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Giulio Carlo’ A\ (4 C74 walter | ropi US JOSE OLYMPLO EDITORA Giulio Carle Argan (1909-1992) tem no seu curriculo uma Intenso atividade de cri- tico, de historiador e de escritor J6 como professor de histéria da arte moderna, na Universidade de Roma, colaborou para a Storie d'Italia (com M. Fagiolo) e para o volume Michelangelo architetto (coordena- 60 de P Portoghesi e B. Zevi, 1964). Sua rica bibliografia compreende uma afortu- nada Histéria da arte italiana e ensaios so- bre a arquitetura italiana dos séculos XIll e XIV, assim como sobre Henry Moore, Borro- mini, Picasso, Fra Angelico, Brunelleschi, Arturo Martini, Brever. Dos livros publicados no Brasil, desta- camos Arte moderna, Histéria da arte como historia do cidade, Imagem e persuaséo e Projeto e destino Ublicado em 1951, o livro de Argan sobre Gropius afirmou-se como um verdadeiro “cléssico” da cultu- fa critica do pés-guerra, Meditacéo apai- xonada sobre as caracteristicas e os idéias da vanguarda européia mais atenta a civi- lizagéo industrial, esta obra também re- Presenta uma proposta ideoldgica e criti- ca de largo empenho, que despertou mui- tas adesdes. A Bauhaus e, dentro dela, o trabalho de Walter Gropius refletem o crise da sociedade e da cultura modernas e pro- Pdem um instrumento de reforma ariistica. Associando criatividade e mundo da produ- G0, e propondo uma realidade internacio- nal, para além das tradicées locais, Gropius oferece, do ato de projetar, a imagem de uma operosa possibilidade, que liga o pro- gresso a colaboracéo entre os povos e a um correto uso de técnicas e de modernas co- pacidades produtivas. Seu arrojo de homem europeu tampouco lhe falta quando sua es- cola é fechada pelas autoridades nazistas. Tendo se transferido para os Estados Unidos com seus colaboradores, ele enfrentard o dramético tema da reconstrugéo com uma série de solugées que, eliminadas as contro digdes sociais, possam criar as condigoes para uma existéncia harménica e produtivo. © livro de Argan tem o mérito nada secun- dério de nao somente haver inserido © pro- jeto de Gropivs no quadro dos fates arquite- ténicos do século, mas também de ter feito dele uma das pegas decisivas do cultura contempordanea, walterQropius ea bauhaus Titulo do original em italiano WALTER GROPIUS E LA BAUHAUS © Giulio Einaudi Editore, s.p.4., Turim, 1951 Reservam-se 0s direitos desta edigao a EDITORA JOSE OLYMPIO LTDA. Rua Argentina, 171 - 1° andar — Sao Crist6vao 0921-380 — Rio de Janeiro, RJ - Republica Federativa do Brasil Tel.: (21) 2585-2060 Fax: (21) 2585-2086 Printed in Brazil / Impresso no Brasil Atendemos pelo Reembolso Postal ISBN 85-03-00810°6 Capa: Victor BuRTON CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. A Argan, Giulio Carlo, 1909-1992 734w ae Walter Gropius ea Bauhaus / Giulio Carlo Argan; tradugao le Joana Angélica d’ Avila Melo; posfacio de Bruno Contardi. — Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. Inclui bibliografia ISBN 85-03-00810-6 |. Gropius, Walter, 1883-1962. 2. Bauhaus (Escola). 3. Arquitetura m -Sé i ou eee Século XX. 4. Arquitetura alema — Século CDD - 724.91 05-1019 CDU - 72.036 SUMARIO Introdugéo 7 A pedagogia formal da Bauhaus 29 A arquitetura de Gropius (1911-1934) 87 A arquitetura de Gropius na Inglaterra e na América 137 Apéndice [1957] 177 Nota biografica 179 Principais obras 181 Principais escritos de Gropius 187 Publicagées da Bauhaus 191 Conferéncias, comunicagées etc. nao publicadas em livros ou em revistas 195 Bibliografia geral 197 Posfacio 1988, de Bruno Contardi 213 Indice onomistico 241 NTRODUCAO Walter Gropius foi um homem do primeiro pés-guerra. Sua obra de arquiteto, de teérico, de organizador e diretor da admiré- vel escola de arte que foi a Bauhaus é insepardvel da condig&o histé- rica da reptiblica de Weimar e da fragil democracia alema. Gropius investiu toda a sua cultura figurativa e teérica, bem como seu destino de artista, naquele momento critico da histéria européia. Sua racionalidade, sua positividade e até mesmo seu otimismo ao desenhar programas de reconstrugo social brilham sobre o fundo sombrio da derrota alemé e da angustia do pés-guer- ra; sua fé num futuro melhor para o mundo esconde um profundo ceticismo, um lticido desespero. Nao se tratava apenas de uma defesa psicoldgica e moral: aquele supremo prestigio da raz4o era também a tiltima heranca da grande cultura alema, a Gnica forga de resgate que a Alemanha podia extrair do proprio passado. A obra de Gropius se enquadra na crise dos grandes ideais que caracte- 1 século XX; nasce, também ela, da desagre- ndes sistemas e da confianga depositada capaz de apontar & resolver os proble- a. A racionalidade que Gropius desen- volve nos processos formais da arte &consentanea com a dialética da filosofia fenomenoldgica ¢ existencial (sobretudo a de Husserl), a qual de fato esté ligada historicamente: em substaincia, trataese riza a cultura alema d gagao sofrida pelos gra’ numa critica construtiva, mas imediatos da existénci WALTER GROPIUS EA BAUHAUS de deduzir, da pura estrucura légica do pensamento, determina- ges formais de validade imediata, independentes de toda Weltanschauung- ‘ formal: torna-se arquitetura, Como condigao direta da existéncia Em sua obra, 0 rigor lgico adquire uma evidéncia humana. Na histéria de Gropius € impossfvel separar 0 momento teé- rico do momento criativo ou do momento pedagégico: cada um de seus edificios, de seus programas urbanjisticos, cada uma de suas interveng6es praticas e polémicas, por uma radical renovagao dos métodos produtivos da arquitetura € da arte aplicada ou por uma reforma do ensino formal, é ao mesmo tempo formulagao teérica, aplicagao pratica e ato criativo. Ele é de um temperamento posi- tivo — extrovertido, dir-se-ia hoje —, que deseja agir a qualquer custo sobre o terreno concreto do contingente. Sabe que, na crise dos grandes valores da historia, a estrita légica formal encontra forca de ultima ratio; e se j4 nao € possivel a existéncia de nenhuma civilizagao baseada em princfpios estaveis, mas somente na clare- za e na firmeza dos atos, seu propésito é o de atuar no cerne de uma situagdo com a tempestividade e a exatidao de uma inter- vengao cirtirgica. A racionalidade nao é mais um guia ou uma luz vinda do alto, mas uma técnica infalivel; a condigdo que a deter- mina e justifica é a constatagao da crise, que é sobretudo a crise do sentimento: dai a continua transigao do puro racionalismo ao puro pragmatismo, a substancial identidade entre processo artis- tico e processo critico, entre atividade criativa e atividade didati- ca. Deve-se provavelmente a essa continua transigao 0 fato de a obra de Gropius, interrompida na Alemanha pelo advento do nazismo, ter podido desenvolver-se coerentemente na América € encontrar pontos de contato com o pensamento de um Dewey ou de um Forbes, ampliando assim, ilimitadamente, o horizonte his- t6rico da arte contempor4nea. Em Gropius, levado por sua formagao de arquiteto a conside- rar problemas sociais concretos, a dualidade entre pragmatismo e INTRODUGAO 4 racionalismo reproduz, em outro plano, a contradi¢o entre nacio- nalismo e internacionalismo que, naquele imediato pés-guerra, angustiava toda a cultura européia. Em torno desse ponto gravita toda a sua obra: a arquitetura “internacional” nao ser4 apenas umn nivelamento das técnicas e das formas, mas também, ao mesmo tempo, 0 instrumento e a imagem de uma nova organizagio so- cial. Desta, nao é possivel Prever sequer a estrutura geral; a pr6- pria arte, agindo e desenvolvendo-se no Amago da sociedade e par- ticipando de seu devir, concorrerd para determiné-la. Na Franga como na Alemanha, embora com énfases diferen- tes, sempre que se falava de internacionalismo pensava-se, na rea- lidade, numa nagao supra-histérica ou coletiva, a “nagao européia”, a ser contraposta 4 ameaga da internacional classista. De igual modo, sempre que se falava de racionalismo, a propésito das ine- vitaveis questes sociais da arquitetura, na realidade pensava-se num pragmatismo generalizado e normativo (ou, falando de utilitarismo, numa racionalidade em ato), a ser contraposto a dra- matica concretude dos problemas sociais. O dualismo nfo expri- mia o contraste histérico de ideologias e de classes, que se vinha exasperando a cada dia, mas o mal-estar e as contradigGes inter- nas da classe dirigente: era seu Alibi tedrico diante da pressdo de outras forcas que, da extrema esquerda e da extrema direita, visa- vam ao poder alegando respectivamente um programa interna- cionalista e um programa nacionalista extremado. Nao hé diivida de que Gropius atuou no Ambito de uma cul- tura burguesa e de que seu imperativo racional o impediu I um efetivo {mpeto revoluciondrio. Seu lugar esté naquela fileira de intelectuais que se empenharam em resolver racionalmente os conflitos de classe. Com eles, Gropius assistiu ao desabamento que levou de roldao, além da fragil base da cooperagao intelectual entre i" is essa cultura estivera inue 08 povos, os “eternos valores” aos quals essa tilmente ancorada. eee Alguma coisa, contudo, excetua @ figura de Gropius 0 WALTER GROPIUS B A BAUHAUS antes de tudo, sua incapacidade de ily- e”. do coro dos “europeistas + amentar a nova comunidade no prestf- sfo e sua fria recusa a fund: ade n gio dos “grandes ideais”. Na verdade, esses grandes ideais consti- tufam o sistema que sua dialética desintegrava e dissolvia na fenomenologia da exi pressupusesse, do mesmo fias e ziam a sua propria dialética a experiencia do idealismo que criti- sténcia, ainda que essa mesma dialética os modo como as filosofias existenciais tra- cavam como sistema. Gropius constata que aqueles grandes ideais e aqueles supre- mos valores deixaram de existir com uma determinada estrutura da sociedade; admite que a crise da sociedade é também a crise da arte; quer estabelecer qual pode ser a fungao da arte, como inalienavel “experiéncia” artistica, no iminente processo de trans- formagao da sociedade. Seu limite foi o de ter acreditado que essa transformagdo pudesse reduzir-se a uma evolugao histérica da clas- se dirigente, a fim de adequar-se a novas tarefas sociais. A revolugao de Gropius foi uma revolugo fria, nao abriu a arte novos horizontes de conhecimento, mas assinalou 0 ponto nec ultra de qualquer tradigdo figurativa. Ela esgotou a tradigao artis- tica do mundo ocidental em suas proprias antiteses e resguardou a sociedade futura de qualquer possivel “renascimento”. Além des- se limite, toda eventual retomada artistica deveré necessariamen- te basear-se numa nova concepgao do valor da existéncia e da organizagéo humana. Com Cézanne, as tradigées figurativas nacionais estavam de- finitivamente esgotadas: se toda “sensagao” (e esse emergir da eensagao j4 trai a crise do sentimento) se constitui numa designa- go de consciéncia e se inscreve, como dizia poeticamente Rilke, 5s : DRE eld a orla extrema do circulo, j4 nao ha lugar para o naturalismo no qual, com énfases diversas, se encarnam ( que vai de um sentimento da natureza a u 40 do mundo) as tradigGes artisticas na os alemnes que saidam em Cézanne o re numa escala de valores ma construtiva concep- cionais. Sao justamente dentor que arrebenta os INTRODUGAO ‘i gonzos € escancara as portas do limbo naturalistico deles, para fi- nalmente inseri-los na comunidade ideal européia. Partindo de Cézanne, 0 cubismo elabora uma linguagern que quer ser totalmente racional ou “analitica”; ao remeter a terceira dimensao, que é a dimensao da ilusao ou da “naturalidade” ou do sentimento, a certeza objetiva das duas primeiras, a linguagem figurativa cubista € teoricamente imune a variantes nacionais. O primeiro expressionismo alemAo purga o “complexo de culpa” germanico na racionalidade indubitavelmente supranacional do cubismo. E verdade que, ao visar tao-somente a liberar esse com- plexo e abrir um caminho paraa transcendéncia, o expressionismo acaba deixando de lado a saturada figuratividade cubista e redu- zindo-se ao descarnado formulismo construtivista (no qual a formula assume forga liberadora, comosse pronuncid-la bastasse para entrar no dominio da razao pura); mas € também verdade que essa figuratividade cubista, embora parecesse tao certa € substanciosa, era suficientemente corruptivel para poder dissol- ver-se bem cedo naquela textualidade plana e sem espago que se chama surrealismo e que melhor se chamaria subnaturalismo. Cumpre também lembrar que, se a guerra havia truncado o nascente entendimento e reerguido barreiras ideoldgicas entre as tradig6es culturais francesa e alemé, tais barreiras j4 nao separa- vam dois nacionalismos, mas duas concep¢oes diferentes e dois diferentes programas de vida européia. Quando, em 1917, enu- merava 0 inventaire des principaux produits intellectuels et moraux qui ont cours en France depuis vingt ans et dont la provenance SS germanique, Benda atacava justamente @ concepgao Ines nal marxista como directement opposée a la conception ions (Saint-Simon, Fourier, surtout Proudhon), en haine expresse de lague elle s'est fondée. ionali ‘oblema da internacionalismo envolve 0 pr eens a rquitecura, jd assumira o lugar socialidade da arte, o qual, na a é ; da velha questiio classicista do belo ¢ do dtil, No pos-guert™, WALTER GROPIUS BA BAUHAUS n toda a arquitetura européia fundamenta-se no trindémio jonalismo socialidade-internacionalismo; e essas instAncias raci S am naturalmente @ satisfazer-se na construgao formal “cien- vis tifica” do cubismo- Mas aqui surge @ questao: essa racionalidade, essa certeza for- mal é um sistema no qual a vida pratica, com seus problemas infi- nitos, se ordena e se compoe, OU um método que define os proble- ; propria vida, ao desenvolver-se? No primei- mas apresentados pela toda a sua antiga forga de representacao, ro caso, a arte conserva ea sintese das tradigdes plar concepgao do mundo, d segundo, a mesma critica que destréi toda hist6rica Weltanschauung remete a uma mera condigio de “ser” e “fazer”, indiferenciavel segundo os contetidos histdricos da consciéncia. Os dois Iideres da renovacao da arquitetura européia sao Le Corbusier e Gropius; um e outro lutam por uma reforma em sen- tido racionalista, e suas propostas tém varias teses em comum, mas trata-se de dois “racionalismos” de sentidos contrdrios, que con- duzem a solugdes opostas da mesma questao. Le Corbusier assu- nacionais ainda acontece numa exem- le extensdo e validade ilimitadas; no me a racionalidade como um sistema e traga grandes planos, que deveriam eliminar qualquer problema; Gropius assume a racio- nalidade como um método que permite localizar e resolver os pro- blemas que a existéncia vai continuamente apresentando. A antitese manifesta-se j4 nos caracteres exteriores: Le Cor- busier langa proclamacées, publica manifestos, organiza circuitos de propaganda por todo o mundo, grita aos quatro ventos que il existe un esprit nouveau; Gropius fecha-se em sua escola, transfor- ma sua teoria numa didatica precisa e sua logica numa técnica, € talvez se pergunte se ainda existe um esprit. en a eas gorado pela vit6ria; quer a i coe area ae ae a aibtebiie el ae a-la a fazer sua paz depois daque’ 2 © Sua guerra; dé como garantia da futura cooperaga° INTRODUGAO 13 pacifica entre os povos aquela civilisation machiniste que havia sido uma das causas do conflito; sonha fazer de cada trabalhador um pequeno-burgués, compensando com um standard de bem-estar material a rentincia aos direitos e A luta de classes. Ao mundo que anseia por uma nova ética, ele oferece, radiante, uma perfeita eugenética social. Quando percebe que a civilisation machiniste fabricava canhGes em vez de casas, e, de boa-fé, protesta, os ca- nhées ja tinham comegado a destruir as casas. Entao tefugia-se mais uma vez nos princfpios imortais, torna-se 0 éléve de la nature, faz urbanismo como uma espécie de jardinagem social, sonha com civilizagGes arcaicas e mitos solares, mediterraneos: da histéria do futuro, cai de ponta-cabega, como era previsivel, na pré-histéria. Sua racionalidade esté sempre unida a utilidades especificas e, como as utilidades especificas sdo infinitas, a solugdo racional delas € um standard que representa 0 nivel médio das exigéncias. Inserindo-se na pratica, a racionalidade classifica, coordena, mas sobretudo age como elemento de equilfbrio: previne o surgimento ou contém o desenvolvimento de novos problemas. A tarefa do arquiteto coincide, como se vé, com aquela que a classe “culta” acredita ser chamada a cumprir diante de uma massa que ela su- poe inconsciente do préprio e verdadeiro interesse; e essa cultura € ainda uma cultura humanistica, de classe, cujo prestigio se ba- seia numa experiéncia mais vasta, e até universal, da histéria. Le Corbusier é um homem de boa-fé, que acredita seriamente num novo tipo de contrato social: a burguesia renunciard a guer- ra se o proletariado renunciar 4 revolugao. Como seu ideal ue ernacional no vai além da rentincia a violéncia, emboca no compromisso. As prdprias formas pressdes de contetidos profundes, permane= as de entendimento: nao é necessano que todos se proponham e resolvam os mesmos problemas, basta t0- Por isso se aplica o cubismo d arqui- dos falarem a mesma lingua. tetura: nao se busca nem mesmo uma rasho cientifica, eransfere> cooperagao int ele fatalmente des artisticas, nao mais ex cem como meras formul WALTER OROPIUS BA BAUHAUS ” terura um sistema formal que se dé por fundamen. bases genericamente cientificas. O que importa é superar tadoem snacdo histérica, a dramética aderéncia as Situagdes do a ore oromantismo havia imposto a arte. Assim, a tradi- cca exclufda sem critica, retorna sob as aparéncias mais es FEE de tradigao mediterranea. Se uma clara estry. aes ana da confusa ornamentagao academics, aparenta as escandidas proporg6es do Partenon, comemora-se: € 0 fim de toda problematizagao, de todo romantismo artistico. A alvorada de um novo classicismo surge sobre o mundo finalmente seguro de Pos- se para a arqui suir para sempre seus “eternos valores”. Do outro lado do Reno, nao havia muito entusiasmo pela inter- nacional societdria: os problemas, que para os vencedores eram tema de discursos académicos, para os vencidos eram questées de vida ou morte. O grande capital era o verdadeiro respons4vel