim Sim
sobrevivência?
170 Código de campo alterado

Perfil dos entrevistados - ANEXO - 1 (cont.)


Categorias Conceição Inácio Armando
Idade (anos) 50 66 62
Estado Civil Amigada Casado Casado
Naturalidade Nova Esperança Belo Horizonte Trindade - PE
Profissão Lavradora Lavrador Pescador
Nº de filhos 8 Não tem 10
Todas as atividades Carvoeiro, lavrador,
Pescadora e lavradora,
profissionais volante, campeiro, Pescador, lavrador
caseiro
exercidas caseiro
Carteira assinada Não Não Não
Diarista /
Ocupação atual Aposentado Aposentado
desempregada
Tempo total de
25 anos 22 anos 18 anos
perman. em ilhas
Tempo de moradia
3 meses 1 ano e 2 meses 18 anos
no continente
Forma de ocupação
Caseira / Cedido Caseiro / Cedido Cedido
do território
Tam. do terreno na
6 alqueires 4 alqueires 12 alqueires
ilha
Localid. de resid. Pará, Martinópolis -
Maringá - PR,
além de P. Rico e da Nova Esperança SP, Belo Horizonte,
Trindade - PE,
Ilha Mutum Mato Grosso do Sul
Gr. de escolaridade s/ escolaridade 1º ano primário 6ª série ginásio
Descendência Indígena Mineiro Indígena
Religião Católica Evangélico Testem. Jeová
Nº de pessoas na casa 3 (ela, marido e filho) 2 ele e a esposa 2
Renda familiar
R$ 150,00 360 (aposent. X 2) R$ 360,00
mensal
Situação do imóvel Próprio Financ. Vila Rural Próprio
3 (sala-coz., quarto e 4 (sala-coz., banheiro
Nº de Cômodos 8
banheiro) e 2 quartos)
Tv, video-cassete,
Fogão à gás, mesa, Tv Color, rádio,
Aparelhos geladeira, fog. gás,
camas, geladeira, pia geladeira, fog. gas,
Domésticos máq. lavar roup.,
e rádio cama, pia, armários
sofás, etc.
Festividades
Lazer Sair de carroça para
Visitar a ilha municipais, visita às
Atividades culturais cidade
ilhas, viagens
Auxílio do poder
Vereador doou parte
público para Lideranças políticas
material de Nenhum
reacomodação na ligadas à Vila Rural
construção da edícula
cidade
ausência de fonte de 1ª vez Enchentes / 2ª
Motivo saída Ilha Enchentes
renda ausência de renda
Voltaria a morar na
Ilha caso houvesse
Sim Não Não
condições de
sobrevivência?
171 Código de campo alterado

A
Anneexxoo 22
U
Unniiddaaddee:: Á
Árreeaa ddee PPrrootteeççããoo A
Ammbbiieennttaall IIllhhaass ee V
Váárrzzeeaass ddoo R
Riioo PPaarraannáá//PPR
R

Foi criada pelo Decreto S/n.º de 30.09.1997.

ANTECEDENTES LEGAIS

Dados não disponíveis.

ASPECTOS CULTURAIS E HISTÓRICOS

Dados não disponíveis.

ÁREA, LOCALIZAÇÃO E ACESSOS

Possui uma área de 1.003.059 ha e um perímetro de 821,76 Km. Está localizada nos estados do
Paraná e Mato Grosso do Sul, abrangendo os municípios de Altônia, São Jorge do
Patrocínio,Vila Alta, Icaraíma, Querência do Norte, Porto Rico, São Pedro do Paraná,
Marilena, Nova Londrina e Diamante do Norte, no estado de Paraná, e Mundo Novo, Eldorado,
Naviraí e Itaquiraí, no estado de Mato Grosso do Sul.

CLIMA

Dados não disponíveis.

O QUE VER E FAZER (ATRAÇÕES ESPECIAIS)/ÉPOCA IDEAL PARA


VISITAÇÃO

Dados não disponíveis.

RELEVO

Dados não disponíveis.

VEGETAÇÃO

Mata Atlântica.

FAUNA

Espécies ameaçadas de extinção, tais como o cervo-do-pantanal (Blatocerus dichotomus), o


bugio (Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis), a anta (Tapirus terrestris), a jaguatirica
(Leopardus pardalis) e a onça-pintada (Panthera onça).
172 Código de campo alterado

USOS CONFLITANTES QUE AFETAM A UNIDADE E SEU ENTORNO

Dados não disponíveis.

BENEFÍCIOS INDIRETOS E DIRETOS DA UNIDADE PARA O ENTORNO

Dados não disponíveis.

PLANEJAMENTO

Plano de Gestão Ambiental não elaborado.

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A UNIDADE


Número total de Funcionários
01 Funcionário.

Infra-estrutura disponível

Dados não disponíveis.

Gastos Anuais Estimados

1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992


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Total de pesquisas realizadas na unidade

1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992


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Situação Fundiária da Unidade

As APAs são constituídas por áreas públicas e privadas.

