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FUNDAMENTOS DA ESCOLA POS-KEYNESIANA: A TEORIA DE UMA ECONOMIA MONETARIA Fernando J. Cardin de Carvalho* |, ANTECEDENTES Aescola pés-keynesiana nasceu da critica & teoria econémica classica enun- <.ada por Keynes principalmente nos anos 30. De acordo com Keynes, “os postula- es da teoria classica so aplicaveis apenas a um caso especial ... Além disso, ocor- cue as caracterfsticas do caso especial assumido pela teoria clAssica nao sao aque- 2s da sociedade econémica em que efetivamente vivemos...” (Keynes; 1964, p. 3). A teoria classica era acusada de ser uma daquelas “graciosas e polidas técnicas cue tentam lidar com o presente abstraindo-se do fato de que sabemos muito pouco sobre o futuro” (Keynes; 1973, XIV, p. 115). Em contraste, segundo Keynes, “na ver- dade, porém, temos, em regra, apenas a mais vaga idéia de quaisquer conseqién- cias de nossos atos que nao sejam as mais diretas” (d., p. 113). Por esta raz&o, os atores econédmicos devem tomar decisdes e implementar planos apoiados em expec- tativas que sabem incertas e, assim, passiveis de desapontamentos. Em face da pos- sibilidade da falha de julgamento, do erro de decisdes, 0 agente econémico “racional” adota estratégias defensivas, que pareceriam desprovidas de sentido em situagées diversas, mas que servem para estabelecer uma linha de retaguarda, de contengao ce danos, se e quando o desapontamento sobrevier. Na economia de Keynes, com- portamentos que podem mostrar-se a posteriori inutilmente defensivos ou excessiva- mente ousados sao plenamente inteligiveis quando nos colocamos no lugar de um agente tomando decisées. Ignorar estes comportamentos ou tentar reduzi-los a equi- “alentes em certeza é, de acordo com Keynes, a grande limitacao da teoria classica. O problema da economia classica era, assim, nao sua construgao interna, mas concepgéo de mundo, ou seja, a definigdo de seu préprio objeto. Ena definigao um novo objeto para a teoria econdmica que Keynes vai trabalhar na transigao u Tratado sobre a Moeda para a Teoria Geral dos Emprego, Juros e Moeda '. constitui um dos objetos centrais dos rascunhos da Teoria Geral preparados em 7¢32 e 1933, bem como de seus textos para aulas em Cambridge. 4 principal fraqueza da teoria classica seria sua teoria de acumulagao de rique- palavras de Keynes, “o fato de que nosso conhecimento do futuro é flutuante, incerto torna a riqueza um assunto particularmente inadequado para os méto- ‘eorla econdmica classica” (Keynes; 1973, XIV, p. 113). E nesta atividade que @ se mostra mais intensa, em face do horizonte das decisées envolvidas 72 faz4o, comportamentos inexplicaveis pela teoria classica emergem € po- 1esmo dominar aqueles previstos por ela. A incerteza cria demanda por se- 3 que neste contexto significa flexibilidade para adaptar estratégias em fa- 's Departamentos de Economia da Universidade Federal Fluminense e da Universidade ‘2 de Janeiro. 180 Fernando Cardin de Carvalho ce de imprevistos. O mais flexivel dos instrumentos de acumulagao de riqueza para © individuo (firma ou consumidor) 6 a moeda, poder de comando sobre bens e servi- Gos, riqueza em forma abstrata. Deste modo, “parte em bases razoaveis, parte em instintivas, nosso desejo de reter moeda como reserva de valor 6 umb arémetro de nossa desconfiancga em nossos préprios cdlculos e convengées reterentes ao futu- ro” (id., p. 116). A consideragéo de novos papéis para a moeda (ou novas razGes para compor- tamentos observados que fossem incompativeis com a teoria classica) é 0 fulcro da “revolugéo” que © préprio Keynes esperava causar no “modo pelo qual o mundo pen- $a a respeito de problemas econémicos” (Keynes; 1982, XXVIII, p. 42). Em 1933, Keynes ja anunciava que a tarefa de que se ocupava entao era o desenvolvimento de uma ieoria que conferisse papel ativo 4 moeda, no curto como no longo periodo, _Pois esta era, a seu ver, a principal limitagao da teoria classica (Keynes; 1973, Xill, pp. 408-411). A escola pés-keynesiana se propde a desenvolver o conceito de economia mo- netdria proposto por Keynes nos trabalhos produzidos em torno da Teoria Geral. Esta economia