pela catds- trofe, mas era também a tinica forga com a qual o inveterado nacio- nalismo alemao podia contar para a desforra. Hoje sabemos que a desforra se chamava Hitler, mas, naquela escuridao, para perceber © que realmente estava acontecendo A burguesia alema eram ne- cessdrios olhos de lince e o ingénuo desespero de Grosz. Aquela burguesia que havia sido Operosa e produtiva, compenetrada da Propria tradicao austera, vinha-se transformando numa plutocracia avida, corrupta, Sanguindria, decidida a desfrutar, até o fim, da ruf- na que havia provocado. A cada dia a inflagao aprofundava ainda mais 0 sulco entre a classe que empobrecia e a que enriquecia; a Tuptura da relacao quase familiar que ligava ab antiquo o industrial 20% S€us Operdtios despedacava a vida social. Junto com a fome de PO ak ee a hostilidade a qualquer actor a vs Oculto a violéncia dates eset ee ae eats vante 0 lugar dessa bur, se Spc tao bem aug : ee Suesia que a relaciona, em sua sAtira, a casta tares, N, e : Aaa 8 mesmos anos, a gélida mascara de Stroheim O Junker @ o Cavaleiro da indGstria. INTRODUGAO i ee ae. Thomas Mann, pertence aquele pequeno gru- po - intelectuais que nao escondem de si mesmos a crise da bur- guesia oe € a investigam muito além das escandalosas aparén- cias descritas pela pena espartacista de Grosz; e no entanto nao perdem a esperanga de que ela ainda possa reatar-se as suas anti- gas tradigdes de cultura, retificar 0 curso de uma evolugao aber- rante, restaurar, no mundo convulso, a autoridade da inteligén- cia. Eu nao afirmaria resolutamente que também Gropius, como Mann, vislumbre a causa profunda da crise da velha burguesia alema numa espécie de tuberculose intelectual, numa debilitante dissipagao artistica, numa fatal transformagao dos tradicionais ideais religiosos (aos quais, contudo, se devia 0 antigo apego a concretude da pratica) em vago idealismo; enfim, no abandono inerte, por parte dessa burguesia, aquele ritmo oscilante de deses- pero e exaltagdo que caracteriza a obra dos seus prediletos: a mt- sica de Wagner tanto quanto o pensamento de Nietzsche e a poe- sia de Hofmannsthal. Entretanto, o firme apelo de Gropius por uma arte inteiramente técnica, livre de qualquer ideologismo, li- gada as férreas leis econémicas da produgio, permite largamente supor: uma vez que a sociedade esta doente da arte, é esse 0 6rgao sobre o qual convém atuar para reduzir-lhe o desenvolvimento anormal e retificar-lhe o funcionamento irregular. O certo é que sua corajosa e até comovente defesa da indus- ncia de muitos anos e a en- determinaram — nada a moderna contra 0 tria — para quem a considere & distai quadre nas circunstancias de fato que a tem de uma entusidstica apologia da técnic persistente tradicionalismo do artesanato. No defesa de uma indistria entendida humani “fordismo”, ou avilcamento plano tedrico, € a sticamente Como potencializagao do engenho contra o n ee da personalidade no mecanicismo da produgao; no plano social, a defesa de uma austera tradigio de operosidade productive) de uma consciéncia ou espiritualidade do trabalho industrial a - peculagiio improdutiva e dissociante. Por isso os vastos 6 WALTER GROPIUS B A BAUHAUS vkbunde e os grandiosos programas reformistas de um e um Behrens, ainda aquecidos pelo entusiasmo romantico de Mortis, reduzem-se na didatica de Gropius a um r- gido formulismo, a esquemas te6ricos exatos, a uma inflexivel dis. ciplina racional, que de outro modo estariam deslocados, se afinal nao se tratasse apenas de sustentar, no campo da arte aplicada, a superioridade da produgao industrial em relag4o a artesanal. O fato & que Gropius preocupa-se bem menos com agir sobre a massa e solicité-la a conquistar um nivel mais elevado de cultura do que comisentar a classe dirigente e produtora a um crescente declinio, reconduzi-la aos seus deveres sociais, reorganizar tecnicamente a produgao, criar as condigdes efetivas e objetivas para © progresso da vida social. Ele exige que a autoridade da classe dirigente nao sociais dos We' Van de Velde e d mais derive da posse dos capitais e dos meios de produgao, mas sim da capacidade de produzir do melhor modo (e aqui entra em jogo a funcdo artistica, porque a arte é modo perfeito), isto é, de- rive de um seguro preparo técnico. Por isso exclui de sua polémica qualquer acento filantrépico e até qualquer simpatia humana, seu discurso esté voltado exclusivamente para os responsdveis, para os “quadros”. O tecnicismo de Gropius, a rigor, pode ser interpretado como uma ndo-politica, no sentido em que visa a resolver ou até evitat, na liicida funcionalidade social, todo contraste ideolégico — ou- tro motivo que nos remete & atitude de Mann e daqueles intelec- tuais alemaes que colocam o afastamento diante da competi¢40 politica como condigao de seu “empenho” no plano da cultura. Mas esse precoce antincio de uma “revolugao dos técnicos”, ess firme convocagio a tarefa que cabe aos intelectuais na transfor- magac: da velha sociedade hierArquica numa sociedade funcional, nao podia deixar de assumir um claro significado politico; e de fat calor meeteaehceasia sta. Em ee, 1923, ao receber uma comissao de intelectuais, o prime INTRODUGAO 7 ro-ministro Stresemann advertia: “Vém-se formando na Alema- nha conceitos malsaos que devem desaparecer. JA nao se quis re- conhecer qualquer diferenga entre trabalho manual e trabalho intelectual; muitas vezes, quis-se subverter a situagao precedente (...) No entanto, os homens nfo sao todos iguais; eles sao diferen- tes, como sao diferentes as forgas espirituais da humanidade; do povo originam-se as forgas que tendem para o alto; uma supressao dessas forgas que aspiram a abrir caminhoe que talvez estejam des- tinadas aos postos de comando seria um nivelamento inadmissivel. Somente se conseguirmos render mais do que outros poderemos recuperar aquilo que a guerra nos tirou.” Da premissa anticomunista passava-se, logicamente, a uma conseqiiéncia nacionalista; para recuperar aquilo que a guerra lhe tirou, a Alemanha deverd “render mais do que outros”. Sua afir- magdo no plano internacional dependeré do modo pelo qual as classes dirigentes alemas souberem cumprir sua tarefa. Palavras semelhantes poderiam ter sido ditas na inauguragao dos cursos da Bauhaus, que, em tltima andlise, € um instrumento criado para produzir uma nova classe de técnicos dirigentes cuja obra possa desenvolver-se no plano internacional. Gropius decla- ra que todo trabalho é a manifestago de uma esséncia interior € somente esse trabalho tem um significado espiritual, ao passo que 0 trabalho puramente mecdnico nao tem sentido vital; “enquan- to a economia e a maquina permanecerem como fins em si mes- mas, em vez de meios para liberar cada vez mais, do peso do traba- lho mecAnico, as energias do espirito, © individuo continua escra- vo e a sociedade nao encontra seu equilibrio definitive”. E mais: “A solugdo nao depende de melhoramentos nas condigées exter- nas de vida, mas sim de uma atitude diferente do individuo em relagéo A sua propria obra.” peti he bitte em relagao a propria obra cumpresss® i jth ‘cto que se destina d coletividade, fungiio social do artista; mas, visto ana teat a obra reflete a relagdo entre indivfduo e corpo is WALTER GROPIUS BA BAUHAUS dessa relagio depende a validade efetiva, simultaneamente art. tica ¢ social, da obra de arte. Assim como, no processo da ideagao a execucio, apresenta. se e se resolve o problema da relagao entre trabalho intelectual ou ideativo e trabalho manual ou executivo, da mesma forma, do particular para o geral, o problema de trabalho qualificado e tra. balho manual, no qual se esquematizava 0 contraste histérico entre capital e trabalho, reduz-se a uma questao de técnica e organiza- gao. De resto, assim abstrafdo dos seus reais e dramaticos termos de luta de classes, esse contraste entre trabalho qualificado e tra- balho manual se apresenta como um momento de transicéo no processo, ainda em curso, de uma sociedade de economia artesanal para uma sociedade de economia industrial. Quando a industria tiver exaurido totalmente a fungao do artesanato e a transforma- go for perfeita, todo trabalhador participara da racionalidade produtiva da indiistria e todo trabalho ser4 trabalho qualificado: esse dia assinalaré a vitéria definitiva da racionalidade social so- bre 0 irracionalismo politico. Naturalmente, nao haverd evolugao e transformagao se a indtistria, em vez de assimilar o artesanato, vier a esmaga-lo com 0 peso da propria organizagao mecAnica, por isso a didatica da Bauhaus é regulada pelo ritmo de um desenvol- vimento gradual da ferramenta 4 mAquina. Na verdade, os pro- Cessos operativos do artesanato transmitiam uma experiéncia es- pecifica da realidade, condicionavam de um determinado modo a relagao entre ohomem e o ambiente. Essa telagdo era limitada pela capacidade dos sentidos em perceber a matéria e pela capacidade da mao e da ferramenta em operar sobre essa matéria. Os recursos mec4nicos da indistria, nascidos de Processos cientificos que ampliam o dominio do conhecimento até muito além dos limites dos sentidos, permitem operar numa zona que ultrapassa o Ambi- to do “natural”; mas, a superagao do “natural”, deve corresponder um conhecimento da realidade mais extenso e aprofundado, nao , o irrealismo e 0 arbitrio do super-homem e da supernatureza. En- INTRODUGAO 19 fim, 0 processo do artesanato a indistria deve reduzir-se ao pro- cesso que converte a experiéncia individual em experiéncia co- letiva. Qual é 0 papel da arte figurativa nesse Processo evolutivo da sociedade? Foi dito que o mal profundo da burguesia alema podia ser diagnosticado como uma espécie de hipertrofia artistica; 0 ca- rater misterioso que se atribufa aos fatos da arte, e, nao raro, aos mais mediocres e banais, era depois estendido a todos os atos de uma classe que se julgava predestinada as grandes tarefas hist6ri- cas, ao renascimento da “alma alema”. A andlise precisa de Viereck demonstrou que 0 préprio nazismo foi, no fundo, uma monstruo- sa superestrutura esteticista. Ao “sublime” indubitavelmente mér- bido dos Wagner e dos Boecklin, Gropius contrapée o estrito regi- me da arte “titil”. A obra de arte nao deve pregar, exortar, apelar para oO sentimento, apontar metas ideais: ela tem seu objetivo em si mesma, e nao além de si; é Gtil na medida em que € arte, visto que a arte é uma fung4o da sociedade; mas é arte enquanto cum- pre essa fungao. A obra de arte é uma realidade que a sociedade produz para corresponder a uma necessidade real, e nao para sa- tisfazer aspiragGes ociosas: uma sociedade que nAo use a arte por ela produzida sera defeituosa, porque as necessidades insatisfeitas ou os residuos ndo utilizados criarao perigosas descompensagdes ideoldgicas. E preciso, portanto, que a arte seja de tal ordem que possa ser completamente reabsorvida na circulagao da vida. Sua fungao é demasiado delicada para se confiar ao arbitrio in- controlavel da inspiragao. Como o “génio” politico, o génio artis- tico nao encontra lugar no quadro de uma organizagao perfeita. Renova-se 0 ostracismo decretado para a arte na Republica, de Platao; mas, do mesmo modo como este se justificava, em tiltima anilise, pelo fato de que as obras isoladas, em sua concreta e ne cessariamente imperfeita realidade, ficavam muito abaixo da idealidade estética pela qual era permeada a propria vida do povo helénico, o novo ostracismo sé seré justificavel se a sociedade rea 0 WALTER GROPIUS EA BAUHAUS 2 ratemente, NOS alos da propria existéncia, essa arte que nhece como transcendéncia e catarse. nenhum dogma estético afirma que a arte deva oduzir-se mediante um processo técnico de carater artesanal; esse tipo de processo esta ligado auma determi. nada concepgao historica da arte. Do ponto de vista marxista, todo inclusive 0 da arte, depende do desenvolvimen- se fosse excegdo a essa lei e continuasse Hizar imane’ ela jf nao reco! Naturalmente, necessariamente pr processo hist6rico, to dos meios de produgao: numa sociedade industrializada, os procedimentos téc- tesanato, a arte constituiria uma forga conservadora e nto, ela dever4 servir-se dos meios de produgao a valorizar, nicos do ar reacionéria. Porta: da indiistria, os tinicos que podem inseri-la no circulo da vida so- cial moderna. Visto que uma estreitfssima continuidade liga ideacao e execugao, a propria idéia de arte deverd transformar-se profundamente para adequar-se aos novos meios de produgao. E, visto que a indtistria produz bens de utilidade coletiva, a obra de arte nao deveré voltar-se para as classes mais cultas, mas ser utilizdvel pela coletividade inteira. Na verdade, ela nao pede para ser interpretada ou compreendida, mas sim utilizada; nao pressu- poe um certo grau de cultura, porque ela mesma determina um certo grau de cultura. A energia racional, de que toda obra esté renleta, descarrega-se na vida e lhe intensifica o ritmo; ainda que a eS Seja 0 escoadouro sereno e liberador para além da contin- Bencia, a arte € a forga que nos faz superar a contingéncia na pr6- oa Contingéncia, obrigando-nos a realizar com clareza racional até Os minimos atos da vida cotidiana. da se voltava-se paraa contemplagao; por meio tetura solene da ‘ton, e a ae esciaeeee ORNS manas ganhavam desta : en a es ejuonaspaixces bY humanismo, sempre ii singe ine heréicos. Mas cee suprimivel dualismo Seay ah 0 Koslunive na arte) con g : uma humanidade hierarquica es sete Spee sg mente dividida numa classe superior INTRODUGAO ea e dirigente, partfcipe, por investidura divina (o “génio”), das leis supremas do universo, e numa classe inferior e servil, cuja tarefa é 0 fazer segundo a indicagao de iluminados regentes. A arte, como eke, a criagdo e oie a das leis desta em imagens , sempre tem, seja ela sacra ou profana, um valor de paradigma: é a prova tangivel do prestigio de uma certa cultu- ra e das classes depositdrias dessa cultura. A arte sacra nas maos da Igreja Romana durante a Idade Média, a arte profana e classi- cizante do Renascimento, a arte eclesidstica da Contra-Reforma, aarte “histérica” do Terceiro Estado sao outras tantas entidades de forga por meio das quais as classes dirigentes exercem sua au- toridade. Se essas classes renunciarem ao seu prestigio e exercerem sua autoridade mediante a intervengo direta nos processos produti- vos, se a praxis, apoiando-se nas ciéncias exatas, tomar 0 lugar da teoria e assumir a dignidade desta, a racionalidade, que constitui a prerrogativa e a forga dessas mesmas classes, nado mais se mani- festarA na designacao de conceitos gerais, mas na série infinita dos atos da existéncia. A vida verdadeira, auténtica, j4ndo sera aque- la que se realiza na contemplagao, mas que se efetua na agao; a realidade concreta, no iluséria, j4 nao sera aquela que ocorre no distanciamento sereno da meditagao, mas que coincide com o em- penho dramético do agir. Esse € 0 problema que Gropius quer colocar e resolver com sua arquitetura e com a didética da Bauhaus. Jé que subsiste uma classe dirigente, que deriva sua capacidade diretora de uma consciéncia mais lucida do real, a arte permanece indubitavel- manifestagao da realidade em suas leis, mente como representagao, do tempo. Cada um, na nas categorias fundamentais do espago e pera empregando objetos que sao da realidade, de: nfio uma realidade constante, genérica, pa- de realidade que est no espago ¢ RO forem pensados racionalmente, & medida em que oJ apreende a realida norAmica, mas aquela fragao tempo do ato. Se esses objetos WALTER GROPTUS F A BAUHAUS a o sera lticida e exata, na qual ele aconte- de e uma localizagao precisas, que lhe a fungao vital sera clara e sem des- e se dé no at ceré com uma rempestivida garantirao @ maxima eficdciay perdicio, como clara € sintéti : e. A tarefa da arte, portanto, €@ de conferir uma absoluta cumpre- clareza formal a t atos de uma existén essa existéncia, com! mesma atividade, ao se cumprir, a0 do mundo que € propria, nao mais do homem “natural” realidade qu ca sera a realidade na qual ela se odos os objetos Pot meio dos quais se exercem os cia organizada; que compOem 0 espago no qual o atividade continua, se realiza e que essa determina; que, enfim, constroem ano ou tendente a reconquistar uma artificiosa naturalidade fugindo A contingéncia, mas do homem social, que vive e opera na con- tingéncia. O individuo nao capta a profunda razao construtiva dos obje- tos artfsticos que condicionam sua existéncia a um espago e a um tempo regulados pela fungao social; mas, no contato com eles, experimenta um prazer estético, que nasce da percepgao nitida e circunscrita, da perfeita correspondéncia que se estabelece entre o mundo interno e 0 externo, do senso de eficiente vitalidade sus- citado pela clareza e pela propriedade formal das coisas que cons- tituem o ambiente imediato de sua existéncia. A propria super fluidade de uma mediagao intelectiva para 0 “goz0” efetivo, prati- co, das coisas artisticas assegura a imediagao, a inevitabilidade, a totalidade desse prazer estético, garante a validade dessa expe- peng artistica doravante insepardvel dos atos cotidianos da vida. ens estética inerente ao fazer, pave nplieeee a pote aaa: implicando o momento @ serie: » Ba ara valor criativo. ee consciente dos ee engsleaanic nae da tradicao se ase. oe gous pesacglte cee como ¢ sabido, fundanre e assim chamado abstracionismo: ste, a-se no princfpio da independéncia da INTRODUGAO 3 forma artistica em relagdo a toda determinante empirica, € por isso se apresenta como absoluto antinaturalismo. Embora essa defini- ¢a0 negativa parega insuficiente, nao se consegue substitui-la por outra, positiva, que declare os novos contetidos, nao-naturalisticos, da forma — contetidos que, na verdade, o abstracionismo nao tem nem pode ter porque reflete uma atitude critica e nao construti- va, repudia toda concepgio sistematica do mundo que vise a rein- tegragdo e a objetivagao de uma natureza, repele toda distincdo entre um contetido (em ultima anilise, sempre naturalfstico) e uma forma que o supere ou 0 libere. Em outras palavras, o abstracio- nismo nao visa a fornecer uma interpretagao da realidade, mas determinar e designar uma condigao da consciéncia na qual toda atitude especulativa seja de fato irrevogavelmente proibida. Nega- se toda evasdo para a natureza, toda