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Resenhas A CIENCIA EM ACAO: MITOS E LIMITES. Aldo Neison Bona® CHRETIEN, Claude. A Ciéncia em Apdo: Mitos Limites. Campinas: Papirus, 1994, ‘Trata-se, sem divide, de uma obra polémica que deixa qualquer positivista com os nervos & flor da pele, Logo no preficio Chrétien afmna ‘que as pretensdes do cientificismo fizeram com que a ciéncia, que pretendia derrubar os mitos, stcabasse por se tomar, ela mesma, em mito. Ao longo da obra ele desenvolve uma série de pontos visando fundamentar essa afirmagio. No primeiro capitulo 0 autor procura Posicionar-se contra a ideologia cientificista ‘ostrando como o conhecimento cientifico esta presente ¢ exerce influéncia na sociedade. Ele & {ributério de confianga, em se tratando da verdade, mais do que 0 foram os sacerdotes ou (8 sibios da antiguidade. Objeto de crenca insofismavel, a ciéncia, na medida em que rejeita qualquer referéncia ao transcendente (no passivel de conhecimento objetivo), consttui-se inum atentado aos valores que dai emanam e sua tentativa de erigir-se como valor absoluto no é sustentavel visto que € produto de uma determinada cultura (como o & qualquer religito) 'No entanto, de acordo com Chrétien, no séeulo XX a cigncia passa a ser objeto de critica, sofrendo um abalo em suas ilusoes Progressistas (com as destruigdes que proporeionou) e em seus fundiamentos te6ricos (com a teoria qiidntica ¢ a da relatividade). 6 fondamentalmente a filosofia que vai caber essa critica, muito embora ndo seja mais possivel uma sintese total do saber © uma visio de totalidade do conhecimento (ideal do eonhecimento filoséfico). Nietzsche, de certa forma, oferece © modelo da critica 20 cientificismo: minar 0 campo cientifico como um todo e mostrar que ela, pretendendo-se ata, esté se erigindo como um novo objeto de adoragio; trocando um deus por outro, E, Portanto, no método geneal6gico de Pro-Posigdes Vol. 7N®2 [20], 79-87 * Julho de 1996 Nietzsche que 0 autor busca a maneira de Construir sua critica ao cientificismo: investigar a origem da ciéncia identficando-a como produto de uma determinada cultura e, portanto, desmistificando-a, Além da critica genealigica, a ciéneia deve ser também submetida a uma critica sociolégica ‘que mostre que ela esti marcada, desde o inicio, pela cultura que a produziu. De acordo com 0 autor, @ grande questio que deve ser posta numa critica séria a ciéncia 6 a respeito dos limites desta, O que é que a diferencia das outras formas de conhecimento e quais suas limitagdes? Indicado, no primeiro capitulo, o caminho de uma eritica ao cientificismo, Chrétien, no segundo capitulo, inicia sua empreitada analisando as origens da ciéneia modema visando compreender 0 contexto que a condiciona. A questio inieial 6: por que @ cigncia surge na Europa do século XVII se a China, no periodo anterior, é mais rica em produgio tecnolégica do que todo 0 Ocidente? Os babildnicos, os egipcios © os gregos, tio ricos na produgdo de conhecimentos, por que nao foram eles os iniciadores do modelo Cientifico de conhecimento que surge na Europa do século XVII? Na resposta a essa questo 0 autor considera uma série de pontos que levaram a ruptura no modelo de conhecimento operada pela modemidade. Em primeiro lugar, necessirio considerar ‘que a sociedade moderna (capitalista), no se contentava mais com um saber puramente tebrico, “desinteressados”. Era_necessirio produzir um saber pritico capaz de propiciar crescimento material. 