monetaria nao se define apenas pela presen¢a de moeda, mas pela nao- neutralidade da moeda, no curto como no longo periodo (idem). Como para Keynes, para.os pdés-keynesianos a tarefa € 0 desenvolvimento de instrumentos de analise que substanciem a viséo de Keynes de uma economia monetaria. A critica a teoria cldssica nao é, assim, imanente, mas externa. Nao se busca formas alternativas de dar sentido a construgéo ortodoxa ou de introduzir qualificagdes a seus postulados. mas, sim, de estabelecer visdo paralela, autsnoma, concorrente & escola ortodoxa. Este objetivo 6 perseguido de diferentes maneiras. O trago em comum, porém. éa tentativa de se desenvolver um novo paradigma, unificado pelo conceito de econo- mia monetaria. Hyman Minsky, por exemplo, definiu a “tradigao p6s-keynesiana” co- mo significando que “Keynes nos dé os ombros de um gigante sobre os quais pode- mos nos apoiar para ver mais longe e de modo mais aprofundado o carater esser- cial de economias capitalistas avangadas... O aspecto essencial da Teoria Gerar Ce Keynes € uma profunda andlise de como as forgas financeiras... interagem com a pro- dug&o e o consumo para determinar o produto, o emprego e os pregos (Minsky; 198é. p. 100). Outro dos principais autores da escola pés-keynesiana escreveu: “A existér- cia de mercados e contratos temporaimenie relacionados para operag&o e pagamentos monetérios é a esséncia de uma economia monetaria, pois é basico para o conceitc de liquidez. Liquidez em um quadro temporal, dada a unidade de salério monetario = o nivel ae pregos resuitante, é o fundamento da revolugao de Keynes” (Davidso" 1978a, p. 61). No que se segue, o conceito de economia monetéria vai ser utilizado como fiz condutor da apresentagao dos fundamentos da escola pés-keynesiana. Na segao se- guinte, discutiremos 0 conceito de economia monetaria e suas caracterfsticas, Er seguida, mostraremos como se da a construg4o da teoria do emprego e o modo pé- to qual a dinamica destas economias é descrita. Finalmente alguns problemas importar- tes para o desenvolvimento da teoria sao abordados. il, A ECONOMIA MONETARIA 2 A teoria ortodoxa que Keynes criticou admitia a moeda apenas como um vé_? A moeda seria apenas um “meio conveniente de efetuar trocas” sem “afetar an: mecansve cos fatores sido a parceia FOrgéo co procutc coperativa [isto é, uma ™ 26M que 0 produto fosse distriz sco Xeynes; 1979, XXIX, p. 78). Esta economia admite desequivorios, mas apenas setoriais, a serem resolvidos 2¢ 2 9peracao tradicional do sistema de pregos que eliminaria discrepancias entre ofer- tas € demandas, até que os precos de mercado se igualassem aos “naturais”. Este modelo comporta mesmo a nao-neutralidade da moeda no curto perfodo, se introduzi- mos restrigdes & velocidade de disseminagdo de informagées nesta economia *. A criag&o de crédito aqui pode deslocar temporariamente os valores da oferta e deman- da agregadas, mas a realidade das restrigdes materiais sempre se impde quando os agentes tentam gastar o poder de compra ampliado pela expansao de crédito. Uma economia monetaria, por outro lado, 6 aquela em que a moeda ao invés de ser mera conveniéncia temporaria, “joga papel préprio e afeta motivos e decisdes e 6, em resumo, um dos fatores operativos na situago, de modo que o curso dos eventos nao pode ser predito, seja no longo perlodo como no curto, sem um conheci- mento do comportamento da moeda entre o primeiro estado e 0 Ultimo” (Keynes; 1973, Xill, pp. 408-9). Este tipo de economia (que Keynes chamara alternativamente de “economia monetaria de produgao”, “economia empresarial” ou “economia de salé- rio monetario”) opera assim segundo regras diferentes daquelas identificadas pela vi- s&o ortodoxa. O exame das caracteristicas definidoras de uma economia monetaria foi empre- endido por Keynes de forma pouco sistemdtica em textos e rascunhos da 7eoria Ge- ral que s6 se tornaram publicos nos anos 70, Keynes pretendia que esta discussao abrisse a Teoria Geral, conforme se percebe dos sumarios de contetido que sobrevi- veram (Keynes; 1979, XXIX, pp. 62-3). Essa forma de organizagao, porém, parecia destinada a mostrar, de modo radical, a