efusao do sentimento, toda consolatio philosophiae. A prépria imediagao com que a obra se apresenta em seus tangiveis e incontestaveis fatos formais (as for- mas geométricas, as cores puras), a invariabilidade e a inacessi- bilidade deles 4 emogdo, a impossibilidade de uma fabula de lineis et coloribus nao permitem assumir essa obra como guia numa aven- tura qualquer dos sentidos, da fantasia, do intelecto. A obra de arte, como qualquer coisa da realidade, é constatével mas nao julgavel: ela é mera percepgao, uma percepgao retificada, como a que pode ocorrer a uma consciéncia que se despojou da prépria historia, do proprio contetido de experiéncia; uma consciéncia que, j4 nao possuindo um antes e um depois, € puro momento do ser. A arte é, em sintese, a forma do “fendmeno”. Todavia como condigdo do nao-contemplar, a arte ¢ condi- 40 do fazer, é técnica. Dado que a contemplagao € catarse, supe- ragao da contingéncia na universalidade da histéria, alivio para o obscuro operar da vida e conforto para seu transcorrer no tempo, onao-contemplar j4 ¢ aceitagao do fazer, empenho no conangente, na utilidade imediata do ato. Por isso é que se devem procurar na arquitetura “técnica” as primeiras formas nfio-figurativas ou abs: Mu WALTER GROPIUS B A BAUHAUS e destinadas a resolver problemas objetivos, alidades objetivas dos novos materiais; for- prescindirem de toda concepgao pré- erdade realizam outra inteiramente prem enquanto coisas ou objetos fratas, aparentement praiticos, através das qu mas que, justamente por constitufda do espago, na v nova, inerente a fungao que cum| ae . da realidade, fatos novos que se superpoem a Costumeira nogao naturalfstica. Por outro lado, esse puro fazer nao é pensdvel senao em sua negatividade, em seu ser auséncia e impossibilidade de contem- placdo e distanciamento, rentincia a evasao, empenho. Se assim nao fosse, se 0 ser € 0 fazer fossem um dever ser e um dever fazer, se se apresentasse um fim a alcangar, reabrir-se-ia uma passagem para o futuro e para o passado, e a agao aconteceria de novo num tempo historico e num espago naturalfstico, pois quem nao pos- sui uma concepgao sistematica e certa daquele mundo — que, ao contrario, s6 se apreende no fendmeno — nfo se propde um fim. Nesse sentido, esse fazer pode verdadeiramente assumir um sentido trégico (e nos vem a mente o motivo kierkegaardiano) de continua “derrota”, de ser um fado, a punicdo por uma culpa original. E na gravidade e na urgéncia dessa condig&o de crise da cul- tura européia que 0 apelo de Gropius adquire uma forga moral. Para ele nao se coloca o dilema de angtistia e fé que espicaga o indi- viduo repentinamente consciente de sua solidao no espago e no tempo; a racionalidade, que levou a esse impasse, 6 também a for- G4 que 0 supera, porque se exerce nas telagdes que ligam a comu- nidade dos homens, constituem a sociedade, ; tecem a rede da so- lidariedade humana. No dinamismo da vida social, a quele obscuro fazer se organi- 2a € se esclarece numa técnica, rena ee que € justamente modo de fazer, arte, isto €, um modo de resgatar na imanéncia a espirit = ; pt 4 qual se nega um resultado de transcendéncia, um ¢ hiberar no mundo, na vida que se exerce, as energias que INTRODUGAO 25 j4 nao podem escoar-se na natureza e confundir-se com as energias arcanas do cosmo. Daf 0 chamado de Gropius ao artesanato, em cujo assiduo fa- zer se expressou durante séculos a idealidade religiosa alem4; e daf 0 apelo a industria, que pode ser salvagao ou perdigdo, meio de uma plena coesdo ou de uma completa desagregagao social, mas ser salvagao se souber domar a bruta materialidade da méquinae religar-se Aquela antiga idealidade da qual extrai sua origem his- t6rica e sua justificagéo moral; se souber absorver a tradigao artesanal e desenvolvé-la numa socialidade ilimitada, na qual nao mais existam classes diversas, mas somente diversas fungées. Sao ainda as idéias de Max Weber e de Troeltsch sobre a justifica- tiva do espfrito capitalista na ética religiosa da Reforma: o traba- lho industrial como “ascetismo involuntério e inconsciente do ho- mem moderno”, 0 “senso profissional” como um operar “no mun- do sem divinizar a criatura, isto é, sem amar o mundo”, a socieda- de que nao tem metas ideais mas realiza a espiritualidade humana na clareza, na ordem, no fatal progredir de sua fungao. E ainda o dilema, que angustia toda a cultura moderna, da doenga e do remédio, de um bem e de um mal que, nado mais estatufdos por uma lei natural ou divina, se alternam e se repro- duzem uma partir do outro. A indistria, como a arte, é ao mesmo tempo o mal e o tratamento. Essa identidade j4 estava colocada, desde o fim do século XIX, no art nouveau, que de fato queria ser ao mesmo tempo arte e indtistria, esteticidade e socialidade ilimi- tadas. Haveria exemplo mais caracteristico daquela viciosa hiperfungao do ideal artistico, daquela “artisticidade” j4 inde- limitével em sua historicidade e por isso confundida com a vida, oscilante entre o naturalismo e a quimera, que representa a doen- ga do século? E no entanto também 0 art nouveau, com sua vag poeticidade e musicalidade, aspirava a ser arte social, a abrir s todos, sem discriminagao de classes e de cultura, os parafsos arti+ ficiais da arte, a redimir na poesia a vulgaridade da vida cotidiana. WALTER OROPIUS B A BAUHAUS 26 uco “divinizava a criatura” ou amava 9 mun. go, mas pretendia cumprir um dever absurdo, uma Paradoxal fun. gio hist6rica: divulgar ilimitadamente aqueles que haviam sido os ideais de uma cultura de classe, resolver no préprio cosmopolitismo formal os desequilfbrios e os contrastes de classe. O mito europeu de Gropius j4 nao € a miisica ou a poesia, mas a razdo; um mito mais fechado e amargo, que traz em si os germes da divida e do desengano. E verdadeiramente a tltima carta, que se joga sabendo que se vai perder. Gropius, assim como Mann, cré que a doenga é sempre 0 produto de um erro da vontade, de um desvio interior que, desprendendo-se da concretude da vida, nos impele para o mérbido dominio da desordem, do inconsciente, do Oart nouveau campo sonho, da morte; mas cré igualmente que diagnosticar o préprio mal, identificar suas origens profundas em nossa vida interior, significa eliminar os lentos venenos, repor em circulag4o as linfas estagna- das da imaginagao e do sentimento, destruir com 0 raciocinio a van- tagem que 0 irracional obteve sobre nds; numa palavra: curar-se. Também Gropius, como Mann, nos anos angustiosos do pés- guerra, parece perguntar-se qual vird a ser, numa sociedade futura que jé nao seré burguesa, o destino dos ideais, da cultura, da arte da burguesia européia. Sua construgio ideal é a construgao de um além, e, como toda hipotese de vida futura, baseia-se na experién- Cia e projeta no porvir as aspiragées da vida presente. Seu progra- ma, em certo sentido, € o de redistribuir os bens artfsticos, cuja Bosse Se concentrara numa sé classe. Ele cré ainda, como a gera- gao cho © precedeu, numa redengao do mundo por meio da arte; mas, ja que a prépria arte est enferma, propée a redencao desta Por meio da razao. S40, 4 sua antiga aices ‘ 4 e : es ee ey oe a Se umanjstica e iluminista. Arrancada 4 ambigilidade daquele sonho Poético e até ithe ; e até vagamente humanit 10 € trazida 4 tealidade dos seus interesses materiais ameagados, INTRODUGAO 17 aquela sociedade entrou na fase final e mais pavorosa do seu mal: submergiu no realismo da violéncia e do sangue. Gropius ja estava longe, na América, onde havia buscado re- fagio contra a perseguigao nazista. Pela segunda vez, diante de um panorama de rufnas, ele percebe que a mera restauracdo do status quo nao pode sen4o preparar desmoronamentos mais graves. Seus apelos, feitos da América, por uma reconstrugao que seja sobretu- do reconstrugao de consciéncia parecem impregnados de um novo otimismo; chegam a aflorar 0 utopismo, e justamente pela persis- tente confianga no valor de uma técnica. Desabado o mito da racionalidade, ele tenta agora salvar o primeiro e mais elementar dos valores: a autenticidade da existéncia humana. Mas nao cede & sugestao de novos mitos; também a existéncia, em sua esséncia profunda, é racional. Trata-se, porém, de uma racionalidade de princfpio, que foge a todo esquematismo légico e envolve, justifi- cando-os, até os impulsos mais genufnos do ser humano. O pri- meiro destes continua sendo o de criar, que € um participar da realidade e acrescé-la de novas formas. E precisamente nisso se manifesta a racionalidade humana, no fato de esse criar ser um criar ordenado ou formal, ao passo que os impulsos irracionais determinam um crescimento desordenado e informe; em ultima anilise, destrutivo e letal. Assim, a arte se torna 0 carater de todo impulso humano po- sitivamente vital ou construtivo; e, como perene vontade de cons- ciéncia, é a antitese de toda vontade brutal de poder, espfrito de a ie * paz contra espirito de guerra, virtude contra furor”. A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS A escola de arquitetura e arte aplicada que Gropius criou em 1919 e dirigiu até 1928 conclui os esforgos desenvolvidos, a partir de meados do século XIX, no sentido de restabelecer 0 contato entre o mundo da arte e o mundo da produgdo, de formar uma classe de artifices idealizadores de formas, de basear o trabalho artistico no principio da cooperago. Os antecedentes diretos da Bauhaus s4o 0 movimento morrisiano Arts and Crafts, o Kunst- gewerbeschule e o Werkbund alemaes — movimentos nos quais certamente se reflete a Ansia oitocentista por afirmar o carater de socialidade da arte, mas nos quais a socialidade jé nao se apresen- ta como uma miss4o a cumprir ou um ideal a defender, e sim como cardter ou natureza especifica do fato artistico. Essa grandiosa in- surreigdo das artes “menores” ou “aplicadas” contra a arte “pura”, & qual até se acabard negando toda legitimidade ou autenticidade formal, é indubitavelmente o Ultimo ato da luta romantica contra a ditadura do classicismo; mas € também o primeiro posicio- namento concreto de uma teoria da arte, como ciéncia de um particular fazer humano, contra todo idealismo estético. Se a arte j4 nao €é uma revelagdo da criagao que se oferece ao artista na graga da inspiragdo, mas sima perfeigdo de um fazer que tem no mundo seu princfpio e seu fim e que se realiza inteiramen= te na esfera social, o problema da génese da forma torna-se o pro — WALTER GROPIUS E A BAUHAUS x0 tividade e adquire automaticamente um social. Numa sociedade ideal, que tenha superado as con- a ‘ Jasse e alcangado uma integridade organica ou fun- eradigoes ec re nao sera possivel sequer distinguir um trabalho cional rca — como era, por antonomasia, o trabalho do ae burguesa — de um ae one e servil, de mera execug4o; nem um ativo “produzir” (que, alias, ssl seria tal) de um passivo “fruir” a arte: todo ato que caiba no ieee: da fungdo social, e portanto também o de usar o produto artistico, seré por isso mesmo criativo e participara do devir ou progredir da prio problema da produ’ sociedade. Sendo todo fazer um fazer na realidade e, portanto, um fazer- se da realidade, a arte é o processo pelo qual a consciéncia cons- titui o real em formas sempre novas, resultantes de uma rede cada vez mais ampla de inter-relagdes e de um acervo de experiéncias cada vez maior. E a forma que se cria, justamente por ser a forma mais atual da realidade, e a mais conforme & condigao da cons- ciéncia que a cria, € a priori resolutiva de toda instancia pratica ou utilitdria; em dltima andlise, ela é sempre redutivel 4 necessidade de estabelecer uma nova e concreta relagéo com o mundo e de Tenovar nossa experiéncia. Sea forma é 0 produto de um fazer, somente a experiéncia do fazer artistico nos fornece os €squemas a partir dos quais podemos citcunscrever e definir, tomando consciéncia delas e fixando-as €M sensa¢Ges precisas, as infinita: vem do mundo externo: os es NO, cor etc.) S € passageiras impressOes que nos quemas formais (linha, volume, pla- ativa, pies ate da arte, e no da natureza. A atitude Juan Gris) 0 Fite ii Portanto (como intufra genialmente nao € uma forma ne. fe toda experiéncia artistica. Se a arte Se imprime a esta hs oe da realidade, mas uma forma que "Ot $e), 0 simultaneo construir-se e evoluir da Consciéncia e d, lo ; mundo, esté claro que ela nunca é criagao finita, m™as Criatividad, ; continua. A obra de arte, como forma do nosso A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS a1 estar-na-realidade, tende assim a irradiar-se pelo espago vital da sociedade, a multiplicar-se em infinitos exemplares, a fornecer a todo individuo 0 meio formal para detalhar todo um conjunto de relag6es vitais com o mundo externo. A oposigado de uma concep¢ao “psicolégico-genética” a con- cepgao “estético-dogmitica” do estilo é, como se sabe, o ponto tedrico de chegada da experiéncia historiogrdfica da escola vienense de histéria da arte e, particularmente, de Riegl; cabe a essa escola 0 mérito de, pela primeira vez, ter buscado nos produ- tos anonimos do artesanato aquilo que mais tarde Dewey chamara de “continuidade entre aquelas formas refinadas e intensificadas de experiéncia que sAo as obras de arte e os fatos e as paixdes de to- dos os dias, que sdo universalmente reconhecidos como cons- titutivos da experiéncia”. E significativo que o mesmo Riegl inte- grasse seu conceito de Kunstgeist, ou da arte como expressao de espiritualidade coletiva, com o conceito de Kunstwollen, ou do querer a arte, admitindo assim, implicitamente, que o artesanato, como tipico fazer, € a expressdo de um sentimento da realidade que sé se adquire fazendo. A essa nova concepgao da histéria da arte (que reivindica, para as anénimas mestrangas medievais e para a tradicao técnica do artesanato, o mesmo valor que a historiografia politica reivindicava para o continuo progresso cultural do Ter- ceiro Estado) corresponde, no plano teérico, a formulagao do prin- cfpio da “pura visibilidade”, que visa a justificar a arte como “lin- guagem a servicgo do conhecimento”, ou seja, nado mais em suas finalidades estéticas, mas no seu ser fenoménico ou na textuali- dade dos seus valores formais. A Bauhaus de Gropius, sobretudo em seu desenho inicial, pode ser considerada uma conseqiiéncia direta e um desenvolvimento logico da teoria da arte de Fiedler; a qual, j4 nao se apresentando como teoria do belo, mas como teoria da visao, ¢ da particular visto que se obtém exercendo a arte, devia de fato desembocar nacural- mente numa pedagogia ou didética artistica. WALTER GROPIUS BA BAUHAUS Fiedler separa nitidamente a arte, como meio de sonhectmen, to, de qualquer “Analidade estética ou simbélica te) belo nob ropésive da arte, 6 um elemento da realidade; na medida em que hy de arte é também essa realidade, o belo “é um motivo da realidade que a arte cria”. Embora a pstptie arte ° tenha ee apartir da experiéncia, 0 belo esta ligado a erulencia fenoménica da arte e s6 se manifesta a posteriori, na realidade de fato que a arte produz: ele corresponde ao prazer que a obra de arte propor ciona. Quando, depois de incluir a beleza entre as exigéncias funda- mentais da arquitetura, procurando defini-la, Gropius evita envol- ver na definigao aqueles valores de forma que, no entanto, consti- tufam a base de sua didatica e alude a leveza das estruturas, 4 lumi- nosidade, ao plein-air que a nova arquitetura realiza com as gran- des vidragas, ao prazer que no nasce da contemplagao, mas do emprego do objeto artistico. Realizando-se no desenvolvimento da experiéncia ou na concreta atenuagdo da vida, esse prazer nao sera éxtase mistico nem banal satisfagao de necessidades mate- riais, mas percepgao mais clara e eficaz das coisas, modo mais li- cido de estar no mundo. Fiedler havia escrito que “a esséncia da arte € fundamentalmente simples: elevagao da consciéncia intui- tiva de um estdgio obscuro e confuso a sua forma de clareza e de- terminagao concreta”; “o princfpio da atividade artistica é a pro- dugo da realidade, no sentido de que, na atividade artfstica, a tealidade alcanga sua existéncia, isto é, sua forma concreta numa determinada diregao”; “a arte nao é um enriquecimento arbitra- rio, um algo mais da vida, mas sim um desenvolvimento impres- cindfvel da propria imagem do mundo”. . Assim como nao visa a surpreender a esséncia do objeto, a arte cama nwt dna ai : - De €mo nao € 0 objeto da arte, mas pel Sr Seat bl Oe mn , adquirida; condicionante € a realidade ainda né0 A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 33 diferenciada e classificada por categorias de valores, a realidade em que simplesmente vivemos e agimos. A arte figurativa nao nos oferece “as coisas como so, mas como aparecem” em sua realida- de fenoménica; o dificil, porém, é apurar sua aparéncia real, mui- to diferente daquela que captamos por meio dos sentidos, altera- da como é pela preliminar de nogées j4 adquiridas, pelo fluxo e tefluxo das emogées, pela propria reserva com a qual acolhemos o dado sensorial, j4 sabendo que ele nao corresponde A esséncia oculta cuja discriminagdo seré tarefa do intelecto. Dizendo que a arte capta as coisas como aparecem, nao se alude 4 apreensio sen- sorial, que j4 € um grau de um processo intelectivo, mas sim 4 pura percep¢4o, a um registro isento de qualquer alteragao emotiva: a uma percep¢4o que poderiamos chamar de pré-sensorial. De fato, “pode-se definir a atividade artistica como aquela na qual a agao da mio parece depender exclusivamente do olho, do interesse da visio”. Esse tipo de percepgao, portanto, est ligado a agao da mao, a um fazer: é isso que, operando na realidade, constitui essa reali- dade ea manifesta na forma. O artista nao medita nem interpreta a realidade, mas organiza-a e a revela inserindo-se nela com a racionalidade que é caracterfstica do seu ser enquanto humano. Acabou-se 0 tempo do esprit de finesse; também para a arte, comecou 0 tempo do esprit de géométrie. Doravante, ela est4 par a par com as ciéncias positivas: “Os artistas mais significativos sao sempre espfritos muito exatos.” E facil constatar que o pensamento de Fiedler j4 se situa na linha da fenomenologia; se a arte, no sincretismo absoluto de su- jeito e objeto, acontece e opera na realidade, ela j4 nao realiza um r-na-realidade, um ser-af, um Dasein. Ela genérico sein, mas