Acordos de Parceria

Dados não disponíveis.

NOME DO CHEFE DA UNIDADE

Hélvio Recha

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Rua Brigadeiro Franco, 1.733


80420-000 - Curitiba - PR
Fone: (41) 322-5125
Fax: (41) 225-7588

Fonte: IBAMA (www.ibama.gov.br/)


173 Código de campo alterado

Anexo 3 - A

Roteiro da entrevista semi-dirigida

• Qual sua procedência?


• Qual sua naturalidade?
• Antes de morar na ilha, onde morava?
• Como chegou até a ilha?
• Tempo de residência na Ilha Mutum
• Quais os motivos que o trouxeram para fixar residência na Ilha?
• Como era a ilha quando você chegou?
• Quais as dificuldades que passou?
• O que teve que aprender / desenvolver para se adaptar ao trabalho e à vida na ilha?
• O que cultivava e criava e com qual finalidade?
• Participava de festas, eventos ou comemorações na ilha?
• Como era sua vida na ilha?
• Como era o trabalho na ilha?
• Descreva um dia típico de atividades na ilha
• Como era sua relação com os demais moradores na ilha?
• Motivo de ter deixado a ilha.
• Quando saiu da ilha, que expectativas tinha com relação à vida na cidade?
• Recebeu algum tipo de auxílio para se adaptar à cidade?
• Como foi sua adaptação da ilha para a cidade?
• Em que trabalhou nessa época de transição?
• Como é sua vida aqui na cidade?
• Costuma participar de festas, religião, associação, clubes...
• Como é sua relação com os demais moradores da cidade?
• Como é o trabalho na cidade.
• Descreva um dia típico de atividades na cidade.
• Sente falta de algo que havia nas ilhas e que não tem na cidade?
• O que foi bom ter deixado para trás, que hoje não acontece ou não faz aqui na cidade?
• O que a ilha tem de bom?
174 Código de campo alterado

• O que a cidade tem de bom?


• O que a ilha tem de ruim?
• O que a cidade tem de ruim?
• Como você avalias sua experiência de vida na ilha e na cidade?
• Morando aqui na cidade... o que melhorou? O que piorou?
• Fale-me sobre os turistas.
• Fale-me sobre o rio.
• Se você pudesse, hoje voltaria a morar na ilha? Porquê?
175 Código de campo alterado

Anexo 3 - B

Entrevista - Dados Formais

1. Data entrevista:
2. Nome completo:
3. Sexo:
4. Data de nascimento:
5. Estado Civil:
6. Profissão:
7. Quais as atividades profissionais que já desempenhou?
8. Em quais tinha carteira assinada?
9. Atualmente trabalha em quê?
10. Endereço.
11. Quanto tempo reside neste município.
12. Quais os municípios que residiu anteriormente à este.
13. Grau de escolaridade.
14. Raça.
15. Religião.
16. Deficiência que física ou mental que impeça suas atividades habituais.
17. Capacidade visual ( incapaz, grande ou pouca dificuldade, nenhuma).
18. Capacidade de audição (incapaz, grande ou pouca dificuldade, nenhuma).
19. Idade, sexo e grau de escolaridade das pessoas domiciliado neste endereço.
20. Quantas pessoas domiciliadas freqüentam a escola.
21. Quantas exercem alguma atividade remunerada que ajuda na renda familiar e qual o
valor.
22. Recebe pensão, aposentadoria, aluguel, mesada, outro? Qual o valor?

23. Tipo de domicilio (casa, apartamento, cômodo) .


24. Domicilio (próprio, cedido, alugado, financiado, outra condição) Se alugado ou
financiado qual o valor?
25. Quantidade de cômodos existente.
26. Abastecimento de água utilizada ( poço ou nascente, rede geral, outra).
27. Escoadouro do banheiro está ligado á (Rede geral de esgoto, fossa, vala, rio, lago,
outro).
176 Código de campo alterado

28. Destino do lixo doméstico (coletado por serviços de limpeza, queimado ou enterrado na
propriedade, jogado em terreno baldio ou em rio e lago, outro.) .
29. Domicilio com energia elétrica?
30. Quantidade existente de.
◊ Radio;
◊ Geladeira;
◊ Videocassete;
◊ Televisão;
◊ Máquina de lavar;
◊ Ar condicionado;
◊ Forno Microondas;
◊ Linha telefônica;
◊ Fogão;
◊ Cama;
◊ Mesa;
◊ Sofá;
◊ Pia;
◊ Automóveis.
31. Qual o meio de lazer seu e de sua família nas outras vagas?
32. A cada quanto intervalo de tempo freqüenta o dentista?
33. Quais as providências adotadas por parte do poder público para receber ou atender as
necessidades dos ilhados? E quais eram essas necessidades?
34. Quais as atividades públicas e coletivas que você participa? (festas, feiras, cultos
religiosos, etc)
35. Tem criação de animais ou plantações de sustento? Qual o destino da produção? (venda
ou consumo)

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