ruptura de Keynes com o quadro ortodoxo dentro do qual a teoria classica e neoclassica tinha se movido. Na versao findl, esta tuptura & de certo modo atenuada, talvez para facilitar a aceitagao do novo modelo. E apenas em 1937, em resposta a criticos, que Keynes parece ter-se decidido a fi- naimente radicalizar 0 debate, recolocando-o nos caminhos propostos nas primeiras versdes da Teoria Geral. Para o que se segue, porém, estas marchas e contramar- chas fazem com que uma caracterizagao mais completa de uma economia monetaria demande esforgo significativo de sistematizagdo. Por esta razdo, nesta seg&o apre- sentaremos as caracteristicas do conceito de economia monetéria de modo bastar'- te esquematico, reservando a discussdo de sua operag&o para a segdo seguinte. Keynes apresentou 0 conceito de ecoriomia monetaria de modos distintos, mes complementares, em ocasiées distintas sem se fixar numa definig&o central. No sé aspecio mais geval, como vimos, a economia monetaéria 6 aquela em que 4 m n&o é neutra nem no curto nen no longo periodos. Gomo & bem sabido, a dis entre curto ¢ longo perlodos foi herdada de Narshali e tem contetido basicame=*: litico, mais do que temporal real, referido & natureza das restrigdes sob as 2. ta 0 acerte Cujo comportamento se esiuca. Mais especificamente, no ou: Propostc Scr Marshall, e geralmente acc*ado, o estoque de capital e s.2 182 Fernando Cardin de Carvalho sao dados. No longo perfodo, em contraste, os agentes podem decidir com mals iber- dade, porque jé nao se encontram presos a herancas do passado, representadas pe- lo estoque de capital existente. Neste sentido, apenas no longo perfodo seria possi- vel obter equilfbrio pleno, em que preferéncias e possibilidades se harmonizassem (e pregos de mercado coincidissem com pregos naturais) °. Estabelecer a n&o-neutralidade da moeda no longo perfodo sé podia significar que varidveis monetérias nao afetavam apenas decisdes de produgao ou de oferta de trabalho, mas também as formas e 0 ritmo de acumulag4o de capital, determinan- te principal da posigao de equilforio de longo periodo, se esta existir. O ponto central, em conseqiiéncia, seria desvendar as condigdes em que a moeda pode ter esta in- fluéncia. Em outras palavras, como deve ser uma economia em que a moeda possa ter este efeito? A partir dos escritos de Keynes, esta economia se define a partir de cinco “a- xiomas”: 1. a produgao é realizada por firmas com o fim de venda em mercado; 2. 0 poder de influéncia e decisao 6 diferenciado segundo a classe de agentes; 3. nao existem mecanismos de pré-concilia¢ao; 4. 0 tempo flui unidirecionalmente; 5. a moe- da tem certas propriedades que a diferenciam de outros objetos de transagao. 1. Axioma da Produgao Na economia de Keynes, os agentes tém que produzir mercadorias antes de poder consumi-las ou acumulé-las. A decisao de produzir é 0 ponto de partida e é preciso entender como o processo de produgao é organizado e com que fins. Na eco- nomia monetaria a produgao é organizada por firmas com vistas 4 colocagéo em mer- cado. Na teoria ortodoxa, as firmas nao tém existéncia real. Em modelos mais abstra- tos, a firma 6 na verdade a func&o de produgao, a “caixa preta” onde insumos se transformam em produtos em relagées definidas tecnologicamente. Em construgées mais “realistas”, a firma 6 uma instituigéo, e nado apenas a descrigao de uma técnica. No entanto, mesmo nestes casos a firma nao tem personalidade prépria. Seus m6- veis sao os de seus proprietarios ou os de seus gerentes. As “estratégias” adotadas Por estas instituigdes sdo aquelas que maximizam a satisfagao de um ou ambos os grupos referidos. Consumidores nao sofrem de ilusao monetaria, tendo suas preferén- cias detinidas apenas em termos de bens e servigos “reais”; a firma é apenas um ins- trumento de satisfagao destas mesmas preteréncias. Na economia monetaria de Keynes, a situacao é diversa. A tirma é de certo modo um agente de pleno direito, irredutivel a seus propriet&rios. Os objetivos dos proprietaérios do capital (distribuigéo de lucros sob a forma de dividendos) néo séo os objetivos da firma. Os gerentes tém seu destino ligado ao da firma mas