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Carole Pateman O contrato sexual Tradugo Mares Avancint PAZ ETERRA (© Carole Pateman, 1988, publcado pela Polity Pres em ‘conju com Blackwell Tublshes “Tadd do original em ingle Te Sea Const Prpando als H. Ney Revi Rinaldo Miles e Fie Gongales Capua Call, sabre intra de Bg Degas, 1865 Dados Insermcionis de Catslogasio na Publica (CTP) (Ciara Bras do Lito, SP, Bes) Pasar, Cra (© contato sexu / Carole Patan radio Mara Arann Rio de anc: Pane Tar, 1993 1. Feminiee 2. Sexo Aspectos soci 1. Tul. 93.0632 cpp 3053 Indies par atdlogosiemsico 1. Gonteate skal: Secoogia 3053 2, Homens emule: Papi sous: Socologia 3053 3. Mather ehoment: Papés sexs: Sociologia 305.3 Disco adidas pela EDITORA PAZ ETERRASA. Rua do Tiunfo, 177 01212- Sio Pal SP “Tks (1) 223-6522 Rua Si Jong 90-11? andar Stan, poe terme de Delaney a epodio ¢ enna de um odo “none tentica,enguano ro doen cador do pl Avs mo. hogeatca fl fndamenl paso purcisme co, camo demonstra ot eatin de ir Robon Flier asd ind € vig: Enquanto et ear scevndo we ep, pent. seguro primar ds elandssopoamente fimou ques mulher taper pao csperms do home que €o eon musclin, e dindmico da nova vida". ou inronada na impinges poles da capecidade criadors mtcioa qu, na sn forms melema, no € pte, Segundo a npumentaio patios homens nso ape os mtorr fndsnentis da ince de uma nov Vide for mat como O'Bien decry le tomb origina a vide police rca O'Brien fia qe ns nf temos una Beso ona. mento, Num sentido, ino € verdad, mas em eu, no € bem aA tora pln et hia de hin sabe omen dando 3 ues pllicn, de homens endo ows formas de xs ttl poltc'ow« plica em ss Diese que a decbers de pated &o pont eco na Nati ipa de Bachofen tse dra da matemidade a cago de ciara, O poder dat maleres tem que ser denbado para qe ago poss emer a decsbera ds patemidade€o nang elec Mees sno he ete sn ea porate fia No meen eno anigo munde do fureo mundo mademe do Contra contse mas una Nitra sobre o cinema pollo masiline, A hire do conte cviginl& provvelmente, a maior narmtva sabe « raj de tm nov exact pelos omens. Mas dest: makes foram decease delaras evans pct po ite a eproduto Agora opi st endo atc. © amo orginal monty com © monoplio do per cadr pelo pa w foi tomado e dividido uniformemente entre os homens. Na so- iedade ci todos os homens, no spent es pus, podem gear a vida € 0 ditito poltics. A eviagio politica nto € propria da pateridade,e sim da masclinidade, ‘Mas exatamente como deve ser caracteriada aordem social gerade pla apuidadeeriadora dos homens? A socedade civil 6, ome im todo, p6x-patiareal John Start Mill ecreveu cera ver que “a fara feudal, alia forma hisrica de vida pa trac, foi desrfda hd muito tempo e, agora a base da soci- dade nio a fanfla ou o ci (J sim o individuo; ou, no tiximo, um catl de indviduos com seus dependentes”.” Do mesma modo, «a sociedade moderna nfo tem pay entfo todas as antiga formas devem ter sido abandonadas; "3 dominasio racteristica dese Epc [civil se express [.] na despersonaliza- fo na insrumentalizaio na objetivagi de todas as relies © Trvidades"® As relagGes contaiais impesoais substfram a Suelo ange personalizada do seus on do patiarcado. Ou, dlzendo de uma mancira wm pouco diferent, o pariarado fo Sutbsiado plas lags cvs contratais capitals; as lags tcondmicas do capitalise e as relagespatracas so incompa- tiveis Keith Tribe recentemente interpretou as discusSes de Hobbes e Locke da spuinte mancin. Ele afirma que, no “dis caro” do séeulo XVI, os “homens, enquanto agentes politicos { econdmicos cram os chefs da cs, nfo os individuos ives do Alscurso capil, A “demonstrago discursive” das reaps ca pitalistas era invivel para ox padres dentro dos quais Hobbes © Locke esreveram. A fri patria inclula os empregados os eserves (nio er “fais” composta por mardo, espst © f- thos) eo chefe da casa no controlavao trabalho dos seus empre- faidos, como o capitals, Nem at ragBes entre os senhores, Enguanto agentes econdmicos, eum do tipo capitis." Enrretanto, a dicusso de Tribe nio leva em considerasSoa importncia do contatooriginle a dferenga ence os patina dos disse radcioal e