um esta cia, no lugar e no Momento se cumpre inteiramente na contingén da agao; a imagem do mundo que ela revela (e, a rigor © mundo a imagem constante, ilimitada, 86 tem imagem na arte) nao é um forma e se desenvolve com panorfimica, mas uma imagem que se 08 NOSSOS AOS. WALTER GROPIUS E A BAUHAUS ” scapa a Fiedler que essa idéia de ante pressupde o 0 de todo sistema estético, a crise doe grandes “As pessoas se lamentam da decadéncia e do te. No entanto, a esséncia de sua verdadeira encontrada por esse caminho; aquele que m era s6 um falso brilho. E esse fato se Tampouco e: desmoronament valores da hist6ria: envilecimento da art dignidade s6 pode ser A va assi! até agora se chama’ if i enquadra num fendmeno de alcance geral: no desenvolvimento espiritual moderno, perderam valor uuitas coisas sue eaksicon: feriam importancia, dignidade, beleza a vida; & aan como é int- til tentar devolvé-las ao seu lugar de antes, nao € 0 caso de crer que o mundo vé perder a honra na vulgaridade se romper com elas para sempre, pois trata-se de coisas aparentes.” As proposigées teéricas de Fiedler, que apresentavam a arte como “contemplagao produtiva” ou produtividade ilimitada, con- cretizam-se no pensamento de Gropius num problema histérico preciso: 0 contraste entre artesanato e industria, como antitese interna e ainda nao resolvida da produtividade na sociedade mo- derna. A arte poder concorrer para eliminar essa contradigao se souber apropriar-se dos meios da industria e passar, também ela, da fase hist6rica do artesanato A fase industrial. Pevsner, a quem se deve a perfeita reconstrugao dos motivos ideoldgicos do movimento artistico moderno, situa Gropius no fi- nal de uma tradigdo de idéias que parte de Ruskin e Morris. As cir- Cunstancias nas quais se enquadra a polémica desses dois “pionei- Hae ie : a ae Fos” sao conhecidas: 0 répido desenvolvimento da industria pro- voca a crise do artesanato; a indistria repete mecanicamente os upos deste tiltimo, destréi a espiritualidade do fazer artistico, de- termina um declinio terrivel da cultura e do gosto; convém, Portanto, restituir ao artesanato Seu prestigio artistico ‘ e sua fun- ¢a0 econémica. Mas a concorréncia esmagadora nao causa da depressao do artesanato; na, € a concepcao classicista e ac é€a tnica uma outra, mais antiga e inter- adémica da arte, que relegou 0 A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 35 artesanato a um plano inferior e secundario, reduziu-o a uma ser- vil aplicagao estilfstica, desligou-o de suas antigas idealidades re- ligiosas. O individualismo fez da arte, que era expressdo de humil- dade diante do milagre da criagao, uma expressao de orgulho e de dominio; 0 orgulho é espirito de mentira; para Teconquistar o es- pirito de verdade, é preciso renunciar ao individualismo, retornar 4 moralidade artistica dos “primitivos”, & colaboragao, as comuni- dades de artistas. A insercao desse fator social na produgao artis- tica garantira sua eficdcia na esfera social. © movimento Arts and Crafts quer ser a reconstrugao de uma comunidade artistica capaz de realizar um “estilo” na produgao. Na Alemanha, o desenvolvimento da industria foi mais len- to do que na Inglaterra e a resisténcia do artesanato, mais forte. A antiga tradigao artesa se identificava com a tradigdo nacio- nal; a “praticidade” britanica, da qual a industria parecia ser a encarnagao, era ao mesmo tempo uma ameaga estrangeira a tra- digdo nacional e uma ameaga positivista ao idealismo alemao. O homem que divulga na Alemanha as idéias de Morris é Hermann Muthesius. Mas ele nao alimenta a ilusdo de poder re- integrar o artesanato 4 antiga fungdo econémica e social, e reco- nhece na industria o fator essencial do progresso. “As classes mé- dias”, escrevera Marx, “pequenos industriais, pequenos comer- ciantes, artesdos, agricultores, combatem a burguesia para conser- var sua existéncia de classes médias. Portanto, elas nao sao revo- luciondrias, mas conservadoras; e até reaciondrias, porque tentam girar para tras a roda da histéria.” Os artesaos, como categoria, est4o fadados a desaparecer; e, quando uma categoria desapare- ce, aquela que vem depois herda sua experiéncia, do contrario a civilizagao deveria estar sempre comegando de novo. A indtistria forneceré a sociedade a arte que os artesos j& no poderdo pro- duzir; mas nao poderé limitar-se a multiplicar em série os Gipos criados pelo artesanato, ¢ deverd criar tipos especiais para @ pro~ dugao mecfnica em série, Somente os objetos feitos pelas maqui- WALTER GROPIUS B A BAUHAUS %»% “cso produzidos segundo a natureza econémica da nossa épo- re sinardio o novo estilo, o Maschinenstil. ca”; e eles atte alemao da “praticidade britanica” 6 a Sq. ie a as, se a empirica praticidade britanica se resolvia em comodidade de vida, a Sachlichkeit é objetividade € concretude, correspondéncia exata € calculada entre a coisa e a fungo, entre a forma e o uso. A praticidade deixava aberta uma Passagem a poeticidade, para o sentimento da eae Para Se © que de algum modo pode trazer alfvio as preocupagées imediatas da vida; por esse caminho pode-se chegar até a resolver toda a pratica na palpitagdo césmica da natureza e a fazer da arquitetura, como Wright, uma poesia na qual as pessoas nao se evadem, mas vivem. A Sachlichkeit fecha essa passagem, porque a correspondéncia entre o objeto e a fungao é tao estreita que o valor, a prépria existéncia do primeiro, cessa junto com o fim da segunda. Contudo, 0 objeto se reduziria a mero instrumento (e, a rigor, nao seria nem mesmo isso, porque nao poderia ter forma e seria apenas um subsidio ru- dimentar) se em sua estrutura nao casual, na experiéncia de vida que © aperfeigoou ao longo do tempo, ele nao obtivesse um valor de forma, ndo realizasse uma “beleza aderente”. A isso se chama qualidade. Beleza é algo além do objeto artfs- Uco em si, € um conjunto de relagées de valor como qual objetos produzidos por técnicas e para fins diversos devem estar harmoni- zados; qualidade € uma perfeigdo pertinente ao objeto, obtida ao cabo de um certo Processo técnico, intransferivel e por isso nao mais reconhecivel numa lei geral, mas sim na propriedade espect- fica da forma, isto é, em sua adequagao. E também evidente que essa Propriedade da forma, nao sendo referencidvel a conceitos era, 56 € determindvel na correspondéncia coma utilidade es- pecifica, que assinala 0 tempo histérico em que a obra de arte acontece, ws etn 9, ngs Tsiano Arts and Crafts e ao mesmo A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 37 tempo se contrapée a ele, tem 0 propésito de “combinar todos os esforgos atuais para obter qualidade no trabalho industrial”. Ao abrir 0 primeiro encontro anual do Werkbund, Theodor Fischer declarava: “Nao € a m4quina que faz um trabalho deficiente, mas sim nossa incapacidade de us4-la com eficdcia.” Em outras pala- vras: nossa capacidade de ideagao artfstica ainda est4 aquém do grau de cultura que produziu a maquina; a arte, ou aquilo a que damos esse nome, abrange uma realidade muito mais restrita do que aquela abrangida pela ciéncia e pela técnica modernas; o in- dividualismo artistico proporciona uma experiéncia muito mais limitada do que aquela que a indtistria, como ago coletiva, abre para o mundo moderno. Por isso o Werkbund amplia e especifica a idéia morrisiana da arte como produto de colaboragao. Como a maquina nao permite a intervengao do artifice no curso do processo executivo, todos os problemas de utilidade, de material, de técnica, de economia pro- dutiva devem ser resolvidos a priori, na ideagdo, que resulta assim da coordenagao de experiéncias e competéncias diversas. Teori- camente, a obra de arte é sempre obra coletiva de uma sociedade, que nela resolve uma determinada exigéncia. A maquina nao faz mais do que receber e multiplicar o modelo da ideagao; omomen- to executivo est4 implicito, totalmente previsto, no momento ideativo. Superpostos esses dois momentos, a obra € ao mesmo tempo totalmente teoria e totalmente pratica, como, alias, € ne- cess4rio que ela seja, dado que a pratica (técnica), adequando-se aos processos da ciéncia moderna, absorveu e sub-rogou a fungao da teoria (ideagao). Caberé a didética da Bauhaus dar o tiltimo passo: uma vez que a tarefa tradicional da “prxis” artistica era dar realidade 3 idéia ou a teoria numa experiéncia concreta € construtiva da natureza, superpondo-se 0 momento da teoria ¢ o da pritica, reduzindo-se & unidade os dois termos do antigo dualismo, en- cerra-se definitivamente o tempo do naturalismo ou do inte: ar) WALTER GROPIUS E A BAUHAUS \ lismo artfstico. A arte deveré necessariamente realizar-se jectualh 5 sem passar pela natureza- Se essa € a tradigao ideoldgica, a tradig4o construtiva que pre- para a didética da Bauhaus €a da arquitetura industrial alema. Quando nasce a Bauhaus, a era dos pioneiros do cimento e ao limite daquela nova monumentalidade que do ferro j atingir ; ! ‘ono simbolismo art nouveau da Torre Eiffel. tem seu exemplo tipic O ideal fin de siécle de uma modernidade cosmopolita, de um estilo livre de preconceitos e 4s vezes paradoxal, pertence a Austria: a ligdéo de Otto Wagner pode bifurcar-se nas diregdes aparentemente opostas de Olbrich e Loos, mas a prosa fria e ele- gante de Loos revela-se a contrapartida 4 poesia oy a musica- lidade de Olbrich. Na Alemanha, 0 vendaval do Jugendstil mal encrespa a superfi- cie de uma problematica da arquitetura que remontava a questao kantiana do belo e do Util e que, através da tese hegeliana da ar- quitetura simbdlica, se desenvolvera progressivamente até chegar a teoria da Einfihlung, que apresenta a arquitetura como fusio entre o mundo interno e o externo na unidade da forma, expres- sao da nossa profunda Participagao no dinamismo interno do real. Van de Velde, um entusiasta das idéias de Morris, visa a trans- formar 0 arabesco — que quer ser ao mesmo tempo linha e cor, eludindo a precisao formal de uma e outra — em “linha expressi- va"; verticais e horizontais ainda conservam 0 sentido simbédlico, de ascensao espiritual e de efusao naturalistica, da Einfiihlung; nas Curvas mais abertas ou mais lentas tece-se a jungdo, transcreve-se @ Passagem entre um e outro estado de animo. Estamos no limiar do ex ‘ Pressionismo arquiteténico. O senti- do dramético, : upicamente alemao, do eterno conflito entre espi- rito € matéria se expressa na coexisténcia forgada entre linhas e massas, entre o simbolo espiritualistico € o simbolo naturalfstico. Ne anci ssa linha busca-se a substancia Primaria, a pura e suprema A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 39 idealidade da forma; e, assim como esse hipotético valor sé é designavel por forga de antitese, numa espécie de sublimagao que adelgaga e volatiliza a matéria mas a pressupée, também a linha é a sublimagao da massa mas a pressupde. A massa é resgatada nos perfis cortantes, nos planos que se flexionam obedecendo a uma tensao secreta, nos cheios e vazios que nao se compensam numa organizagao plastica do espago, mas ao mesmo tempo se superpoem e se contrapGem como elementos méveis do caos. O ponto de chegada dessa aspiragao espiritualistica é 0 expressionismo de Mendelsohn, tiltima conseqiiéncia da arquite- tura-simbolo, da arquitetura-misica, da arquitetura como expres- sao de forgas primfgenas e misteriosas que irrompem e aspiram a libertar-se no espirito. A arquitetura industrial nasce da mesma raiz ideolégica e reflete a mesma situagao histérica. A indtstria alem ja superou sua longa fase formativa e empenha toda a vida da nagao num gigantesco esforgo produtivo: j4 nao se acredita numa fruigéo melhor e numa distribuigdo mais igualitaria dos bens da natureza, mas na possibilidade de multiplicd-los com a técnica e de criar outros novos, artificiais. Esse esforgo ciclépico é imagi- nado como uma palingenesia coletiva da alma germanica; na reli- giosidade do trabalho industrial, finalmente se alcangara o pleno dominio do espirito sobre a matéria. As fabricas construfdas por Behrens e Poelzig sfo a imagem viva desse pensamento do capitalismo como vocagao religiosa. Ja nao existem simetrias, proporgoes e relagGes espaciais aceitas a priori; e tampouco uma natureza harménica que alicerce as for- mas arquitetGnicas em suas leis. As massas se articulam segundo uma regra imposta pelo trabalho que se desenvolve ali dentro, as formas se plasmam num processo que & 0 proprio processo da matéria bruta que ferve e se purifica nos altos-fornos, precipita-se em correntes incandescentes, circula por condutos tortuosos, es corre sob os laminadores ¢ as filandeiras ¢ finalmente recebe 0 formato de maneira liicida, exata, macematica, A fabrica ja nao ¢ WALTER GROPIUS EA BAUHAUS 40 r onde se trabalha, mas um instrumento imenso, ina colossal em cujo interior milhares de homens agem uma méquin: disciplina inflex{vel: é a sintese suprema entre m4- a discip! hhados no processo racional que subjuga a apenas um fuga! segundo um quina e homem, empen matéria ao espirito. Essa arquitetura fun tee mente nova também em relagao a arquitetura “técnica”, em cujo ambito continuavam a movimentar-se, na Franga, homens como Garnier e Perret e, na Suica, Maillart. A nova idéia do espago jg e baseia nas intrinsecas qualidades de elasticidade, de ten- damenta uma experiéncia formal inteira- nao si sao, de empuxo dos novos materiais, mas na organiza¢ao, na coe- réncia, na mecAnica do trabalho humano. E impossivel justificar as novas formas com as costumeiras ca- tegorias formais, fundamentalmente naturalfsticas, de massa, de volume, de equilibrio entre cheio e vazio, de relagao plastica entre peso e empuxo porque o préprio ritmo do trabalho mecAnico, so- bre 0 qual essas formas se plasmam, est4 em contradigdo com a natureza, ultrapassa-lhe os limites, violenta-lhe as leis estatufdas. E igualmente impossivel justificar essas formas segundo um espacgo preconcebido, imutavel, geométrico, porque o espaco efetivo dessa arquitetura se determina pela funcao; no maximo, ele pode assimi- lar-se ao espago que Heidegger define em relagdo a atitude original ao nossa estar-no-mundo: um espago que € ao mesmo tempo dis- tancia a superar (Entfemung) e disposigdo das coisas numa determi- ae ordem (Ausrichtueng), Correspondente & nossa necessidade de ‘eine tee um conjunto de lugares, de distancias, valor coma nossa eae aus ons wie . gus ao - anga de posigao no complexo. O fazer + i ; 3 zer torna-se, assim, a condigao de toda designacao de es- Paco. Se, na contemplagao, a reali A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS “ ao longo de infinitas diregSes. Se, na arquitetura classica, a reali- dade preventivamente homologada em termos de espago se tra- duzia numa forma plasmada, numa mesma matéria ou em varias matérias que se reduziam 4 mesma entidade plastica, aqui a reali- dade se traduz em espago sem alienar a matéria, mas, ao contra- rio, determinando-se a cada vez nas mais diversas matérias: a for- ma é um grau da matéria, sua qualidade. Gropius inicia sua carreira trabalhando no estiidio de Behrens; sua formagio artistica se dé no Ambito do Werkbund e da arquite- tura industrial alema. Os primeiros problemas que ele enfrenta so relativos 4 produgao artistica, isto é, 8 génese da forma e ao seu processo. Jéem 1910, ao elaborar com Behrens, em relatério para a pre- feitura, um memorando sobre a pré-fabricagao industrial, Gropius tracava as primeiras linhas de uma reforma da produgao artistica. Durante a guerra, esse primeiro esbogo se transforma num proje- to de reforma do ensino artistico. Recém-desmobilizado, ele ob- tém para o seu projeto 0 apoio do grao-duque de Sax6nia-Weimar e assume a diregao da Sachsische Hochschule fiir bildende Kunst e da Sachsische Kunstgewerbeschule de Weimar. A Bauhaus nasce da fusdo dos dois institutos, com um programa nao muito diferente daquele do Werkbund, mas com um rigor de método que elimina até os vestigios do vago estetismo herdado pelo Werkbund do movimento Arts and Crafts. Gropius nao tenciona destruir o artesanato. Entre artesanato e inddstria, momentos sucessivos Na hist6ria da sociedade, deve existir continuidade de desenvolvimento; 0 artesanaro deve Pro- for o efeito dessa evolugdo, sua a WALTER OROPIUS BA BAUHAUS istema artesanal seria um erro de atavismo, Hoje, ant industria tendem cada vez mais a se aproximar, mais arresanato & fundir-se gradativamente numa nova unidade devem uaacada individuo o sentido da colaboragao so, a vontade de exercé-la. Nessa unidade 14 o campo experimental da industria e, ormas para a realizagao industrial.” rado ao anugo s que isso, produtiva, que restit dentro do todo e, por !s produtiva, © artesanato se funcionando assim, criara as 1 ca A velha classe artesa é numericamente insuficiente e se re- emasiado lentamente para poder fornecer o pessoal diri- gente e Os mestres necessarios industria, a qual, na verdade, é ebreada a recrutar entre todos os que tenham alguma experién- cia de trabalho artesanal. Entre a ferramenta e a méquina nao ha distingdo de qualidade, mas de quantidade ou de “escala”: a ma- quina s6 dard um rendimento positivo se aquele que a usar souber adotar as ferramentas do artesanato, assim, 0 processo mecanico produz di nao destruird o sentimento ou a inteligéncia da matéria, que s6 se adquire trabalhando-a com as ferramentas apropriadas. Dessa premissa resultam duas conseqiiéncias. Se a formagao do artifice consiste em passar do dominio da ferramenta ao domi- nio da maquina, seu processo formativo reproduz o processo evolutivo do artesanato a industria: a escola artistica, portanto, é uma sociedade in nuce, porque o processo didatico reproduz o pro- cesso da evolugao social. De fato, o primeiro perfodo da Bauhaus, ° ge Weimar, caracteriza-se pela orientagdo do ensino para os métodos e processos do artesanato e pela énfase ao mesmo tempo eRDRESa ante: Pp essionistica € popularesca dada aos produtos. Essa é a fase que Poderfamos chamar de “populista” modos do artesanato, a ex; d ,na medida em que busca, nos a abet Pressdo direta de um ethos popular ou ma de ex) énci Perlencias que constitui uma tradi¢ao; mas, ao mes- mo tempo, ela se pi admite que esse ethos s6 pode encontrar uma for- » Superar a rudezae ain plano de “cultura” €xpoente de uma genuidade da arte popular, situar-se num “ Be see ; j » através de um intérprete, o artista, que sej Outra classe, superior e dirigente. A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 4p A ferramenta e, numa escala mais ampla, a maquina operam na matéria e, ao revelarem sua qualidade, constituem-na em for- ma. Ruskin e Morris jf haviam Proposto a matéria como dado ori- ginal de experiéncia, em contraposi¢ao ao conceito classico de natureza. Este se fundamentava na distingao entre sujeito e obje- Co, e assumia a atitude contemplativa como a atitude caracteristi- ca do espirito, isto é, de uma humanidade que presume haver su- perado e transcendido a propria matéria. Ao contrario, a matéria €a realidade pré-naturalistica que nao se da na contemplacao, mas Cuja experiéncia se adquire operando nela com o indispensavel auxilio da ferramenta. Esta, por sua vez, nao é apenas um acréscimo as nossas possi- bilidades de ago, uma mao mais forte e mais Agil que nos permite entrar em contato com certas propriedades da matéria que, de outro modo, escapariam & experiéncia; € também uma determi- nagao do agir, porque em sua forma se concentra uma série de experiéncias que orienta a agao numa determinada diregdo e a obriga a desenvolver-se segundo um processo especifico. Por meio da ferramenta, instrumento de uma vontade schopenhaueriana, penetra-se e vive-se na matéria, até constituf-la em forma ou re- presentagao. Uma vez que as chamadas “constantes nacionais” da arte se manifestam sempre numa particular Weltanschauung, uma ativi- dade que se desenvolva numa zona pré-naturalfstica sera neces- sariamente isenta de qualquer cardter nacional. A crise da natu- reza coincide, na arte moderna, com a crise da histéria e coma aspiragao por alcangar expresses supra-histéricas, antinatura- Ifsticas, internacionais. A didética da Bauhaus nasce justamente da constatagao de que, pela primeira vez, um ideal internacional assumiu uma consisténcia histérica precisa. Assim como a nova consciéncia da realidade reivindica um campo de experiéneia ine finitamente mais vasto do que a “nacureza”, a vida moderna * explica numa esfera infinitamente mais vasta do que a “nage”. SD] WALTER GROPIUS E A BAUHAUS , da histéria, do qual o proprio tédio ou a evasio O sentimento arte dos faues € dos expressionistas eram a mani- dianve dele es e exasperada, € substitufdo pela pura raciona- festagao Fc ccaistote absoluta: € esta que gradualmente retifica lidade como do expressionismo, sempre oscilante e elimina as contradig6es nO, 8¢ entre um 4spero realismo e uma abstrata religiosidade. A Bauhaus, com sua rigida racionalidade, quer criar as condi- gGes para uma arte sem inspiragao, que neo deforme poeticamen- te a realidade da nogao € sim, construtivamente, forme a nova realidade. No mito da inspiragao ou da espontaneidade e de sua ocorréncia a partir de fontes misteriosas ¢ ultraterrenas, vislum- bra-se a presuncio do privilégio, concedido a uma elite, de rece- ber e transmitir a mensagem divina da arte, a fim de servir de guia a uma massa ndo iluminada, condenada a uma inferioridade pe- rene. Mais profundamente ainda, quer-se golpear os extremos ar- tiffcios aos quais a burguesia recorre para dissimular diante de si mesma a propria crise e conservar 0 proprio prestigio: as vagas aspiragGes estéticas € espiritualfsticas com as quais ela mascara 0 egoismo de classe, a ostentagao preciosista de um tormento ideal perante a “forga bruta” das massas, 0 simulado reconhecimento das préprias culpas (lembremos a polémica antiburguesa que 0 fascismo encamparA, e que na realidade nao passa de uma revolta da burguesia mais recente contra suas préprias tradigGes progres- sistas e liberais). Nao é de espantar que, na Alemanha do pés-guerra, a impe- c4vel racionalidade da Bauhaus e seu programa internacionalista constitufssem um escAndalo bem mais grave do que a convulsao ideolégica do expressionismo pré-bélico. Este, afinal, refletia uma doenga na qual a burguesia alema se comprazia; e repetia para essa mesma sociedade, que nao desejava senao pecar, 0 conselho lu- terano de pecar fortemente, mas fazendo-a entrever a eventuali- dade de uma graga que podia chegar no exato momento da pior violéncia (a graga, talvez, de uma vit6ria que Ihe desse o dominio A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 45 sobre uma Europa ao mesmo tempo detestada e ambicionada); a0 passo que a racionalidade da Bauhaus colocava-a diante da incon- testavel realidade histérica de uma derrota, cujo resgate exigia a rentincia aquela mérbida e ambigua oscilagao entre 0 violento eo sublime. Todos os esforgos de Gropius para manter a Bauhaus longe de qualquer ideologia e de qualquer confronto politico nao con- seguem esconjurar a hostilidade encarnigada daquela mesma bur- guesia para a qual seu programa se voltava confiantemente. Con- tra a Bauhaus se coligam: o ambiente artistico oficial, que consi- derava a arte uma iniciagdo e seu exercfcio, um privilégio de casta; o artesanato tradicionalista e conservador; a alta burocracia; as direitas nacionalistas apoiadas no grande capitalismo. Apdiam a Bauhaus os homens tecnicamente mais preparados do mundo industrial e os intelectuais. Quando, em 1925, a hostilidade dos grupos reacionarios obriga a Bauhaus a abandonar Weimar por um ambiente menos retrégrado, um nobilfssimo protesto dirigi- do ao governo da Turfngia inclui, entre muitas outras, as assina- turas de Behrens, Einstein, Oud, Gerhart Hauptmann, Ludwig Justi, Mies van der Rohe, Sudermann, Poelzig, Pankok, Hof- fmann, Hofmannsthal, Kokoschka, Max Reinhardt, Schénberg, Strzygowsky, Werfel, Muthesius. No mesmo ano, a Bauhaus se transfere, com todos os professores € alunos, para Dessau, onde surgiré a nova sede, desenhada por Gropius. Mas trés anos de- pois, em 1928, Gropius tem igualmente de deixar a diregao da escola, que é assumida primeiro por Hannes Mayer e depois por Mies van der Rohe. Os inimigos da Bauhaus encontram nos nazistas seus aliados naturais e, quando Hitler toma o poder, a luta € logo decidida: 9 Bauhaus ¢ oficialmente fechada em abril de 1933 e sua sede, con fiada a uma organizagao juvenil nazista qualquer. Chega-se ate & superpor, As coberturas planas do edificio de Gropius, um celhado inclinado para escoamento, segundo a “cradigdo nacional ger WALTER GROPIUS E A BAUHAUS “” » do abominavel “incernacionalismo” da Bauhaus, queria ca, dO minar até os rastros: mini se eli A Bauhaus foi um tipico exemplo de escola democritica, ba- a prinefpio da colaboraga a como um pequeno mas completo organismo social, izar uma perfeita unidade entre método didatico e sistema produtivo. Dotada de gSUUISOS Palents limitados, com- pletava o orgamento fornecendo a industria, que era sua safda natural, modelos estudados em colaboragao por docentes e alu- nos; dai a participagao destes Ultimos, com pleno direito de dis- cussdo e de voto, no conselho da escola, ao qual competiam so- bretudo as relagdes com o mundo da produgao. Embora a Bauhaus fosse uma escola governamental, sua verda- deira fisionomia era a de uma comunidade artistica organizada. Ao longo de toda a duragao dos cursos, professores e alunos viviam na q o entre professores e alunos. seada no Concebid visava a real escola; a colaboragao entre eles prosseguia inclusive nas horas de lazer, que eram dedicadas a audigdes musicais, conferéncias, leitu- ras, discuss6es, assim como a organizagao de apresentag6es, mos- tras, competigoes esportivas. A atividade artistica se inseria e se ambientava espontaneamente naquele elevado teor de vida: pro- Curava-se, assim, remover da “criag4o” artistica qualquer cardter de excepcionalidade e de sublimidade, para resolvé-la num ciclo nor- mal de atividade e produtividade. A arte destinada a repercutir na vida e confundir-se com ela devia nascer como ato da vida. aon a dito de harmonizagao e fundamentado € som, forma e cor, integrava as diversas das pessoas. Ele substitufa qualquer outro atedrdtico, seu propésito era o de habi- €pgao exata e imediata dos fatos formais ntanea disposigo a enquadrar todo dado do contorno formal. Essa disciplina ten- ancamente, e em relagao estreita, a atitu- atitudes fisicas e Psiquicas tuar Os jovens a uma perc: €induzir neles uma espo: de experiéncia num niti diaa desenvolver simult A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 47 de ativa e a receptiva, consideradas insepardveis; isto 6, a reforgar o principio de que a sensagao e a percepgio sio momentos ativos do espirito e, portanto, nao meras premissas da forma, mas a au- téntica forma. A cultura que se queria dar ao artista nado era um patrim6nio de experiéncias, mas uma livre capacidade de experién- cia, um modo lticido de estar no mundo, uma clara consciéncia de civilizagao. Do rigor do método, nenhum limite derivava para a liberdade do ensino. Os cursos desenvolvidos na escola, por artistas muito diferentes em formagao e temperamento, eram sobretudo exem- plo de economia do trabalho mental: demonstragGes praticas do mecanismo de sensibilidade e de vontade através do qual podia- se chegar a “realizar”, isto é, a constituir a realidade nas formas que so as proprias formas do nosso agir. A coeréncia estilistica, nao mais sendo deduzida da harmonia da criagao ou de uma idéia do belo, s6 era pensdvel como economia, exatidao, auséncia de desperdicio mental na produgao da arte. Nunca existiu, € Gropius afirmou isso muitas vezes, um estilo da Bauhaus; mas a marca des- sa coeréncia, ou exatidao, ou economia mental, e sobretudo da infalivel seguranga na designagao da imagem, encontra-se inde- fectivelmente na obra de todos os que, mesmo sem possuirem uma forte personalidade artistica, passaram por aquele perfeito meca- nismo didatico.' 'Esquema da distribuigao do curriculo na Bauhaus: CURSO PRELIMINAR. Teoria elementar da forma. Experimentos sobre mareriais em la- Ss i Madeira: marcenaria; Metal: merais: ENSINO TECNICO (Werklehre). Pedra: esculturas : mal ‘ Tera: cerfmica; Vidro: vidragas; Cor: pintura mural; Tecidas: tecelagem. Exercievs a boratério: a) ensino sobre os materiais ¢ ‘os instrumentos de trabalho; 6) elementos contabilidade, edleulo de pregos, contraragao, WALTER GROPIUS EB A BAUHAUS “3 A duragio total dos cursos era de trés anos e meio, O “I meiro semestre era dedicado ao ensino preliminar (Vorlehre), i seja, a uma instrugdo elementar sobre os problemas da forma, aavetiode a exercfcios praticos num laboratério especifico Bas principiantes. Terminado esse breve curso preparatério, 0 aluno era admiti- do num dos laboratérios especiais. Em coeréncia com 9 Principio de que “o rendimento do individuo depende do justo equilibrio do trabalho entre todos os érgaos criativos”, o ensino resultava de um conjunto de experiéncias técnicas e formais. O ensino técni- cose desenvolvia em laboratérios especiais Para os diversos mate- Tiais e era integrado por nog6es teéricas de tecnologia (materiais e instrumentos de trabalho) e por nog6es gerais sobre gestdo em- presarial. O ensino formal se articulava com base naqueles que eram considerados os estagios genéticos da forma: a observacao (estudo particularizado da realidade, teoria dos materiais); a re- Presentagao (teoria das Projegdes, técnica das construgées, dese- nhos e modelos para todo tipo de construgao); a composi¢ao (teoria do espago, teoria da Cor, teoria da composigao). Ao término do curso trienal, o aluno obtinha, perante uma comissao externa, o diploma de artesao; submetendo-se a prova mais severa, diante de uma comissio interna, recebia o diploma de “artesdo da Bauhaus”, O curso de aperfeigoamento que se seguia era baseado no ensino da arquitetura e num Serifssimo tirocinio pratico no can- teiro experimental da escola; sua durago variava segundo as ati- tudes eo tendimento. O €xame prestado no final, diante de uma Comissao externa, Proporcionava o diploma de mestre de arte; com pit Posterior exame interno, podia-se conseguir o diploma a Mestre de arte da Bauhaus”, Desdeo Princfpio, colaboraram com Gropius, como professo- *¢6, Johannes Itten — que ja se dedicara ao estudo da pedagosi? A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS ” formal e que Gropius conhecera em Viena em 1918 —, Lyonel Feininger e Gerhard Marcks; em 1921, acrescentam-se ao corpo docente Paul Klee e Oskar Schlemmer; em 1922, Kandinskij; em 1923, Moholy-Nagy. Em 1923, Josef Albers substitui Itten na di- regéo do curso preliminar. Em média, os alunos da Bauhaus eram pouco mais de duzen- tos; provinham de todas as partes da Alemanha e da Austria; sua idade variava entre dezessete e quarenta anos; muitos haviam combatido na Primeira Guerra Mundial. Para os mais pobres, Gropius tinha obtido isengao de mensalidade e taxas; mais tarde, conseguiu também que fossem compensados os alunos que pro- duziam, nos laboratérios da escola, objetos vendaveis. A postura reformista da Bauhaus est claramente expressa no manifesto de 1919, no qual se afirma, entre outras coisas: “Todos nés, arquitetos, escultores, pintores, devemos voltar ao nosso off- cio. A arte nao é uma profissio, ndo existe nenhuma diferenga essencial entre 0 artista e 0 artesao (...) Em raros momentos, a inspiragao e a graga dos céus, que fogem ao controle da vontade, podem fazer com que o trabalho desemboque na arte, mas a per- feigdo no oficio é essencial para qualquer artista. Ela é uma fonte de imaginagao criativa.” “Nés formamos uma nova comunidade de artifices, sem a dis- tingdo de classe que ergue uma arrogante barreira entre artesio e artista. Ao mesmo tempo, concebemos e criamos 0 Novo edifi- cio do futuro, que abrangeré arquitetura, escultura e pintura numa s6 unidade, e que um dia ser& algado para o céu pelas maos de milhées de trabalhadores, como 0 simbolo de cristal de uma nova fé.” “Jé se delineiaa idéia do mundo hodierno, mas sua forma esta confusa e intricada, A antiga visio do mundo, o Eu contrapesto 40 Todo, empalidece; em seu lugar, aflora a idéia de uma nove une dade, que tras em sia conciliagto absolute de rods a8 ansteses a, WALTER GROPIUS A BAUHAUS p [vissareiro da unidade de todas as coisas e Esse reconhecimento a fendmenos dé a obra criadora do homem um sentido s os fen de todos os raizado nas mais fntimas profundezas de nés mesmo, vo, en! coleti toda imagem torna-se simbolo de um pen. See si Jada mais existe em St, . 5 Nada que nos impele a construir; todo trabalho, uma manifes. samento 30 de nossa esséncia intima.” Sobre essa premissa ideoldgica tagao : baseia-se a didética de Gropius. Com 0 fim do dualismo Eu-Todo, cai a antiga concepcao da arte como representagao idealizada (no ey de uma nate con- traposta (o Todo); nds mesmos nos encaixaraes pe iced das coisas e dos fendmenos. O espirito, ou a consciéncia, nao é algo que preexiste e sobrevive 4 experiéncia, mas algo que se cons- trdi com Os nossos atos e, construindo-se, constréi a realidade na qual imerge e da qual é insepardvel. A forma, como camada mais atual da realidade, é sempre uma superficie 4 qual remon- tam e sobre a qual se esclarecem os fatos mais remotos e secre- tos, que de outro modo turvariam a fungdo linear ou contami- nariam a cristalina substancia da consciéncia. Aarquitetura, como construgao, Tepresenta a expressdo mes- ma da construtividade da consciéncia; a ela compete a tarefa de clarificar 0 aspecto confuso do mundo hodierno; nela “cristaliza- s€ a visio do mundo tipica de uma era.” Por que cabe justamente 4 arquitetura essa tarefa? Por uma sua esséncia simbélica, por uma mecanica deterministica? Nem uma nem outra coisa. A arquite- ‘ura, trabalho de homens Para os homens, intervém em todos os mementos €atos da existéncia; intermedeia e condiciona as rela- dlocpe ee com a realidade; determina a dimensao, leis coe ida e do traba auténtica, sg ee es die a € histéric, tal), que € a vida social. Sem a sar ohomem fora de aiid ©, Na fungao que 0 faz lho humano; é quase um segun- Para aquela vida mais elevada e @ (€ nao mais unicamente natu- arquitetura, seria impossfvel pen- Original naturalidade, em seu ser hist6ri- membro de uma sociedade. A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 51 A verdadeira arquitetura “mergulha suas rafzes em toda avida de um povo e cinge num sé amplexo todos os campos da criagao homage todas as artes e técnicas”; e nunca poderd se produzir senao numa ordem social que utilize plenamente todas as forgas individuais e confira vida um significado completo e atual. Em contrapartida, a arquitetura que, “de arte criadora ou compreen- siva do todo, decaiu para exercfcio académico, é, em sua infinita complicagao, 0 espelho fiel de um mundo interiormente dividido, no qual era inevitavel perder a colaboragao necess4ria de todos os que participavam da obra”. Esclarece-se assim um conceito j4 enunciado por Ruskin e Morris a propésito da arquitetura gética; para poder verdadei- ramente realizar um ethos coletivo e dar forma as idéias e aos senti- mentos que representam o elemento coesivo de um organismo social, a arte deve ser o produto de uma colaboragao. “A arte de construir se liga estreitamente a possibilidade de cooperagao en- tre uma pluralidade de individuos operantes, j4 que as obras deles — A diferenca dos produtos isolados, individuais ou parciais, de outras artes — sao de natureza orquestral e, como tais, refletem muito mais fielmente o espirito da comunidade.” Na medida em que é produto de colaboragdo e, em sua construtividade, realiza o grau mAximo de sistematicidade (e, por- tanto, também de economia) no emprego dos diversos materiais, a arquitetura implica, em seu resultado formal, toda a gama das experiéncias feitas sobre todos eles, do metal ao vidro, 4 cor ou as fibras téxteis. Uma vez que essas experiéncias se desenvolveram nas diversas artes (por exemplo: a cerémica representa © Mais alto grau formal alcangado no uso de terras; a escultura, no da pedra; a pintura, no da cor etc.), a arquitetura, como absoluta constru- tividade, é 0 vértice de uma pirdimide cuja base é a moaréria, oua realidade em seu conjunto confuso e inorginico, e cujos lados sfo rtes que distinguiram, refinaram, depuraram as “quae das diversas matérias. Se & as diversa lidades” ou as possibilidades formais WALTER GROPIUS BA BAUHAUS 3 como pura intuigao espacial, era a idéia-base aveudiett experiéncia da realidade e 0 prineipie de todas as ar- . oderna, como construgao do espago, éa