este ilti- mo nao esta subordinado ao primeiro. Para Keynes, embora a produg&o se destine “em Ultima anélise” a satisfagdo de consumo, sua organizagéo obedece a motivos mais imediatos de outra natureza. A firma é um locus de acumulag&o de capital na sua forma mais maleavel, mais flexi- vel, mais geral. O mével da produgao 6 aumentar o poder de comando sobre a rique- Za social e isto 6 obtido néo apenas gerando um excedente que possa ser retido pela firma, mas que tenha também a forma adequada a continuidade da acumulagao on- de quer que ela se apresente mais proveitosa. Isto significa que a firma busca a rique- Za em sua forma mas geral, riqueza enquanto tal, o que 6 obtido em sua forma mone- taéria. Nas palavras de qk e assim ak + q’k-ck > rk (2) A taxa de retornos de bens de capital agora supere seus riscos. A demanda por bens de capital subira, e com ela os pregos dos itens existentes, até que a alta de pregos seja suficiente para eliminar os ganhos relativos oferecidos por este ativo. Ao subir PC (os pregos correntes), ak e, principalmente, q’k s&0 reduzidos e uma no- va igualdade se estabelece. Até este ponto, porém, o que houve foi apenas uma reavaliacao dos estoques existentes de cada item, estabelecendo-se o valor corrente de bens de capital em ni- vel superior ao anterior. Nestas condigdes, se 0 novo prego corrente dos bens de capital superar seu custo de reprodugdo, o setor produtor de bens de investimento sera induzido a aumentar a produgdo destes bens, e 0 investimenio cresceré. Vamos supor que 0 prego de reprodug&o (ou seja, o prego de oferta de uma nova unidade de bens de capital) do ativo seja igual ao seu prego esperado no futuro '*. Neste ca- sO, a equac&o (2) acima equivale a PEk - PCk + Q’k-Ck> rkPCk (3) Rearranjando os termos, PCk - PEK > Q\k - (Ck + tkPCk) (4) 2 novo equilibrio sera PC’k - PEK = Q’k - (Ck + rkPCk) (5) Se o lucro esperado no perfodo supera seus custos e riscos, a diferenga da esquerda é positiva e indica que estes ativos estéo em periodo de excesso de de- manda, tanto que os investidores estao dispostos a pagar por eles mais do que custam para produzir. Esta situagao, que Keynes chamou de backwardation, 6 a situagado em que os investimentos s&o positivos (equivale a situagao em que a eficiéncia mar- ginal do capita! é superior & taxa de juros relevante). Por causa das expectativas de lucro, ha um “prémio” para aqueles que conseguem obter bens de capital imediata- mente ao invés de esperar pela nova produgao. Este prémio 6 0 lucro que se pode ganhar pela operac&o imediata do ativo. Enquanto ha este excesso de demanda, ha novas ordens de ativos de capital, que s6 cessarao se houver rendimentos decrescentes na produgao destes itens (co- mo sugere Keynes na Teoria Geral) ou limitagdes de financiamento (como propée Minsky, numa adaptagao do principio do risco crescente, tomado por ele de Kalecki (Minsky, 1975)). 2, O Multiplicador A tediizagao de investimentos aumenta o estoque de ativos disponivel. Nao conduzira isto 2 um excesso de oferta que reverta o impulso inicial? A resposta de Keynes € negativa. Numa economia monetaria, uma decisaéo dos empresarios, das firmas, de aumentar seu equipamento de capital implica aumentar 0 emprego nestes setores. E a expectativa de vendas destes equipamentos que induz seus produtores a ampliar 0 emprego. Ao fazer isto, permite-se aos novos empregados exercer uma demanda de bens de consumo que nao existiria de outro modo. Em face desta expan- 80 da demanda por bens de consumo, os produtores deste setor expandiréo seu Préprio nivel de emprego de modo a satisfazer a procura. Os recém-empregados no « Fundamentos da Escola Pés-Keynesiana setor de Dens de consumo poderao entao, ¢.ss créprios, expandir sua demanca, = assim por diante. Este 6 o mecanismo do muiiplicacor que Keynes descreveu na Te- oria Geral, Ele nos mostra como uma deciséo ce gasto por parte dos empresarios Se propaga pela economia ao permitir que outros agentes também expandam seus gastos. O processo multiplicador nao é suposto, naturalmente, durar para sempre. De acordo com Keynes, quando a renda dos consumidores se expande, suas despesas de consumo também