modemo. O chefe de wma failia no a 4 capitalists, mas nem todas as formas de subordinaso civil sio capitalists, ¢ a subordinagio capitalista também nio € pés-pa- areal. Como analisaei em detalhes, © “discurso” de Hobbes © Locke tinha necessariamente espaco para o patrarcado e para 0 capitalsme; os “individuos” que introduziram a economia capi- tals eram chefes de familia (que posteiormente se transforma am nas “Familias” das quaisfazemos parte, nos anos 80). Para se ‘compreender 0 patriarcado moderno, inclusive as relagSesccond- micas capitalists, € necessisio ter em mente o contrato entre patrio ¢ empregado e entre senhor e escravo,além de considerar a relagao entre © contrato “personalizado” na exfera privada e 0 ‘ontrato “impessoal” no mundo péblico do capitaismo, Infeliz- mente, poucas discusses feminists sobre o patriarcado © o capi talismo estabelecem as ligagSes de forma sufcientemente eteita, ‘Um argument feminisa recente é 0 de que a antiga forma familiar do patiarcado tomou uma forma publica, mas ese argumento deixa em aberco a questo do cariter das relagesex- \tafamiliaes anteriores &transformasio do patriarado. Era 0 do- fio civil, isto & pibico, exterior ao patrarcado até ess tran formagio recente? Nas discusses feminists sabre 0 capieaismo © 0 pattarcado, © pressuposto tipi € o de que o patriarcado € univers e/ou patemo e familial. O pattiareado parece, entio, anteceder © eapitalsmo, existinde atualmente, num cetto sen- Tido, interior ou paralelamente, ou ainda como um comple- mento, 3s relagSes capitalists. As explicagSes feministas mais in- fuentes sobre a conexio entre as duss formas socais spéiam-se no chamado argumenco de estratura dual o patrareado e capi talismo sio visto eomo sistemas auténomos. As vezes © patiar- sido € visto como uma estrutura ideelégica e psicogiess outs vezes como um conjunto de relagSes socais materiais,distinto das rlagSes sociais capitalists. Ese dlimo argumento pode ser cexemplificado pelo discutidisimo artigo “O cassmento infeliz entre marxismo e feminismo", de Heidi Hartmann. Ela spre senta ess relago como uma "parceria" entre patriareado e eapi- @ taliemo; “o patriarcado como um sistema de relagSes entre ho- ‘mens e mulheres que existe no capitalismo” ea “seumulacto de capital, que ant se scomods exit socal pata quamo ajuda & perperuéla™.” © pressuposto, conforme observaram os ctricos, € 0 da exiséncia de wma avilisgo dspontvel mais ou menos adequada 20 capitalismo e A dominagio de classes, e que esti sendo simplesmente complementada pelo feminismo.* 'As dificuldades em romper com essa abordagem podem ser percebidas na disousio de Zillh Eisenstein, que se distingue 20 argumentar que “0 capitalismo ainda é patrarcal", e que “na ttansigio do feudalisma para o capitaismo, o patriarcado mudou de acordo com exsar vaiagSex econémicas, mas ele também ‘impSe limites ¢ estrutura a esa mudanga". Contudo, ela tam- bbém afirma que nés devemos teconhecer “dois sistemas, um eco- némico e 0 outro sexual, relativamente autSnomos” mas, ela ‘complementa, eles extfa totalmente entrelagados".” Seo eapita- Tismo & patsarcal,é dificil perceber 0 que se ganha com a insis- téncia de que existem dois sistemas, Uma das vantagens da abor- ddagem do problema do pitriarcado através da hiséria do contrto sexual € mostrar que 2 sociedade civil, inclusive a eco- rnomia capitalists, rem uma estrutura patraral. As aptides que permitem 20s homens, mas nfo as mulheres, serem “trabalhado- tes sfo as mesmas cipacidades masculinss exgidas para se ser ‘um “individu”, um marido e um chefe de familia. A hiséria do ccontrata sexual comesa, portanto, com a construsio do indiv- cduo, Pars conta a histéria de modo a elucdar as relagées capita- Tistas dentzo do patiarado modemno, a tendéncia tedrica que ttlza 2 eseravidio (civil) para exemplifiar a lberdade também deve se considerads NOTAS 1, Rng, he Origin of he Boil Pinte Pop and she St, Nov York, neal Pulte, 142,050 PRE Remy, On Pacey mini Rs 1979, p66 Una our cas 6 sexta ante coenporinn” enon s Wola, Sb aR cel i ey Op age Sl Ene Ss Cees Anan Ur ese 3 Se nea na al Tee he Arn Fs dnd il esl ae peal tray Sten a Rchen is e's {ST Baer Ete ar of ein a Loven Akon SEERA aden ly TL of ad To eof be ‘dy Now Yok, Cla Unie Pe Gp te 7 EGNIRES AEA PW iy and Pita Prk Mt Tae ad Re Sra fin Noi oe Daigp areD, “teers, PE cS pi 0, 9: Ibidem, p. 276. fee Tatil vibe UE Se dio and Changin Ege Lied dni, Lond hie ee rep {PW Alva of Cale on Sig No Yr a Ui Rl wep Rhee Row Ra pn ls haa i eect TOR Ciiel fail hetine Seaty Sa Aion, Lode utd ae Rep Ba 188 ppt nen 12S al Sn, i atone, JM: Det an Sans 117 UCD, te Fe den 78. 