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MARINGÁ
2002
EDUARDO ALEXANDRE RIBEIRO DA SILVA
MARINGÁ - PR
2002
Dissertação defendida e aprovada em 21 de novembro de 2002, pela Comissão
Julgadora constituída pelos professores:
Teresa, 2001
Dedicatória
Agradecemos ao NUPÉLIA -
Núcleo de Pesquisa em Limnologia,
Ictiologia e Aqüicultura da Universidade
Estadual de Maringá, que através do
Programa de Pós-Graduação em
Ecologia de Ambientes Aquáticos
Continentais, proporcionou parte da infra-
estrutura necessária para a
concretização desta pesquisa.
Agradecemos, em especial, à
população de Porto Rico, que de uma
maneira bastante amistosa, prontamente
nos recebeu e conosco colaborou,
sempre que solicitado.
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................................. i
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..........................................................................3
PARTE I
REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 163
ANEXOS.............................................................................................................................. 175
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Gráfico da variação da população de Porto Rico nos últimos 30 anos ..........6
FIGURA 2 Ilhas do rio Paraná ............................................................................................7
FIGURA 3 Variedades de hábitats na Ilha Mutum.............................................................8
FIGURA 4 Gráfico representativo da reprodução material de vida.................................45
FIGURA 5 Gráfico comparativo de escolaridade .............................................................48
FIGURA 6 Fotografia - Dimensão individual ..................................................................162
FIGURA 7 Fotografia Dimensão coletiva .......................................................................162
FIGURA 8 Fotografia Dimensão ambiental....................................................................162
LISTA DE TABELAS
Este trabalho apresenta a trajetória sócio-cultural da população que habitava a Ilha Mutum,
uma das ilhas do alto rio Paraná, e os conflitos vivenciados por esses antigos moradores, em
uma região que hoje integra a área de proteção ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná.
Nosso objetivo foi recolher narrativas dos ex-ilhéus sobre a experiência de habitar na ilha e na
cidade, de modo a encontrar indicações da conformação atual de sua identidade cultural. Para
apresentar a saga desses ex-ilhéus, discutimos temas sobre populações tradicionais,
populações tradicionais e Unidades de Conservação, política ambiental no Brasil, política
agrária e identidade cultural. Optamos por utilizar uma abordagem temporal, ou seja, a
apresentação da situação anterior à chegada, a posterior fixação, adaptação, conflitos e a
situação atual da população considerada. Deste modo, acreditamos expor de uma forma mais
clara o caráter dinâmico das forças que moldaram o quadro atual de impedimentos sócio-
político-culturais de uma população sem perspectiva de dias melhores. Como metodologia,
utilizamos a técnica de entrevista sugerida pela História Oral, indicada para o estudo de sobre
a adaptação e transição cultural de comunidades humanas expostas a situações estranhas ao
meio original. Considerando os conflitos e as negociações identitárias com as quais este grupo
se deparou, entendemos que a identidade cultural não se perdeu, manteve sua originalidade de
uma população campesina, mas foi transformada em uma identidade transitória, entre a
tradicional e a urbana. Hoje, vivem o dilema de serem cidadãos urbanos, sem contudo, poder
exercer as práticas sócio-culturais tradicionais.
This work presents the trajectory cultural and social of the population that inhabited the
Mutum Island, one of the islands of the high Paraná river, and the conflicts lived deeply by
these old inhabitants. This area, nowadays, integrates the region of Environment Protection
Area known as Islands and Floodplain water bodies of the Paraná river. Our objective was to
collect narratives of the previous inhabitants of the Mutum’s Island, about the experience of
inhabits in the island and in the city, in order to find indications of the current conformation of
their cultural identity. To present that trajectory, we argue subjects about traditional
populations, traditional populations and Units of Conservation, environmental politics in
Brazil, agrarian politics and cultural identity. We opt to use a temporal approach, that presents
the previous situation to the arrival, the adaptation, the conflicts and the current situation of
the considered population. In this way, we believe to display by a clearer form, the dynamic
character of the forces that had molded the current picture of social, politician and cultural
impediments of a population without any perspective of better days. We used the technique of
interview suggested for Oral History, indicated to study the adaptation cultural of human
communities that are in a strange situation, when compared to the original situation.
Considering the conflicts and the cultural negotiations of this group we understand that their
cultural identity was not lost, kept its originality of a pleasant population. Although their
identity was transformed to a transitory identity, between traditional and the urban one.
Today, they live the quandary to be urban citizens, without however, to be able to exert their
social and traditional culture activities.
II
Introdução
1
A transcrição de entrevistas de 1h e 10 min, em média rendem 18 páginas tamanho ofício e para 10
entrevistados, 15 fotografias totalizam 150 a serem analisadas. Em adição, o Manual de História Oral de José
Carlos Sebe Bom Meihy, 1996 esclarece que a história oral tem sido mais explorada em casos mais restritos,
devido a dificuldades de trabalho com grandes quantidades de entrevistas, aconselhando portanto, um bom
recorte na pesquisa, bem como a adoção de entrevistas com “personagens-chave” da situação a ser estudada.
II
exclusivo de fontes oficiais, não seria possível apreender. Quando procuramos compreender
as conseqüências que determinados fatos tiveram sobre alguém, ninguém melhor que o
próprio sujeito dos fatos para nos informar, nas palavras de Bom Meihy (2000, p.12):
“Algumas histórias pessoais ganham relevo à medida que expressam situações comuns aos
grupos ou que sugerem aspectos importantes para o entendimento da sociedade mais ampla”.
Como estratégia de análise das conseqüências dos conflitos e das transformações
sociais, econômicas e culturais, que afetaram a população dos ex-moradores da Ilha Mutum,
dividimos o presente trabalho em duas partes.
Na primeira parte (capítulos de 1 a 6), os relatos dos entrevistados são analisados
mediante os constructos teóricos e as contribuições dos diversos autores que consultamos ao
longo da pesquisa. A segunda parte (capítulo 7), está subdividida em algumas das categorias
programadas no questionário semidirigido, expondo a fala dos entrevistados sobre o tema.
Pretendíamos assim, incluir a fala dos entrevistados de uma maneira mais independente e
isenta de adequações teóricas. Procuramos valorizar o aspecto dinâmico envolvido nas
transformações dos cenários sociais, econômicos, políticos e culturais, que influenciaram a
vida dos ex-moradores da Ilha Mutum.
As entrevistas, foram realizadas, mediante as técnicas metodológicas da História Oral
sugeridas por Bom Meihy (2000) e Thompson (1998), que consideram a História Oral um
instrumento fundamental para a análise de fenômenos sócio-cultuais de grupos e ou
populações, vinculados à narrativa, memória e identidade. A análise dos dados foi orientada
por estudiosos em: populações tradicionais, Unidades de Conservação, identidade cultural,
políticas públicas, questões agrárias, política ambiental no Brasil e impactos ambientais
causados por grandes barragens, ao longo dos capítulos 2, 3, 4, 5 e 6.
II
Procedimentos Metodológicos
Objetivos
II
CAPÍTULO 1
Descrição da área de estudo
Aqui era um capinzal, isso aqui onde tem essas casas era
um colonhão danado. Tinha uma colônia de casa ali,
Onde hoje está a água alí hoje, era um barracão muito
grande, tinha um pé de figueira. E naquela enchente que
deu, matou. (João)
7000
6000
Quantidade
5000
RURAL
4000
URBANA
3000
TOTAL
2000
1000
0
1970 1980 1991 1996 2000
Ano
Estes dados demonstram duas situações distintas: por um lado houve uma
considerável diminuição do número total de habitantes entre 1970 e 2000, de
6.192 para 2.547 habitantes, e por outro um processo migratório do campo para
a cidade, evidenciando um êxodo rural.
Uma parte da população atual de Porto Rico é composta por ex-moradores das
ilhas do rio Paraná, dentre estas, a mais famosa é a ilha Mutum, não só por sua
proximidade com o município (a ilha em frente a margem esquerda do rio), mas
também por ter sido a maior e mais populosa ilha da região (cerca de 400
famílias). Esta ilha conta com 14,6 km de extensão num perímetro de
aproximadamente 13 hectares, e situa-se a 800 metros do continente (SÁ, 1998).
De acordo com os entrevistados, era a mais produtiva da região.
Essa população de ex-ilhéus, basicamente formada por camponeses
expropriados, devido, entre outros fatores, ao crescimento da pecuária no
Estado, distribuíram-se para várias partes do país. Muitos, deixaram as terras dos
patrões na mesma condição em que chegaram, isto é, como migrantes,
aproveitando os programas do governo como os do INCRA.
Uma parte da população foi transferida pelo INCRA (Instituto Nacional
de Reforma Agrária) para outros estados, como Rondônia, Mato Grosso e
Pará. Outra parte, ocupou as ilhas do rio Paraná, passando a atuar como
pescadores, pequenos agricultores e trabalhadores volantes (SÁ, 1998, p.
12).
A cidade, bem como a grande maioria dos habitantes das ilhas foi formada a
partir da chegada de migrantes vindos de diversas partes do país, especialmente
da região norte e nordeste, atraídos pelas terras férteis e clima propício para
diversas culturas agrícolas, principalmente o café que se destacou inicialmente
na economia regional.
Fazem parte desse estudo, alguns dos moradores, ex-habitantes da Ilha Mutum
que permaneceram na região, fixando-se na cidade de Porto Rico. A maioria dos
-7-
que estão na cidade, habitam o perímetro urbano e outros, habitam a Vila Rural,
há 10 Km da cidade.
O Município conta com três bairros urbanos (Vila Nova, Pôr do Sol e Conjunto
Flamingo) e nove localidades rurais (Ouro Verde, Três Ranchos, Quatro
Ranchos, Vila Urubu, Miguel Pontes, Ponte Preta, Inácio Franco, Comunidade
Fazenda Jane e Distrito Relíquia do Norte). Como o Município está localizado
às margens do rio Paraná, que passa com uma extensão de 1.500 metros de
largura, entre uma margem e outra, Porto Rico conta ainda com 16 ilhas (Boa
Vista, Coutinho, Japonesa, Floresta, Bandeiras, Pombas, Defunto, Carioca, do
Pacú, Santa Rosa, Sílvia, Cajá, Mandaguari, das Vacas, Porto Rico e Mutum),
além das praias Carioca, Permanente e as que se formam apenas no verão. (SÁ,
1998)
Localizada no trecho do rio Paraná denominada por Maack (1981) como Alto
Rio Paraná, entre os municípios de Porto Rico (PR) e Taquaruçú (MS), a Ilha
Mutum (22°44’ a 22°47’ S e 53°12’ a 53°21’ W - Figura 1) ocupa uma extensão
de 976 ha, tendo sido a ilha mais populosa do arquipélago Mutum - Porto Rico
(CORREA, 1998).
Esta região está situada a uma altitude aproximada de 230 m e o clima da região,
de acordo com o sistema de Köeppen, é do tipo Cfa – clima subtropical úmido
mesotérmico, com verão quente, temperatura média de 22ºC e precipitação entre
1200 a 1300 mm anuais (FILHO; STEVEAUX, 1997). Insere-se também na
região da Floresta Estacional Semidecidual, estando portanto, ecologicamente
condicionada pela dupla estacionalidade climática, uma tropical, com épocas de
intensas chuvas de verão, seguidas por estiagem acentuada e outra subtropical,
sem período seco, mas com seca fisiológica provocada pelo intenso frio de
inverno (CAMPOS; SOUZA, 1997).
Grande parte da rede hidrográfica da região está sob controle de barragens. À
jusante, o rio encontra-se barrado pela usina hidrelétrica de Itaipu e, a montante
pelas usinas de Porto Primavera e Jupiá. O único trecho do rio a correr livre está
situado entre a foz do rio Paranapanema e a cidade de Guaíra. Entretanto,
mesmo este trecho encontra-se ameaçado enquanto ambiente lótico, pela
construção da Hidrelétrica de Ilha Grande, atualmente suspensa (FILHO;
STEVEAUX, 1997; SBL, 2002).
O ciclo hidrológico do rio Paraná, com os seus pulsos de inundação, exerce
grande influência sobre essas ilhas. Segundo Thomaz et al. (1997), durante o
período de águas altas, as oscilações nos níveis hidrométricos chegam até 3 m,
provocando alagamento ocasional das partes mais baixas dessas ilhas. Esse
alagamento sazonal traz influências sobre a vegetação atingida, que, somado ao
recente processo de desmatamento e sucessão natural, gera uma variedade de
diferentes hábitats na mesma ilha (Figura 2) (SOUZA et. al., 1997)2.
2
Para maiores detalhes a respeito da composição do meio físico, consultar: . VAZZOLER, A. E. A. de
M. et al. ; AGOSTINHO, A. A.; HAHN, N. S. A planície de inundação do alto rio Paraná: aspectos
físicos, biológicos e socioeconômicos. EDUEM, Maringá, 1997.
-9-
De acordo com levantamentos prévios, a região conta várias ilhas, cujo processo
de ocupação está ligado à cidade (CAMPOS, 1997). No trecho do arquipélago
Mutum-Porto Rico, o rio Paraná apresenta um amplo canal entrelaçado com
baixa declividade e uma extensa planície fluvial. Esta planície abriga grande
conjunto de ilhas, pântanos, lagoas, canais secundários e diques marginais que
são de grande importância para a ecologia local (FILHO; STEVEAUX,1997;
FUEM/CIAMB-PADCT, 1995; AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996).
O primeiro registro de ocupação deste arquipélago, que inclui as ilhas Porto
Rico, Mutum, Melosa, Machado e Pithi, data do ano de 1952 ou anos
imediatamente anteriores. Os primeiros ocupantes estabeleceram-se na cabeceira
da Ilha Mutum numa área de aproximadamente 7 hectares, e providenciaram a
derrubada da mata do sítio de ocupação (CORREA, 1998). Esta ilha, apresenta
adiantado estado de degradação da cobertura florestal, encontrando-se apenas
resquícios das florestas originais, na forma de fragmentos pequenos e isolados
(Figura 2), havendo também o predomínio de zonas arbustivas, com diversas
pequenas lavouras de subsistência de moradores locais.
Toda essa região do arquipélago encontra-se inserida na Área de Preservação
Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná que foi criada em 30/09/1997 com
a finalidade de proteger a fauna e flora, especialmente as espécies ameaçadas de
extinção, tais como o cervo-do-pantanal (Blatocerus dichotomus), o bugio
(Alouatta fusca), a lontra (Lutra longicaudis), a anta (Tapirus terrestris), a
jaguatirica (Leopardus pardalis) e a onça-pintada (Panthera onça); garantir a
conservação dos remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual Aluvial e
Submontana, dos ecossistemas pantaneiros e dos recursos hídricos; garantir a
proteção dos sítios históricos e arqueológicos; ordenar o turismo ecológico,
científico e cultural, e demais atividades econômicas compatíveis com a
conservação ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir para o
resgate da diversidade cultural regional e assegurar o caráter de sustentabilidade
da ação antrópica na região, com particular ênfase na melhoria das condições de
sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e entorno.
- 10 -
Ilha Ambientes
Florestas Zonas Campos Zonas Total
arbustivas abertos aquáticas (ha)
A pesca aparece não como uma atividade escolhida, mas como a única que resta,
numa região em que outras possibilidades ocupacionais são escassas. A
atividade da pesca acompanhou a vida econômica e a conseqüente degradação
ambiental da região; de atividade promissora e atraente, passou a quase que
obrigatória.
Mesmo tendo chegado à região como trabalhadores em terras alheias e, portanto,
como contratados, o trabalho, tal como efetivado à época, permitia que
mantivessem não só as formas a que estavam acostumados de contato com a
natureza, como sua autonomia e identidade cultural. Entretanto, isso não é mais
possível, e diante destas dificuldades, alguns se sentem tentados a trocar as
incertezas da pesca por uma atividade assalariada, onde os ganhos, embora
reduzidos, possam ser freqüentes e garantidos (SÁ, 1998).