sinte- tes, a ok pncleneas realidade e 0 fim tiltimo de todas as artes, se eee uma atividade coletiva, vn expansao nao depende dos individuos, mas dos interesses da ohanie Acons- trugao pura, livre de fins (Zoveshenabuene)s oa unicamente da vontade de um povo inteiro.” Essa impostagao do problema da praticidade arquitet6nica é completamente nova. A arquitetura nao pode propor-se fins praticos, porque tem seu fim em si mes- ma; ela nao é um meio para a solugao de certos problemas, mas a solugdo de todos os problemas; enquanto representagao de um mundo que resolveu as préprias antiteses, nao pode admitir exi- géncias que nao tenham sido resolvidas j4 em seu processo. Sem divida, a arquitetura é construgao do espago, ou melhor, é 0 pré- prio espago em seu construir-se; mas, como a constru¢ao resolve todos os problemas da realidade e da existéncia, isto é, as infinitas telagGes dos homens entre sie com as coisas, 0 espago da arquite- tura é a dimensao da vida social em sua complexidade e totalida- de. Somente nesse sentido, como sfntese da vontade de um povo inteiro, essa construgao pode ser inteiramente pura ou desinte- Tessada. arquitetura classica, a : Os elementos constitutivos do espago sao o ntimero e 0 mo- ne é 5 Ses imento. E somente com o ntimero que o homem distingue as Coisas, compreende e or, bilidade permite ao obje mir forma propria (...) ganiza o mundo da matéria. S6 a divisi- to destacar-se da matéria original e assu- niza Os ntimeros, te he ee chamesne: Do eee ee sentacao do nosso céreb : eee © OVURED EO} SOc Ceito de infinito, Se 5 reuse I potente para apreender 0 con: medida em que jie vida, nés vivemos 0 espago infinito na 40 espaco com meios rane do Todo, mas s6 podemos dar forma NOss0 indivisivel E, 'mitados. Percebemos 0 espaco com todo 0 4, com a alma, coma inteligéncia, com 0 cot A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 53 po, e lhe damos forma com todos os nossos Orgaos corporais. Atra- vés da intuigdo e da energia metafisica que absorve do Todo, o homem descobre 0 espago imaterial da aparéncia e da visdo inter- na, dos fenémenos e das CriagGes ideais; intui as telagées entre Seus meios representativos, entre as Cores, as formas, os sons e, com eles, dé forma concreta a leis, nGmeros, medidas. Mas esse espaco da intuigao exige realizar-se no mundo material; a matéria € dominada pelo cérebro e pela mao. O cérebro concebe 0 espago matematico em termos de ntimeros e dimensées (...) A mao apreende 0 espago material sens{vel fora de nés; elabora-o segun- do as leis da matéria e da mecAnica, pesa e mede a substancia material que determina sua solidez, suas propriedades mec4nicas € construtivas. Domina-o com a habilidade manual mediante o instrumento e a mAquina. “Contudo, 0 processo criativo de uma representa¢ao e elabo- ragao espacial é sempre simultaneo (...) O espago artistico viven- te s6 pode ser construfdo por homens cujos conhecimentos e cuja habilidade técnica obedegam a todas as leis da estatica, da mec- nica, da 6tica, da actistica, e que encontrem no dominio comum dessas leis 0 meio seguro para tornar viva e corpérea a idéia que trazem em si. No espago artistico, todas as leis do mundo real, es- Piritual e intelectual encontram uma solugao simultanea.” Em resumo: a forma é a forma da nossa finitude, que sem dii- vida nos permite representar-nos 0 infinito sem fornecer-lhe limi- tes convencionais (caso da geometria euclidiana e da perspecti- va), mas reconhecendo sua ilimitada divisibilidade, isto é, admi- tindo que, da matéria original e compacta, objetos possam desta- Car-se e assumir uma forma prépria. Sons, formas, cores nao sio elementos da realidade que o artista escolhe e compée, mas nos- 80s recursos interiores, os simbolos da nossa finitude, pelos quais vamos delimitando ou definindo a realidade infinita; por isso, © espago “imaterial” ou “artfstico” que resulta dessa unidade entre finito e infinito, entre consciéncia e realidade, é ao mesmo tempo WALTER GROPIUS E A BAUHAUS ss © da aparéncia ou do fendmeno, e da visio interna ou da o-espage |. Se a propria aparéncia, ou fendmeno, j4 é um resyl- criagao ideal. ostumeiro processo que vai da aparéncia senso. = 2 Bend formal perde todo valor; 0 espago “material” ne sae (elembremos a obserwacsoansloga de Fiedler) jdnao é um espetdculo que atinge nossa emotividade, mas sim uma rea- lidade que pegamos com a mao, no ato de exeouian um trabalho. Nao podemos fugir a essa manualidade; sem ela, no entrariamos em contato com o infinito da matéria ou da realidade; nossa finitude ou humanidade, em vez de ampliar-se, iria Testringir-se até desaparecer: j4 nao estarfamos no mundo. Para esse fazer, portanto, nao é possivel designar outra causa ou outro impulso que nao seja a utilidade imediata, a Pressdo até mesmo fisica da realidade que quer ser definida, porque esse con- tinuo definir € a nossa existéncia, a condigao que nos torna seres reais. Por isso, no espago artistico ou na forma compdem-se e se resolvem todos os problemas, que nds mesmos j4 nao podemos distinguir em prdticos e ideais. Por isso, ainda, a arquitetura é a Soma ou a sintese de todas as artes, de todos os modos do “fazer”; e, em sua absoluta construtividade espacial, resolve também, com os problemas especificos a que cada arte isolada responde, todos os problemas praticos da existéncia: ela € 0 caminho mais seguro de comunicagao do Eu com 0 Todo. Uma vez que, na unidade e na continuidade do fazer, as diversas Personalidades nao sao sepa- Taveis zer é eis (de fato, 0 fazer é Presente absoluto, ao Passo que as diver- Sas personalidades se distingue vem; do mais h quais eles vivem e das quais se ser- , als Proce ‘umilde utensiio, estende-se necessariamente, num ‘SSO. Continuo, a articula, complexo de v4 c $40 estrutural do edificio, desta ao egtacce - edificios e distribuicao deles segundo as exi- e 5 UNcionais da comunidade, até chegar a designar A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 55 a forma da cidade, a abranger todos os aspectos do mundo orga- nizado. Aos que se escandalizavam com essa tedugao da arte a con- tingéncia da vida, com essa aparente limitagdo ao microcosmo do utensilio, do mével, da pagina tipografica, Gropius podia respon- der que, pelo contrério, havia ampliado o alcance da arte a ponto de incluir nela, junto as formas minimas da utilidade cotidiana, as formas m4ximas da ordem social; numa palavra, todos os momen- tos da cultura. O microcosmo do utensilio tem seu horizonte no macrocosmo do urbanismo. “O erro pedagégico fundamental da academia consistia em apostar no génio e nao na média.” A colaborag4o exclui 0 arbitrio sublime do génio, exaltagdo suprema do individuo. A colabora- ¢4o é, por si mesma, um fato social e pressupde no agir artistico certos principios e processos comuns, cuja validade se estende necessariamente a toda a esfera social, unindo os dois momentos —criar 0 objeto e desfrutar dele — da produgao artistica. Assim, 0 processo formativo da arte, ou a pedagogia artistica, desenvol- ve-se em circulos cada vez mais amplos, até identificar-se com 0 processo formativo da sociedade, com o seu continuo progresso. A batalha do Arts and Crafts e do Werkbund tinha dado o primeiro passo no caminho da “reconciliagao do mundo da pro- ducdo com o mundo dos artistas criadores”; contudo, “a educa- Gao técnico-pratica permaneceu diletantista, e continuou a des- tacar em primeiro plano 0 esbogo desenhado ou pintado”, conce- bido com vistas a um desenvolvimento picté6rico ou plastic, e nado a uma execugao mecénica em série. O processo da produgao em massa & muito diferente do pro» cesso da produgao de objetos isolados. O artesio, ¢ claro, conce= be o objeto numa certa matéria e para UM Certo USO, MAS COMSeE vaa possibilidade de modifiear o desenho inicial ao ena fecgio, Essa possibilidade, ademais, ¢ um earditer necessanio, re WALTER GROPIUS E A BAUHAUS trabalho. A confecgao ocupa um certo tempo ¢ se desenvolye Por fases sucessivas; cada uma representa uma experiéncia que ngo podera ser ignorada no processo ulterior. Como hé um Progresso no conjunto da produgao, ha um progresso entre tipo e tipo, en. tre exemplar e exemplar do mesmo tipo, entre fase e fase do mes. mo exemplar. Os objetos mais perfeitos so aqueles que Condensam a maior soma de experiéncias, embora complexidade nao signifi. que complicagao. O artifice convive com a matéria, aprende a conhecé-la trabalhando-a, transforma-a, torna-a sensivel a0 seu mundo afetivo e imagindrio. Os tipos poderao ser modificados no trabalho sobre cada um, para corresponder a exigéncias Particula- res, as solicitagdes de uma determinada classe ou das Pessoas a quem se destinam. Se, ao contrario, a execugdo for confiada 4 mé4quina, toda a série de experiéncias que 0 artesao realizava no trabalho deve ser prevista e sinteticamente inclufda na ideagao. Uma vez que se deve ter, de safda, uma experiéncia perfeita, ne vanetur, das possibilidades da matéria, ela deverd ser uma expe- néncia tedrica, embora adquirida com um longo tirocinio pratico. O mesmo se pode dizer da forma: também esta nao pode ser mo- dificada durante o processo executivo, nem pela intervengio de fatos subjetivos nem pela intengao de corresponder a pedidos es- pecificos. No programa da Bauhaus, A teoria da matéria corres- ponde a teoria da forma, o corol4rio comum As duas € 0 standard, 0 produto da média pela média. Economicamente, ele consiste em obter um maximo de qualidade com o minimo custo; socialmen- te, sua difusao nivela as diferengas exteriores, de usos e costumes, entre as diversas classes; e assim, mantendo inalteradas as neces” sarias diferencas de fungao, anula as diferengas de grau entre 0 integrantes da comunidade. A unidade entre teoria da matéria e teoria da forma que se '° liza no standard tem também uma justificagao mais profunde. e Cluida a priori qualquer posigao objetivista, s6 temos da ete! conhecimento que adquirimos ao utiliz4-la ou ao nos servirmos 0°” A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 57 ao longo do secular desenvolvimento da tradigdo artesanal: nao existe uma abstrata teoria da madeira, da pedra ou da cor, mas uma teoria da madeira, da pedra ou da cor em relacao ao nosso uso da madeira para confeccionar méveis, da pedra para esculpir, da cor para pintar. Toda teoria da matéria esté, portanto, em funcao da forma; e, de fato, é na forma que a matéria revela sua “qualidade”. O tipo, o standard, esté em fungao da reprodugdo mecanica em série. Embora isso possa parecer um paradoxo, o standard é uma garantia do respeito pela autenticidade da ideagdo e um remédio contra o perigo da monotonia. Enquanto a industria repetia de maneira aproximada, isto é, exemplar por exemplar, formas pen- sadas para o trabalho artesanal, a monotonia nascia da repetigao das mesmas particularidades formais; ao contrdrio, se 0 objeto é pensado como generalizagao formal e a méquina se limita a repro- duzi-lo em milhares de exemplares, haverd identidade e nao uni- formidade, porque cada objeto conservaré intacta sua qualidade de “original”, da mesma maneira como um texto poético nada perde do seu valor sé porque foi reproduzido em milhares de exem- plares. Dessa maneira, 0 standard elimina a mediagao do objeto, como coisa que responde a uma utilidade prdtica, e determina o contato direto do publico com 0 valor ou a “qualidade” da forma. Nesse sentido, o standard modifica profundamente a relagao entre o ptiblico e o objeto: este j4 nao poderd ser contemplado ou frufdo por sua singularidade, pela exceléncia do artifice ou pelo contetido de histéria humana que se mesclou a historia da sua formagao, mas poderd apenas ser usado com a racionalidade e a precisao funcional que ele mesmo impde com sua forma. Oobjeto artistico possui doravante a capacidade de condicionar a existén- a como principio operante de clareza e de cia, inserindo-se nel: : mo tal, j4 nao possa ser objeto de jufzo es- ordem; e ainda que, co’ tético, introduz nos atos da existéncia com os quals se conecta uma experiéncia estética, conferindo a cada um deles um pleno senti- do de realidade. WALTER oRoplus BA BAUHAUS ss ao curso preliminar. O obj gogica da Bauhaus er ity ata valorizagao dos ree reconhecimento € a ex! rd dividuais”. Tratava-se sobretudo de “liberar no riadoras”, evitando, contudo, “qualquer empe- determinada linha estilfstica”. Por isso, o problemas da observagao e da representa- e ideal entre forma e contetido”. O jo- a “liberagao” emancipando-se “dos s” e tomando consciéncia dos “li- A base peda tivo deste era “o sos expressivos in aluno as energias © nho voltado para um ensino se limitava aos go, visando “a identidad vem artista pode alcangar ess esquemas convencionais j4 morto mites impostos pela natureza as suas ener tem categorias formais; para um aluno, o “meio original de expres- para outro, o claro-escuro; para um terceiro, a gias criadoras”. Nao exis- s4o” seré o ritmo; cor etc. Cada um desses meios € um simbolo no qual a conscién- cia finita abrange a realidade infinita. Na primeira orientagao do curso preliminar estudada por Itten sobre bases essencialmente pedagégicas, dava-se grande importan- cia ao exame de antigas obras de arte segundo os métodos analiti- cos da “pura visibilidade”, outro indicio de que a Bauhaus se ori- ginava mais das teorias da arte contempordneas a ela do que de uma determinada corrente figurativa. Essas andlises visavam a es- clarecer a estrutura interna da forma e investigar seu processo genético, assim como a desenvolver no aluno a capacidade de en- tender quais processos levam uma dada matéria a evoluir até a forma. Em outras palavras, decompunha-se um quadro do Meister Franke ou ae Bosch para demonstrar como uma certa madeira pode coun oe uma cadeira, ou ome vidro na forma de Viewioducne Pp sas desde a matéria até a forma um ses limitam acom = es Senses holier Preensao critica da ob que a i : es eee vezes de alguns tone Ou esquematiz se eniion ing ante; Evidentemente, tais anéli- ra de arte; nao porque nesta ao exame formal, mas por~ mo busca de um motivo, 4 : 5 , Por natureza, generalizant! “mas No convém esquecer que € o produto d A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 59 uma tendéncia critica destinada justamente a generalizar a com- preensao do fato artistico. Sem essa limitagdo, que anula todos os elementos chamados por Berenson de ilustrativos e sobre os quais se concentra a atengao dos buscadores de “poesia”, seria eviden- temente impossivel justificar o quadro ou a est4tua num plano de valores, segundo um grau de efetiva “utilidade”, que possam ser alcangados igualmente por um mével, um tecido ou uma compo- sig4o tipografica. Por efeito dessa esquematizagao, que a des- personaliza, a obra de arte torna-se acessfvel a todos os compo- nentes de uma sociedade, enquanto participantes de uma condi- g4o cultural comum. Em seguida, o curso preliminar compreendia o estudo parti- cularizado da “natureza”; mas, como a natureza s6 é pensdvel como conjunto, a anélise desenvolvida sobre a estrutura interna ou as qualidades das diversas matérias visavam a deslocar 0 interesse di- rigido 4 natureza como complexo de nogées para a realidade en- quanto desenvolvimento. E claro que a matéria nao pode ser pen- sada como um determinado “objeto”; a percepg4o da matéria em sua singularidade pressupde a superagdo da concepgao do espago como unidade ou homogeneidade (lembremos a idéia-base do espacgo como divisibilidade) e, portanto, a superagao da visao naturalistica. Sendo impossivel dispor as varias matérias como outros tantos “elementares”, objetivamente individualizados, na prdtica esse processo se concretiza mediante a regressao do dado da experiéncia empirica para um grau pré-naturalfstico ou pré- sensorial; qualquer dado de experiéncia, ainda que seja um objeto j4 produzido pela mao humana, retorna ao grau de matéria se for abstraido das costumeiras leis da visao espacial. Eliminando 0 espago como unidade métrica independence da matéria das coisas, e renunciando assim a posig&io de objerividade ou de distanciamento que assumira com essa concepgio do espa- 0, 0 artista entra em contato imediato com a TONS percede-a em sua singularidade, isto &, no fato de ser sla, Ob8CA ote CORNY WALTER GROPIUS E A BAUHAUS 60 duictil ou fridvel, rfgida ou eldstica etc. Todo rente, lisa ou &spera, jogo, a fim de um contato mais pleno ; | entra em jogo, See aia ais profunda na realidade. Essa atitude e de uma agente utilit4ria ou profissional, na medida cee cn é sempre encarada tendo em “s alguma Coisa a ser feita e os meios para fazé-la. Portanto, a matéria nao é algo determinado, com certos contornos e caracteres, mas uma possi- bilidade. De fato, a avaliagao das propriedades da matéria no se dé numa relagao de proporgées, mas na experiéncia conjunta da mao e da ferramenta. A relac4o entre varias matérias depende da di- versidade das sensagdes que elas produzem no agente; e a nova espacialidade que essa relagao determina esta estreitamente liga- da a experiéncia que este adquiriu e adquire operando sobre elas. As pesquisas desenvolvidas na Bauhaus sobre a associagao de di- versas qualidades de superficie (textures) visavam precisamente 4 determinagao de uma nova espacialidade, interna A matéria, varia- vel segundo a associago de materiais diversos, resultante das ten- SOes, atragdes ou repulsées entre eles, O espago € produzido e construido por essas relagGes entre diversas qualidades de maté- ia, do mesmo modo como a associagao de metais diversos produz um salto de potencial elétrico e Provoca o nascimento de uma energia. Como a experiéncia que se tem da Matéria esté sempre per = =) trabalho; essa nore espacialidade € insepardvel do PO" da experiéncia, da familiaridade que se estabelece entre eon eee sobs a qual ele ph Dessa forma, a idéia paso continuo oy on eae constante é substitufda pela ss es- €spago-tempo e esta ja sere eee oe ot mee veladora Petspectiva para Late eee eee . ie a contemplacao da criagdo, mas sim a dimensao do fa: er eter} d é, a dimen zer ou do d i re minar a realida i i e, ISCO 1 S40 do Presente absoluto, A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 61 dos cursos superiores: basta pensar no curso de Klee, que remon- tava a origem da forma explicandoa linha como 0 percurso de um Ponto em