16 fn Bn. Df coe e478 20. de p33 Ae 2 SL th cm Parity No ek Os iy Ps 8, a 3 hn, 22 Red noe de Bau mou qu mbes“ Ok ete me Cee tale Oombe ghee Bid, Mas sland, Arden Brin semi Sco que’ code Ss take cca eine Wen anne Stk od ro RMieaae ibe BEAR tr Td Pa nt ri As ae er ak SES Nahm ele wih Taal" No Sama 2.28 SE MAEAeN Pye ond Fons SP wee tim, Hamann, Pen Bos 1975, p. 409. = Bead “The Taicin Worm Ree Tne on ‘gy of Women, Nora Yo, Monthly Review Pres, 1975, 168, oe Seni a Cpe ely. 3 “ Shee Sa i 32.6 Scheele in acl Tat 81-2 SEEMS iD Hl le), Se ‘Sven lone Yrke Lanes, New York Uniti es 1983.9 198 SEIN Cheon The Repti Masring Pa nd Si ine ely, si of Chants ok 1 seid AT talus, Mario and Bomar A Nee ins, Phat hay of Sen Fic en Tela Lets Price, Proce Ur ‘cu Ps 1980 pp 3112, 3 Uren coca Basi aa ‘St palin 0c al a fie pace inf emee ape te clinton dog ei enn rane Inca de Hanna Pin sobre Maquael Forane a Woman As hes Icon mpc om do stove do ps pl eh pp ln SEC Ding “ihe Meaning Pani andthe Vg Bich Dae", Mam, ‘oi 2i,a"3 ae 498 ae sAlbre Hinchmar pete chao mina eg parses de Dee) Sr? Pst, En oro dco end ln Blo), Nov York, Bas ook 1979736 3. Mary O'Brien, Te Dis of roto, Lond, Rouge and Kop aa 1981 9 5 Be ithe Meaning of Pari 95 io meh mn soo. 40. Pibcao em The New Yk Tima Sma 197. ‘A,] SIM Pipe of pal Economy nM Robson (org, ile ‘rts Toon, Unive of Tone rea 1965, ewe 2 ap. 3. 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Se hoje em dia esa idéia parce se senso ‘comum, em ver de revolucionéria, essa € uma conseqiéneia da rmaneira bem-sucedida eomo 0s teéricos do contrato transforma- ram uma proposigfo subversiva em uma defesa da sueiglo civ Ateoria do contrato nfo é o dnio exemplo de uma estrada polltica teérica que justfia a sujeigio apresentando-a como lie berdade, mas édigna de nota por chegar a essa conclusio a partir de seu préprio ponto de parca. A doutrna da liberdade e da igualdade individual natural foi revoluciondriajustamente por- que abolis, de uma s6 ves, todos os fundamentos através dos squais a subondinagio de alguns individuos, categoras ou grupos dle pessoas a outros era justifiada; ou, 20 conteirio, por meio dos 4quais a dominagio de um individuo ou grupo sobre os outros er justifieada, A teoria do contrato era a doutrina emancipatéria par ‘excellence, promessa de que a liberdade wniversal seria 0 princh- Pio da ers moderna (© pressuposto de que os individuor nascem livres e iguais levou 3 rejeigio de todos os antigos argumentor em favor da su- “ bordinagio. Argumentos de que os dominadores ¢ os senhores cexerciam seu poder através da vontade de Deus tinham que ser rejeitados: 0 vigor e a forga nfo podiam mais sec taduzidos em diteto politico; os apelos aos costumes ¢ 36 tradigdes io erat mais suficientes, nem o eram os diversos argumentos fundados ra naturezs sejam o8 apoiados no poder de procriagdo do pai, ou na origem superior, na frga, na habildade ou na raxio. Todos cesses conhecidos argumencos tomnaram-se inacetiveis por causa dda doutrina da liberdade individual, ¢ a igualdade acarretava a cxisténcia de apenas uma justfcatva para a subordinagio. Um individuo livre igual aos outros deve, necessariamente, concor- darem ser dominado por out. O estabelecimento da domina- ‘0 eda subordinacio civs deve ser voluncitio; tas relagSes podem ser tazidas 3 existneia apenas de uma tniea maneies através do livre acordo, Hi uma variedade de formas de livre acordo mas, por motivos que analisaeiadiante, o contrsto se rornou o pa digma da obrigagdo voluntira. ‘Visca que oindividuos tém de concondar de live vontade ou fiaer coneratos para serem dominades, 9 coroltio é que eles podem se recusar 4 es sujeigio. Desde 0 séoulo XVII, quando fs doutrinas da lberdade e da igualdade individusis se tormaram. 