0 conhecimento deve, no contexto do capitalismo, proporcionar a0 homem o dominio total sobre a natureza. Dai a profunda comunhdo entre cigncia e técnica que marca 0 novo modelo de conhecimento. Além disso, 0 advento das maquinas far com que 0 homem associe 0 funcionamento da natureza 20 funcionamento daquelas e que, portanto, ‘Professor de Filosofia na Universidade Estadual do Centro-Oeste Parana - IRATI 9 A Ciéncia em Acio: manipulando-se a natureza, @ _possivel ‘compreender as leis que a regulam. A convicgao de que, assim como as maquinas, a natureza ppossui leis de funcionamento ¢ a crenga de que esas leis sio decifraveis, esti na base da ciéneia moderna, No entanto, © aqui o autor & novamente contundente, por mais paradoxal que ppossa parecer, na base da ciéncia esta a crenca de que as leis de funcionamenio da natureza foram estabelecidos por Deus. Deus 6 legislador supremo da natureza assim como o rei legisla sobre o seu reino (mais um trago da comunhio entre © novo modelo de conhecimenio e a estrutura s6cio-politica e econémica que se firmava neste perfodo). Assim, a mesma ciéncia que a partir do século XVIII ira protender-se ata, tem, em sua raiz, a crenga na existéncia de um legislador supremo. Compreendidas algumas questdes sobre 0 nascimento da ciéncia e sua vinculario com 0 ‘comtexto no qual emerge, 0 que inviebiliza sua pretensio de universalidade, pretensao essa {20 icismo, Claude Chrétien faz, no terceiro capitulo, a anilise da relagio ciéncia e sociedade, visando mostrar a contaminacio ideologica do. conhecimentocientifico. Adeologia é, aqui, entendida pelo autor como os reflexos de valores ou de principios sociais dentro da orciem do conhecimento,) E iusto a eigneiapretenderse neutra pois 6 pensamento forma-se no seio do sociale por ele € marcado (isso 0 autor mostrou na andlise aque fez das origens da ciéncia moderna). O proprio eritrio do verdade que predomina na ciéncia modema 6 um criério.socialmente determinado: é verdadero aquilo que permite um cero dominio sobre fenémeno em questio (vinculario ao capitalismo). Além disso, & verdadeiro.aquilo que € cocrente, nlo's6 interamente, mas “40 conjunto das’ outras teorias, ou ja, aqulo que pode sr integrado acs saberes jf costiuidos, portant, 20 socal ‘Também aia ciénca &profundamente marcada pela sociedade que prodiz. Ness sentido ¢ com muita propriedade, o auorafirma que ndo s6 a verdade, mas também 0 ero sio sociologicamente relativos E, no entanto, nos contetidos da eincia (os fatos, 0s conceitos e 0s modelos te6ricos) que se pode notar mais claramente a influéncia do social no conhecimento cientifico. Um fato nao um dado puro, mas é sempre feito. O cientista seleciona elementos e constréi o que se chama “fatos". Sendo assim, estes sio marcedos pelo Ccontexto no qual s40 produzidos. Da mesma fonna ocorre com as canceitos e os modelos teoricas que sao criagdes do espirito. Ora, esse espirito & encamado e inserido num determinado contexto social e histérico, e, portanto, marcado por ele. Assim, 0 autor conclui esta anilise afirmando que a sociedade, mais do que apenas consumir ciéneia, determina a propria natureza dos conhecimentos que esta produz, Se a ciéncia & marcada pelo social, ela tem também um funcionamento institucional, ¢ 6 isso © que o autor procura discutir no quarto capitulo. O conhecimento cientifico nao é fruto dde um trabalho individual (nem poderia ser em ungdo da excessiva multiplicacao dos saberes), ‘mas de um trabalho social; ela é um programa coletivo de conquista da verdade. Sendo assim, apresenta todas as caracteristicas da divisio social do trabalho. A ciéncia & uma atividade social porque, ‘entre ouiras coisas, também é escrita e a escrita um ato social por meio do qual se visa expor ‘ou impor algo. E é nesse campo que a ciéncia & também um combate e apresenta toda a competitividade presente na sociedade. Ao enunciar algo, um grupo de cientistas precisa sustentilo frente as controvérsias levantadas por outro grupo. f 0 fato de um conhecimento resistir as controvérsias que firma sua objetividade, Por conta disso, além de ser um combate, a cigneia & também um debate onde se busca sempre aprofundar “as razdes de". E s6 no debate que a racionalidade ver luz e, por isso, a ciéncia s6 pode ser exercida em espago democritico. A razio no se impoe; ela se expoe. Sea citncia 6 uma instituigdo, ela é também ‘uma empresa. O pesquisador relaciona-se com ‘outros pesquisadores, precisa de patrocinio, de % cquipamentos, de regulamentagao pera a Pesquisa de material etc.. Além disso, o esquisador visa lucro no sentido de crédito eredibilidade. Em suma, ha na pesquisa cientifica tudo 