As populações que num primeiro momento ocuparam as terras, foram expulsas
para as ilhas. Depois, foram expulsas das ilhas. Hoje, nem continente, nem ilhas,
sobrou o rio Paraná, que não é suficiente para o sustento da população
expropriada. A modernização, se faz às custas da exclusão da população que
hoje vive da pesca, gradativamente, o espaço se transforma em capital.
Sendo assim, o conflito, não se manifesta através de luta armada ou invasão de
terras, mas revela-se no dia-a-dia de uma população que já não tem de onde tirar
o seu sustento (SÁ, 1998).
CAPÍlTULO 2
Do lado de cá: A situação antes de chegar à ilha
3
A frente pioneira exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas
regiões pela economia de mercado. Ela se apresenta como fronteira econômica. Compreendê-la
como tal, no entanto, implica em considerar que, no caso brasileiro, a fronteira econômica não
coincide, necessariamente, com a fronteira demográfica (via de regra aquela está aquém desta). A
faixa entre una e outra embora sendo povoada (ainda que com baixos índices de densidade
demográfica), não constitui basicamente porque sua vida econômica não está estruturada
primordialmente a partir de relações de mercado. É essa faixa com suas peculiaridades econômicas,
sociais e culturais, que se pode conceituar como frente de expansão. A figura central dessa frente de
expansão é o ocupante ou posseiro. (Martins, 1975, p.45-46)
- 12 -
4
Segundo o autor, desde as últimas décadas do século XIX até, aproximadamente, a década de
1950, o sistema de obrages foi implantado no oeste do Paraná. “O sistema era típico das regiões
cobertas pela mata tropical, em território argentino e paraguaio, e sua existência baseava-se no
binômio: mate-madeira”. As obrages eram “gigantescas concessões por parte do governo paranaense
para exploração da erva-mate”. Obragero era chamado o proprietário ou concessionário da área onde
se instalava a obrage; mensu era o nome dado a quem se propunha executar o trabalho braçal na
obrage; e comissionista era aquele que recrutava a mão-de-obra para as obrages (Wachowicz, 1987,
p. 194 apud Rosa, 2000, p. 26).
- 13 -
O governo estadual cedia a cada requerente 200 alqueires para as terras cuja
colonização era de competência do Estado, entretanto, de acordo com Soares
(1973 apud ROSA, 2000), ocorriam muitas irregularidades na posse das terras.
Usava-se de subterfúgios diversos para reunir grandes áreas. Um elemento usava
dez pessoas de sua confiança para requererem lotes coloniais, que logo em
seguida passavam às suas mãos. Na verdade, o baixíssimo preço do alqueire
suscitava grande interesse em terras de mata, como empate de capital (SOARES,
1973 apud ROSA, 2000).
Entre as empresas imobiliárias que atuaram na porção noroeste do estado,
citamos Boralli e Held (Alto Paraná); Cobrinco (Santa Cruz do Monte Castelo);
Leôncio de Oliveira Cunha (Paraíso do Norte); Armando Chiamulera e outros
(Nova Londrina); Tarquínio Ferreira e outros (Santa Isabel do Ivaí); Spinardi e
Sebastião Delfino (Loanda); Gutierrez Beltrão (Tamboara); Organizações
Ademar de Barros (Terra Rica); Imobiliária São Paulo - Paraná (Querência do
Norte); Sivas Pioli (São Carlos do Paraná); Almeida Prado (Itaúna do Sul e
Diamante do Norte). Com a atuação dessas empresas imobiliárias, o número de
- 14 -
cidades saltou de 49, em 1940, para 80, em 1950 (LOPES, 1982 apud ROSA,
2000).
Após a fundação da colônia Paranavaí-Paraná, a partir de 1939, iniciou-se o
processo de colonização do extremo noroeste do Paraná, região onde localiza-se
a área de estudo, coordenado pelo próprio Estado (SÁ, 1998).
Como já citado anteriormente, o processo de colonização do território não se
deu de forma pacífica. Até a década de 60, houve muitos conflitos, inclusive
armados pela posse da terra, envolvendo posseiros e jagunços a serviço das
empresas colonizadoras, apoiadas pela polícia estadual. Para conciliar tais
interesses, foi necessário a constante intervenção da polícia militar e do poder
judiciário (SÁ, 1998; Rosa, 2000; RÊGO, 1979).
Contudo, de acordo com Rosa (2000), a intervenção governamental nos
conflitos armados entre fazendeiros, empresas colonizadoras, grileiros, índios,
colonos e posseiros, também foi importante para estender a fronteira agrícola do
estado até as barrancas do rio Paraná, entre 1960 a 1970. Na maioria das vezes,
o governo transferiu os não-proprietarios para glebas recém-abertas pela
colonização oficial.
Apesar disso, a partir de 1980 , os conflitos continuaram, e novamente o
governo interviu, oferecendo incentivos para que os não-proprietários seguissem
as mais recentes frentes de expansão territorial, resolvendo assim, de forma mais
imediata os conflitos pela posse na região.
Uma parte da população foi transferida pelo INCRA (Instituto Nacional
de Reforma Agrária) para outros estados, como Rondônia, Mato Grosso e
Pará. Outra parte, ocupou as ilhas do rio Paraná, passando a atuar como
pescadores, pequenos agricultores e trabalhadores volantes (SÁ, 1998, p.17).
5
Aqui seguimos a classificação do Ipardes (1983, p. 16) para definir as categorias de produtores
rurais. a) Pequenos produtores: Os que trabalham em estabelecimentos com até 20 ha e tem a
especificidade de utilizarem técnicas rudimentares e o trabalho familiar. Neste Grupo podem ser
incluídos aqueles que produzem em áreas com até 50 ha por apresentarem comportamento mais
próximo desta categoria; b) Médios produtores: Os que trabalham em estabelecimentos entre 50 ha e
500 ha. São na maioria produtores familiares, no entanto modificados por incorporarem novas
técnicas de produção. c) Grandes produtores: Os proprietários de estabelecimentos acima de 500 ha.
Dependem mais do trabalho assalariado, mas essa condição não os identifica como grande produtor
capitalista.
- 17 -
6
Entre 1970 e 1980, a área trabalhada por proprietário passou de 76,8% para 87,1%, enquanto nas
demais categorias de produtores houve diminuição. No caso dos arrendatários, a área trabalhada
diminui de 6,7% para 5,3%; entre os parceiros de 12,2% para 5,2%, e no caso dos ocupantes de
4,3% para 2,5%, indicando, a despeito da diminuição da população rural, o incremento da área
agrícola. (FLEISCHFRESSER, 1984 apud ROSA, 2000)
- 18 -
Para o Ipardes (1983) foi surpreendente a velocidade com que o Paraná passou
da condição de receptor para a de expulsor de população, a magnitude da
migração e a direção do seu fluxo, que desta vez não foi voltado principalmente
para novas frentes de expansão, mas sim para os centros urbanos. Somente os
produtores que detinham parcelas de terra, passíveis de serem vendidas é que
tentaram novos deslocamentos rurais para garantir sua reprodução como
produtor. Isso, sem contar o peso da população que partiu em direção ao
Paraguai, estima-se que aproximadamente 400 mil brasileiros deixaram o Estado
para ocupar as faixas da fronteira Brasil-Paraguai (IPARDES, 1983).
Em 1985 o censo agropecuário apontou a existência de 467.829
estabelecimentos agrícolas, indicando que entre 1970 e 1985 houve a redução de
quase 100 mil estabelecimentos, embora tenham aumentado as áreas de lavouras
que saltou de 4.718.606 hectares para 6.085.021 hectares entre 1970 e 1980,
indicando a incorporação de terras por um número menor de estabelecimentos,
configurando uma considerável concentração fundiária (ITCF, 1987; IPARDES,
1982, 1983).
O grande motor dessa nova ordem de produção agrícola e reordenamento do
espaço, foi o cultivo da soja que exigia extensas áreas para seu cultivo, bem
como o uso das “facilidades modernas”, da novidade do uso de máquinas para
plantar, dar manutenção e realizar a colheita. Contudo, outras culturas também
sofreram tecnificação como a da cana-de-açúcar, do milho, do arroz, pecuária
suína, bovina, a produção de aves e ovos, etc (IPARDES, 1982, p. 26-28).
- 19 -
- Permanentes 952.320
- Temporárias 5.132.701
- Em descanso 697.404
- Naturais 1.534.151
- Plantadas 3.986.067
- Naturais 1.972.946
- Plantadas 625.662
- Rios 643.250
- Represas 111.240
- Federal 17.850
- Estadual 30.829
- Municipal 399.933
- Ferrovias 6.657
7
Em Carnascialli et. al., 1987, constatamos que a transformação de um ecosistema (meio natural) em
um agroecosistema implica modificações de diversas magnitudes. “Essa transformação implica obter
um sistema simplificado – sobretudo da vegetação – que seja mais eficiente na produção de
biomassa consumível pelo homem. Porém, a especialização diminui drasticamente a capacidade de
auto-regulação do sistema, isto é, torna-o frágil e suscetível aos processos de degradação. (...)
Quando se ultrapassa a capacidade de sustentação, instaura-se no sistema um processo de
degradação que diminui progressivamente a produtividade e a própria capacidade de sustentação.
(...)”. ( p. 162-163)
CAPÍTULO 3
Do lado de lá: A experiência na Ilha
3.1 - A Chegada
Entrevistado: "Na ilha, teve teve. Teve dois trecho de café bonito aqui,
ah, qui nem eu tô dizendo, de frente aqui, no do lado de lá né. O Antônio9,
ah, quando era o Antônio aí né. Ele tinha um café bonito aí, né. Mas não era
o Antônio, entende, foi o Vergilo antes que daí vendeu, dispois do direito
pro Antônio, ele cuidou muito tempo aí. E lá pra baixo do Porto Rico, na
Mutum mesmo, tinha um cafezal bonito ali também. O cara tinha uns, uns
quinze mil pé de café alí." (SÁ, 1998)
Cabe observar que nossos entrevistados, por vezes confundiam sua condição,
uma vez que se diziam arrendatários. Entretanto, sua prática era de parceiros,
uma vez que na condição de arrendatários, teriam que pagar um valor fixo em
dinheiro e periódico pelo aluguel da terra, o que de fato não acontecia. Em
algumas ocasiões, quando o patrão era “boa pessoa”, era-lhes permitido
permanecer nas terras por certo tempo, cedendo uma parte de tudo o que
produzisse.
A ocupação das terras da Ilha Mutum, através da “compra” dos direitos de
posses dos posseiros que ali chegaram inicialmente, ocorreu a partir da década
de 1960, além desta data, não encontramos relatos de ocupação através da ação
de posseiros.
A compra dos direitos de posse diz respeito ao pagamento por benfeitorias
realizadas no local como edificação de casas, trapiche para embarcações,
plantações existentes e outras edificações, uma vez que as terras das ilhas em
território brasileiro pertencem à Marinha do Brasil.
8
Lavouras sazonais como as de amendoim, algodão, milho etc. (Tommasino, 1985)
9
Estamos usando este pseudônimo pois o informante está se referindo a um dos entrevistados neste
estudo, que conforme veremos mais tarde, é originário do Estado de Minas Gerais.
- 27 -
Assim foi com Sr. Antônio, que chegou na ilha em 1964, com todas as
benfeitorias necessárias de plantações e criação de animais, “já formadas”. Ele
veio à procura de uma propriedade para trabalhar e “progredir na vida”. Ele
acreditava que na Mutum, realizaria seu intento, devido a “fama” da ilha de ser
muito produtiva. Dentre os entrevistados, Antônio foi o que possuía maior
quantidade de terras na ilha, 20 alqueires.
Contudo, verificamos que 50% (5) dos colaboradores da pesquisa se instalaram
na ilha na condição de caseiros. A estes, cabia zelar pela “posse”, fazendo a
capina e a limpeza da casa de veraneio, “o clube”, e servir aos patrões durante
sua permanência, prestando-lhes pequenos serviços como pilotar o barco,
arrumar tralhas de pesca, ajudar com carga e descarga de materiais. Em troca,
recebiam um salário mínimo e o direito de plantar e morar na terra.
Deste modo, as ilhas do rio Paraná constituíram para esses lavradores remanescentes,
excluídos das transformações econômicas, no setor rural do Estado, um último refúgio na
tentativa de reprodução de sua condição camponesa.
A boa convivência com os moradores parecia ser o traço forte entre os ilhéus.
Muitos relataram o socorro e o auxílio nos momentos de necessidade. Ao que
parece, todos estavam no mesmo nível social e econômico, todos sabiam das
adversidades enfrentadas, igualando-se na forma de produção de vida. A
colaboração mútua era também uma forma de superar os desafios de se viver em
uma comunidade restrita que precisava se manter com as condições que tinham
disponíveis. Nessas condições, fica evidenciada a diferença das condições de
colaboração e ajuda mútua entre os habitantes nos dois ambientes. Atualmente,
entre eles na cidade, estas características não são tão presentes quanto era na
ilha.
Os laços sociais externos ocorriam através do contato dos moradores com a
sociedade mais ampla do continente:
- nas ocasiões da comercialização de seus produtos;
- nas visitas a familiares e amigos;
- no tratamento de doenças enfermidades;
- nas compras dos produtos domésticos básicos como o querosene para a
lamparina, a gasolina para o motor do barco, o açúcar para o café e
artigos de vestuário;
- nos bailes, festividades e comemorações como as de Nossa Senhora
dos Navegantes
10
A memória é citada por diversos autores como o suporte fundamental da identidade, uma forma de
“mecanismo” de retenção de informação, conhecimento, experiência, quer em nível individual, quer
social e, por isso mesmo, constitui-se no eixo de atribuições, que articula, categoriza os aspectos
multiformes de realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade. Meneses. [...]
Exilar a memória no passado é deixar de entendê-la como força viva do presente. Sem
memória, não há presente humano, nem tampouco futuro. Em outras palavras: a memória gira em
torno de um dado básico do fenômeno humano, a mudança. Se não houver memória, a mudança
será sempre fator de alienação e desagregação, pois inexistiria uma plataforma de referência, e cada
ato seria uma reação mecânica, uma resposta nova e solitária a cada momento, um mergulho do
passado esvaziado para o vazio do futuro. É a memória que funciona como instrumento biológico-
cultural de identidade, conservação, desenvolvimento, que torna legível o fluxo dos acontecimentos.
Meneses (1987, p. 183 e 185)
- 31 -
que a dependência dos camponeses para com as cidades era maior dos que se
supunha.
Entre a cidade e os camponeses, existem não somente relações de troca, mas
também de dominação e subordinação. Deste modo, uma determinada formação
econômico-social não participa somente da sociedade global através de meros
procedimentos de compra e venda de produtos, mas, através da cidade,
participam da grande tradição de que fala Redfield. Segundo ele, a cultura de
uma comunidade camponesa não é autônoma, e sim um aspecto ou dimensão da
civilização de que faz parte (REDFIELD, 1967 apud DIEGUES, 1983). Muitas
vezes, a dependência chega até mesmo atingir o nível da cultura, como foi
constatado nessa pesquisa, em que os ilhéus dependiam inclusive das expressões
culturais da cidade de Porto Rico11.
Durhan (1978) nos apresenta uma explicação bastante completa da dependência
das sociedades tradicionais em relação à sociedade mais ampla.
Na verdade, essas comunidades nunca são (nem foram) completamente
isoladas e auto-suficientes, e a dependência que manifestam em relação ao
mundo exterior é o fundamento da sua integração na sociedade nacional.
Essa dependência se manifesta inicialmente, na própria adaptação ecológica
A relação do caboclo ao seu ambiente, sempre dependeu de um mínimo de
utensílios, instrumentos e mesmo bens de consumo que só podiam ser
produzidos em uma economia diferenciada: quanto mais não fossem, armas,
utensílios de metal e sal. Os instrumentos fundamentais para a exploração do
ambiente, de um lado o machado e a enxada, de outro a espingarda e a faca
não são produzidos localmente. Aliás, grande parte de seu equipamento
material, mesmo quando de fabricação doméstica, são réplicas simplificadas
de elementos que se difundem de sistemas sócio-culturais mais complexos: é
o caso do monjolo, da prensa de cana, mesmo do vestuário e, em parte, do
modo de preparo dos alimentos. Tal dependência não impede o isolamento
mais impõe limites ao distanciamento cultural das sociedades tecnológicas
mais complexas (DURHAN, 1978, p. 82 apud TOMMASINO, 1985, p.