1 base das teoras gersiscobre a vida social, conservadores de todos 0s tipostiveram medo de que essa stuago se rornasse rea- lidade e de que a teoria do conttato se tornase, por conseguinte, nociva 8 ordem social, Temis-se que cfiangas, servos, esposas, camponeses, eibalhadores ¢ cidadios dependentes do Esado deicassem de obedecer a seus superiores se ligagio entre eles passase a er en brite espago, conseqientemente, para os impulsos e os capri= chas da sueigfo voluntria, Os conservadore tanto tinham quanto nfo sinham motives pam se preocupar. © motivo da preocupagto cr a prinelpio, a dficuldade em se pereber por que um indivi- ndida como simples convengfo ou contrato € duo livre igual aos outros teria motives suficientes para se su- bomdinar a outro. Além disso, na pritica, apareceram, nos ii- o ‘mos 300 anos, movimentas poltcos que tentaram substitu ins titugies esrucursdas por meio da subordinagdo por outras cons- sitwidas através de relagdeslivees. Entrtanto, © medo nio tinha sentido, ndo apenss porgue esses movimento polltins raramente foram bem-sucedides, mas porque a preocupasso com a ceria do conteato era infundada. Em vez de abalar a subordinagio, os tericos do conttato fundamentaram a sujeigio civil moderna. (Os teéricos elissicos do contrato supunham que as aptid6es individuas eas eondigSes socas sempre possibilitariam ao ind viduo acctar 0 extabeleclmento de uma telagio de subordinasio criads por contrato. Pars 2 histéxia do contrato socal, © pro- blems ¢ que, no estado natural, a iberdade é tio instivel que 2 subordinasio dos individuos 3 ei civil do Estado, ou, na versio de Rousseau, 2 submissio a eles préprios, coleivamente, numa sssociasSo politica partiipatva, seria uma escotha sensata. Os retratos do estado natural ¢ a8 histérias do eoncrato social dos textos clisics variam muito, mas apesar de suas diferengas impor- tants encontrames nos testis eissicos do contrato uma eae Fisica comum esencial: todos conta histéria ptrarais. ‘A doutrina do contrato implica existéncia de uma dnica ‘origem do direito politico, © acordo, embora, com excesio da teofia de Hobbes — em que os dois sexos sio descrtes como raturalmente livres ¢iguais —, 08 te6ricos do conteato também insstram que o dieeito dos homens sobre as mulheres tem wma base natural, Somente os homens tém as aptides dos “indivi duos” livres e iguss. As relagdes de subordinagio entre homens ddevem, para se legis, ter origem num contrato. As mulheres rnascem dentro da sujeigio. Os aurores disscos estavam cons- cientes ds importineia dos presupostos da doutrina contraual para as rolagdes entre os sexes, Eles nada podiam garantir, uma ‘vez que a premissa de seus argumentos era potencialmente sub- versva para todas as relages de autoridade, inclusive a8 conju- again. As desrigbeselsscas do estado natural levam em conside- ragio a diferengs sexual entre os seres humanos, Até na visio tadicalmente individualista de Hobbes da condigio natural, os se105 so diferenciados. Nas discusses contempotineas sobre 0 esado natun, entetanto, ea caracteriia da exstzncia humana _germente é menosprezada. Ofato de os “indivduoe” serem todos do mesmo sexo nunca € mencionado em ver disso, volt-se a atenclo para as diferentes concepgdes de “individuo” masculino. ‘Os individuos (masculinos) naturalmente liveeseiguais que povoam as piginas dos tedricos do contrato socal formam, de faro, um conjunto dispar. Fes eobrem o espectro que vai desde 0s setessociais de Rousseau até as entidades redusidas & materia «em movimento de Hobbes, os, mais recentemente, até a redugio dos individu Fungées de producio feta por James Buchanan; John Rawls consegue abranger as duas extemidades do especto na sua versio sobre o contrato socal. Rousseau criti «ava 0 tedsicos do eontrato social ligados a ele por apresentatem. 