0 que hé numa empresa capitalist © quinto capftulo 6 dedicado a anilise da relagdo cigncia/deologia. A nogao de ideologia aqui é emprestada de Marx que considera que esta tem origem na divisio social. A ideologia seria a imposic2o de uma visto de sociedade que pertence a classe dominante como sendo uma vis4o universalmente valida, A ciénca seria também ideologia na medida em que sofre os efeitos da divisio entre trabalho manual e trabalho intelectual e goza dos privilégios que a jade reconhece em uma atividade intelectual. Por outro lado, a ciéneia & uma atividede de especialists ¢, reservada @ uma elite ela € alienagdo na medida em que priva as demais camadas sociais de seu acesso, Além isso, a cigncia é ideologia na medida em que nega sua historicidade e apresenta-se como conhecimento puto eatemporal. Mas, num outro sentido, na medida em que a0 produzir tecnologia a ciéncia pode liberar o homem do trabalho manual, ela torna-se instrumento de liberagao da alimentagio. De acordo com o modelo marxista, @ cigncia nto ideolégica enquanto & transformadora e revolucioniria, Assim a burguesia hoje nao pode favorecer a citncia visto que no é mais uma classe revolucionér mas visa preservar 0 status quo e, portanto, s6 pode produzir idcologia. E a classe proletiria que cabe a produgao de uma ciéncia fevolucionéria: a ciéncia proletéria. Ora, essa nogio de ciéncia proletiria recebe um golpe ‘quando Lyssenko, cientista russo, em nome dela, ropde métodos de produgdo agricola que arruinarao a economia na URSS. O modelo marxista ndo encontrou sustentacao. Por conta desse fracasso, a critica marxista incorre em outro erro ao afmnar a pureza do conhecimento cientfico defendendo que o problema esti na mi utilizagio que so faz deste, Outro erro. No entanto, o autor considera que os tropegos do lyssenkismo provocam uma reflexio Pro-Posighes Vol. 7 N? 2 [20] * Julho de 1996 sobre 0s limites de uma critica sociolopica da citnciao que leva a refer sobre a questio da relatividade do conhecimento cientitio, empretada do sextoe itm capitulo. O cientiicismo tem como convigio o valor universal do. conhecimento cientifico. Essa prtens¢o universaista tm origem na noo de ue, 20 contriio do saber primiivo, ocienifco captalizivel ranscendeos limites de espago € tempo, ou seja 6 "deslocaizado”. No entanto, alguns ‘pensedores repudiam essa visio. ¢ afirmam a relaividade do conhecimento ientfico, Feyerabend considera que a impés.se pela forga eno pela superoridade de direito sobre os outros saberes. Nio se pode compara logicamente tcorias ou sistemas de representaao diferentes e, esse sentido, nao & possivelafrmar a superioridade de um sobre 0 outro Tal superoridade no passaria de uma questio de preferéncia pessoal No entanto, Chrétien considera que esse relativismo levanta um problema que merece reflexio: se se nega a universalidade da razio cientfica, de que forma se pode resttuir a raxdo a umanidade visto que esa Ihe pertence? Por outro lado, a pretensio exclusivista da ciéncia nio estara privando-a de um didlogo com 2s outras formas do saber © condenand- esterilidade? Qual ¢ 0 melhor modelo de conhecimento: 0 Ocidental ou 0 Oriental? A esse propésito 0 autor posicionase citando F. Capra que, em sua obra O Tao da Fisica, mosira a complementaridade ea convergéncia de duas abordagens do mundo: a Ocidental = Oriental. & essa a propasta de Chrétien: que se estabelega um clog entre as 4iferentes formas de conhecimento pois velho Sécraes jf ensinava que a razao nesce do diflogo ¢ rele se sustenta. Assim para a construgao de uma rzio universal, &necesstio que acionalidade cientiiea do Ocidente tome Se critica © aulocrtica, renunciande 0 cientfcismo e dilogando com ouras formas de racionalidad. Em sum a clncia precisa abrir. Se ao didlogo das civiizagdes, que seria tese da raxdo comunicativa de Habermas. Somente dessa forma a razko poderiaafirmarse oniversal, a Bringuedo e Cultura Por fim, 0 autor conelui dizendo que se a cincia pretende “desvelar” a natureza e possui & verdade nua, ela esté esvariando 0 conhecimento de seu