154).
É preciso lembrar, como faz Post (1972, apud DIEGUES, 1983), que essas
relações não se reduzem a um aspecto espacial ilha / continente, mas são
mediadas pela noção de um excedente produzido pelos camponeses e
expropriado pelas classes dominantes que se concentram no meio urbano. Post
enfatiza que a entrega desse excedente não é somente a venda de produtos ou
coisas, mas expressa uma relação de dominação assimétrica de poder. De um
lado, há uma camada social, por exemplo, os comerciantes, que, através de
termos desiguais de troca, compram a produção a baixo preço; de outro lado, há
os lavradores, que constituem um conjunto de produtores desprovidos do poder.
Por fim, Diegues (1983) adverte ainda que a representação de cidade, é diferente
para os pescadores artesanais e lavradores-pescadores. Para os pescadores
artesanais, a cidade é o mercado por excelência, onde dia a dia eles se defrontam
com os atravessadores no momento de vender o peixe. É ali também que vão
procurar o combustível, o gelo, o óleo. É ali que eles também habitam,
geralmente em casas pobres, nos arrabaldes da cidade, ou entulhados na área do
porto. Para eles, desapareceu a roça, a plantação e surgiu o rio para onde,
diariamente, saem para buscar o peixe, imediatamente transformado em valor de
troca.
Para os lavradores-pescadores, a cidade significa o centro para onde se dirige o
seu parco excedente, seja agrícola, seja pesqueiro. As cidades, no entanto,
mudam. Antes elas viviam da produção das pequenas sociedades camponesas,
hoje, grande parte vem de fora, mesmo a pequena produção agrícola,
diminuindo sua possibilidade de participação na economia na qual se
desenvolveram.
Era no continente que se localizavam as "máquinas de arroz" que, para os ilhéus,
funcionavam como uma espécie de "banco de crédito", onde negociavam o
excedente da produção de cereais, na medida de sua necessidade. O contato
comercial com o continente se dava em duas vias, tanto o ilhéu se dirigia para o
continente, quanto o 'continente se dirigia aos ilhéus'. Neste caso, eram os
compradores de banana que seguiam de barco até as margens das ilhas para
comprarem a farta produção relatada por todos os colaboradores da pesquisa.
Era na cidade onde estavam os armazéns, casas de comércio, para onde
o lavrador-pescador podia levar seu arroz, a farinha de mandioca, os ovos, o
peixe seco e mesmo a lenha cortada, em feixes, que servia para alimentar os
fogões. Nessas mesmas vendas compravam-se a fazenda para o vestuário, o
café e alguns instrumentos de trabalho como os anzóis, as enxadas, as foices,
os machados, etc. Em ambas as casas de comércio ficava o pequeno produtor
endividado, especialmente nas épocas de colheitas magras ou de minguadas
colheitas (DIEGUES, 1983, p. 222).
De acordo com Agostinho; Zalewski (1996), o trecho onde está localizada a ilha
Mutum, faz parte do último segmento da bacia do rio Paraná que não se
encontra represado em território brasileiro. A característica principal desse
ambiente é a presença de inundações periódicas que representam a principal
- 34 -
12
Por questões técnicas de sigilo à identidade de nossos colaboradores, optamos por substituir os
nomes verdadeiros por pseudônimos. O sigilo da identidade dos informantes colaboradores, na
técnica de História Oral, é indicado para situações que poderiam expor o colaborador a algum
prejuízo, caso sua identidade fosse revelada, ou ainda para permitir uma maior liberdade de discurso.
- 35 -
13
Entre os antropólogos, Maurice Godelier (1974 apud Lima, 1997) debate a circulação e a troca de
bens valorizados simbolicamente e apresenta dois tipos básicos de categoria, distinguindo as formas
não-mercantis das formas mercantis de circulação dos bens. Entre as formas não-mercantis assinala
a partilha, a dádiva, as prestações seguidas de redistribuição pelo beneficiário da prestação e o
tributo, entre outras. Dentre as formas mercantis, distingue as formas simples de circulação das
mercadorias, com ou sem moeda, das formas capitalistas de circulação das mercadorias. Quando se
produzem bens para a permuta e são permutados conforme taxas aceitas, temos formas de
circulação mercantil sem moeda. Quando, entre os bens permutados, há um que se especializa na
função de equivalente geral de todos os outros, temos a forma de circulação simples com moeda.
Dessa, podem-se distinguir dois tipos: aquela destinada a satisfazer necessidades, não orientada
para o lucro, e a que para ele se orienta, circulando a moeda como capital.
- 37 -
Figura 4
37%
SUBSISTÊNCIA
COMERCIAL
63%
14
Valores cumulativos para a classe das atividades produtivas.
- 44 -
15
Dados cumulativos. A mesma pessoa pode ter exercido mais de uma atividade ocupacional.
16
Dados não cumulativos.
- 45 -
Lavrador 5
Pescador 3
Lavrador/Pescador 1
Lavrador/Oleiro 1
Total 10
Fonte: Pesquisa de campo (2001/2002)
No que se refere ao preparo educacional, os colaboradores que conseguiram estudar,
alcançaram baixos níveis de escolaridade, resultados que concordam com outros
levantamentos para populações de lavradores, pescadores e populações de práticas
tradicionais de um modo geral (BENATTI, 1999; LIMA, 1997; IPARDES, 1978, 1982, 1983;
TOMMASINO, 1985).
Comparando as tabelas 7 e 8, que indicam, respectivamente, a distribuição da
escolaridade dos moradores do núcleo urbano de Porto Rico e dos antigos moradores da Ilha
Mutum contemplados nesse estudo, percebemos que além da escolaridade na zona urbana de
Porto Rico ser mais distribuída, o maior valor é atribuído aos que concluíram o ensino médio
(13,8%), o que indica um preparo bem melhor em comparação aos resultados obtidos para os
ex-ilhéus.
Ilha Mutum
700 Pescadores
600
Número de Pessoas
Cidade
500
400
300
200
100
0
Méd. Comp.
Fund. Cmpl.
Méd. Incom.
Fund. Incom
Sup. Cmpl.
Analfabeto
Outros.
No que se refere ao zeitgeist17, ao ambiente cultural e social que esses
personagens da história viva das ilhas do alto rio Paraná experienciaram, a
tônica é a narrativa de uma vida tranqüila e ao mesmo tempo, dinâmica.
Tranqüila, porque contavam com uma aparente segurança, tinham sua terra, sua
posse que, nesse momento já fora adquirida por via monetária. Além disso, a
natureza lhes era favorável, todo ano colhia-se o fruto do trabalho cotidiano e
comia-se o peixe, valorizado, direto de sua fonte, conforme veremos na segunda
parte desta pesquisa, os moradores estavam satisfeitos e as condições lhes eram
favoráveis. A dinâmica advinha com a colheita ou com as pescas abundantes
quando acorriam os compradores em busca de um bom produto, além das festas
religiosas e dos bailes que, naquela época, vinha ao encontro com as
expectativas culturais e tradicionais dos próprios habitantes, sem a pretensão de
“atrair o turista”.
Como anteriormente discutido, os moradores da Ilha Mutum, de tradição
camponesa, reproduziram também no espaço ocupado na ilha, as práticas de
populações tradicionais em seu dia-a-dia. Viviam através de sua cultura de
subsistência, cultivando seu próprio alimento, praticando atividades de coleta
como a pesca. Essas atividades, quando praticadas de forma excedente às suas
necessidades, eram destinadas ao pequeno comércio com o continente.
O ritmo, a intensidade e a regularidade do trabalho eram determinados de acordo
com suas necessidades ou pelos ritmos da natureza. Trabalhavam mais ou menos
de acordo com cada momento do processo de produção: no preparo do solo, no
plantio, na capina, na colheita. Eles sabiam o que fazer, como fazer e podiam
arbitrar livremente. Poderiam, inclusive, optar por não trabalhar, mesmo em
épocas de colheita. Vê-se que a síntese para esse tipo diferenciado de
reprodução de vida mesmo com níveis de dependência da produção da cidade, é
uma existência autônoma e mais livre dos “laços” do trabalho urbano.
17
Do alemão: o espírito do tempo.
- 48 -
Com toda essa destruição, não tinha condições de continuar vivendo lá. Ninguém mais
podia morar nas ilhas. Então começou a sair o comentário que o governo estava dando terras
para fulano, para beltrano, para o pessoal que morava nas ilhas.
(Sr. Armando, 2001)
ocupação das maiores ilhas do rio Paraná, e isso inclui a ilha Mutum, ocorreu a
partir de 1970, e a desocupação, na década de 1980.
A ocupação das maiores ilhas do rio Paraná, no trecho contemplado
neste documento, ocorreu efetivamente a partir da década de 70, quando as
transformações na agricultura e a expansão da pecuária expulsaram os
pequenos proprietários, parceiros, posseiros e arrendatários dos municípios
próximos ao rio Paraná (FUEM/CIAMB-PADCT, 1993 apud
AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1996).
... os ambientes aquáticos desta bacia têm sido seriamente afetados pela
atividade antrópica. Entre os impactos mais comuns, destacam-se as
elevadas cargas de biocidas e nutrientes decorrentes do aporte de esgotos
domésticos e da atividade agrícola, desmatamento da vegetação riparia e,
principalmente, construção de barragens, que têm alterado o regime natural
- 52 -
Segundo alguns, a enchente foi além do “nível normal”, chegando até o local
onde suas casas foram construídas.
Para os mais velhos, que conheciam a região a mais tempo, mesmo antes de se
fixarem nas ilhas, foram as maiores enchentes dos últimos 50 anos. A partir de
então todo ano tiveram de se refugiar no continente. Durante vários meses
ficavam instalados nos municípios próximos do Paraná e do Mato Grosso do
Sul. Alguns conseguiam serviços como trabalhadores volantes, nas fazendas;
roçando pasto, colhendo algodão, quebrando milho, carpindo etc. Outros
trabalharam na pesca. Outros ainda, conseguiram se manter através da venda do
estoque de sua produção e da venda da criação de pequenos animais, outros
recebiam ajuda de parentes, amigos e vizinhos que tinham condições de ajudar.
Outros, diante da insistência da intensidade e duração das enchentes, decidiram
rumar para outras frentes agrícolas no Mato Grosso, Rondônia e Pará.
Os que retornavam para suas posses na ilha, após semanas ou meses de moradia
em instalações precárias nas barracas de lona, encontravam as casas destruídas
parcial ou totalmente, as roças não existiam mais, mesmo assim, voltavam e
plantavam tudo de novo até a próxima enchente, entretanto, conforme
Tommasino (1985), a enchente mais intensa prejudicou bastante os ilhéus.
Além das perdas na lavoura e benfeitorias, os ilhéus, agora na condição
de flagelados e expropriados, transformam-se em problema político. As
enchentes não só levam as esperanças do produtor autônomo, como também
levam a própria posse dele: depois de um ano, as águas, que cobriam as ilhas
na enchente de 1983, deixaram uma espessa camada de areia sobre a terra
das ilhas, tornando impossível a prática da agricultura. É como se, com o
início das cheias, se desencadeasse uma série incomensurável de outras
“desgraças”, resultantes de um processo deflagrado pelo homem e contra ele
se voltando. A especificidade é que, de um lado, os benefícios que tais
projetos trazem, são usufruídos pela população que não tem nenhuma
ligação direta com a Ilha, ao passo que os malefícios são absorvidos pela
população local. A sobrevivência da sociedade se faz com o sacrifício
concreto desse segmento: numa linguagem metafórica, com a “morte” das
comunidades ribeirinhas e ilhéus (p. 187).
periódicas, por eles previstas, que trazia o peixe e a fatura, sem que fossem
obrigados a deixarem suas casas para se refugiarem no continente. Por sua vez,
nem todos os ilhéus reconheciam que eram as barragens, as responsáveis pelas
grandes inundações, mas todos reconheceram que as barragens exerceram
influências negativas para o rio e para os peixes.
A grande inundação de 1982, conforme nos relata o Sr. Armando, foi devido à
formação do lago da represa de Itaipu. Para ele, a cheia permaneceu por mais
“tempo do que devia” para favorecer o represamento da água na barragem de
Itaipu, seria inaugurada a maior UHE (Usina Hidroelétrica) do mundo a Itaipu
Binacional.
Conforme pesquisa ao site da empresa, constatamos que o lago começou a ser
formado exatamente no período de cheia do rio Paraná, coincidindo com o
período relatado para a duração da enchente, ou seja, novembro de 1982 a
agosto de 1983.
No início da formação do reservatório, em outubro de 1982, Itaipu
desenvolveu a operação Mymba-Kuera, palavra que na língua guarani quer
dizer “pega-bicho”. A operação resultou no resgate de mais de 30 mil
animais, soltos posteriormente nas reservas e refúgios biológicos criados
pela hidrelétrica nas margens brasileira e paraguaia do reservatório, com
exceção das serpentes peçonhentas, enviadas para os institutos brasileiros
que produzem soros antiofídicos (ITAIPU, 2001).
Rosa (2000), nos esclarece que as UHE teriam um papel decisivo no plano
nacional a partir da década de 1980, quando a ocupação da fronteira agrícola,
marcada pela violência no acesso à terra e práticas predatórias de utilização dos
recursos naturais, a política de modernização da agricultura acompanhada de
obras de infraestrutura, incluída a construção de usinas hidrelétricas, foi a
responsável pela expulsão de população do campo, fazendo emergir outros
conflitos pela posse da terra nos anos noventa.
A formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu promoveu a
desapropriação de 111.332 hectares de terras férteis e produtivas na margem
brasileira, atingindo cerca de 8.500 propriedades, em sua maioria minifúndios,
sendo 1.600 urbanas e 6.900 rurais, deslocando uma população de 42.444 mil
pessoas dos municípios lindeiros (ITCF, 1987 apud ROSA, 2000). Para Rosa
(2000), foi a ausência de uma política adequada de reassentamento da população
desalojada pelas obras das hidrelétricas, que elevaram os níveis de pobreza da
população carente atingida.
Percebe-se que os impactos das UHE são percebidos primeiramente no meio
físico, pois atingem a comunidade biótica. Porém, gradativamente, as
populações humanas, o meio sócio-econômico, que depende diretamente dos
recursos naturais afetados, também são atingidos.
Atualmente as populações que vivem em contato mais estreito de dependência
das atividades tradicionais de subsistência, têm conhecimento das catastróficas
- 55 -
conseqüências das UHE para o meio natural e para seu sistema de reprodução de
vida.
Segundo EIA/RIMA - TIBAGI (1999), uma grande agitação tomou conta dos
indígenas que, depois de serem informados de um projeto de construção de 4
empreendimentos para o aproveitamento do potencial hidrelétrico da bacia do
rio Tibagi. Eles estão preocupados com as modificações na paisagem natural e
com o desaparecimento das corredeiras que significa também a perda da pesca
tradicional e das matas ciliares que vão ser inundadas. Também vão desaparecer
algumas espécies de plantas, aves, pequenos animais e de peixes, e ainda, o
porto de areia, cuja exploração implica em algum rendimento para os índios.
Estão conscientes que as alterações no meio ambiente e os eventuais impactos
significam mudanças nos modos de ser, nas suas práticas culturais e relações
simbólicas que estabelecem com os rios e as matas. Vão necessitar conviver
com um contigente de população estranha que será deslocada de outras regiões e
que ocupará os canteiros de obras e dormitórios. Estão preocupados com suas
mulheres e jovens índias. Disseram que as doenças trazidas pelos de fora podem
contaminar a população das aldeias.