10s individuos no estado natural como destculdor de todas as carscreraticas socks, e suas ertieas foram reproduzidas muitas exes. A tentaiva de decerminar quais sio a8 apidses naturis puras dos individuos ests fadada ao fracaso; © que sobra, © a tentaiva for sufieientemente coerente, € uma entidade pensante, bioldgies © psiclégics, e nio um ser humane. No intuito de tomar seus seres naturis reconhectves, os teéicos do conteato social conttabandeiam eatsctersticassocais pars a condigo nae tural, ou seus letores preenchem 0 que fils. O tipo de Esado fu de assocagio polltica que um tebrico desea jstficar também influencia as earacterstcas “natuais" que ele ateibui aes indi duos; eonforme Rawls afizmou recentemente, 0 objetivo da arg ‘mentagio cleada na condigio orginal — 0 equi parurl em Rawls — “€ obter a soluglo desjaa”'O que nom: mente no se reconhece, entrtanio, € que a “solugio desjada” abranja 0 conta seal eo dito patna sobre s mulheres, Apesar de a auséncia de concordincia sobre o que se consi- ddera uma catacteristica “natural”, aspectos assim denominados so fidos como comuns a todos sexes hurmanos. Contudo, quase lente do esd 6 todos os autores clissioos sustentaram que as capacidades © os atributos vriam de acorde com 0 sexo, Os te6ricos contempor- rneos do contrato implictamente seguem 0 exemplo desses auto- mas isso passa despercebido na medida em que eles subst- mem os eres femininos na categoria aparentemente universal e somalmente neutra de “individuo”, Na maioria das revises mo- ddernas da histia do contsto socal, perdem-se de vista as eel {ges sexusis porque os individuos sexualmente diferentes desapa- recem, Em Uma teoria da jusign, as partes da condigéo original So entidades pensantes, Rawls segue Kant nessa questio, © 2 Vislo de Kant sobre 0 contrato original difere da de todos os autores clssicos, embora (conforme demonstrarci no capitulo 6) fem outros aspectos seus angumentos se paregam com os dele. ‘Kant nio oferece uma histéra sobre as origens do diteico politico fe nem sugere que, mesmo hipoteticamente, um acordo original alguma vee tenha sido feito. Kane ndo est. lidando com nenhum tipo de fesS0 politics Para ele, 0 contrato original é “meramente uma idéia do pensamento”,” uma idéia necessiria para a com preensfo das insttuigbes pollticas reas. Do mesmo modo, Rawls cexplica, em suas diseussSes mais recentes, que seu argumento “renta apoiaese apenas nas idiasimplicitamente embutidas nas insiuigdes pollicas do regime democritico constitucional e nas formas tradicionais de inexpret-as". Enquanco idéia do pensa- mento, em ver de fiegi politica © contrato original ajudicnos 2 formular 0 que pensamos". Para que Rawis demonstre como pares lives e iguis, propriamente definidas, concordam com os rinepios que ext (bastante prévimos da) implicios nas ins tuigdesexistentes, € necessria a pertinent idéia do pensamento. (© problema do direito pelttico enfrentado pelos ce6ricos clissi- cor do contrato deaparece. A tarefa de Rawls € encontrar um rexeato da condigio original que confirme “nosss” intuigSes @ respeito das instituigBes existentes, as quais contém as relagdes pattateas de subordinago. Rawls sustenta que as partes da condigio original desconhe- 7 ‘em completamente os “aspects eractriicos” dlesprépros ‘As partes so cidasos lve, e Rawls afima que a iberdade dees € “uma capacidade moral de compor, modificr ¢ atingir wma concepgto de prosperidade", que envolve uma visio dees pré- pos como fontes de rivindicagSesjustase como responsiveis por sas consegilncias. Se os cidedios modificam sus nosio de prospetidade, iso nfo tem nenhun eftico sobre sua “identidade pili”, ou sa, sua stuagio jriica de indviduos civ on c- dados. Revs também sfirma qu a conto orginal un “at tifleio de epresentagio" Mas representagio équase que desne- cessri. Enquanto entidades pensantes (como Sandel observ, as partes sio indiferencidveis mas das outra. Uma parte pode “representa” todas a8 outs. De fto, hf apenas unt individuo 1a condo orginal por tris do “véu do desconhecimento™ de Rawls Hle pode, poranto,afirmar que “poderos analsex colha (conteto] na condizio original, a pate da perspetva de tama pessoa exolhida a aco”? As pares de Rawls simplesmente pensam faery sua ex colha — ou a nica pare fa sso como representante de todas as ‘ours — «asim sus corpos