se expandem, mas n&o no mesmo volume. Por isto, a cada ro- dada a expansao de demanda é menor do que na rodada anterior. A parte da renda recebida que n&o é destinada a ampliagdo de consumo se torna poupanga, acumula- ¢4o de riqueza. Esta poupanga tem que assumir alguma forma, tem de ser represen- tada por algum ativo e, portanto, o processo de expans4o induzido pelo investimento inicial 6 também um processo de expansao da demanda por ativos, representado pe- la nova poupanga. Na verdade, pelo principio do multiplicador, Keynes pode mostrar mesmo que estas duas grandezas seriam iguais, isto é, o multiplicador cuidaria de obter que ao final de sua operag&o a poupanga desejada (e verificada) seria igual ao investimento que detonou todo o processo. Seos detentores desta nova poupanga desejassem os mesmos ativos cuja ofer- ta esta se eley ando, quando o processo multiplicador se completasse, terlamos um novo equilforio completo, com a nova avaliagao dos ativos plenamente yalidada pelo mercado. Infelizmente, nao ha nada que garanta este resultado. Os valores globais de poupanga e investimento s4o iguais, mas os ativos desejados pelos novos poupa- dores podem nao ser aqueles que foram recentemente criados. Neste caso, uma de duas coisas pode acontecer (ou uma combinagao delas): a. havera excesso de de- manda para alguns ativos e excesso de oferta para outros, e seus pregos correntes terao de mover-se de tal modo a eliminar estas diferengas; b. ser&o criados interme- diarios financeiros que absorverao os ativos existentes ao mesmo tempo em que emitirao obrigagdes contra si mesmos para satisfazer aos poupadores; neste caso, os pregos dos ativos nao precisarao sofrer nenhuma mudanga significativa. IV. CONCLUSAO No modelo pés-Keynesiano, seguindo os passos de Keynes, a compreenséo da operac4o real da economia n&o pode de modo algum ser obtida abstraindo-se da sua operacao financeira. A moeda 6 um fator “real” nas economias monetérias, tan- to quanto tecnologia, preferéncias, recursos materiais, etc. (cf. Kregel; 1985). Por es- ta raz&o, o principio fundamental seguido por esta escola 6 d de entender como ope- raum sistema em que a moeda tem um papel préprio, no curto como no longo perio- do. Keynes ja havia advertido que “a idéia de que é comparativamente facil adaptar as conclusées hipotéticas de uma economia de salario real ao mundo real da econo- mia monetaria € um érro (Keynes; 1973, XIll, p. 410). Portanto, buscar meios ocr o7- de introduzir “problemas Keynesianos” no quadro das teorias classicas e nec? cas representa, para pds-keynesianos, um esforgo inutil. A divergéncia esté ros mas fundamentais adotados por cada escola e nao nas qualificagdes que conclus6es particulares. Keynes supunha estar revolucionando o modo > pensados problemas econdémicos modernos, nao por proposicdes esp. da menos pela forma que suas proposigdes tivessem assumido. Pz Keynesiana, Keynes tinha raz@o em demandar uma nova abordace~ = Sua tarefa é coneretizar este programa. 192 Fernando Cardin de Carvaiho NOTAS 1, Para uma discussdo mais detalhada da transigéo do Treatise on Money para a General Theory , veja-se Carvalho (1987). Com perspectiva e énfases diversas, veja-se Amadeo (1986). 2, Para discusses diferentes mas no conflitantes com 0 que se segue, veja-se Barrere (1985) e Dillard (1984; 1985). 3. A teoria ortodoxa de nossos dias continua assumindo 0 mesmo. Veja-se, por exemplo, a seguinte observacao feita por Hahn para introduzir a discusséo de uma economia monetaria: “Co- mecemos com um axioma que penso que a maior parte dos economistas aceitaria...: 0s objetivos dos agentes que determinam suas agdes e planos nao dependem de qualquer magnitude nominal. Os agentes ligam apenas para coisas ‘reais’, tais como bens..., iazer e esforgo. Nés conhecemos isto como o axioma da auséncia de ilus&o monetaria, que parece impossfvel abandonar em qual- quer andlise sensfvel” (Hahn; 1983, p. 34), Hahn esta cerio em advertir contra a saida facil da intro- dugao de iluséio monetaria no modelo. Este seria um fator de irracionalidade que comprometeria to- da a construgao tedrica. Um agente irracional nao tem regras de