O deslocamento de máquinas e o asfaltamento das estradas de acesso às Áreas
significam contatos e experiências de vida e práticas culturais novas. As pontes
que possam ser construídas no rio Tibagi vão permitir o acesso mais fácil entre
as áreas e para os indivíduos que se deslocarem para a região. Também estão
preocupados com as áreas a serem alagadas e solicitaram que marcos fossem
colocados nos locais onde vão ser inundadas as suas terras. Pensam que não
podem perder mais áreas de terras, porque a população de jovens e de crianças é
significativa e se concordarem com as usinas, pretendem exigir a reposição das
áreas a serem alagadas, em quantidades maiores, com vistas às novas gerações.
Estão atentos quanto aos seus direitos e têm procurado apoio entre os
Procuradores da República nas sedes das Procuradorias, para receber
informações e orientação quanto aos procedimentos a serem adotados.
Os líderes querem a melhoria das condições de vida de toda a população que
está atravessando um período difícil, em que as verbas federais são escassas e
faltam recursos para seus projetos, principalmente para o exercício da cidadania
e aspiram a autonomia dos povos indígenas.
Essa situação é bem diferente daquela enfrentada pelos antigos moradores das
ilhas do alto rio Paraná. Os ex-ilhéus desconheciam por completo as
conseqüências de tais empreendimentos em suas vidas, alguns desconheciam até
mesmo a execução da obra.
De acordo com pesquisadores do IPARJ:
Empreendimentos econômicos do porte das usinas hidrelétricas causam
danos globais à populações tradicionais , isto é, têm influência, em geral
deletéria, em todos os setores da sua vida, desde a sua população e as
condições materiais de sua sobrevivência, até as suas concepções de vida e
visões de mundo. Os danos raramente são exclusivos a um número
populacional e, sim, a um povo como um todo, a uma etnia, a uma cultura,
- 56 -
19
Centrais Elétricas de São Paulo.
- 61 -
20
Espécies de peixe adaptadas a ambientes de água corrente (lóticos).
- 62 -
Vivendo em conflito: a ilha como extensão das fazendas — as pessoas saem, o gado entra
Nossos entrevistados relataram que, logo no início da saída das ilhas, enquanto
as águas ainda estavam baixando, em 1983, fazendeiros começaram a ocupar
grandes porções da Ilha Mutum com o manejo de gado durante os meses de
seca, quando as pastagens no continente são insuficientes. Segundo os ex-ilhéus,
os fazendeiros ocuparam as terras dos ilhéus que haviam abandonado suas
posses, ou ainda compraram essas posses a valores muito baixos, pois corria o
boato nas redondezas, que as águas não mais iriam baixar. Assim, ingenuamente
os insulares viram no negócio uma vantagem. Para essa decisão, pesava também
a divulgação de que o governo federal estava oferecendo terras para os
“flagelados da enchente”. Terras, estas, mais isoladas e distantes da civilização
do que as ilhas que antes habitaram. Descobririam também, mais tarde, que
essas terras eram inviáveis para qualquer cultivo sem razoáveis investimentos
21
Secretaria Especial de Meio Ambiente (Paraná). 1991, p. 45.
- 63 -
25
Concepção do mundo natural segundo a qual, a biodiversidade é garantida pela intocabilidade
humana. (Diegues, 1998).
- 67 -
Lange Jr. (1998 apud ROSA, 2000, p. 115), um dos pesquisadores do projeto da
APA de Guaraqueçaba afirma:
Os problemas podem ser caracterizados pelo processo crescente de
degradação ambiental dos ecossistemas e de transformação da sociedade
local, (...), determinante da piora da qualidade ambiental e das condições de
vida (situações opostas ao objetivo da gestão da APA).
- 74 -
tradicionais no Brasil se faz desde seu "descobrimento" pelos europeus, mas sim
pelo seu caráter excludente.
Na prática, a defesa do patrimônio histórico e cultural fica em planos
secundários. Assim, a despeito dos objetivos e intenções de se preservar o
ambiente, respeitando e incentivando as práticas sócio-culturais, visando
assegurar o bem-estar das populações humanas locais, e, especificamente no que
diz respeito aos atuais e antigos moradores da Ilha Mutum, o que observamos na
prática é a expulsão e intimidação sem trégua das populações que ainda resistem
lutar pelo seu direito de viver da única forma que sabem viver, em estreito
contato com práticas tradicionais de existência, através da prática da pesca e da
pequena lavoura de subsistência.
(...) ao contrário do que apregoam os organismos nacionais e
internacionais quanto a manutenção das populações tradicionais ou locais
que já habitavam as unidades de conservação antes de sua
institucionalização pelo poder público, a prática em Guaraqueçaba e nas
ilhas do rio Paraná foi a transferência de população sob o argumento da
manutenção da biodiversidade local (ROSA, 2000).
Entre os moradores de Porto Rico e das Ilhas do alto rio Paraná, convencionou-
se chamar de turista todo visitante regular ou não, que possui residência ou não,
na região. Durante nossa visita ao município, observamos que aproximadamente
de cada 20 casas, uma era de “turista”.
Os turistas procuram na região um local para descansar, para praticar esportes
náuticos em seus “jet-skis”, em suas lanchas velozes, passear de barco, tomar
banho de sol em algumas das praias formadas por bancos de areia no rio,
repousar em luxosas pousadas, visitar as ilhas, pescar ou simplesmente ficar à
margem, no calçadão, em uma das lanchonetes, se refrescando ao vento.
Na cidade de Porto Rico e nos arredores, em condomínios reservados, é possível
observar várias mansões que em requinte, constrastam de forma gritante com
uma paisagem natural que esteticamente requereria um padrão mais rústico. É
interessante perceber toda uma cidade de descendentes de pescadores e
lavradores e dentro dela, grandes elefantes brancos, incômodos, inquietantes e
barulhentos com sua suntuosidade.
Na Ilha Mutum isso não é diferente, além disso, alguns de nossos colaboradores
foram durante anos, caseiros destas riquíssimas propriedades e associações, em
troca recebiam o direito de permanecer nas terras que um dia foi sua posse,
recebendo regrados salários mínimos para servirem aos filhos, parentes, amigos
dos patrões. Era uma alternativa diante dos impedimentos de reprodução
material de vida que os ilhéus vinham enfrentando após as enchentes da década
de 1980.
Após a grande enchente de 1982/83, a Ilha Mutum se tornou alvo de um novo
tipo de população, além da população de gado dos pecuaristas locais. Os
“turistas” moradores casuais de fim de semana, muitos deles, empresários
residentes na cidade de Maringá, no norte do Paraná, possuíam casas dotadas de
melhor infra-estrutura do que os próprios moradores fixos da ilha. Assim, além
do gado que invadia as plantações dos ilhéus, os turistas também são apontados
como deflagradores de problemas, por não respeitar e não conhecer a dinâmica
local da natureza. Além disso, a ilha não representa para o turista o mesmo que
representava para os ilhéus, isto é, seu meio de sustento, seu meio de vida.
Os entrevistados também associam a falta de peixes e de animais nativos na
planície do rio Paraná, ao impacto da exploração turística predatória na ilha. O
ilhéu sabe que o peixe prefere regiões de vegetação para se abrigar e se
alimentar, e que na falta desta, o peixe irá procurar regiões que ofereçam
ambiente mais propício. Grande parte dos turistas que fixam residências de
veraneio na ilha, desmatam as margens. Esse comportamento predatório,
oriundo da atividade turística, parece ser generalizado, a degradação social e
cultural, invariavelmente desponta como as principais conseqüências negativas
do turismo para a população tradicional.
- 79 -
O retorno ao continente
único espaço que lhes havia sobrado na sociedade que lhes proporcionava
alguma dignidade e autonomia. Hoje, desistiram de procurar a parte que lhes
cabe nesse “latifúndio”. Sem terra, sem rio, sem peixe, sem estudo, sem
trabalho. Esse é o currículo que os ilhéus da Ilha Mutum têm para apresentar à
sociedade.
De acordo com os relatos dos entrevistados, alguns foram em busca de novas
terras para continuar sua autonomia; outros foram procurar abrigo em fazendas
próximas e distantes, cuidando de terras alheias; outros ingressaram em
movimentos mais políticos junto às comunidades de sem-terras e alguns ainda
ficaram na região, morando no núcleo urbano e rural de Porto Rico e
adjacências, engrossando as fileiras de desempregados ou subempregados que
vivem como caseiros ou biscateiros, vendendo sua força de trabalho aqui e ali,
em épocas de temporada turística, ou ainda continuaram em atividades ligadas
ao rio, como a pesca.
Muitos viam como solução a saída do núcleo urbano de Porto Rico, seja
em direção ao norte do país, em busca de novas frentes de desbravamento,
seja em direção aos grandes centros urbanos a procura de ofertas de emprego
diversificadas. (...) Outros saíram em busca de alternativas de trabalho no
próprio núcleo urbano de Porto Rico, sem o abandono efetivo da pesca
(UEM/NUPELIA/PELD, 2000).
continente, é que agora existem contas a serem pagas no fim do mês que antes
não haviam. Afirmam que depois que se mudaram para o continente,
aprenderam a economizar o dinheiro, que antes era todo gasto sem nenhum
propósito ou planejamento, como é peculiar nas comunidades tradicionais, em
sua concepção sobre a temporalidade, conforme visto no capítulo 3. Agora, é
preciso manter o dinheiro para pelo menos para continuar pagando a prestação
de R$ 20,00 da casa, mais contas de água e energia elétrica.
A esse respeito, Lima (1997) esclarece que:
...as “sociedades tradicionais”, privilegiam a conservação de bens de
consumo. Embora esses, sendo produtos da terra, possam ser tratados como
bens diretos (que podem oferecer satisfação imediata) ou como bens
indiretos (concorrendo para a elaboração de bens diretos, mas não sendo
fonte, em si, de nenhuma satisfação imediata), no caso da ocorrência de um
excedente, a preferência é tratá-los como bens diretos, ao invés de utilizá-los
para aumentar o produto futuro. Dessa forma, o futuro da produção encontra-
se sacrificado ao futuro do consumo, os bens potenciais aos bens atuais, a
previsão à previdência (p.66).
Para os moradores, a insularidade não é mais física, restrita pelo espaço que
ocupam e se relacionam social e materialmente. Está caracterizada por um
isolamento mais perverso, que atinge níveis mais subjetivos.
Contudo, mesmo com essas condições mais favoráveis de “ter terras”, segundo
os moradores, as terras que fazem uso, já estão “cansadas”, pois o terreno sobre
o qual, estão instalados, há pouco tempo era pasto, pertencia a uma grande
fazenda dividida em três partes entre familiares. Uma dessas partes, a mais
improdutiva, foi vendida ao governo do Estado para que se fundasse a Vila
Rural. Sabe-se que, para qualquer boa produção, a terra precisaria de um
cuidado com correção de componentes químicos e adubação que, mais uma vez,
exige recursos financeiros e técnicos que esses moradores não dispõe.
A destinação de porções de terras mais degradadas e inférteis parece ser uma
prática comum quando se trata do assentamento de populações desfavorecidas.
A região era conhecida como o sertão central do Paraná até as primeiras
décadas deste século. Helm, em suas pesquisas pelo interior do Paraná na
década de 1970, relatou que a maior parte da reserva florestal que cobria esta
Área foi devastada, principalmente a mata de Araucária angustifolia e as
melhores terras foram cedidas aos novos povoadores. Os índios viviam em
terreno acidentado e pouco fértil. (EIA/RIMA - TIBAGI, 1999, p. 28)
26
Motta (2002), argumenta que o próprio termo exclusão esconde as formas perversas de inclusão
social. Para ele, trata-se de entender a exclusão social, não como uma forma de negar o acesso aos
bens sociais, mas sim, de alocar pessoas em uma determinada categoria legitimada pelo sistema
capitalista. Nesses termos, não se trata de uma separação entre os que fazem parte do sistema e os
que não fazem parte, mas de uma inclusão prevista para sistema.
- 93 -
Ocupações urbanas
Empregadas domésticas 0 0,0 36 5,0 36 5,0
Comerciante (outros) 30 4,1 11 1,5 41 5,7
Trabalhador autônomo 75 10,4 10 1,4 85 11,8
Trabalhador contratado 75 10,4 98 13,5 173 23,9
Trabalhador público 84 11,6 34 4,7 118 16,3
Sub-Total 264 36,5 189 26,1 453 62,7
Outras ocupações
Aposentados 65 9,0 80 11,0 145 20,0
Pensionistas 1 0,1 11 1,5 12 1,7
Sub-Total 66 9,1 91 12,6 157 21,7
Total 423 59,1 296 40,9 724 100,0
Fonte: Adaptado do Relatório Uem/Nupelia/Peld, 2001 - Componente
socioeconômico.
Como observamos na tabela 10, as ocupações ligadas à terra são as que menos
empregam trabalhadores, representam apenas 4,1% dos postos de trabalho na
cidade de Porto Rico. Para as ocupações ligadas ao rio, a atividade de pescador
é a que mais emprega trabalhadores, representando 8% (58). Já os aposentados e
pensionistas representam 21,7% (157) da amostra pesquisada (724).
A entrevista com o referido Secretário, realizada em novembro de 2001, nos
rendeu a informação que o funcionalismo público, em sua totalidade, abrange
um quadro de 210 funcionários, 175 na prefeitura, 6 na Sucam e 30 professores
estaduais. O Secretário apresenta os mesmos dados que o Relatório
Uem/Nupelia/Peld (2001). O setor público é o que mais emprega pessoas,
seguido pelo comércio. A pecuária é a mais expressiva em volume financeiro e
a que menos gera empregos.
Nosso estudo contemplou entrevistas com algumas autoridades e figuras da
cidade que pudessem contribuir de uma forma ou de outra para maior
compreensão das condições sociais e culturais da população estudada.
- 95 -
habitam nas ilhas têm transporte gratuito, com a cessão de um barco pela
prefeitura local. A diretora nos informou que a equipe de professoras procura
transmitir aos alunos conhecimentos relativos à educação ambiental. Informou-
nos que os alunos que vêm das ilhas têm uma melhor qualidade de vida,
inclusive financeira, se comparado aos alunos que habitam no continente,
principalmente nas localidades anteriormente mencionadas.
Outras informações obtidas em nossa entrevista realizada em novembro de
2001, com o escrivão da delegacia da cidade, não há ocorrências graves
registradas no local. Também disse não ter enfrentado problemas com os ex-
ilhéus. As ocorrências mais corriqueiras são pequenos furtos praticados por
menores das localidades da região. As atenções da polícia são redobradas diante
das brigas e confusões provocadas por turistas alcoolizados no dia da festa de
Nossa Senhora dos Navegantes. Os casos mais graves, quando ocorre algum, são
encaminhados para a comarca de Loanda - PR, à 40 km de Porto Rico.
No único hospital da cidade, gerido pelo poder público, há 2 médicos clínico
geral, 1 pediatra, 1 dentista e 9 leitos. Os casos mais graves e os que necessitam
de cuidados intensivos (UTI) são encaminhados para a cidade de Paranavaí -
PR, considerada de porte médio. Os atendimentos mais freqüentes são pequenos
acidentes e partos. Em média, o hospital atende a 5 nascimentos por mês.
Há em Porto Rico, uma única funcionária pública que acumula os cargos de
secretária da saúde, educação, cultura, esporte e turismo. Esta disse estar
espantada com o número de atendimento aos casos de hipertensão e diabetes,
respectivamente, 258 e 63 casos em um único mês (novembro). Segundo sua
informação, não há triagem ou atendimento diferenciado para os moradores das
ilhas ou da cidade. Assim, não foi possível obtermos dados referentes à saúde
dos atuais moradores das ilhas.
Outro atendimento também freqüente é destinado a pessoas como problemas na
coluna. Para a Secretária, os casos de hipertensão podem ser explicados
levando-se em consideração a alta temperatura na cidade, já os problemas na
coluna se devem às profissões predominantes na cidade (auxiliar de pedreiro,
pescador e bóia-fria). Para a diabetes, não se sabe o que ocorre. A tabela 11
mostra a seguir, os dados de uma pesquisa que revela a incidência de doenças
entre a população de Porto Rico e Porto São José, que também faz margem com
o rio Paraná.