sentido. Como a propria etimotogia da palavra mostra, 0 véu & que revela. E, portanto, preciso, envolver a naturera com o véu dos nossos discursos. CConsidero bastante interessantes as anise que 0 autor faz em relagio ao conhecimento cientfico, principalmente no que se refere a sua origem localizada e & sua desmedida pretensio de universalidade. Por meio de exemplos de realizagdes e controvérsias cientifica, o autor iustra suas consideracoes e cita autores que corroboram suas interpretagdes acerca da ‘empreitada cientifica. A esse respeito, os textos ‘em anexo sio bastante ilustrativos na medida em {que mostram diferentes visdes de um mesmo problema. Porém, a sua proposta de superacto da ideologia cientificista por um lado e do relatvismno exacerbado por outro, nlo & algo tao brilhante como foram suas andlises. A velha {6rmula platonica ¢ aristotélica do justo meio entre dois extremos, permanece Sendo uma proposta muito vaga de democratizagéo do saber, haja vista que 0 didlogo, como o proprio autor jéafirmou, nio & apenas uma forma de se ‘expor, mas também de se impor, o que resultaria ‘em um universalismo com uma nova roupagem, BRINQUEDO E CULTURA, Patricia Dias Prado® BROUGERE, Gilles. Bringuedo © Cultura. Revisiio técnica e versdo brasileira adaptada por Gisela Wajskop. - Sio Paulo: Cortez, 1995, - (Colego Questio da Nossa Epoca; v. 43), 110 pp. “O brinquedo merece ser estudado por si ‘mesmo, transformando-se em objeto importante naquilo que revela de uma cultura.” Associando brinquedo © cultura, onde o primeiro € considerado como produto de uma sociedade dotada de tragos culturais especificos cerevelador desta propria cultura, o autor retrata assim, 0 bringuedo, inserindo em um sistema social e portador de fungdes sociais e de significados que remetem a elementos do real e do imaginario das criancas, Com o objetivo de compreender o funcionamento social esi através de exemplos ¥: diversas, Brougére retrata, num primeiro momento, as brincadeiras como forma de interpretagdo de significados contidos nos brinquedos e estes portanto, como suporte de epresentagdes, que contribuem para a socilaizacio das criancas e permitem 0 acesso 0s c6digos culturais e sociais necessérios para formacao do individuo social ‘Num segundo momento, evidenciando os diferentes aspectos do sistema de significados transmitidos pelos brinquedos, o autor aponta, ara o fato de que o brinquedo, além de \etizar a representago que a sociedade tem da crianca, ou seja, qual ou quais conceitos de infancia a sociedade possui, também permite, tenquanto objeto complexo, a compreensto do funcionamento da cultura. O autor trabalha mais, especificamente aqui, com uma discussio despretenciosa sobre a boneca industrializada, fenquanto espelho da sociedade, buscando ‘compreender o que ela reflete e como reflete. Abordando, em seguida, 0 papel do brinquedo na impregnacao social da criange, assim como as relagdes entre os brinquedos, as brinacadeiras e a televisio, o autor lance interrogagdes sobre os efeitos do brinquedo sobre a crianga e sobre as influéneias diretas de televisio nas brincadeiras infantis. Na verdade, a brincadeira permite a descarga das femogdes acumuladas durante a recepgdo televisiva, @ tomada de distanciamento com relagio as situagdes e aos personagens, a invenpao e a criagdo em torno das imagens recebidas. (60) E_finalmente, num tilmo momento, Brougére busca uma tentativa de compreensio. ¥ Mesiranda da Faculdade de ducagto da UNICAMP, @ do sentido das brincadeiras de guerra, onde a crianga confronta-se coma violéncia humana em nivel simbdlico, descobrindo € desvendando assim, mais uma partede sua cultura. Propondo uma reflexio sobre os significados que a crianga, como sujeito ativo, atribui a0 brinquedo nos momentos das brincadeiras, confrontando imagens que traduzem a realidad que a cerea e que propdem tuniversos imaginérios, com representagdes de formas diversas ¢ variadas, esta obra destina-se igueles que se inleressam pelas questoes relativas ao brinquedo e as brincadeiras ¢ as suas relagGes com a educapao infantil © com 0 mundo da cultura ‘A contribuigio fundamental da. presente ‘obra, portanto, vem no sentido de considerar @ cexisténcia de uma cultura infantil, de uma cultura da crianga, de virias culturas das crinacas. A PEDAGOGIA FREINET: NATUREZA, EDUCACAO E SOCIEDADE Eloisa A. C. Rocha® NASCIMENTO, Maria Evelyna Pompeu do. A Pedagogia Freinet: Natureza, Educagdo e Sociedade. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995, 79 pp. ‘A repercusstio do trabalho do educador francés Célestin Freinet no Brasil percorreu caminhos —contraditérios. Talvez_— tao contraditérios quanto 0 proprio contetido € 0 contexto de construgdo de sua obra. [Embora, geralmente ausente dos curriculos das escolas de formagio de professores, mesmo em periodos mais atuais, Freinet sustentou, sobretudo nas décadas de 70 ¢ 80, bos parte das iniciativas de consolidagao de projetos de ceducagio “altemativa” presentes na maioria dos centros urbanos brasileitos. Estas experiéncias, seja por sua natureza revolucionacia, seja pelas proprias estratégias pedagégicas que propunham, pareciam dar respostas concretas Aqueles que buscavam se contrapor aos Iradicionais modelos educativos pautados na Pro-Posigies Vol. 7 N° 2 [20] * Julho de 1996 individualidade, na submissio e na reproducdo de modelos tinicos. B exatamente neste contexto que a autora situa a sua propria experiéncia como educadora, da qual resultou o trabalho de pesquisa que originou este livro, onde ela busca refletir sobre as bases, as concepgves, e as contribuigdes da pedagogia e do pensamento de Freinet. que conforme bem indica no inicio do trabalho, & “um pensamento construido através de experiéneias coneretas conselhos _préticos, sonhos ereflexdes, citagdes biblicas, expresses de humor e de poesia” (p. 14) ‘Com o intuit de propiciar 0 acesso a alguns dos conceitos mais recorrentes da obra de Freinet (natureza, liberdade, trabalho, cooperagao, felicidade, harmonia), Maria Eyelyna organizou este livro de 79 paginas, basicamente em trés partes: I. A Podagogi Freinet; I. Educacdo e Historia, e, Il, Por uma avaliacao critica de Freinet. Cada uma destas partes compde-se de sub-itens responsaveis por sum desenvolvimento mais especifico dos tema ‘A primeira parte dé 20 leitor uma visio ‘eral das técnicas Freinet e de seus fundamentos caleados nas idéias de natureza, de énfase na sensibilidade e de indissociabilidade do individual e do coletivo. A autora entende que ‘uma trajet6ria de vida marcada pelo contexto de pOs-guerra ¢ de fortalecimento de regimes totalitérios instigou Freinet @ construir_um projeto educativo original, criando agdes pedagégicas bascadas no trabalho, na vida, na consirugio e na cooperagio, Para ele era preciso captar a vida das criangas, tomando a educagdo significative com téenicas que possibilitassem a cenirada da reatidade social na escola, pois “s6 a Vida educa”. Dat suas técnicas pedagégicas (da aula-passeio e do texto-livre & imprensa e & correspondéncia inter-escolar), serem pautadas na Tiberagao do pensamento e da criatividade e nascerem da experiéncia vivida e néo de uma formagio académice. Ao orientar-se pela idéia da “prética a partir da vida”. como bem identifica esta obra, Freinet pretende, a exemplo ® Douioranda da Faculdade de Educagto da UNICAMP, B A Pedagogia Freinet: de Rousseau, “formar o homem de amanhi em contato com a natureza”,colocando na educagao - no attificial - 0 caminho para a volta & hharmonia do “Estado de Natureza”. Para ele este pprocesso se concretiza pelo trabalho, como uma das condigbes de vida da propria Natureza. ‘A segunda parte do livro volta-se para 0 aprofundamento das bases conceituais sobre as ‘quais se fundaram os projetos de educacao e sociedade que Freinet almejou consolidar numa Constante oscilagao entre o ut6pico © 0 conereto. Ao caracterizar aquilo que chamou de “O idealismo de Freinet”, a autora reconhece a ‘utopia deste educador ao vislumbrar uma nova estrutura de escola que possibilitaria a instauragao de uma sociedade mais justa. Esta expectativa corresponde aquela que recen- temente