podem set daxconsideridos.O repre sentante € assexuudo, A pane despenonifica que fi a esolha desconhece um aspect caacertico” fundamental, ou ses se sexo. A condicio orignal de Ravas € uma construgio ligica no sentido mais pret: €um dominio da rto pur, dest de qualquer earateristiea humana — com excesia do fto de Raves inevitaelmente inroduiz, de modo natural, come Kanto fer ants del, ees masculinos efemininos ersonfiades «reais no decotter de sua dscuso. Antes deo desconhecimento dos “a pcos caacteriicos" set postulado, Rawls jf hava sstentado que 25 partes tém “descendentes” (com quem elas se preaci- pam), ¢ diz que pretende, de um modo ger eratar as pares como “chefes de Fania"! Ele simplesmeace dl por ceo que pode, simulaneamente, postla «exstincia de partes despero- nifiadas desticldas de todas as caracersicaseencinis, ad- an smite que a diferenga sexual existe, que a relagfo sexual acontece, {que or ilhos nascem e que as familias se formam, Os participan- tes do contrato original de Rawls sio, 20 mesmo tempo, meras centidades pensantese “chefs de familia", ou homens que repre- sencam suas exposas, ‘A condigio original é em Rawls, uma sbstrago légien do- tada de tl igider que permancce sempre imucivel, Diferente- mente, 08 vtios estados natura retratados pelos teéricos cliss- 10s do contrato so cheios de vids. Fle retratam 0 estado natural ‘como uma condigio que se prolonga por mais de uma geragio. Homens e mulheres se encontram, mantém relagSes sexsi © a5 ‘mulheres dio & luz. As cicunstancas dentro das quais els fzem isso, sejam as telagBes sexuais ou a formagio das familias, de- pende do grau em que 0 extdo natural € retratado como uma condigio social. Comesarei por Hobbes, © primeiro contratuae lista, e por seu retrato de uma guerrs nio-socal de todos contra todos, Hobbes siua-se num péletebrica da doutrina do contrato © seu individualsmo radical eee uma grande atagfo sobre 05 teéricos contemporineos do contrat. Entreanto, muitos argu ‘mentos importantes de Hobbes tiveram que ser rejeitados antes de a teoris do patriarcado modemo poder ser constutda. Para Hobbes, odo poder politico era sbsoluto,¢ no existia Aiferengas entre conquists e contrat. Tedrcos posetiores do con- testo esabeleceram uma disingio bem dart entre acordo livee € submissioimpostaeargumentaram que o poder politic civil ers limitado,restrito pelos termos do contrsto original, apesar de o Eseada deter poder de vida e morte sobre os cidadsos, Hobbes também encarava todas a5 relag6es contratuals, inclusive as se- ‘us, como politics, embora um presuposto fundamental da teorispolltica moderna seja que as telgBes seais no so polt- ‘ess, Hobbes também foi escarecedor no que diz respeito 40 Fito de a ordem civil se tomar findadors do patriareado moderne. ‘Como jé mencionei, Hobbes difere dos outros te6ricos clisicos do contrto por supor 3 inexistncia da dominagio no estado n ratural, nem mesmo dos homens sobre as mulheres s aprides « as capscidades sio divtribuidas independentemente do sexo. [io hi diferengas de forga © bom senso entte homens e mulhe- res, ¢ todos os individuos so independentese prevenidos uns em relagio aos outros. Isso implies # acorréncia de relagées sexuais| somente em duas cicunstincias: ou um homem ¢ uma mulher concordam (fazem um contrato) em ter relagbes sexu hhomem, por meio de algum esratagems, submece uma mulher € 4 conquista& forga,embors ela também tenha a capacidade de revidare mato (© patrarelismo clisico apoiava-se no argumento de que © irito politico originava-se naturalmente na paternidade. Os fi thos nasciam submetidos a sus pais, 0 diteita politico era 0 direita paterno. Hobbes insste que todos os exemplos de dicito politico sio convencionsis e que, no estado naturl, 0 direito polltico & materno e no patemo. Uma crianga, necessariamentey ‘tem um pai e uma mie ("no que concerne & geagio, Deus ins tui ums colborsdrs para ohomem"),’ mas ambos nio podem deter 0 controle sabre ofilho porque ninguém pode obedecer a dois senhorer. Na condigio natural, « mle, endo 0 pai, detém 0 direivo poltico sobre o filho; “toda mulher que di 8 luz uma crianga tomarse mee