- 98 -
Número de casos
Grupo de Doenças Porto % P. São %
Rico José
Doenças do aparelho 47,
170 40,8 57
respiratório 5
Doenças do aparelho 15,
81 19,5 19
circulatório 8
Doenças do aparelho digestivo 19 4,5 8 6,6
Lesões e envenenamentos 1 0,2 0 -
Doenças do Aparelho
13 3,1 3 2,5
Genito-urinário
Transtornos Mentais 18 4,3 4 3,3
Doenças infecciosas e
8 1,9 2 1,6
parasitárias
Neoplasias 6 1,4 2 1,6
Doenças do Sangue e
18 4,3 3 2,5
distúrbios imunitários
Doenças endócrinas,
20 4,8 0 -
nutricionais e metabólicas
18,
Demais causas 62 14,9 22
3
100,
Total 416 120 100
0
Fonte: Adaptado do Relatório Uem/Nupelia/Peld (2001) - Componente
socioeconômico.
De acordo com esta tabela, as doenças do aparelho respiratório são as que mais
se sobressaem. Mostra-nos também, que uma significativa parte dos
entrevistados, 19,5 % em Porto Rico e 15,8 % em Porto São José, é portador de
doenças que acometem o sistema circulatório, como a hipertensão arterial. Há
também, um destaque para as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas,
(cerca de 4,8%) como a diabetes (UEM/NUPELIA/PELD, 2001).
No aspecto habitacional, comparando-se o número médio de cômodos da
população em geral de Porto Rico com a população abordada em nossa
pesquisa, temos os seguintes valores: 5,8 e 4,1, respectivamente, indicando um
decréscimo de 1,7 cômodos, em média para os ex-ilhéus, sendo que em 1 casa,
encontramos um casal vivendo em dois cômodos e em 3 casas, três cômodos
para até 4 pessoas. Entretanto, o número médio de cômodos para os ex-ilhéus
cairia para 3,6 se retirássemos da estimativa, um dos entrevistados que reside
- 99 -
28
São executadas músicas de estilos típicos de trios elétricos como axé music e outras mais
carnavalescas.
- 101 -
pesquisas.
Outra entrevista que realizamos foi com a assistente social da cidade.
Aparentando desconfiança, ela nos recebeu, convidando para sua sala em outro
prédio, mais afastado da estrutura da prefeitura. Com uma aparência esgotada,
ela nos chama para sua sala, situada ao fundo de uma sala maior. Nesta, cabiam
apenas três pessoas, uma pequena estante de livros e sua mesa. Inicialmente, ela
conversa em tom oficial, falando sobre os objetivos do Projeto Piá, mas, em
seguida, passou a falar em um tom menos formal, revelando sua profunda
insatisfação com a administração pública local que na visão dela, não incentiva e
ainda tolhe as iniciativas sociais e culturais que por vez despontam na cidade.
Ela relata sentir-se impotente, decepcionada, sem equipe, sem equipamentos,
sem telefone, sem condições mínimas de trabalho, nem mesmo água para beber
ela dispõe na sala. Os dois dias de sua jornada de trabalho por semana, não são
suficientes para atender o acúmulo de trabalho que ela, sozinha, tenta
desenvolver diante de uma população carente.
O município apresenta problemas com pessoas viciadas em álcool e drogas, mas
não há uma estatística para esses casos. Há, também, o problema de prostituição
e prostituição infantil. Ela tentou solicitar auxílio através de um programa
nacional de combate à prostituição infantil, o Sentinela, porém, não conseguiu
preencher os requisitos para o formulário, pois seria preciso obter o processo de
confirmação oficial do problema, contudo, o município, moradores, polícia e
poder público, não admitem ter. Para ela, seu trabalho esbarra na política local e,
isso, a impede de fazer uma boa atuação como assistente social.
Ao falar de seu outro trabalho, na cidade Santa Cruz do Monte Castelo, próxima
a Porto Rico, ela se anima bastante. Falou sobre alguns programas do município
que trazem bons resultados, como a capacitação educacional e cultural dos
moradores, com a criação de uma banda municipal e outros programas sociais.
Confidenciou-nos entristecida que Porto Rico é uma cidade sem cultura, sem
prato típico, sem danças típicas, sem música, em sua visão, é preciso resgatar o
passado. A própria festa de agosto a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes
está descaracterizada29.
Os atendimentos sociais na cidade são a creche, a pastoral da criança, a pastoral
da juventude e o Projeto Piá. Este último, em sua opinião, deveria ser
profissionalizante, preparar para o trabalho, criar condições para o surgimento
de atividades econômicas, mas só ministra cursos manuais para trabalhos
domésticos. Contrastando com o que há em Porto Rico, na cidade vizinha de
Santa Cruz do houve cursos para cozinheira, camareira, doces cristalizados e
servente de pedreiro, capacitações condizentes com as necessidades locais.
29
Consta que a igreja católica e a prefeitura passaram a promoção da festa para um indivíduo que
cobra dos ambulantes e comerciantes para venderem produtos para os turistas e estacionamento nas
proximidades da festa. Outra informação que também recebemos na cidade foi que, no dia da festa,
havia um pedágio na entrada principal da cidade, cobrando uma taxa de ‘contribuição espontânea’
para entrar no município. Para alguns essa festa foi vendida.
- 102 -
No contexto das entrevistas que expusemos até agora, podemos fazer uma
imagem mental da configuração do cenário urbano em que os ex-moradores da
Ilha Mutum estão inseridos. Podemos dizer que consiste em um panorama social
de inacessibilidade às conquistas sociais, seres humanos idosos, apáticos,
cansados, ao mesmo tempo conformados e indignados com os acontecimentos
que se delinearam durante sua existência e com sua atual condição de uma
30
Comunicação pessoal da assistente social do município, 2001.
31
Idem, ibidem.
32
Comunicação pessoal de um morador da cidade de Porto Rico, 2001.
33
Idem, ibidem.
- 103 -
34
Do alemão: visão de mundo. Concentra a concepção de realidade formada socialmente,
envolvendo a totalidade da experiência individual e o modo como cada indivíduo permite orientar
suas percepções acerca da realidade.
- 107 -
resistência pressupõe, aqui, diferença, história interna específica, ritmo próprio; modo
peculiar de existir no tempo histórico e no tempo subjetivo (BOSI, 1987).
Ainda assim, a cultura global necessita da “diferença” para prosperar, mesmo
que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial
como, por exemplo, a cozinha étnica. Assim, Hall (1997) acredita que é mais
provável que o desenvolvimento dos meios de comunicação, produza novas
identificações globais e novas identificações locais, ao invés de produzir uma
cultura global uniforme e homogênea.
O resultado desse sincretismo cultural possível, pode não ser necessariamente a
obliteração do velho pelo novo, mas a criação de algumas alternativas híbridas,
sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas - como
ocorre crescentemente nas sociedades multiculturais, culturalmente
diversificadas, criadas pelas grandes migrações decorrentes de guerras, miséria e
das dificuldades econômica do final do séc. XX.
Hall (1997) utiliza a expressão “centralidade da cultura” para discutir a forma
como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo
proliferar ambientes secundários, mediando tudo. A cultura está presente nas
vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de
gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é
atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro
de nossos lares por meio dos esportes e das revistas esportivas que,
freqüentemente, vendem uma imagem de íntima associação ao "lugar" e ao local
através da cultura do futebol contemporâneo. Elas mostram uma curiosa
nostalgia em relação a uma “comunidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia
das culturas vividas de importantes “locais” que foram profundamente
transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo
declínio industrial.
Considerando o aspecto do consumo, a cultura tornou-se um objeto de mercado.
Pode ser vendida, em qualquer esquina, em qualquer farmácia ou mercado, - o
que está sendo vendido, são valores atribuidores de status a quem possui
determinado bem. A venda de lotes em um condomínio em Porto Rico, mostra
que esses valores acerca do mundo natural são bem aceitos pela comunidade em
geral, tanto pelos moradores locais que não terão acesso a essa “vantagem”
quanto para os turistas que lá terão suas posses. A cultura é o intermediário mor,
pois hoje o escravismo à força, através da imposição ditatorial, está em desuso.
Contudo, é licito utilizar-se do escravismo via imposição cultural, para a criação
de “necessidades sociais” tão valorizadas quanto as necessidades biológicas.
Isto, é inclusive valorizado. O empresário, executivo, político ou marketeiro que
usa tais subterfúgios para imposição, não raro, é visto como “um empreendedor
de sucesso” campanhas publicitárias emparelham imagens e mensagens
associando pessoas felizes e saudáveis ao produto que se deseja oferecer. Na
verdade, todos sabem que a imagem veiculada não corresponde à realidade. Os
figurantes da campanha são atores, contratados para se comportarem como
- 110 -
pessoas felizes e bem sucedidas, apenas durante a gravação das imagens. Não
existe garantia alguma de que o consumo de tal produto irá proporcionar a
felicidade e saúde implicitamente incorporada na negociação. Acredita-se, que
assim será e assim agimos em direção à aquisição do produto. Para ilustrarmos,
durante a pesquisa de campo, deparamo-nos com a venda de loteamentos em
Porto Rico, um panfleto promocional do condomínio amplamente divulgado na
cidade de Maringá. O público-alvo são freqüentadores de um Shopping Center.
Encontramos no anúncio:
• “Um convite para quem prefere a mais perfeita integração entre lazer e
natureza.”
• “Um convite para quem prefere viver em contato com à (sic.) natureza”
• “A mais perfeita integração entre pesca, lazer, conforto e segurança.”
• “Um Condomínio Fechado as margens do Rio Paraná, foi idealizado para
oferecer a você, sua família e seus amigos o máximo em lazer; conforto e
segurança.”
• “Pesca - Lazer - Ecoturismo - Conforto - Segurança”
• “São 127 lotes residênciais (sic.) exclusivamente unifamiliar."
• “Qualidade de vida e garantia do seu investimento! Dê este presente a você e
a sua família.”
Essas afirmações procuram se sustentar emocionalmente atribuindo à natureza
valores culturais instituidores de status, incluindo, desta forma, a natureza ao
circuito do consumo. Manobra perigosa, visto que o comportamento consumista,
invariavelmente leva à exaustão aquilo que transforma em mercadoria.
Para Hall (1997), no cerne desta questão está a relação entre cultura e poder.
Quanto mais importante - mais “central” - se torna a cultura, tanto mais
significativas são as forças que a governam, moldam e regulam. Para que isto
funcione a contento, isto é, a dominação se dê via cultura, é imprescindível que,
primeiramente, a sociedade ampla reconheça os valores culturais que estão
sendo implantados como legítimos e em segundo lugar, deve haver mecanismos
de regulação de recompensa e punição, no mais genuíno estilo de psicologia
behaviorista.
... o mercado se auto-regula. Ele aloca recursos, recompensa a
eficiência e a inovação, pune a ineficiência e a “falta de criatividade” e,
acima de tudo, como observamos antes neste texto, cria vencedores e
perdedores. Estes são incentivos poderosos - e desestímulos - que induzem
certas formas de conduta e desencorajam outras (isto é, regulando as
condutas). E, como temos visto, os mercados criam e requerem “culturas”
administrativas e organizacionais próprias muito diversas - um conjunto de
- 111 -
Hall (1997, p.28) alerta que os meios de regulação e controle ficam cada vez
mais sofisticados e intensificam os meios de vigilância: “o que alguns têm
denominado ‘o governo pela cultura’, assim, a cultura deve ser vista como algo
fundamental, constitutivo.”
Até mesmo a construção de algo físico como um muro, envolve um sistema de
significados, de conhecimentos culturais, de normas, habilidades e conceitos; é
portanto, também uma atividade cultural. O tipo, tamanho, material utilizado,
cor, enfim, revelam várias informações a respeito do lugar, da época e do
morador, e assim, é , portanto, uma “prática discursiva”.
Se a “cultura” está em tudo e em toda parte, onde ela começa e onde
termina? Naturalmente, esta afirmação em relação à centralidade da cultura
não significa - como seus críticos por vezes têm alegado - que não há nada
senão a “cultura” - que tudo é “cultura” e que a “cultura” é tudo; ou,
parafraseando a observação agora considerada infame do filósofo
desconstrucionista francês Jacques Derrida, “Não há nada fora do texto”; ou,
como imputam a Foucault, “Não há nada além do discurso”. Se fosse isso o
que está sendo argumentado, seria certa - e corretamente - motivo para
crítica porque, neste caso, teríamos simplesmente substituído o materialismo
ou o socialismo econômico, que outrora ameaçavam dominar estas questões
nas ciências sociais, por um idealismo cultural - isto é, substituido uma
forma de argumento reducionista por outra. O que aqui se argumenta, de
fato, não é que “tudo é cultura”, mas que toda prática social depende e tem
relação com o significado: conseqüentemente, que a cultura é uma das
condições constitutivas de existência dessa prática, que toda prática social
tem uma dimensão cultural. Não que não haja nada além do discurso, mas
que toda prática social tem o seu caráter discursivo (HALL, 1997. p.37).
Isso demonstra que se a cultura não exercesse uma função tão fundamental sobre
a sociedade, não haveria necessidade de todas essas estratégias de regulação,
vigilância e controle. Sobretudo, não haveria o interesse das esferas
governamentais, legislativas e de mercado incidentes nessa questão.
É fundamental, como afirma Godelier (1974 apud DIEGUES, 1983), analisar o
sistema de representação que os indivíduos e os grupos fazem do meio ambiente
em que vivem, pois esta é a referência na qual os homens orientam suas ações
no mundo.
É a partir dessas representações mentais que eles agem sobre o meio
ambiente. A percepção que os indivíduos têm do seu meio ambiente natural
é formada somente de representações mais ou menos objetivas, mas
igualmente de julgamentos de valor e de crenças. Um determinado meio
ambiente pode ser lugar de moradia de poderes sobrenaturais, bons ou maus,
que podem interferir no funcionamento da vida dos homens (1974 apud
DIEGUES, 1983, p. 101).
incertos, em águas que se recusam a reagir ante suas remadas. Tudo o que lhes
resta são seus valores.
É de suma importância para o ex-ilhéu a virtude do trabalho e da amizade. São
dois aspectos transversais em todas as entrevistas. O trabalho, em suas palavras,
embora “sofrido”, é o valor fundamental que agrega outros valores para eles
importantes como a honestidade, a confiabilidade, a autonomia e boas condições
de habitação. A amizade é o valor fundamental que agrega os valores da vida em
comunidade como a solidariedade, que em momentos críticos, muitas vezes era
o recurso decisivo, como narram os entrevistados ao relatarem episódios de
doenças e acidentes.
Percebemos, entretanto, que o único colaborador, pescador tradicional, diferia
dos outros que apresentavam uma identidade com características mais
camponesa. O pescador enfatizou que “nunca plantou um pé de roça”, não criou
nada, nem cachorro, em sua vida, só pescava, era a única coisa que sabia fazer e
o que sempre fez. Ele relatou que no tempo em que vivia na ilha, ele e seus
ajudantes chegavam em uma lagoa, tecia a rede da profundidade da lagoa e de lá
não saíam até que o último peixe de lá fosse tirado. Esse comportamento
predatório é por ele relembrado com auto-censura.
Diferentemente desse pescador, os outros moradores entrevistados procuravam
garantir a fartura das ilhas e do rio utilizando seus conhecimentos tradicionais
para preservar suas plantações, plantando por exemplo, tipos diferentes de
plantas em associação para prevenir insetos e pragas, plantando determinadas
espécies de plantas para preservar as margens e atrair os peixes.
Entendemos que a identidade cultural dos ex-ilhéus da Ilha Mutum não sofreu
alterações estruturais. Continua sendo de uma população rural simples que
atualmente se vê forçada a viver no árido campo de asfalto que representa a
cidade. Porém, embora a cidade represente a improdutividade, a infertilidade, a
impossibilidade de práticas camponesas, viver na cidade também traz suas
vantagens como a saúde, a água encanada e o uso de eletrodomésticos. Ainda
assim, nenhum dos entrevistados demonstrou ter aspirações de mudar de estilo
de vida, pretendem apenas, ter o suficiente para se manter. Com estes
parâmetros, cremos não ser possível afirmar a incidência da “desidentidade”,
como faz Bom Meihy (2000), que tem sido pensada para a caracterização de
espaços identitários que dialogam com a substituição de valores culturais. Para o
referido autor, grupos imigratórios, expostos a outra cultura, tendem a viver
processos duplos de identificação. Uma vez que a adesão a outro meio não é
absoluta nem harmoniosa, há que se relacionar com os pressupostos da cultura
original de maneira a se proceder um diálogo que implica renúncias e escolhas.