temos visto ser delineado por educadores que mantém a esperanga_em reorientar a contribuigio da escola para a construgto do novo: “ao mesmo tempo que & ‘vista como reprodutora das relacdes sociais, ela (a escola) & um espaco onde as contradigdes se manifestam” (p. 35-36). Todavia, em Freinet esta superacdo nao se situa no plano social, mas nas proprias aptiddes individuais, que poderio, via a cooperacdo, desenvolver sentimentos basicos para a convivéncia democritica. No limite, Freinet, como muitos dos educadores rominticos, pretendia fazer da escola uma microsociedade em harmonia, o que, segundo suas conviegdes, deveria resultar numa melhoria da sociedade como um todo. Concordo que, aquilo que para Freinet se consolidou como a propria "Pedagogia do Bom-Senso”, descon- sidera as estruturas sociais, as quais extrapolam as Virtudes ¢ a harmonia que possam pretender 05 individuos, e que, por isto, tal proposta acaba por configurar-se como um projeto educativo proximo a um resultado “surrealista”. Nao nego, Contudo, que. por outro lado, acabe viabilizando agdes pedagégicas que concretamente consigam instalar formas absolutamente antagonicas &s tradicionais, reafirmando que “s6 a vida educa e que & preciso dissolver a escola no meio social” (p. 20). ‘A visio de ume pedagogia voltada para a vida ¢ orientada por uma idéia de natureza infantil, j& amplamente discutida por Bemard Charlot em sua obra “Mistificagao Pedagégica”, é idemtficada pela autora em Freinet como uma concepeio de igualdade, propria do “Estado de Natureza”. Assim como o fazia Rousseau, Freinet aposta na infncia, com sua bondade inerente e na educaca0, via 0 educador, para combater a sociedade corrompida, pois também para aquele, 0 homem das luzes sera capaz de ‘manter 0 equilibrio entre o “amor de si” e a “piedade”. Na parte final deste instigante livro, a autora far valer um proficuo didlogo com diferentes interlocutores. (e com ela mesma), desenvolvendo uma anélise onde a0 mesmo tempo a familiariedede © o distanciamento permitem uma visto lida e desmistificadora Desmistificadora quando permite descortinar 0 lugar da infncia idolatrada que, contudo, nio ocupa no projeto pedagogico de Freinet um lugar de atuag3o. social compartithada com 0 adulto, mas sim a ele subordinada. Desmistificadora também, quando aponta para a insuficiéncia de modelos éticos ¢ pedagogicos dissociados do que caracteriza a propria organizacao social em um determinado, tempo historico, acabando por estabelecer modelos com principios “abstratos universalmente aplicaveis”. Lécida, sobretudo por afirmar toda pedagogia como social e ideologica, e por reconhecer na Pedagogia Freinet “um projeto ue se a principio acredita na escola como um espago onde as contradigdes se manifestam, podendo contribuir para a formagio de um 10¥0" homem, no interior da “nova” sociedade socialista (p. 59). Este projeto inicialmente orientado pela nogdo de trabalho como meio para a “escola do povo", acaba por defini-lo como necessidade natural: “meio pelo qual progridem todos os seres vivos”. ‘Maria Evelyna encerra 0 texto com uma interessante conclusto onde estabelece uma identificagdo da utopia de democracia e paz em Rousseau e em Freinet, vislumbrando, deste onto de vista, uma contribuigdo para’o que definiu como uma “educagdo conforme os direitos humanos”, uma vez. que Freinet admite u Pro-Posigies Vol. 7 N® 2 [20] * Julho de 1996 a ambigiiidade como direito humano a ser cconeretizado no cotidiano escolar nas relagdes centre liberdade e disciplina, entre educagio © trabalho, entre cooperacio e individualidade consciente (p. 67-70). Percorrer esta leitura propicia a todos os imteressados em educago um excelente momento de reflexio, especialmente aos ‘educadores que atuam na escola, ou fora dela, permite estabelecer_ um produtivo didlogo com suas proprias perspectivas educativas e sociais. QUANDO A TRAMA TEORICA FICA POR CONTA DO LEITOR Ezequiel Theodoro da Silva* BIANCHETTI, Lucidio (org). Quando a Trama Teérica fica por conta do Leitor. Trama & Texto. Leitura Critica e Eserita Criativa Volume I. Sio Paulo - Plexus Editora, 1996. 