senbord’* Ao nace, a exangs ests sob © poder ds mic. E cla quem decide se vai abandonar ou crite © filho. Se ela decidir “ero”, a condigio em que o far é a de que ele “no se torme seu iniigo até chegar dade adults’ ou ‘ej, 0 flho tem que fazer um conerato de obedigncia a cla. A postulgfo do acordo com ofilho ¢ um exemplo da identfeagio dle Hobbes entre a submissfoimposta «0 acordo volunttio, am cxemplo de seu entendimento da conquista e do consenso. A submissfo a um poder absoluto em troca da proteio,ssja 0 poder ds expada do conqustador ou o poder da me sabre seu flho recém-nascido,é, para Hobbes, sempre um sina sigifiea- iv do acord, “sendo a preserragio da vida o fim pelo qual um hhomem se submere a oto, rode homem [ou filha} deve prome- 2 ter obediéncia + ele [ou eal, sob exjo poder seri salvo ou dee tuldo”. © direito poltico da mie sobre seu flo origins-e, por ‘ante, em um contrat, lhe garante poderes de um senhor ou de tum monarca absolut, ‘© poder politico ds mie decorre do fito de que hi “austn- cia de regrs mattimoniais” no estado natural hobbeseano,” O ceasamento nfo existe porque ele é um acordo de longa duragio,e relacionamentos sexuais de long: duracio, como outros relacio- rnamentos, so virualmente impossveie de serem estabelecidos © smantidos na condigéo natural hobbeseana. Seus individuos so- mente esto interessados em si préprios e, portanto, sempre rom- [perio um acordo, ou se recusatio a paricipar de um contrato,s¢ for de seu incerese fer isso. Paticipar de um contrata ou con- ‘ordar em fer um é manter-se aberto para a traigio. © estado natural hobbeseano soe do problema endémico da manutensio dos contratos, de performing second. S6 se pode confiat em tim contrato em que © acordo € a sua concretizaclo acontecem a0 mesmo tempo. Nao surgem problemas se hd uma tro simul nea de propriedades, inclusive aquelas que as pesons detém em si préprss, como num simples 2to sexual. Se um filho nasce em ecorréncia desse ato, 0 nascimento ocorte muito tempo depos, e «entioo iho pertence 4 mie. Uma mulher pode fazer um contro ‘om 0 pai requerendo os direitos sobre se filho, mas no hi um ‘motivo, dada a igualdade natural entre homens e mulheres, plo gual as mulheres tenham que fazer isso sempre, especialmente {quando no hi como determinar com certeza a paternidade, Na austncia de regras mattimoniais, conforme Hobber observa, a prova da paternidade depende do texemunho da mie. ‘A ctitca de Hobbes 2o fundamento natural do dirsito pa- ‘emo implica a exstincia de uma Unica forma de dirita politico no estado natural: 0 direito materno. Nio pode exist, 20 que parece, nenhum tipo de dominagio de um adulto sobre o outro porque os individuos de ambos os sexos so suicientemente for tes ecapazes de se matarem uns 20s outros. Ninguém tem moti- ” vos suficientes para patcipar de um contra em toca de prote- ‘fo, Mas € iso tho evidente? Mesmo que 0 conerato de cass- mento nio exist, havera familias no estado natural? Hobbes tem sido entendido, por Hinton, por exemplo, como um paria- casa ndo como um antipatrarealisa (no que se refre 20 di- ‘eit paterne). Hobbes era “o mais patiarcal de todos porque © baseava no consenso", “aesitindo 0 patiarelismo © classifi cando-o como um ato de consentimento".* Hinton refere-se 3 rmengio que Hobbes fiz 20 “teino patimonial” ea algumas pas sagens em que Hobbes parece ear na histéra parse tradicio- fal de famias se tansformando em reinos Cidade ereinos -] ‘fo so mais do que fanlias maiors"). © crtéio para se terminar 0 que & um “ceino familiar” € que a fafa deve se tomar fore 0 suficiente para se proteger contra os inimigos, Hobbes expica que sa fara cresee por multiplcasso dos flhos,seja por procragso ou por adogio: ou des servos, sea por procragio, conquista, fu submissio voluntiria, a ponto de se tornarem muitos ¢ rnumerosos, ¢se ela € capar de se proteger quando necessic fio, entZo essa familia € chamada de reino patimonial, ou ‘monarquia por aqusigo, em que a soberania éexerida por lum tinico homem, como acontece na monarquia crada pele insttigdo politica Asim, os direitos existentes em ‘ama sia os mesmos da ours!” Hobbes também