Sendo assim, nesses termos, preferimos adotar a concepção de Hall (1998) que
como vimos, afirma que a identidade não se perde, mas incorpora novos
elementos. De qualquer modo, Bom Meihy afirma que a análise dos processos
de identificação nas culturas, se levanta como desafio, pois envolve a
- 118 -
pessoas estranhas, com hábitos estranhos, com uma linguagem estranha, isto é,
com uma identidade cultural própria. A ilha era prodigiosa em suas paisagens,
na abundância de riquezas naturais, na fertilidade do solo. Desconfiavam,
entrementes, que alí se encontrasse grandes veios de ouro. Havia também uma
grande vantagem, a população nativa era ingênua, aceitava trocar objetos e
coisas valiosas por objetos de baixo valor. Aos poucos o "homem branco" se
apropriava dos conhecimentos tradicionais dos nativos que cada vez mais
traziam novas expedições. Num certo ponto da história, disseram que lhes traria
o benefício da cultura, a inserção na sociedade legítima.
Assim como vieram os jesuítas, os bandeirantes e os ciclos de exploração
econômica de regime extrativista em nosso país, vieram para os ex-ilhéus, com
aspectos de calamidades bíblicas as enchentes, o gado, a morte dos peixes, o
desaparecimento do rio (em constante assoreamento) as usinas (novo ciclo
econômico extrativista?) e resoluções governamentais impeditivas às suas vidas.
O sistema socioeconômico do qual participamos, parece mesmo ter uma gritante
incapacidade de lidar com a uma alternativa de vida diferente que não dependa
exclusivamente de seus laços.
O desafio foi muito maior do que imaginavam. Onças, cobras, mato, não eram o
maior perigo a temer. Foram forças outras que as da natureza, que se tornaram
determinantes. Em outras palavras, forças políticas e econômicas. Foi o fim da
saga de um regime social utópico que conseguia subsistir com frouxas relações
com a metrópole (continente). Nisso, consistiu o término da oportunidade que,
para muitos, a ilha Mutum representava, uma alternativa às condições sociais
determinantes.
Parte II as entrevistas
Memória social do grupo
A Fundação da cidade
A cidade, bem como a grande maioria dos habitantes das ilhas foi formada a
partir da chegada de migrantes vindos de diversas partes do país, especialmente
da região norte e nordeste, atraídos pelas terras férteis e clima propício para
diversas culturas agrícolas, principalmente o café que se destacou inicialmente
na economia regional.
Morei uns tempos na Mutum, 12 anos. Morei numa ilha na frente do rio
Amambai, 13 anos morei naquela ilha, no Estado de Mato-Grosso e sai do
município de Icaraíma. Do Porto Rico até lá dá 120 km. Morei 2 ou três anos
em Maracaí, mais tantos anos na Ilha Grande do Ivinheima e assim vim toda
essa vida morando na ilha, só que agora estou com 17 anos morando aqui no
Porto. No total, morei nas ilhas uns 40 anos.
- 122 -
Naquele tempo na minha terra, era muito ruim, tinha muita seca.
Viemos só eu e a mulher, casamos e já viemos para cá. Morava muita gente
na ilha, era situada de gente essa ilha. Paranaense, paulista, tinha de toda
espécie. (João)
Por que ele saiu corrido de lá [seu pai]. Tinha um tal de Zé Cigano, um
pistoleiro, o pistoleiro engordou o olho por cima dele e queria matar ele. Era
essas coisas de contrabando de café. Lá baixava helicóptero, baixava avião.
Então o véio caiu fora. Meu pai veio de Recife. Quando ele casou com
minha mãe, meu pai tinha 27 anos, mas antes de morar na Mutum, ele foi
para Mato-Grosso. Meu pai é pernambucano, minha mãe é de Minas, mas os
filhos foram todos nascidos e criados na Mutum. Só o mais velho que nasceu
em Mato-Grosso.
Ele acertou tudo, veio prá cá e arrumou nóis. Ano que vêm eu faço 40
anos.
Aquela ilha Mutum, já foi muito rico, matou a fome de muita gente que
está aqui hoje nesse Porto Rico e de muitos que foram embora para o Pará.
Então, ninguém pode falar mal de lá, mas também só tinha a barriga cheia
quem trabalhava. (Marcelo)
A fartura
Naquele tempo tinha até roça de café. Abacaxi, laranja, banana, café,
tudo o que era coisa de lavoura tinha nessa ilha. Era uma lavoura muito
grande. Era uma coisa bonita. Até que veio a enchente grande, a primeira
enchente grande acabou com tudo. (João)
Antigamente era uma maravilha. Tinha hora que você enjoava de tanto
peixe. E agora só tem praia e peixe não fica em lugar raso. (Joana)
- 124 -
Agora para vender, quando sobrava muito arroz, a gente vendia, porco,
galinha, essas coisas, a gente não vendia não, era só para o consumo da
gente. Agora arroz, momona! Agora não, mas antigamente o que dava muito
dinheiro era a momona, né? Então, momona, arroz, feijão, às vezes o pai
separava dois, três sacos de feijão para nós, porque, não sei se você sabe, o
povo sergipano é bem puxado para o lado do feijão. Com três sacos de feijão
a gente passava o ano. Era o que ele tirava, o resto ele vendia para comprar
um calçado, uma roupa, café, açúcar. Banha não comprava, a gente tinha
porco, então quando matava um porco, já colocava outro na engorda. Depois
que eu fui viver com o meu marido, a gente nunca plantou para vender não.
Tinha as galinhas e plantava o milho que dava para elas, momona a gente
não mexia com momona. Galinha eu não vendo não, é só para dar o de comê
pra gente. Porco também nóis tinha bastante. (Joana)
Numa terra boa daquela, tudo o que você planta você colhe...uma terra
boa de plantar arroz, feijão, abóbora, mandioca, melancia. Antigamente,
quando tinha o pai e nós morávamos todos lá... tinha fartura... tinha de tudo,
tinha muita banana, tinha milho, tinha muitos mandiocal, batata-doce, cará,
- 125 -
então tinha muita fartura. Se você quisesse comer uma carne, tinha. Carne de
peixe, carne de porco, você escolhia. (Marcelo)
Tinha gente nesse Porto Rico que falava que gente da ilha era
vagabunda, não trabalhava, não vendia 10 sacos de arroz, mas eu mesmo
cansei de vender feijão, arroz, de tudo, e tinha gente ainda que metia a boca.
Taí a prova. Depois que acabou o movimento das ilhas, Porto Rico
acabou, ficou pra trás. Mamona, na época de influência de mamona eu
plantei uma mamona medonha nessa ilha. Depois acabou tudo. Agora é
morto esse Porto Rico. Viver na ilha não tem um ganho. Mas dá prá viver do
que plantar. Na ilha eu ganhei dinheiro com banana, todo mês eu cortava
200, 300 e teve mês que cortei 800 cachos de banana, mas tinha outra
desvantagem porque a banana era muito barata. Era muito trabalho para
pouco dinheiro. Planta, cuida, corta, carrega.
Teve um homem de Paranavaí que eu enriquei. Ele vinha e comprava a
minha banana que era barata e vendia na cidade. Você sabe que trabalhador
nunca ganha nada. O trabalhador planta, dá para os outros e os outros é que
ganham dinheiro. (Antônio)
- 126 -
Por que naquela época a ilha era boa demais. Tinha de tudo. Era muita
fartura, todo mundo produzia, tinha o peixe, tinha a roça, tudo o que
plantava, dava. Essas ilhas foram um fonte grande de renda para o
município. O arroz era colhido lá, beneficiado aqui na cidade. Criava
galinha, porco, era muito bom. O peixe, a carne, o arroz, a mistura, a gente
não comprava. O que se podia produzir lá, a gente produzia. Só comprava o
açúcar, roupa, querosene, calçados, essas coisas. Plantava arroz e o que
colhia dava para usar o ano todo. Depois disso, vieram aquelas enchentes
descontroladas, fora de época, depois que começou a fazer as represas da
CESP. (Armando)
Fartura e sofrimento
Foi uma vida sofrida, uma vida cansativa, mas era uma vida que a gente
conseguia fazer para viver. Era uma vida boa porque era uma vida barata.
Você plantava e colhia de tudo, tinha o peixe e naquela época podia caçar.
(Armando)
Cheguei a ter oferta de trabalho, mas sempre fiquei assim, vivendo toda
vida em paz. Não precisei pedir nada pra ninguém não, o rio é um banco. É o
mesmo que ter um dinheiro num banco e negociar ele. Mas não vai pensar
que é moleza não, quem vai para pescar e pensa que é moleza não é não, é só
serviço e sofrimento. (João)
Identidade campesina
Faz 20 anos que estou com ele [marido], nos conhecemos em Porto
Rico, eu morava em P. Rico e ele em Porto Caiuá, no Mato Grosso. Eu
estava há nove meses sozinha. Toda vida ele era pirangueiro, ele era largado
da mulher e eu também era largada do marido, tenho 2 filhos casados desse
primeiro marido, e uma menininha moreninha, ele que ajudou a acabar de
criar. Depois fiquei grávida dessa menina, depois fiquei grávida desse
menino, e estamos juntos até hoje. Eu adorava ficar debaixo de uma lona,
tinha vez que dava um vento muito forte, arrancava o barraco e tinha que sair
correndo atrás da lona, a minha alegria era aquilo. E, então eu ficava sempre
nessa vida com ele, até que não pude mais, fui tendo ela, depois o outro.
(Joana)
Rapaz isso foi a coisa mais difícil. Eles queriam era liberdade, eles
queriam era viver igual índio. Foi a coisa mais difícil manter esses meninos
na escola. Dava trabalho. Já estavam tudo grandinho. A idéia deles não era
de aprender, era a da liberdade do mato. Estudaram até 4 anos, 6 anos,
chegaram no ginásio e não teve jeito de irem mais para frente, pararam com
tudo e foram pescar. Mas teve uns que desistiram antes de chegar no ginásio.
(João)
Na ilha era só mato quando a gente chegou. Era só mato, tinha só a casa
no meio do mato. Tive de limpar, fazer a roçada, sempre mexi com isso. Os
serviços de bóia-fria que eu fazia para os outros eu estava fazendo pra mim.
Peixe, passarinho, capivara, onça. A gente foi criado no meio daquilo,
era um divertimento pra nóis. Aqui não tem isso, mas é mais favorável prá
nóis. (Inácio)
Agora, também tem o ponto de vista da garotada mais nova, que quer
televisão, quer isso, quer aquilo. No meu tempo a garotada tinha outras
coisas para se envolver, independente de televisão, a gente ia pescar, caçar,
trabalhar, a noite ligava o rádio, assistia um jornal no rádio. Mas a evolução
foi tão grande e aconteceu de uma vez e que no fim vai terminar em nada. A
nossa situação do país, está aí. Deu um pulo tão grande para cima que vai
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Arrendamento
A vida Cotidiana
rastão não era feito com barco não. Um pegava numa ponta, nadava um pra
um lado e o outro para o outro. Ou se não ia numa bateia pelo fundo,
segurando uma rede. De varinha eu não gosto, ficar lá só esperando por
quem vem?! (risos). De rede, um vai puxando e o outro vai soltando, a rede
vai baixando, por causa do chumbo, um vai, o outro rodeia, aperta o lanço, e
pronto, já tem todo o peixe. Mas a varinha só tem que esperar o beliscar.
Uma outra amiga minha, ela gostava do espinhéu, você sabe como é
espinhéu? É uma corda cheia de anzol prá ir iscando, soltava lá e só pegava
no outro dia. E hoje paremo com tudo isso. Ninguém tem mais barco pra
atravessar o rio para o outro lado para ir pescar, a pesca nesse tempo tá
fechada. Aqui não tem peixe, peixe pequeno não adianta. (Teresa)
Minha vida era essa. Levantar, tratar dos porcos, das galinhas e depois
ia trabalhar na roça. Outra hora tinha que ir buscar uma pessoa, levar na
cidade. O trabalho era todo dia e o dia todo, ninguém ficava à toa. A gente
carpia, plantava, colhia, o tempo todo. (Antonio)
Naquele tempo era bom demais. A gente passava a vida inteira e não
via. Era bom demais, eu pescava durante o dia e à noite saía umas horinhas,
armava a rede e no outro dia tinha uns quinhentos quilos de peixe. Lá pelas
três horas da tarde, terminava de salgar o peixe. E aí já era hora de ir de
novo, fazer outro trabalho daquele. Quando era final de semana, tinha dois
mil quilos, três mil quilos, dormia pouquinho. E aí o pessoal buscava, iam lá
no baía, buscar. Naquele tempo o véio Gustavo e... como era o nome do
outro...? Zé Camargo? É, Zé Camargo!
Gustavão véio vinha com aquele "pam, pam pam" dele, tinha um botão
qadradão com dez metros de cumprido e trazia aquela muntueira de charque.
Rapaz, tinha semana que eu fazia três mil quilos. Curimba era praga.
Fazia u monte de charque, meu trabalho foi dedicado na pesca, nunca criei
nem galinha, nem cachorro. A única coisa que fiz na vida, por derradeiro, foi
plantar uma roça de melancia, plantei 140 pé de melancia. Eu trouxe
melancia para a cidade e todo mundo comeu melancia docinha. Agora hoje,
para fazer o que eu fazia não dá mais não, o peixe tá muito pouco. (João)
[...]
Enquanto ele [Camilo] morava na ilha ele não passava perturbação por
nada, ele tinha porco, tinha galinha, roça, arroz. Aí veio para o Porto, vendeu
a madeira, trocava, com 2, 3 anos. A mudança da ilha deixa o povo
desmotivado. Todos que vieram de lá sofre desse jeito. Lá eles eram em 5, 6
filhos que ajudavam ele. Um tangia galinha, outro botava água para o porco,
outro fazia outra coisa. Quando mudou para cá ficou todo mundo na rua,
vadio sem ter o que fazer. Pagar aluguel, nem casa ele tinha aqui. Eu
conheço ele desde o começo da luta. (João, falando sobre Camilo)
A socialização na ilha
A boa convivência com os moradores parecia ser o traço forte entre os ilhéus.
Muitos relataram o socorro e o auxílio nos momentos de necessidade. Ao que
parece, todos estavam no mesmo nível social e econômico, todos sabiam das
adversidades enfrentadas, igualando-se na forma de produção de vida. A
colaboração mútua era também uma forma de superar os desafios de se viver em
uma comunidade restrita que precisava se manter com as condições que tinham
disponíveis.
Morava muita gente naquela ilha, a gente morava perto da casa do Zé
Mineiro, que é casado com minha filha. Ele era solteiro, morava sozinho
fazia muitos anos. Tinha o Antonio, o Pernambuco. Era muita gente. Era
bom de amizade. (Teresa)
Nunca teve discórdia, era dado com todo mundo, todo mundo era dado
com a gente. Se eu precisava eles ajudavam, se eles precisavam eu ajudava.
Do tempo que morei ali, todos eram amigos. (Antônio)
A única festa que fazia era o baile. Uma ilha fazia, depois era outra, e as
pessoas iam conforme ficavam sabendo. A festa de Nossa Senhora dos
Navegantes, Não tinha essa festa, ela veio depois. Era diferente, era bom,
diferente do que é hoje.
Naquele tempo, a gente saía em 10 pescador. Então a piranha comia a
rede e todos ajudavam para arrumar. O primeiro motor foi eu que comprei.
Depois que comprei o meu, todo mundo se ajudou para comprar o do outro,
e assim fomos fazendo, acabava de comprar um, já começava dar dinheiro
para comprar o do outro.