comportamento e, assim, nao po- de ser “compreendido” por teoria. A busca de Phillips, em autores como Fried: mente, ou Lucas, para quem a sobre mercados especificos. ie de comportamentos como os descritos na curva de Je supde que a informacdo para trabalhadores viaje lenta- maga agregada viaja mais lentamente do que a informagdo 5. Na abordagem mais ‘adicional, comum a cldssicos e neoclassicos, tais posig6es nao ape- nas existiriam como também servir'am de centros de gravidade para a operagao da economia (Gareg- Nani; 1983b, pp. 130-2), Sera cossivel identificar forgas efémeras e forgas permanentes em opera- ¢40.N 0 longo perfodo, as ‘crgas efmeras se compensariam, de modo que a “teoria de longo perlo- do analisa[ria] 0 que se passa 1a média destes curtos periodos” (Garegnani; 1983a, p. 76, grifos no original). Em suas primeiras reflexdes sobre 0 tema, Keynes nao nega a possibilidade de existén- Cia de tais posicdes cde ionco perfodo desde que entre as forcas “permanentes” se inclua a politi- ca das autoridades mone'érias (ci. Keynes; 1979, XXIX, p. 55). A existéncia destas posigGes em economias monetérias, porém, s6 podera ser discutida mais adiante, quanto tivermos um quadro mais preciso de suas caracieristicas. 6. Para a significagao da distingdo entre “nominal” e "monetério” quando se discute como as variéveis se define no modelo de Keynes e nas teorias ortodoxas, veja-se Barrere (1985). 7. Este 6 0 ponto de Clower e Leijonhufvud. Veja-se Clower (1984), cap. 15 Leijonhufvud (1981). 8. A critica, de um ponto de vista pés-keynesiano, de modelos de gravitac4o por este autor € desenvoivida em detalhes em Carvalho (1983-4; 1984-5). Veja-se também Robinson (1980) e Asimakopulos (1985). 9. E neste contexto que toma sentido uma definigéo alternativa de economia monetéria co- mo aquela em que “existe[m] ativo[s] cujo prémio de liquidez supera seu custo de retengao” (Key- nes; 1964, p. 239), e que portanto se tornam meios de “transportar” riqueza de um perfodo a outro. 10. Esta é uma lista abreviada dos elementos que Keynes considera dados na Teoria Geral quando desenvolve sua teoria do emprego. A inclusdo do estoque de capital nesta lista caracteriza ‘© modelo como sendo de curto perfodo. Longa discuss4o se desenrola desde entdo a respeito das implicagdes da escolha de Keynes em restringir-se ao curto perfodo e das caracteristicas de uma posstvel extensdo da teoria para o longo perfodo. Recentemente, Asimakopulos defendeu a idéia tivamente tr io. com os fatos, em 9. para produzir bens de con- ento ce capital entdo existente. ww Se olhammos 0 processo produtivo ce rece-me, no mais fntimo contato com os fatos e métodos de mundo dos negdcios iente existem; e ao mesmo tempo. teremos transcendido a desconfortével distincdo entre c perioco curio e o longo” (Keynes; 1979, XXIX, pp. 65-6). 11, Este 6 0 fator que Keynes, concordando com Schumpeter, efetivamente supde ser a ex- plicago mais importante de movimentos de capital fixo (cf. Keynes; Vi, cap. 27). 12. Keynes considera o prémio de liquidez, |, ao invés. Estamos aqui seguindo a proposta de Kaldor para medir |=-r, como unidade de medida mais conveniente. Veja-se Kaldor (1939). 13. Estamos assumindo, por simplificagdo, que a retengao de dinheiro nao oferece rendimen- tos (q=0), nem implica custos de retengdo (c=0). Os valores de a e r, por outro lado, séo necessa- riamente nulos, se a moeda é a unidade de conta do modelo. 14. Se o prego esperado fosse inferior ao prego de reproducao, ndo haveria qualquer produ- do de novos itens de bens de equipamento e, portanto, o desgaste progressivo dos bens existen- tes acabaria por restaurar a “raridade” deste ativo. Se o prego esperado fosse superior ao prego de reprodugao, seria lucrative encomendar no presente bens de capital para entrega futura, ao pre- ¢0 de reprodugao, e vendé-los também no presente para entrega futura, ao prego esperado. Assim, a arbitragem eliminaria a discrepAncia. Veja-se Davidson (1978a). BIBLIOGRAFIA Amadeo, E.J. (1986). “Changes in Output in Keynes's Treatise on Money”, PUCRu, textos para discussao, n° 118. Asimakopulos, A. 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