diz que Sum reino hereditéris” difere de uma monarquia institucional, ot sj, insttulda por convensio ‘ut contrat, somente por ter sido “adquirido através da forga Enearae Hobbes como patriarcalista implica desconsiderar dduss questées: primeira, como 0s pais conquistaram 0 poder no estado natural, uma vez que Hobbes esforgou-se em demonstrat ue © dizeto politico € 0 direito matermo?; segunda, por que © direico politico na familia é baseado na forga? Cenamente Hob- 7% bes do & um patiarclists no mesmo sentido que sir Robert Filme, que véo dirto patemo como natural, dviado da apo cidade de reprodugso ou de proctigio, ¢ nio uma conguisa Hobbes transforma no seu oposto of ago socisis de Filmer: este encatava as familia © 0s rinos como homol6gos ¢ sutentados pelo poder de reprodugio natural do pai: Hobbes encaava as Famfiss eof reinos como homélogos, mas como sendo suxenta- dos pelo contrato(fors). Para Hobbes, 0 poderes de uma mie, no exado natural, eram extamente do mesmo tipo dos execs, pelos chefes de fama soberano. Talver Hobbes ea sendo penas inconseqlene 2 introduzir as faflias no estado nau. Mas que ele € to implacavelmenteeaerenteem tudo 0 mais = por isso ele é tio exelarecedor em tantossentidos, no que se refete& teora do conteato — nso parece serum lps estranho. © argumento de que Hobbes € patiarclia apsia-se na visso pattarl de que o atircado ¢ paternal familial. Se deixarmes de ler Hlbbes pticalment, fea daro que seu patriaraismo € conjugal « nfo patemo e que hi algo de muito estrnho acerea 4a “familia” hobbeseans ma condigao natural ‘As caracterlstios“natuis™ com as quis Hobbes dota seus indivduos implica a improbabildade da existénca de relages de longa duragfo em sea estado natura, Entetento, Hobbes ‘firma, no Lena, que na guera de todos contra todos “no hd nenhum homem que sja caput de se defender contra a destrul- ‘0 por mia de sua pripris forge habilidade, sem a ajuda de aiados" Mas como tl alana protctora pode ser fits na con- digso natural, uma ver que hi grave problema de manutengio dos acordor? A resposta & que 2b lianas sfo tas através das conguistas e, uma vex fete, so chamadas de “farlas™ A “fix tia” de Hobbes é muito peculiar © aio tem nads em comum com 8 fanias das piginas de Fler, com fafa encontrada nos ecritos de outos teiicos eliscas do contato socal, ou om 0 modo come ela €normalmente entendda hoje. Conide- remot 2 definigio de “fimdia", em Hobbes. No Leva, cle %6 firma que uma fama “consiste em um homem ¢ seus filhos fm um homem e seus servos, © em um homem, seus flhos © ‘se1v0 juntos, em que © pai ou senhor € 0 soberano”.” Em De Give, enconteamos “um pai com seus fille €sertes, que se tor ram uma pessoa civil gras a0 dominio de seu pai, € que é chamada de fim’ Somente em Elements da li ele dz que Sum pai ou uma me de fansia sio igualmente soberanos’ “Mas é muito pouco provivel que a mde sja a soberana, dada 2s refetincias de Hobbes ao “homem” e a0 “pai” €& necesidade de se garantir odireito patrareal na sociedade ci ‘Se um individuo maselino consegue conquistar um outro no estado natural, o conquistdor eré adquirido um servo. Hob- bes supe que ninguém abrica mdo voluntariamente de sua pes soa; enti, com a espada do conquistador sobre seu prito,o der- rotado decid faze um contrat (basado na ric) de obeditncia 40 conguitador. Hobbes define a dominagio ou 0 direto pol- tico adquiido por meio da forsa como “a dominagio de um senhor sobre seu servo™." O conguistadore 0 conquistado cons- tituem, asim, “um pequeno corpo politico que consiste em duas pessoas uma, soberano que € chamado de senbor ou amo, € & utr, que é chamada de sero” Outra maneira de apresentar a questio € que o senhor €o servo sio uma aianga contra os ou ttos, ou, de acordo com a definigfo de Hobbes, eles sio uma “fami. Suponhamas, encetamto, que um individuo de sexo smaseulino consiga conquistar um individuo de sexo feminins. Para proteger sua vida, a mulher participa de um contrato de sujeigdo — e, assim, ela também se totna serva de um senhor ais uma vez, uma “familia” foi formada, sustentada pela “juris-

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