Era um povo honesto, um povo de bem. Você largava uma coisa lá,
continuava lá. Todo mundo era gente direita, quando um passava
necessidade, todo mundo ajudava. Cansei de carregar gente doente no meu
bote. Nós era assim, o povo da ilha era tudo unido. Hoje é diferente, o outro
está te espiando na beira, para te empurrar no buraco. Hoje mudou... vixe
meu Deus! Se você deixar isto aqui [chave], daqui a meia hora você já não
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acha mais. Não dá mais para confiar, e se confiar, roda. Hoje você não pode
mais dormir. Tem que dormir com um olho fechado e outro aberto, que nem
meu papagaio, se fechar os dois, o gavião pega. (João)
Às vezes só a família que morava num local mais baixo, tinha que sair.
Outros que não tinha pegado o costume com a água ainda, saia. Porque os
mais antigos sabiam que a água só chegava até aquele limite e parava, não
era o caso de ter que sair. (Armando)
O peixe que subia o rio para desovar, tinha lugar certo para ele desovar.
E hoje é limpo. Então o peixe desova em lugar limpo, e os outros peixes
comem. Quer dizer então, que não tem jeito de aumentar o peixe. (Camilo)
Enchentes
Assim, podemos então enunciar que as enchentes, para esses ilhéus eram os
processos anti-naturais, mais intensos e prolongados, desencadeados, segundo
eles, pelos barramentos à montante e à jusante. As cheias, eram as inundações
periódicas, por eles previstas, que trazia o peixe e a fatura, sem que fossem
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obrigados a deixarem suas casas para se refugiarem no continente. Por sua vez,
nem todos os ilhéus reconheciam que eram as barragens, as responsáveis pelas
grandes inundações, mas todos reconheceram que as barragens exerceram
influências negativas para o rio e para os peixes.
Foi depois das represas que a coisa ficou pior. As represas já tinha água
acumulada. Aí vinha mais as águas das chuvas, juntava aquele volume todo
de água, então eles tinham que abrir as comportas, aí dava o acesso de água.
O que destruiu essas margens do rio, todinho foi as represas.
Aí começou a ser freqüente essas enchentes, todo ano, vinha todo ano.
Antes, a cada 4, ou cinco anos, tinha as enchentes. Depois foi constante, as
casas ficavam alagadas e a gente era obrigado a sair. Agora está com 3 anos
que o rio não está enchendo mais. Para a construção da Itaipu, durante um
tempo, as represas de cima, seguraram as águas. De repente, quando
terminou a Itaipu lá em baixo, soltaram a água e ficou dois anos cheio.
(Armando)
Aí veio a enchente. Fazia 20 anos que não dava. Foi de 59 para 60, a
primeira, e deu uma quebra nas coisa. Até que veio aquela grande, a
derradeira, aquela que fez subir água aqui em cima. Alagou até onde aquele
menino vem.
Matou imbaúva, matou figueira e aquela demorou 2 anos sem baixar.
Não estou bem lembrado o ano, o povo desistiu, uns foram para Rondônia,
outros para outros lugares. Dava enchente de 10 em 10 anos, agora, depois
que fez a barragem acabou, não tem mais enchente, não tem mais nada, o rio
aterrou todo, virou terra. (João)
Teve uma enchente em '84, '83, foi a que correu com todos nós de lá.
Na ilha antigamente tinha o quê? ... Tinha muita gente... vamos colocar pôr
baixo... umas 400 famílias... Agora hoje na Mutum se tiver 20 famílias é
muito, eu contei esses dias. Porquê? O governo encheu de barragem.
Então o povo, depois daquela enchente correu prá cá. Voltar prá lá para
quê? Acabou a roça, ia ficar comendo lama? Não tinha jeito.
[...]
Depois de formada as coisas, os bananal, a enchente vinha com 5, 10
metros de altura, aí o povo pegava a embarcação com mudança, animal e
tudo e vinha para a cidade, ficava nas margem do rio. Nós mesmo foi um
que ficou assim, e foi por isso que saímos de lá. Aí a mãe já desgostou e não
queria voltar, e se ela falou que não vai... não vai, né? (Marcelo)
Muita gente saiu da ilha por causa da enchente. Quando dava enchente,
eu saia e voltava depois e formava a roça de novo. Vendi minha posse para
uns rapazes de São Paulo que queriam fazer Clube, mas não fizeram até
hoje.
[...]
Depois que entramos, deu duas enchente grande na ilha. Muita gente
saiu, e eu fiquei, não saí. E então passou um tempo sem dar enchente de
novo... só foi ter outra enchente em... 83. (Antônio)
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Enchente, se não fosse a enchente, talvez a gente não tinha saído. Mas
quando voltamos do Pará, para a ilha. (Inácio)
Hoje em dia, não tem mais jeito dos pobre trabalhar na ilha, os
fazendeiro tomou conta. Lá embaixo, tinha uma ilha que ia gente colher café,
e era de gente pobre, os café. Hoje não tem uma roça de nada. Na ilha já foi
bom. Não pode plantar nada, não pode colher nada.
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Mas se tirasse os gado, dava pra voltar morar lá, agora não tem
enchente. Eu só saía de lá quando a água chegava pertinho de casa. Depois
que o fazendeiro tomou conta também não dá pra ficar. O gado do
fazendeiro invade a roça e você não tem condições de dizer nada. E a gente
ficava no prejuízo. Quantas vezes falaram para o Zé Mineiro que ia ver o
que o gado estragou, mas nunca foram lá. Arame, a gente não tinha pra
colocar. O fazendeiro colocava arame velho pro gado estourar, acabava
estourando, foi quando muita gente desistiu. A ilha agora não dá pra morar,
por causa dos gado. (Teresa)
Os turistas na ilha
... os bichos correu. Mas por que os bichos correu de lá? Foi por causa
dos turistas. Os turistas e os fazendeiros entrou na Mutum, tomou de conta.
Os fazendeiro pra criar gado. Os turista chega alí e faz o clube. Diz que ele é
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poderoso, mas poderoso é Deus, né? Ele não tem poder, tem o dinheiro. Eu
não tenho. Ele chega, ele toma a minha frente, sabe como é que é, né? Às
vezes... por que eu tenho a minha ilha [posse], mas não tenho porto, e aí? Eu
não tenho a frente. E já tem um turista lá na frente, ele já desmatou a frente,
ele já derrubou a frente, já limpou a frente, agora você acha que vai correr
alguma coisa boa alí? Não corre.
O turista é velhaco, ele desmata a barranca sem consentimento da
justiça, faz a casa com menos de 50 metros da beira do rio, ele paga a multa
e depois de ter pago, ele ainda manda o caseiro derrubar a mata da frente,
que é lugar onde os peixes ficam. Os turista acabam com tudo.
Agora hoje? Porque que é que hoje ninguém pega o peixinho? Até a
turma da universidade quer fazer uma pesquisa, onde eles vai? Eles tem que
caçá o peixe lá na fazenda ganso, lá no Poitã, arriscado uma onça pegá,
mas porquê a universidade está indo pra queles lados, porquê? Por causa
dos turistas. É o turista que está acabando com tudo, entendeu como é que é?
Os turistas acabam com tudo. Então o peixe não fica onde não tem mata, ele
desce para o lado de guaíra. O peixe quer mato. (Marcelo)
O turista, para mim, ele não me estrova não. Tem muitos que falam
isso, aquilo, para mim não me estrova. Tem alguns que falam que é o turista
que acaba com o peixe. É nada. É o pessoal de cima. É a barragem. Não tem
água para o peixe subir. Aí ele desova em qualquer lugar e os outros comem.
(Camilo)
O rio acabou, o rio que você está vendo aqui não vale mais nada, só tem
uma água correndo. Esse rio tinha um paredão de árvore nativa, era maçã,
era ingá branco, tinha de tudo. Tudo alí, nunca foi abalado, aquilo vivia alí.
Você chegava era o pacú e a piracanjuva debaixo. Eles ficavam catando
aquela comida alí. Depois da barragem acabou, você não vê mais nada.
Depois que a barragem subiu, as águas vieram para cima, derrubou as
vegetação e ficou só isso daí que você está vendo. E nesse rio passava muito
barco grande, eu mesmo vim ni um.
De Guaíra até Porto Epitácio, Jupiá, Três Lagunas, dava para ir a todos
os lugares. Mas hoje a embarcação vai até no pé da barragem, eu mesmo vim
de barco para cá, vim de navio. Era o Capitão Itoa. Peguei ele em São Paulo
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e desci até aqui. A única vantagem que deu foi para os bandido, porque se
acabou a sete queda. Naquele tempo do 7 quedas, tinha a parede que os
bandido não subia, agora que acabou todos os bandidos atravessa tranqüilo.
Para o peixe nosso não deu vantagem. Por que existe outra coisa que é
pior que sete quedas. É a barragem de baixo. Aquela barragem de baixo está
pegando, então o peixe não passa. Então para o pescador foi a pior coisa do
mundo. Acabou a sete quedas mas ficou a barragem de baixo. Se você for lá
você vai ver um bocado de peixe morrendo. Já ouviu falar naquele peixe, o
armau? Esse peixe morre porque ficam trepado um no outro. Eles chegam no
pé da barragem e vai empilhando um em cima do outro, e fica pesado, mata
os de baixo. Porque todo peixe morre se ficar lá em baixo e não puder se
mexer sem conseguir sair. O armau morre assim. Daqui a poucos dias você
vai ver ele começar a rodar morto. Porque é o tempo que ele leva para
descer. Peixe que era para subir para cá que vem do Paraguay, chega no pé
da barragem fica alí, de lá ele não passa. Fica lá até chegar o tempo da
desova e eles voltam. A barragem atrapalha os pescador mesmo em tudo.
(João)
Agora tem que comprar de tudo, a gente não planta mais na ilha, tem
que comprar arroz, feijão, tudo. E hoje na ilha, não está dando nada por
causa das pragas, agora tem muita praga lá, e para comprar o veneno, a gente
gasta 40, 50 reais. Todo mês tem que estar comprando, 5 litros de veneno
não dá para passar em tudo. Antigamente não tinha tanta praga. Não sei o
que aconteceu, não sei se é devido às enchente que trouxe muita praga,
antigamente muita gente plantava e não tinha essas praga, hoje ninguém
planta e tem tanta praga. Foi tudo praguejando, o mato foi fechando e
empraguejando. (Joana)
Naquele tempo, o rio era outro. Era outro até pra peixe. Hoje não tem
nada. Hoje você se mata pra pegar um peixinho. Naquele tempo você só
precisava fazer duas viagens por semana. Hoje, se você ficar dez dias, se
você brincar não dá para pagar as despesas. E porquê? É por causa da
represa que ficou funda. O rio não enche mais! (Camilo)
Hoje, depois da conclusão de Itaipu, que o rio deu uma parada, é aquela
coisinha, hoje sobe, amanhã desce o nível, e acho também que as chuvas se
escassearam.
O rio não tem mais jeito. Não tem água suficiente para o peixe desovar,
o peixe fica preso lá em cima, o peixe de água corrente, como o dourado, de
água forte não sobe mais. E atrás disso aí, veio também a poluição.
Naquele tempo a gente bebia água do rio. A minha família toda foi
nascida e criada na Ilha Mutum, eu tenho 10 filhos. Só uma que nasceu em
Maringá, quando nós viemos de lá. Todos bebiam água do rio, nem poço nós
não tinha, hoje dessa família toda, não gastamos com doença.
Já hoje, eu não te aconselho a ir para a ilha sem levar uma garrafa de
água. Está tudo contaminado, depois dessas represas. A desmatação foi
cruel. Tinha fruta de toda a espécie, hoje não tem mais nada.
Na ilha todo mundo sobreviveu, até 1983, então falar mal, não tem
sentido. A poluição acabou com o peixe também. Hoje, as chuvas se
escassearam, e os níveis de água baixaram, o pouco de água que sobrou para
manter o rio, não mantém, as represas seguram para gerar energia. Só que
forma a energia, e atende a população do lado de cá (continente) e mata uma
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faixa de São Paulo - Paraná. Essa águas não vem, quem acabou com o peixe
não foi o pescador, foi falta de água e quando sai da represa, já sai poluída.
Quem acabou com as ilhas foi as represas, não foi o morador não que
plantava seu milho, seu feijão, seu arroz. Antigamente quando moravam 490
famílias, o lugar era bem explorado e podia ser bem poluído, e não era, todo
o pessoal cuidava do seu porto e de sua barranca. Tinha as árvores de fruta
na margem do rio, o peixe comia, você via o peixe pulando, hoje não tem
mais nada disso. Nem árvore de fruta não tem. Tinha aquelas moitas de
capim que formava beirando o rio, o rio não era assoreado, até aquela
semente de capim não existe mais, acabou. E as coisas foram se acabando.
O pessoal da UEM já soltou mais de milhões de alevinos alí. Esse
pessoal da UEM trabalha muito aqui. Soltaram um mundo véio de alevino.
Até aqueles marcadinhos, só que você não pega um. Solta hoje, desaparece
tudo, amanhã já morreu. Então é essa a diferença entre ontem e hoje.
(Armando)
Essa represa aí, acabou com tudo, rapaz.... Às vezes eu fico no rio,
parado, olhando e lembrando. Naquele tempo eu nunca dizia que ia
acontecer uma coisa assim. Outro dia mesmo eu estava pensando como ficou
tudo diferente. Você via onça, era bando de porco do mato, anta, veado, até
lobo tinha quando a gente mudou alí para o Baía, a gente via andando de
bote, não sei o que aconteceu, para onde que eles foram. Às vezes passa
nesses filmes esses bichos, essas imagens lindas, eu lembro do Baía quando
a gente chegou, era muito bonito. (Camilo)
A turma fala: Será que o jaú que é de toca vai no mato, ele vai do
mesmo jeito que os outros. E fica lá quietinha botando o ovo. Quando a
desova choca ele volta. Agora não tem mais água no mato para ele fazer o
serviço, o meio de vida dele era esse. Hoje ele tem que fazer diferente, se ele
achar uma loca de pedra se ele achar ou acampar na areia e botar os ovos
dele alí. Os outros comedor chegam, acham eles descobertas e vão comendo
o que sai dele. De outubro para novembro, a piranha vira o cão, comendo,
come até a cabeça do peixe. Mas é porque chegou o tempo da desova. (João)
O peixe que mais tá dando aí é o armau, o armau e raia. Mas esse armau
não é bom pra comer não. O peixe bom você não encontra no rio.
Antigamente, há muito tempo atrás, você escolhia o peixe para comer.
(Marcelo)
O peixe do rio, hoje a gente escuta algumas pessoas falarem que foram
os pescadores que acabaram com os peixes do rio. Não foi. Quem acabou
com o rio e os peixes foram as represas. Esse ano que passou, morreu, por
base, uma média de 30 a 40 mil quilos de peixe. Era para se encher carretas e
mais carretas de peixe. (Armando)
Vem gente, faz reunião, tudo para tirar as pessoas, mas não tira não, o
gado também continua lá, ninguém conseguiu tirar, no mês passado teve
uma reunião, mas não deu nada. Só fazem reunião mas não indenizaram
ninguém e muita gente lá pra baixo tem gado na ilha. (Teresa)
Então depois que vendeu a posse da ilha, não dava mais para continuar,
não tinha ganho de nada, as terras era da CESP, a Cespe não acertava com os
patrão (iindenização), os patrão não acertava com os empregados. A Cespe
foi tirando todos os povo de lá. Tivemos que sair com uma mão na frente e
outra atrás. (Conceição)
Diz que não é pra ter nada na ilha, então não vai ficar ninguém. Já
tiraram muita gente, mas ainda não acertaram [indenização]. Lá tem a minha
menina, tem o meu filho que eu deixei lá para pode acertá, deixei eles lá, pra
não perdê os direito da terra. De vez em quando eu vou prá lá, hoje mesmo
eu estou querendo ir. Mas vou ter que ir de sombrinha, estou com esse olho
que fiz a cirurgia em Paranavaí, vou bem de tardezinha. Foi uma inflamação
por de trás das vistas. Deve ter sido uma veiinha. Quando a gente foi prá lá,
meus filhos era tudo pequeninho. Faz três mêis que eu saí da ilha.