192 pp. ‘A. forga das coletineas resulta da diversidade de pontos de vista sobre um deterinado tema, permitindo a0 leitor 0 estabelecimento de semelhancas e/ou contrastes, entre as idsias de diferentes autores. Em Trama & Texto, sio onze ensaios, produzidos por dezesseis colaboradores que esquacrilham 0 campo da-—eitura/eserita, nese esquadrithamento, aparecem desde quesides relacionadas aos fundamentos dos dois processos até aquelas voltadas a procedimentos ppedagégicos para a sua condugao critica em sala de aula, Nas palavras do organizador do livro, “a preocupacio foi langar flashs sobre o ler eo escrever, numa perspectiva Interdisciplinar, tecnicamente plural (.." (p. 11) ‘Anda que apresente o sumério do Volume Il (@ ser publicado), os referenciais discutidos parecem tender mais ao aprofundamento das priticas de escrita do que das praticas de leitura fem sociedade e, mais especificamente, no contexio escolar. Tal tendéncia, entretanto, no trai o titulo da obra mesmo porque, em funcao da complementaridade dos atos de ler ¢ eserever, slo realizadas, pelos autores, importantes incursies na esfera da leitura Outrossim, as bibliografias que acompanham os textos sio atualizadas e pertinentes, permitindo constatar nio s6 0 poder de sintese dos varios colaboradores com também o rigor na seleca0 de informagies a respeito dos provessos tematizados. ‘As trés primeiras dissertagbes da coleténea (Trabalho, linguagem e consciéncia: uma mediacao que fundamenta a pritica escolar, de Isilda C. Palangana; Concepedo dialética de escrita-leitura: um ensaio, de Ari Paulo Jantsch; eA escrita e a superagdo do senso comum., de Sérgio Schaefer) fornecem algumas balizas ‘mesiras para se pensar a produgao da escrita Tentando aqui, talvez arrajadamente, uma aproximagao do pensamento dos trés autores referidos, poderiamos afirmar que a escrita & iscutida na perspectiva do materialismo dialético e, por isso mesmo, caracterizada como uma pritica humanizadora e libertadora do sujeito, Dai que “ensinar a escrever & ensinar a pensar e a criar; & ensinar a conceituar, de modo a se poder’ apropriar-se da realidade, interpretando-o e produzindo-a” (p. 46) onde “(.a) todo texto é uma leitura da realidade ou todo ato de escrever pretende ler” (p. 49) Vale ressaltar, denire essas_reflexdes iniciais, a excelente analise que Schaefer realiza do conceito de ‘senso comum’. Esse estudioso cexecuta um minucioso levantamento hist6rico, de Platio a Deleuze, no intuito de aclarar as ‘miltiplas —interpretagdes esse _coneeito, acentuando que © senso comum “nio & uma cognicio morta, pacifica, incolor, fruto de indoléncia intelectual, espécie de torpor nebuloso ou algo do género, O senso comum se define pela necessidade de uma escolha, o que Insttui o dilema, 0 conflito e 0 passo em frente que & 0 ato de escolher ou isto ou aquilo. Feita 4 escolha, insttui-se o senso comum” (p. 63). Supera-se, dessa forma, a nogao ligeira que trata ‘senso comum como uma mera folclorizagio de aspectos da realidade. ‘Professor da Faculdade de Bducagio da UNICAMP a Quando a Trama ‘Um conjunto de trabathos contidos na obra volta-se para questdes relativas a0 ensino- aprendizagem da escrita, Bianchetti, em Escrever: uma das armas do professor, critica © enfado que muitas vezes circunsereve a produgio e circulagdo da escrita dentro da academia; ao mesmo tempo, aprofunda idéias sobre 0 fendmeno da censura e propde que a escrita _seja tomada como elemento de consttuigao de sujeitos que léem criticaente a realidade. Ferreira, com o artigo Escrever: um ato de libertagdo, toma a escrita como “(..) um ddos mais eficientes métodos de comunicaga0 & de liberagio dos sentimentos, portanto, de alivio e de cura.” (p. 110) Para corroborar as suas afirmagées, este autor lanca mio de textos ‘produzidos por sua filha ao longo de doze anos. Akele, ema escrita numa perspectiva textual «@ concepedo dialética da linguagem, discorre sobre as contribuigdes da lingifstica © da

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