movimento e a superficie como 0 produto do movimen- to de uma linha, chegando a figurar a realidade nao como estru- tura espacial definida, mas como transi¢ao ou recuperag4o recf- proca de forgas ativas e passivas; ou o curso de Kandinskij, volta- do para a pesquisa de linhas de tensao, como indicios da consti- tuigao das imagens num espago a parte, resultante da atragdo ou da repulsdo entre linhas e cores. Tipico exemplo dessa concep- ¢40 da forma sao também os estudos sobre as sucessivas posigdes da mo ao tragar um desenho e sobre a influéncia dessas na de- terminagao formal: estudos que nao sé demonstram como se ten- dia a unificar ab origine o processo ideativo, mas também como j4 nao se reconhecia no signo uma representagao ideal, mas sim “alguma coisa” que efetivamente se cumpre ou acontece na rea- lidade. Quando a diregao do curso preparatério passa para Albers e Moholy-Nagy, a didatica essencialmente experimental e formativa instituida por Itten tende a transformar-se numa pesquisa formal mais direta. Permanece e até se desenvolve (embora com incon- testdvel recurso A collage e ao readymade surrealista) o principio de reconhecer a matéria original da arte nas coisas de uso corren- te, justamente naquelas com as quais temos relagdes de mera uti- lidade e que, nunca encaradas como objeto de contemplagao, nao estamos habituados a assumir como determinantes de uma visio espacial: caixas de fésforos, papel de embrulho, laminas de bar- bear, arames, jornais, fragmentos de tecido, tornam-se a nova Urstoff da construgao formal. Também j4 nao se tende a pesquisa mais profunda da matéria para além do espago naturalfstico destrufdo, mas sim a pura dialética de reverter a nogdo na anu- nogao, do espago naturalistico no espago abstrato, do espago ho- mogéneo no espago divisfvel. Veremos como, sobre esse, trans formagao da didética da Bauhaus, influfram no s6 a diregdo Ceo WALTER GROPIUS EB A BAUHAUS a nbém a experiéncia construtiva que Gropius vinha rica, mas (af ; ’ desenvolvendo em sua a “ onan De fato, essa € a fase mais nitidamente Construtivista” da Ye Tato, mais interessantes das experiéng; Bauhaus: es nee por induzir uma espacialidade, - eae - equivalentes hipdteses espaciais (desde ja, nao oe tomar 0 espago senao oe hipdtese), numa sped cie: como, por exemplo, o deseny olvamente e uma forma plasti- ca, de infinitas formas plasticas, a partir da simples superficie de uma folha de papel, mediante uma série de cortes e de dobras, Aparentemente, nada além de um passatempo de jardim-de-in- fancia complicado ao infinito, e supomos que para isso tenha con- corrido a proximidade de um espirito ao mesmo tempo ingénuo e sofisticado como o de Klee, assim como a intengao pedagégica mais direta de investigar as origens primeiras da forma no construtivismo instintivo da crianga, o qual se exerce por livres e sucessivas de- signagGes formais, sem se determinar num problema positivo da realidade e sem que em algum momento a forma se apresente como forma de alguma coisa. Na verdade, esses exercicios formais visa- vam a demonstrar experimentalmente que a superficie, o volume &, em geral, todas as costumeiras categorias da forma nao estao ancoradas na realidade objetiva e podem transmutar-se livremente uma na outra, assumindo valores diversos e determindveis somente em relagdoa vontade Construtiva que as designa; e Por isso s40 a0 mesmo is € ilus6rias, 56 f es nO tempo teais e ilusdrias, s6 sendo Possivel tal distingao por teferéncia a uma Teal; Podendo obter tal ce S40 imaginéria do re: idade externa objetivamente certa. Nao s¢ Tteza, € impossivel indicar na arte a supera- hipotese, da one dominio dela € o da poseibilidede da “oncretude inicial; Pen Problema da matéria perde sue bilidades infinitas; 1 ao J& nao € sendo a dimensao das possi- S€ UM processo ad i i Sens de limite, toda construgao torna- ‘nitum; & sempre uma série ilimitada de for- my mas. Entao are x ae ‘ Producao em série torna-se 0 processo intrinseco A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 63 da ideagao formal e a maquina, o mais direto recurso expressivo do artista: e, sob esse ponto de vista, 0 problema da arquitetura j4 nao é determinével na singularidade dos edificios, mas nur siste- ma produtivo que vai da pré-fabricagdo ao urbanismo. O “desenho” j4 nao é 0 meio grafico com o qual se abstrai a forma a partir da acidental matéria da coisa; “desenho”, no senti- do ativo de “projeto”, é intuigao de relagdes construtivas ou espa- ciais dentro da matéria e por isso j4 nao é um abstrair a realidade pluridimensional em duas dimensées, mas um concretiz4-la em todas as dimensées. Por isso o desenho se liberta da manualidade da agdo grafica, que, como tal, ocorre sempre num espago e num tempo naturalfsticos. Moholy-Nagy, assim como, nos mesmos anos, Man Ray e Eckner, de fato recorre 4 maquina fotogrdfica, que su- postamente pode registrar o puro dado éptico, isento de altera- ges emotivas e de habitos nocionais. Na verdade, a “construgao” ou “desenho”, quando jé nao se trate de uma construgao intelec- tualfstica e, portanto, destinada a compor uma natureza, nao mais se desenvolvera sobre a, mas dentro da percepgao, que, também ela, é ato: por isso, a origem e o desenvolvimento da forma sao buscados no prdprio processo de fotografar ou nos momentos su- cessivos que também compéem a percepgao instantanea. Dai as pesquisas sobre a estrutura formal da percepgao: os sucessivos fotogramas de um corpo em movimento, a impressao direta dos negativos, as fotomontagens, as fotografias com raios R6ntgen ete. Os coroldrios dessa posigéo construtivista so facilmente verificdveis nos varios ramos de atividade da Bauhaus e em sua extensao a todos os atos da existéncia nos quais haja um interesse “visual”, Sendo toda constituigao da realidade em imagem, a n- gor, o produto de uma atividade artistica mais ou menos consciente € organizada, disso se deduz que © mundo s6 obters sua ar ra “forma”, adequada a situagao atual da humanidade, qua todos os processos formativos tiverem sido levados ao mesmo grau ot WALTER GROPIUS BE A BAUHAUS de conseiéncia e organicidade; isto 6, quando tiver sido eliminada a sobrevivéncia dos processos empiricos aos quais nos acostuma- mos e que repetimos por inércia. Em todos os ramos do ensino artistico da Bauhaus, verifica-se © mesmo processo evolutivo das formas do artesanato as da in- duistria. E facil reconhecer, na insisténcia inicial sobre os tipos € os processos da arte popular, uma atitude populista, substancial- mente anéloga dos artistas russos de vanguarda (recorde-se 0 entusiasmo de Antoine Pevsner pela pintura de tradig4o bizantina, de Kandinskij pelos temas decorativos e pelas cores da arte popu- lar, de Chagall pela imagerie dos ex-votos e da pintura esponta- nea). Também na Bauhaus, 0 apelo ao artesanato mais tradicional e folclérico exerce fungao antiburguesa e visa a revalorizagao de um Volksgeist artfstico contra o gosto genericamente cosmopolita das classes burguesas, mas com a intengao de levar para a produ- ¢4o industrial as genuinas forgas criativas e a antiga experiéncia operativa das classes trabalhadoras, reconhecendo-lhes o direito a participar da diregao da produgao. A oficina de mobilidrio, dirigida por Marcel Breuer, é a que experimenta mais diretamente as posigGes tedricas e a evolugdo artistica de Gropius. Entre 1921 e 1925, prevalece o emprego da madeira, e 0 objetivo principal é o de estabelecer uma transigao dos tipos da confecgo artesanal a novos tipos pensados para a confecgao industrial — € ocostumeiro processo da ferramenta a maquina. E certo que a busca da “qualidade” ou determinagao formal da matéria conduz a esquematizacao e tipificagao dos ele- Mentos construtivos; mas a ripa e a madeira maciga permanecem como - motivos dominantes de uma carpintaria que mergulha suas rafzes na tradigdo popular. E evidente a telagdo entre esses méveis pesadamente articulados ea casa Sommerfeld, construfda . por Gropius em 1921. A partir de 1925, contudo, as Pesquisas da oficina de mobiliério voltam-se para tipos concebidos Para a produgo industrial total is te A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 65 mente independentes da tradigdo e da técnica do artesanato. £ jus- tamente de 1925 a primeira cadeira de tubo metélico criada por ae a propria matéria, o tubo metilico, j4 é um produto industrial; nao mais sendo concebivel um processo involutivo, que se realize com a intervengao de uma técnica artesanal sobre um material produzido pela industria, a produgao industrial é agora o nico processo expressivo admitido por esse tipo de criagao. O mével de metal elimina a estatica maciga do mével de ma- deira e a substitui por um conjunto de linhas tensas e curvas elds- ticas, que visam a secundar os movimentos espontaneos do corpo humano. Seu carter é mais grafico do que arquitet6nico; ele nao ocupa um espa¢o, mas trama-se ou se desenha neste; por sua ima- terialidade, mais que uma coisa pousada no espago, € a conjetura de um nosso estar-no-espago. Nao é sendo um encontro de coor- denadas, um lugar ou sitio espacial abstrato que a presenga da pessoa humana tornar4 vivo e concreto. Ocorre-nos que até mes- mo sua possibilidade de dobrar-se, desaparecer, reencaixar-se no vazio, nao depende tanto de uma efetiva oportunidade pratica quanto da secreta persuasao de que esse objeto s6 existe quando é usado, de que ele comega e acaba junto com certos atos da nossa vida. Breuer dizia jocosamente que, de progresso em progresso, acabaremos sentando-nos em esguichos de ar; 0 sentido oculto, a metafisica que se esconde sob a racionalidade desses esqueletos metialicos é toda uma pesquisa dos ligamentos invisiveis que nos suspendem no espago como estranhas marionetes que, em vez de moverem-se num cenério fixo, movem com a trago de seus fios o proprio cendrio em que agem. Nao se trata mais de passar da matéria a forma; como © ponto de partida j4 € uma forma (0 tubo metélico), 0 processo € construr ao formal: da unidade a complexidade, por meio de projegoes Su cessivas. E, por esse caminho, o mével se reintegra a erquitetura, nao mais entendida como representagio estatica e plistica de um espago definido, mas como dimensio das infinitas possibilidades da vida. WALTER GROPIUS EA BAUHAUS Observa-se a mesma evolug’o no tratamento da cermica, que rmas artesanais e popularescas, pole- micamente contrapostas a superfluidade e 4 complicagao dos ti- pos prediletos do gosto burgués, para chegar & determinag4o de formas simples para a produg4o em série. E andlogo 0 desenvolvi- mento da oficina de metais, que no infcio acerta 0 passo com oO programa do Werkbund (interpretagao da matéria através de uten- sflios e de técnica), mas, num segundo momento, agora confiada 4 orientagio de Moholy-Nagy, muda rapidamente de diregao; abandonam-se os metais preciosos ¢ o trabalho manual, polariza- se o estudo sobre o trabalho industrial do ago cromado, do alumi- nio, do niquel, sobretudo em relag4o aos equipamentos de ilumi- nag¢ao. Muitissimos tipos de difusores e de lampadas de mesa, es- tudados durante aqueles anos na Bauhaus, foram adotados pela indGstria e entraram no uso comum: nossos costumes no emprego parte da revalorizag4o de fo! da luz decorrem em grande parte das idéias da Bauhaus. Pela pri- meira vez, uma lampada n4o é concebida como um complicado objeto ornamental que incidentalmente serve para produzir luz, mas sim como a solugdo objetiva de um problema cujos dados sao uma fonte luminosa e um ambiente a ser iluminado. Ambos os dados so Sbvios, mas provavelmente teria sido dificil especificé- los se no se tivesse refletido sobre a relaco espacial existente entre urna fonte de luz ¢ uma 4rea a iluminar. De fato, somente a tipologia formal da nova arquitetura, com suas leves e claras paredes pen- sadas como telas méveis ou como diafragmas num espago conti- nuo, podia sugerir o desejo de uma difusao uniforme e sem som- bras fortes, quase urna saturag4o lurninosa do ambiente; assim como anys as oa paniet € a0 teto uma fung4o iluminante, en- anto superficies refletoras, Dess, luminosa — ¢ nao h4 cian : ae eae concha, em cilindros concéntri Whar. ae : oh phen Cos pretendem ser uma “forma” da em estabel lecer- undo saberia definir de outro modo cerae uanapeloate ae senZo como “de construgao”, A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 67 Seen ae O para chegar a uma identificagao ab- soluta entre luz e espago. Creio nao estar enganado ao atribuir a origem desse pensa- Ten construtivo sobre a luz ao proprio Gropius, que j4 em 1923 imaginava, para seu esttidio em Weimar, um sistema de tubos difusores orientados em diregSes opostas, correspondentes a dis- tribuigdo dos méveis e dos vaos livres. is eeolee da Bauhaus para um ideal de perfeita unidade ou “integragao” formal segue-se facilmente na decoragao mural. No injcio, a personalidade dominante é Oskar Schlemmer, um artista que sofreu a influéncia de Seurat e cubistas e a quem se deve uma curiosa teoria formal, o “compressionismo”. Na Bauhaus de Weimar, Schlemmer imaginou uma série de decora- ges murais em estuque e em pintura. Seu objetivo é 0 de “com- primir” na parede um espa¢o equivalente ao do ambiente, criando assim superficies capazes de compensar ou preencher o vazio deste. Trata-se de estabelecer uma identidade entre cheio e va- zio, entre espago real e espago figurado; de supor uma espacia- lidade continua, ilimitada, eldstica, adesiva, premente como um fluido no qual as pessoas se movem como peixes na 4gua. Dado que, em semelhante espago, nao é possivel distinguir superficies e volumes, pois falta a distancia 6tica e mental para a objetiva- go e a classificagao dos valores, postula-se a priori a identidade entre forma e cor. A parede é sempre uma perspectiva, Ou me- lhor, uma dupla perspectiva, uma tela na qual se projetam e se impregnam as profundidades que supomos aquém ¢ além: € um processo caracterfstico daquela progressiva anulagio do finito espacial, propria da Bauhaus e, em outras palavras, da arquite- tura de Gropius. Temos uma prova disso nos exercicios didaacos que se realizavam sobre a equivaléncia forma-con por exemplo, dado um certo contorno, recobrir uniformemente essa Area com a cor considerada mais adequada para “preenché-la”, E A BAUHAUS xn WALTER GROPIUS Embora engenhosas € sutis, as pesquisas de Schlemmer no campo da decoragao mural ainda sao uma luta contra o dado material; a decoragao se sobrepoe a parede, pretenid anulé-la ou subjugé-la, mas ainda a admite como limite extrinseco. Na Bauhaus de Dessau, por sugestao direta d para outras questoes, aparentemente mais banais: novos tipos de papéis de parede, absolutamente privados de elementos figurati- vos e cujo valor consiste exclusivamente na qualidade de superfi- cie, na “tessitura” ou na “granulosidade” da matéria. Também es- ses tipos, que em sua extrema simplicidade eram portadores das novas idéias espaciais, foram adotados pela indiistria e difundidos em vastissima escala. E indtil dizer que eles sao realizdveis exclu- je Gropius, os estudos se voltam sivamente por meios industriais; mais uma vez, contudo, a passa- gem do tipo artesanal ao tipo industrial pressupde um novo pro- cesso ideativo, facilmente reconhecivel como um processo de integragao ou de indug’o da forma — ou de um “desenho” — na matéria. Disso resulta uma nova matéria, absolutamente livre de referéncias naturalisticas, que nao é tecido, reboco, estuque ou pintura, mas ainda assim implica, sintetiza e supera todas essas diversas experiéncias formais e técnicas. Também é interessante observar que, para a determinagao desses novos tipos de revestimento de paredes, concorreram indubitavelmente as experiéncias que se vinham realizando no campo da iluminagao. De fato, na qualidade plastica da superfi- cle, em suas caracteristicas tacteis, esté implicita uma designagao espacial, quase uma profundidade e uma plastica “comprimidas” sobre o plano; e, como essa profundidade e essa plasticidade “in- tegradas” 3 {ci 6 a superficie representavam originariamente diversas ee fisicas de expansao ou de contengao da luz, a quali- a ie ; = . —_ ou téctil do revestimento é sempre transferivel a uma le fatos luminosos e avalidvel como grau de sensibilidade OU reativ: idade a luz. A qual, Portanto, é concebida como identi- ficada e i quase fisicamente amalgamada as paredes, que a absor- A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 69 vem, refletem-na, difundem- na e a refratam; e, assim como a luz tende a tornar- Se estrutura espacial, a arquitetura tende a resol- ver-se em volumes luminosos. O processo evolutivo do ensino de tecelagem repete o da de- coragao mural. Primeiro, assistimos a uma colocagao do problema em termos de artesanato: a pintura se sobrepée ao tecido, evo- cando esquemas popularescos que, como na ceramica, tendem a reafirmar 0 gosto genuino pelas cores vivas e pelas formas nitidas contra 0 vicioso gosto corrente pelas cores neutras, evanescentes, esfumadas. Como essa tendéncia remetia 0 tecido a uma esfera muito préxima 4 da pintura, que, precisamente em contraste com aquele gosto, buscava formas violentas e cores acesas, vemos re- fletirem-se nos tecidos os motivos de Kandinskij, de Klee, do cubismo. Comega-se a combinar as cores segundo um sentido e um ritmo espaciais. Essa espacialidade “induzida”, 4 matéria se integra e a modifica; assim, encontramo-nos diante j4 nao de uma matéria naturalfstica que exige ser assumida como forma, mas de uma mera conjetura ou hipétese de “matéria espacial” que sé exi- ge ser materialmente executada. O processo de integragao do es- paco na matéria acontece na concep¢ao; a matéria j4 é uma for- ma; 0 processo produtivo nao pode ser mais do que um processo mecAnico de estampagem e multiplicagao da forma concebida. Do objeto definido, no qual a matéria do tecido e da cor se organiza- va em tapete, xale etc., passa-se assim a pega de fazenda, & ete ria que traz em si, integrado 4 propria qualidade, seu proprio de- senho” que, contudo, agora s6 pode ser reconhecivel na oat ou no agrupamento de fios. Da matéria original passou-se aquela em vez de forma, “matéria formal”. Tam- modelos que influenciaram produgao téxtil. publicidade, do teatro, & fera de influéncia sobre os de introdusir na vida que poderfamos chamar, bém