(Conceição)
35
Espécie de capim, segundo o entrevistado.
36
Fiscal do IBAMA, segundo o entrevistado.
- 140 -
(risos) E já vi muita onça por lá. A amarelinha era a que mais chegava perto,
a preta não vinha não. (Inácio)
Hoje não dá mais [morar na ilha] porque a pesca fecha, tem época que
você não pode pescar, e isso é um meio de sobrevivência. Não pode criar
gado, não pode ter criação, nem carneiro você não pode criar mais, nem
porco, não pode plantar, não pode fazer uma lavoura.
Tem um tipo de organização, de Potreção Meio Ambiente que eu não
estou entendendo, o que é que eles querem potreger. Esse pessoal que faz
parte da administração do nosso país. Vamos supor, vamos reflorestar, foi o
que aconteceu. Depois de reflorestado, soltam uma água lá em cima e
acontece o que aconteceu. Foi o nível de água do rio que destruiu tudo. Se a
água passa de um certo nível, já é excesso, será que eles não sabem disso?
Então as águas foram amolecendo as vegetação. É então isso que eu não
consigo entender o Meio Ambiente.
Hoje essa área está impedida, mas tem fazendeiro que não tirou. Se é
lei, a lei é para todos. Então é por isso que eu digo para você que hoje em
dia, não dá mais para acreditar nesse povo. (Armando)
Cumpria enfrentar novos desafios. A terra, nesse momento já não lhes era mais
acessível. A alimentação que antes dependia do esforço direto dos moradores,
passou a depender de uma qualificação para trabalhos com serviços urbanos
limitadíssimos para uma cidade de pequeno porte como Porto Rico.
Não foi difícil não, não foi ruim, não estranhemo, porque quando eu
vim pra qui, já comecei a trabalhar na roça, colher algodão, café. O que a
gente estranha é se está acostumado a trabalhar e se vê obrigado a ficar
parado, sem fazer nada. Ficar parada eu não gosto. (Teresa)
E se for trabalhar por dia aqui... para quem trabalha de volante não
dá. Uma indústria para o povo ganhar dinheiro, não tem. Agora Porto Rico
é praticamente fazendeiro que mora por aqui, turista que tem casa e vem no
final de semana e aposentado que nem eu. (Antonio)
Eles [irmãos] ficaram na ilha porque também não tem outro lugar para
ir, aqui em casa não posso colocar todo mundo, também tenho meus filhos, o
principal era a mãe, senão, não dá para nem eu nem para eles morarem. Eles
- 141 -
trabalham por dia, vai pagar aluguel como? E trabalho tá muito difícil. (Filha
da Conceição)
O trabalho que não tem. E quando tem é só para os homens. Tem muito
bóia-fria que vem de Castelo trabalhar aqui e pra gente não sobra serviço. Eu
já fui muitas vezes bóia fria, trabalhei pra esses lados, pra turma do Rocha.
Tinha algodão, feijão, quebrar milho, mamona, o que tinha eu fazia.
Montava no caminhão de bóia-fria, duas, três horas de manhã e ia embora.
Tinha bastante gente, naquele tempo era animado! Mas hoje não. A gente
não vivia nessa crise que a gente veve, faz um servicinho aqui, outro alí.
Antes o serviço era garantido.
Hoje, você trabalha o dia e ganha doze reais (R$ 12,00), o dia, mas em
compensação, você fica duas semanas sem nada. Ah, se eu ganhasse isso
todo dia esse dinheiro, eu já tinha saído da Mutum fazia tempo. (Joana)
Ah, eu não voltava não. Talvez passar uma semana lá, e voltar depois,
tendo a casa aqui. Acho que agora eu não volto pra lá mais não. Esses dias a
gente estava conversando isso e eu disse que não volto mais não. O véio
queria, mas a gente não tem mais barco, o véio não tem mais força pra
manejar um barco. (Teresa)
coisas boas lá, se melhorasse, eu voltava, sempre fui criada no mato mesmo,
nunca fui de cidade. Eu sou assim, prefiro mais o mato do que a cidade.
Se eu tivesse uma vida boa lá na ilha eu não tinha vindo morar aqui.
Vim por causa dos filhos pra ter condição de estudo, de saúde. Nas ilha não
tem água encanada não tem luz, a água tem que ser do rio. Se lá tivesse uma
casa bem confortável, sem um inseto, eu não me incomodava de voltar pra
lá. Aqui eu abro a janela e não tem um mosquito que me provoca. (Joana)
- 143 -
Eu acho que era gostoso [na ilha]. Até hoje, eu não vejo a hora de ir
para ilha. Lá é muito sossegado, tem dia que eu não vejo a hora de ir para a
ilha. Na época a renda era melhor, ganhava do patrão, ganhava dos peixes, e
ainda tinha a comida lá que a gente plantava. Durante as enchentes eles
vinham para Porto Rico. A água pegava na casa. Ficava até três meses aqui.
E depois voltava de novo para ilha. Na enchentona ficamos 6 meses fora.
Voltava porque não tinha como ficar debaixo de barraco. Lá a gente era
livre. Soltava as galinhas, eu ficava toda alegre. As galinhas ficavam presa,
se soltasse, a turma roubava. (Conceição)
Não era bem bom não [viver na ilha], mas também não era muito ruim,
podia criar um frango um porco pra comer, então é bem melhor que aqui por
que aqui a gente não pode criar nada, todas as coisas de plantar você podia
plantar, mandioca, milho... Era bom, mas também não era bom demais não.
(Camilo)
Se a pessoa tiver o arroz, feijão, carne, ovos, galinha, não paga aluguel,
não paga luz, ele vive muito melhor do que um que ganha salário mínimo.
Pagando as contas e para comprar comida com salário mínimo, o que é que
sobra? Ele vive muito pior aqui na cidade do que morando na ilha.
(Armando)
Um novo ritmo de vida, diferente do anterior que era ditado pelos ciclos da
natureza, se fez necessário. Todo um arcabouço tradicional de conhecimentos
naturalísticos adquiridos ao longo de suas existências, agora não tinha muita
utilidade diante da escassez de empregos e serviços remunerados que fossem
vinculados a esses saberes.
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Aqui é mais fácil, porque as vezes uma criança fica doente a gente
também. E lá na ilha, quando foi pra mulher ganhar esse tal de Ricardo
[filho] eu sai de baixo de chuva no vento . O batelão não prestava, ficava
fazendo água eu vim buscar ...busca a mulher pra atender ela lá no rio, a
gente tinha que ir andando e tirando água. (Camilo)
Aqui é tudo comprado. Lá não pode criar, não pode plantar nossas
coisas, né? Aqui não tem, tudo é comprado. Lá tinha laranja, banana, limão
galego, limão rosa, tem peixe, manga. Aqui na cidade tem que comprar tudo
para poder comer. Se eu fosse aposentada, e tivesse um dinheiro para receber
todo mês eu ia morar na ilha. Criava uma galinha, um porco, plantava as
coisa, com fartura. Se quisesse comê um frango era só pegá no terrero, não
precisava compar.
Se lá tivesse condição de renda, lá seria melhor.
Aqui melhorou porque lá a gente não tava ganhando, aqui ele [marido],
tá trabalhando então no final de semana tem um dinheirinho. Lá não tinha,
quando acabava, acabou. Não tinha patrão, não tinha salário, não tinha nada.
(Conceição)
O que não melhorou é que agora tem duas despesas, aqui a gente paga
20 reais na casa, a prestação, mais água e mais luz, e esse dinheiro tem que
tirar de lá. Se tivesse serviço aqui na cidade, só eu conseguia tirar as
despesas da água, comida, da luz e da casa, mas não tem. Olha só esse
homem (vizinho) já chegou, não tem mais serviço, o serviço que ele foi,
acabou. E na hora que arruma [trabalho] é só para os homens, agora, Bonito,
eu trabalhar no meio de 10, 12 homens? A gente se sente envergonhada,
sozinha. Às vezes, alguém pode falar, mesmo que você não esteja fazendo
nada: Olha lá a mulher do Sr. Fulano, enquanto ele está na ilha, ela fica no
meio dos homens.
Na ilha não tinha despesa de água, nem luz e nem aluguel, por isso que
eu falo que melhorou em um ponto e piorou em outro. Mas eu prefiro estar
aqui por que é uma coisa que tem futuro, se um dia eu morrer, isso vai ficar
pros filhos, mas se estivesse na ilha, não precisa pagar as despesas e ainda
assim, a gente acaba gastando com outras coisas, aqui a gente paga mas tem
futuro.
Agora aqui é meu, eu estou pagando, é meu. Se o patrão manda embora,
eu tenho para onde ir, não vou ficar embaixo dos paus. Por isso que eu falo,
que muita coisa melhorou, mas muita coisa piorou também. Mas podia estar
melhor, veja só, aqui mesmo, em frente de casa, do outro lado da rua tem
serviço, mas o homem não paga prá nós, paga para o trator, o trator vem aqui
com a colheitadeira, passa e já quebra o milho, debulha, não sobra serviço,
se pagassem para gente fazer esse trabalho, não ia faltar trabalho pra nós.
(Joana)
achei bom não. Até nisso, a gente achava diferente. Outra coisa ruim
também era pagar aluguel. Na ilha não precisava, a gente fazia uma casinha
de sapé, de madeira. Então você vê que era um outro mundo.
Só tem uma vantagem: A saúde. O governo tomou conta, impôs o Meio
Ambiente e muitas outras coisas. O Meio Ambiente é duro com o pescador.
É a coisa mais difícil, o Meio Ambiente para o pescador. Mas no
atendimento à saúde, melhorou muito. Então nesse lado [fiscalização], tirou
a paz do pescador. A tranquilidade foi embora, não existe mais. Só que tem
esses outros meios de vida. Então o pescador tem que se conformar com
isso. Só que se um filho seu caiu, quebrou o braço, atendimento tem. Febre,
o doutor aplica um injeção e tá tudo bem. Então não tá ruim não. (João)
Considerações finais
possível navegar, pois o peixe, para eles é mais fácil ser encontrado no mercado.
Assim, nas fotografias do rio, os barcos aparecem em primeiro plano.
150
Deste modo, suas falas não indicam o desejo de retornar à condição tradicional,
mas as fotografias, que de acordo com Collier (1973), podem expressar
conteúdos que os níveis racionais e objetivos não permitem revelar, indicam o
desejo,
151
lugar. Se o lugar e a época lhe são negados, a vida precisa continuar a fluir, em
outra época (tradicional), em outro lugar (refúgios naturais) onde possam dar
manutenção à sua subsistência.
A agenda 21 discute a erradicação da pobreza, concluindo que a pobreza exerce
pressão sobre o ambiente. Entretanto, basta analisar a dimensão do impacto que
uma grande obra de engenharia pode trazer ao ambiente contra o impacto que
uma pequena comunidade de subsistência faz. A questão não parece ser destruir
ou não destruir o ambiente, trata-se de quem pode ter o direito de destruir. Quem
degrada mais, paga mais. Talvez os pobres não possam indenizar a degradação
que causam, mas mesmo podendo, os ricos não pagam. Recorrem à “justiça”,
bonachona com o poder, demora tanto a pronunciar a sentença que nem
pronuncia e quando o faz, o som da voz é completamente inaudível, para
ouvidos já moucos.
A pobreza causa pressão, mas a riqueza a motiva em dobro. Primeiro pelo ritmo
exploratório gananciosamente indiscriminado, o objetivo não é a produção de
bens para uso da coletividade, mas o insano e desumano lucro. Em segundo
lugar, peca por não distribuir satisfatoriamente o resultado social dos bens
produzidos.
A consideração dessas questões pressupõe o reconhecimento de que a adequação
do uso do solo, da água e dos demais recursos naturais ao novo padrão, por parte
dos diversos segmentos produtores, é diferenciada em função da disponibilidade
de recursos materiais e técnicos para o desenvolvimento de suas atividades
produtivas. É fundamental, então, que a concepção de processo de gestão da
APA não se restrinja apenas às atividades de fiscalização e pesquisa científica.
Este processo deve envolver necessariamente a definição, a partir do
zoneamento, de um plano de desenvolvimento para a APA que objetive a
viabilização de atividades produtivas compatíveis com a manutenção da
dinâmica ecológica e que resultem em melhores condições de vida para a
população aí residente. Isso implica instaurar e integrar um processo de trabalho
conjunto das diversas instituições (de pesquisa, extensão rural, educação, saúde,
etc.), de modo a viabilizar alternativas que garantam a reprodução social dos
pequenos produtores e pescadores artesanais.
Evidenciou-se que a região do extremo noroeste do estado do Paraná, embora
não apresente o dinamismo econômico de outras regiões, não ficou imune às
transformações que marcaram a economia paranaense. Nas três últimas décadas
foi intensa a apropriação de terras por grandes grupos empresariais, fato que não
só configurou um novo quadro fundiário, fortemente concentrado, como
também delineou uma nova relação, fundamentando a apropriação da terra e a
exploração de seus recursos naturais. Ou seja, a situação de predominância, até o
início dos anos 70, da produção familiar de subsistência e extrativismo florestal
foi alterada num contexto marcado pela presença de novos grupos sociais e
econômicos.
153
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ANTECEDENTES LEGAIS
Possui uma área de 1.003.059 ha e um perímetro de 821,76 Km. Está localizada nos estados do
Paraná e Mato Grosso do Sul, abrangendo os municípios de Altônia, São Jorge do
Patrocínio,Vila Alta, Icaraíma, Querência do Norte, Porto Rico, São Pedro do Paraná,
Marilena, Nova Londrina e Diamante do Norte, no estado de Paraná, e Mundo Novo, Eldorado,
Naviraí e Itaquiraí, no estado de Mato Grosso do Sul.
CLIMA
RELEVO
VEGETAÇÃO
Mata Atlântica.
FAUNA
PLANEJAMENTO
Infra-estrutura disponível
Acordos de Parceria
Hélvio Recha
Anexo 3 - A
Anexo 3 - B
1. Data entrevista:
2. Nome completo:
3. Sexo:
4. Data de nascimento:
5. Estado Civil:
6. Profissão:
7. Quais as atividades profissionais que já desempenhou?
8. Em quais tinha carteira assinada?
9. Atualmente trabalha em quê?
10. Endereço.
11. Quanto tempo reside neste município.
12. Quais os municípios que residiu anteriormente à este.
13. Grau de escolaridade.
14. Raça.
15. Religião.
16. Deficiência que física ou mental que impeça suas atividades habituais.
17. Capacidade visual ( incapaz, grande ou pouca dificuldade, nenhuma).
18. Capacidade de audição (incapaz, grande ou pouca dificuldade, nenhuma).
19. Idade, sexo e grau de escolaridade das pessoas domiciliado neste endereço.
20. Quantas pessoas domiciliadas freqüentam a escola.
21. Quantas exercem alguma atividade remunerada que ajuda na renda familiar e qual o
valor.
22. Recebe pensão, aposentadoria, aluguel, mesada, outro? Qual o valor?
28. Destino do lixo doméstico (coletado por serviços de limpeza, queimado ou enterrado na
propriedade, jogado em terreno baldio ou em rio e lago, outro.) .
29. Domicilio com energia elétrica?
30. Quantidade existente de.
◊ Radio;
◊ Geladeira;
◊ Videocassete;
◊ Televisão;
◊ Máquina de lavar;
◊ Ar condicionado;
◊ Forno Microondas;
◊ Linha telefônica;
◊ Fogão;
◊ Cama;
◊ Mesa;
◊ Sofá;
◊ Pia;
◊ Automóveis.
31. Qual o meio de lazer seu e de sua família nas outras vagas?
32. A cada quanto intervalo de tempo freqüenta o dentista?
33. Quais as providências adotadas por parte do poder público para receber ou atender as
necessidades dos ilhados? E quais eram essas necessidades?
34. Quais as atividades públicas e coletivas que você participa? (festas, feiras, cultos
religiosos, etc)
35. Tem criação de animais ou plantações de sustento? Qual o destino da produção? (venda
ou consumo)