nesse campo a Bauhaus criou profundamente 0 desenvolvimento da Com a reforma da tipografia, da Bauhaus amplia ilimitadamente sua es} sos € costumes sociais; nao se traca apenas nw WALTER GROPIUS FA BAUHAUS cotidiana, através de objetos de uso comum, um senso mais preci- so da forma e, portanto, uma consciéncia mais lticida da realida- de, mas também de identificar e potencializar os centros da sensi- bilidade do homem social. Na tipografia, a renovagao se estende da forma dos caracteres } arquitetura da pagina e do livro. Nitidos caracteres lineares, extremamente simplificados, reduzidos a uma combinagao de re- tas e cfrculos ou semicirculos, uniformemente espagados, tomam © lugar das intricadas letras géticas e das barrigudas letras latinas feitas em claro-escuro. O emprego de um caractere tinico, que varia somente no “corpo”, é regra constante; elimina-se até o uso de maitisculas. Salta aos olhos a analogia estilfstica entre o desenho dos novos caracteres e 0 perfil dos novos méveis metilicos; eu ousaria dizer que os caracteres esto na pagina como esses méveis na arquitetura. Eles sao os elementos de uma composigado espa- cial, a pagina. A arte do paginador consiste em induzir ou integrar uma espacialidade na superficie da folha. Nao se trata de uma espacialidade ilus6ria que se superpde a superficie; como sempre ocorre na estilistica da Bauhaus, a espacialidade nao é iluséria (porque ilusio é sempre superagao de um dado objetivo), mas sim conjetural ou hipotética. Entre a superficie da pAgina e a espacialidade da composigao tipogréfica nao ha contradigao, assim como nao pode haver contradigao entre o plano da lousa e um sdlido geométrico representado sobre ela. Daf a liberdade mais absoluta dos esquemas Ccompositivos. A pagina tipografica é um meio pelo qual apreendemos fatos e conceitos independentes da forma dos sinais com os quais eles ~Sasat moeppaidsh ame te revolucionéria, de Shien a i do pedie A pégina Same 4 : aistas e surrealistas); 6 absur- Ceitos escritos nela; s6 se pode Pad a oo eer méxima clareza visual, fied re ans Pome pRaNs ne a leitura estd ligada a percepgao s6 aparentemen- A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 71 mecca ee cmttenre om i sal : plicada 4 compreensao do texto é a pagina escrita; esta é o instrumento que nos poe em contato com aquela Outra realidade escondida, o texto, que constitui nosso interesse imediato. A pagina é 0 espago, a dimensao, a condigao ou a forma da realidade em que ocorre esse ato essencial do ho- mem civilizado que é a leitura; a nitidezea ordem desse espago, a propriedade dessa forma sao as condig6es da plenitude e da vali- dade desse ato. Em sintese: durante séculos, os caracteres de im- prensa foram pensados em fungao da “escrita”, quase como rema- te epigrafico da obra literdria; agora, eles sao pensados em fungao da “leitura”, como um instrumento do leitor O mesmo aconteceu com a arquitetura: antes, ela estava em fungao do arquiteto cria- dor, na condigao de intérprete das supremas abstracoes religiosas e politicas; agora, esté em fungao do homem que nela habita, como instrumento da existéncia dele. O novo estilo publicitdrio talvez seja o tinico terreno sobre o qual a Bauhaus aceita 0 jogo polémico. Nele se retinem as expe- riéncias feitas nos campos cénico, fotografico, tipografico; e re- percutem com mais evidéncia certos temas e motivos de movi- mentos artfsticos contemporaneos como o surrealismo, inteiramen- te estranhos ou apenas marginais ao programa da Bauhaus. Os car- tazes publicitarios tradicionais cultivavam a mais estagnada inér- cia mental e a mais rasa imbecilidade do publico: vinhetas, as quais se pensava conferir maior capacidade impressiva recorrendo ao grosseiro expediente da caricatura. Aqui, ao contrério, chama-se a atengao mediante a evidéncia imediata de um elemento objet- vo (figura, fotografia, letras garrafais), quase sempre construido num espago irreal que 0 isola e o impoe A percepgao, imprimindo- ona memoria. As propostas da Bauhaus para uma nova fungao do teatro se encaixam no quadro de uma crise, cujos primeiros sinromas e montam ao fim do século XIX. A histdria do teatro esti ligada * WALTER GROPIUS E A BAUHAUS histéria da arte figurativa por um conjunto de relagbes que vai muito além da simples cenogr afia. A partir do Renascimento, tea- tro é pintura falada, pintura € teatro mudo; a Dare do teatro e da dintura é a ficgdo, o mundo do possivel. A crise do teatro, assim como a da pintura, comega com a cisdo entre o possfvel e 0 veros- simil; este permanece como objetivo supremo, enquanto 0 possf- vel nao € sendo o prolongamento do verdadeiro na imaginagao; se, a0 contrério, o possivel for pensado como 0 oposto do real, como ndo-ser oposto ao ser, o inverossimil é a forma prépria do possivel. Na medida em que se perde a certeza de uma realidade objetiva, a propria existéncia humana torna-se uma continua projegdo no possivel. Supondo-nos nas situagdes mais absurdas, colocando-nos por hipdtese nas conjunturas mais inverossimeis, rompemos 0 in- volucro das nogées habituais ou convencionais, saimos da paisa- gem naturalista que essas nogdes compdem ao nosso redor, obte- mos uma representagao extremamente viva e icOnica de nossa real situagao no mundo, da inacreditavel seqiiéncia de acasos, de con- tradigdes, de absurdos, de equivocos, de paradoxos com os quais, na verdade, se entremeia continua e imprevisivelmente a nossa existéncia. Todo o nosso ser, em sua cronica interna e externa, com seu secreto mundo inconsciente, ird refletir-se no ritmo do espe- taculo. Por isso as Tepresentagées do circo, do teatro de varieda- des, do balé, com seu séquito de imagens ao mesmo tempo banais e absurdas, idiotas e paradoxais, com sua franca e rasteira fisicidade, isbgece ce assumem uma se eid teatro dito profundo. Nao é de . ieee : oe oe a de uma crise dramatica taenamacs ae an = crencialmente na comicidade; €s0n, justamente naqueles anos, ‘obre a comicidade enquanto incidente, um ritmo “normal”, mas também enquanto a Problemética das relagdes entre o mundo al. Ainda que se insista na tecla da dor ou da Tuptura imprevisivel de A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 3 angtistia, osom que daf provém éo “grotesco trdgico” (exemplo:0 filme expressionista O gabinete do dr. Caligari, que realiza exata- mente 0 mesmo imprevisto de comicidade, embora num Tegistro emocional oposto). Naturalmente, esses problemas nao nascem na Bauhaus. Quem recordar o tom draméatico a Victor Hugo, de muitas pinturas de Delacroix, ou, em plano inferior, o paralelismo entre naturalismo pict6rico eo teatro verista do fim do século XIX, nao tera dificuldade em reconhecer que os primeiros indfcios de mudanga nas tradicionais telagdes entre teatro e pintura, com o deslocamento do dominio da “ficgao” naturalista para o dominio da realidade formal, j4 podem ser notados no interesse com que Os pintores modernos encaram 0 circo e o balé; comegando pelos toureiros e pela Lola de Valence, de Manet, pelas bailarinas, de Degas, pelas cangonetistas, de Toulouse-Lautrec, para chegar as amazo- nas, de Seurat e aos arlequins, de Picasso. Depois viera o tempo dos balés russos, dos “pintores no teatro”, da revolugao cubista no cenfrio e nos figurinos, da identidade entre cendrio, coreografia e miisica. O cinema introduzira uma nova idéia de espago cénico: o espago-fungao; e a propria objetividade perceptiva desse veiculo, sua imparcialidade no registro da série emotiva das imagens, leva ao mesmo tempo ao realismo (cinema americano) e 4 abstragao formal (Survage, Eggeling, Ruttmann). Mais de um motivo do teatro “sintético, atécnico, alégico, ir- real”, teorizado pelo futurismo italiano, entra na concepgao céni- ca da Bauhaus. O teatro total funde todos os tipos de espetaculo, envolve o espectador na agao, submete-o a uma violenta descar- ga de emogées, libera suas energias interiores e, pelo menos na intengao, fortifica sua capacidade de percep¢ao, sue sen de viver. Personagens, movimento, miisica, luzes, cores tema mess gram num organismo VIVO, NUM espago ant= oro. Schlemmer € 0 idealizador de uma 0 espago eénico como produro do movi> “construgiio” que se realiza e da qual importancia e se inte mado, colorido, son cenotécnica que assume mento e do ritmo, como uma " WALTER GROPIUS B A BAUHAUS os priprios espectadores participam; também os personagens tor- nam-se “formas espaciais”, a luz se projeta em formas sucessivas e prementes, cada designagao formal atinge uma sensibilidade ex- posta e determina reag6es imediatas. Os figurinos teatrais de Schlemmer, que fazem do personagem uma forma espacial em movimento, parecem inspirados nas foto- grtafias estrobosc6picas, que fixam numa tinica imagem as sucessi- vas situagdes de um corpo em movimento; 0 personagem se inte- gra ao cenario, determina o espago deste no decorrer do préprio gesto ritmico. Vale a pena perguntar-se por que, afinal, depois de despojar o teatro de sua antiga fungao moralista e didatica, se quer submeter 0 espectador a esse bombardeio de sensagdes; e por que se busca, com tanto empenho, “intensificar” a existéncia. A resposta € 6b- via: por existirem forgas que, agindo em sentido contrério, empo- brecem e mortificam a existéncia. E estas sao representadas pelo trabalho mecAnico, repetitivo, da indtstria. Evidentemente, pode- se objetar que esse tratamento desintoxicante nao elimina a causa do mal; e que esta s6 poderé ser eliminada restituindo-se ao traba- lho um caréter socialmente ativo, mediante a participagdo direta das mestrangas na iniciativa da produgao. Mas 0 remédio, embora nao elimine o mal, indiretamente o denuncia, nao se podia exigir mais do que isso de homens que eram os expoentes do capitalis- mo mais iluminado e avancado, mas, ainda assim, capitalismo. Com os objetivos Sociais, também a estrutura arquitet6nica do Co € atores. Sobre isso, basta lembra por Weininger, o teatro em forma de © ‘teatro total” idealizado Por Gro; F 0 teatro esférico projetado Uestudado por Farkas Molnar, Pius para Piscator. A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 15 As experiéncias realizadas no ¢: ‘ampo teatral e no campo. pu- blicitario convergem Para um nov. : a © ramo da arquitetura: a apre- sentagao de exposigées. Hoje, estamos tao habituados as surpre- sas dessa arquitetura publicitdria que dificilmente nos damos con- ta de que ela se baseia numa nova concepgao da relagao entre coisa e espaco. Aqui, 0 objeto jé nao “pousa” no espaco, mas se move, multiplica-se, age; no mesmo ambiente, criam-se Perspectivas miltiplas, cruzadas, cada uma das quais conduz a um fato diferen- te; a arquitetura é moldada pela necessidade de sugerir horizontes sempre diversos, de desaparecer ou de transformar-se de repente em objeto, em escrita, em chamamento; de afastar de sia atengao do visitante para polarizd-la sobre os fatos formais suscitados como por encanto. E também nova a relagao que se cria entre essa ar- quitetura proteiforme e transformista e seu habitante Provisério; porque o ambiente condiciona diretamente a existéncia do espec- tador, compromete-o, constrange-o a renunciar as suas nogdes espaciais de sempre, obriga-o a um estado de tensao mental, defi- ne imperativamente os objetos do interesse dele. Trata-se agora de um espago, no sentido mais preciso do termo, que se constréi com a propria vida, e que satisfaz imediatamente, com uma pe- remptéria clareza de formas, as excitagdes emocionais que ele mesmo solicita. A arquitetura é 0 vértice para 0 qual concorrem todas as ex- periéncias artfsticas da Bauhaus: é construgao absoluta, fora da construtividade intrinseca do espirito. J4 dissemos que ela nao tem fins préticos, porque 0 momento pratico ja nao é sppeesiel do momento tedrico, e a propria racionalidade nao tem exgresena ay do ato; pelo contrario, é liberagao em relagaoa pratica. “A air os consideram um prinefpio fundamental, na ma fungao clarificadora. A liberagao da ar fusiio da ornamentagao, & relevancia dada adogiio de solugdes concisas & econdmi- nalizagao, que muit realidade é apenas u quitetura diante da pro’ As fungGes estruturais, @ i) WALTER GROPIUS E A BAUHAUS uramente material do processo formal o da nova arquitetura.” Até a beleza © uma conseqiiéncia pratica da forma; de fato, um dos caracteres “ » secundarios da arquitetura éode corresponder com um “prazer ‘ de transformar a necessidade prati- cas representam 0 aspecto P de que depende o valor pritic estético A urgéncia da pratica, ; ca num desejo de clareza formal, de satisfazer com a “representa- ¢G0” as instdncias da “vontade””. Junto ao problema da pratica, resolve-se e elimina-se na ar- quitetura o problema da realidade empfrica ou da natureza; abre- se, como dimensio racional da vida racional, “uma nova visao do espago”. “Se construir € principalmente uma questao de métodos e de materiais, a arquitetura implica a posse do espago.” A distin- cdo entre construgao e arquitetura, como técnica e ideagao for- mal, é apenas aparente, dado que, nao podendo construir-se se- nao no espago, a construgao é determinagao da idéia espacial; mas é importante que a “viséo” seja uma “posse”, um efetivo estar-no- espago, um querer 0 espago. “Nés queremos que 0 organismo arquitet6nico nasga claro, nu e luminoso por uma lei interna sua, sem mentiras e artificios; que ele faga seu o mundo das maquinas, do rddio e dos automéveis; que manifeste funcionalmente seu sentido e seu propésito através da tensao interna e reciproca de suas massas e recuse tudo aquilo que ele pode dispensar e que esconde a forma absoluta do edifi- cio.” O mundo que a arquitetura faz seu nao é imével, natureza ae mas 0 mundo vivo e mével da sociedade. Nessa realidade, infinitamente mais ampla, ivel, j4 na 0 “senso de sivas ines deen ERE a iga forma arquitetonica”; “comega a delinear-se uma nova estdtica das ho- ee: que tenta contrabalangar a forga da gravidade”. J4 nao pamper assimétrico e ritmico”; “o novo ‘a nies eee ie bandeira a Superagao da inércia e ie és alae en sil ‘Omposigao das antiteses”. A PEDAGOGIA FORMAL DA BAUHAUS 77 Entre os muitos discursos, manifestos, programas e polémicas sobre a arquitetura moderna, € dificil encontrar Palavras mais cla- ras. Nao se opée por mero espirito de contradigéo uma dinamica da nova arquitetura A estdtica da antiga; mas ainda uma estatica, que ultrapassa 0 caso particular da forga da gravidade tradicional- mente expressa pelas verticais e se estende até compreender ou- tras séries de forgas, j4 nao redutiveis A Oposigao entre peso e empuxo, mas verific4veis na tensio interna e reciproca das mas- sas. O princfpio da simetria e do eixo central é substitufdo pelo principio da pluralidade de eixos e centros de equilfbrio; a recf- proca compensagao das “proporgées”, pela continuidade do rit- mo; a arquitetura das antiteses (peso-empuxo; vazio-cheio; hori- zontal-vertical), por uma arquitetura unitdria, sucessiva e conti- nua como a prdpria realidade. Para tomar consciéncia do nosso ser, j4 nao € necessdrio opor-lhe a idéia do nao-ser; nds somos, e isso € tudo. (No m4ximo, a questo que se apresenta é saber se esse nosso ser nao € também um nao-ser; e o nosso anseio por uma nova realidade, mais um modo de sair da realidade.) Das premissas formais, desce-se aos corolarios construtivos. As paredes j4 nao sdo elementos portantes, cuja situagao corres- ponda a identificagdo das forgas da gravidade, mas somente dia- fragmas que escandem e retalham 0 espago, determinando-o com telagdo ao principio de movimento que 0 gera, a0 momento da vida que se desenvolve. As janelas j4 nao sao yanias eatin: numa massa, a qual elas se contrapdem; vazio € cheio sao igual- mente elementos da realidade, entre os quais nao pode haver an- titese. Nao sao sequer separaveis, um cheio pode tornar-se figura- tivamente um vazio e vice-versa: 0 ideal formal da aes aaa 7 tura é a grande vidraga, que € ao mesmo tempo gat 5 ca “aes perficie e profundidade, exterior sre te Ce a ar”. tuar entre parede e parede com a impony annneieiill Jé nfo sendo possfvel nenhuma distingaio de a aula es go € tempo se identificam na arquiterura, como s WALTER GROPIUS EB A BAUHAUS tificado na filosofia fenomenoldgica ena fisica einsteiniana. Espago éncia, dimensao da vida consciente em seu os instantes da vida nao sao isécronos s variam de intensidade e de duragao, diversas segundo o ritmo de nossa existéncia, cada fragdo do espago tem uma extensao e uma dura- cdo varidveis segundo a intensidade e a diregdo da agao que Co por ele. Também pelo fato de a arquitetura acontecer na aueSSeo ou no movimento, nenhum dos elementos, por estarem circuns- critos no espago e no tempo varidveis da fungao, pode prever ou- tro elemento ao qual se contrapor. Ademais, uma tal contraposigao pressuporia uma determinagao formal que os elementos isolados nao possuem a priori, mas conquistam na “construgao” (lembre- mos como a silhuetagem classica dosava em cada elemento uma certa e invaridvel “quantidade” espacial). Nao mais possuindo essa é construgéo da consci desenrolar-se: assim como como os de um péndulo, ma tém extensao e profundidade determinagao formal, os elementos isolados j4 nao sao qualificaveis, exceto a posteriori, como massas, planos, volumes, isto €, como componentes de espago. O espaco nao € o dado, mas o resultado da arquitetura, cujo processo é justamente aquele que vai da uni- dade ao todo espacial por meio do movimento. Mas 0 que é a unidade de espago, e como se determina? A uni- dade-base da arquitetura é a forma tfpica, padronizada, o elemen- to pré-fabricado. Na ideagao e na produgao dos elementos cons- trutivos pré-fabricados, esgota-se totalmente a relagdo entre ma- téria € técnica, porque o processo mecAnico da indistria repete o Processo mental que vai da matéria A forma. Desse modo € que a complexa e multiforme experiéncia do artesanato, exa que é sempre experiéncia da matéria, alcanga o limiar da pura construtividade. de uma equagao jé é uma entidade mate- de valor que ganhard concretude numé- 0 elemento pré-fabricado nao € matéria, | ouuma designagao de valor que ganha- ugao. Por meio da pré-fabricagao, a arqui- Assim comoa incégnita méatica, uma designagao Nica na solugdo, também mas urna entidade formal 14 concretude na constr

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