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Universidade Federal Fluminense.

Faculdade de Direito.
Campus Macaé.
2010/01

Análise Jurisprudencial
Transfusão Sanguínea em praticantes da seita
“Testemunhos de Jeová”
Avaliação complementar para composição da nota da primeira prova referente á disciplina
de Teoria Geral do Direito Privado.

Alunas: Caroline Alves da Silva Mendes.


Jéssica Etiele de Souza.

Professor: Rafael Viola.

Macaé – Rj
Análise jurisprudencial
Poder Judiciário do Rio de Janeiro
Agravo de instrumento N* 2004.002.13229
Tribunal de Justiça
Décima Oitava Câmara Cível
Registrado em 23/02/2005

O referido acórdão foi anexado ao fim deste trabalho de análise para melhor facilitar a
compreensão do mesmo.
As partes destacadas em negrito constituem trechos do documento original, sendo o restante
comentário das autoras deste trabalho assim como informações consideradas relevantes para a
realização das mesmas.

A Tutela Antecipada foi dada á requerimento do Ministério Público para a realização


da transfusão. A outra parte alegava convicções religiosas e os riscos envolvidos no
procedimento para pleitear a decisão contrária. A Falta da Transfusão caracterizava
risco eminente.

As Testemunhas de Jeová acreditam que a alma é o sangue por isso não admitem a
transfusão de sangue, alegando que não se pode passar a alma para outra pessoa, pois a
pessoa estaria desobedecendo ao mandamento de amar a Deus com toda a alma.
Entendem que esta proibição foi dada à humanidade em geral visto que foi
transmitida por Deus por meio de versículos bíblicos dos quais podemos destacar:

Gênesis 9:3-5 : "Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo
isto, como vos dei a erva verde. Somente não comereis carne com a sua alma, com seu
sangue. Eu pedirei conta de vosso sangue, por causa de vossas almas, a todo animal; e ao
homem que matar o seu irmão, pedirei conta da alma do homem."

Levítico 7:26, 27 : "E não deveis comer nenhum sangue em qualquer dos lugares em
que morardes, quer seja de ave quer de animal. Toda alma que comer qualquer sangue,
esta alma terá de ser decepada do seu povo."

Sendo assim, pela sua crença deve-se oebedecer a “lei sagrada” mesmo em casos em
que se corra risco de perder sua vida.
Os familiares recusavam o procedimento. Foi questionado se havia algum tratamento
alternativo á transfusão sanguínea ao qual a paciente pudesse ser submetida. Sendo
declarado que não havia tratamento alternativo COM MAIOR EFICÁCIA E COM
MENOS RISCO À PACIENTE que a hemotransfusão pelo qual a paciente
sobreviveria em boas condições quando em resposta ao tratamento.

Embora nao mais eficazess e com menores riscos, existem sim alternativas à
hemotransfusão como: a transfusão autóloga, a hemodiluição normovolêmica, a reposição
dos substratos necessários à hematopoiese ou o uso do chamado “sangue artificial”; Que, na
maioria dos casos, também podem substituir de maneira satisfatória o procedimento.

Na lição de Nelson Nery Junior citada na referida jurisprudência quando há choque


de direitos fundamentais como a vida e a liberdade ( como no caso ) , a opção do
legislador é a de prestigiar a vida que corre perigo. A predominância do valor norteia
a ação de quem de se encontra, por dever legal, na contingência de proceder
manobras médicas para salvar o que carece de tratamento médico ou intervenção
cirúrgica imediata. (Código Civil Anotado, 2* edição , Revolução dos Tribunais, 2003,
página 160 ) .

Também podemos embasar a decisão de concessão da tutela antecipada pelo


Legislador no Artigo 11 do Código Civil de 2002 que diz “ Com exceção dos casos
previstos em Lei, os Direitos da personalidade ( dos quais a vida também faz parte ) são
intransmissíveis e irrenunciáveis não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”
O que também é abordado, de maneira semelhante, no Artigo 5º, VIII, da Constituição da
República Federativa do Brasil onde lê-se : “Ninguém será privado de direitos por motivo
de crença religiosa ou de convicção política ou filosófica, salvo se invocar para exprimir-se
de obrigação legal a todos imposta e recusar-se cumprir prestação alternativa, fixada em
lei.”

O risco de do tratamento efetivado é considerado remoto e se houver não será da vida,


mas da saúde e mesmo assim não será iminente como foi referido pela prova dos
autos.

Portanto, baseado nas informações anteriores dói concedida a tutela antecipada de


realizada á transfusão, prevalecendo a vida sobre a liberdade até por que não foi a agravante
que manifestou a recusa ao tratamento mas sim, seus familiares. Rejeitaram-se também as
preliminares e foi negado o provimento de recurso. ( Decisão tomada pelo Desembargador
Carlos Eduardo da Fonseca Passos )

O Des. Marco Antônio Ibrahim, voto vencido no caso, divergiu da concessão da


Tutela Antecipada devido aos motivos que serão comentados abaixo, os quais podem ser
lidos na jurisprudência anexada á este trabalho.
Segundo ele, a própria paciente manifestou de maneira lúcida e consciente a recusa ao
tratamento proposto levando em conta não apenas as questões religiosas mas também
os riscos envolvidos no procedimento. E segundo consta, a mesma autorizou a
realização de tratamentos com menores riscos de contaminação. E apenas diante desta
manifestação de vontade da própria agravante que os familiares desautorizaram a
terapia transfusional.

É norma que cada Testemunha de Jeová, desde que seja um membro batizado,
adulto ou menor maduro, traga sempre consigo um documento de identificação onde está
exposta a sua clara recusa em receber sangue total ou qualquer um dos seus quatro
componentes principais, bem como a sua recusa em usar procedimentos clínicos que
incluam o armazenamento de sangue para posterior infusão.

E, de acordo com o Art. 17 do Estatuto do Idoso:

“Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito
de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.

Parágrafo único: Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será
feita: II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser
contactado em tempo hábil”.

Segundo o Des. Marco Antonio a decisão golpeou fundo a dignidade humana da


paciente que tem direito legal e constitucionalmente garantido, a se recusar a receber
o referido tratamento.

A dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso Estado de Direito


Democrático e Social, estando esta ao lado do direito à vida e dos demais direitos
constitucionais de modo a nos fazer entender que nenhum direito é absoluto ou basta por si
só sendo a dignidade da pessoa humana um dos preceitos aplicados ao direito á vida
levando-nos á concluir que o direito consiste sim em se ter uma vida digna.

"Situada à frente de todos os direitos fundamentais, a dignidade humana lhes serve de


alicerce e informa seu conteúdo, convertendo-se na fonte ética que confere unidade de
sentido, valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais”.

CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo,


IBCCRIM, 2001. p. 113.

Não apenas baseada em preceitos religiosos a agravante e seus familiares insurgem


contra o tratamento que, sabidamente traz altos riscos de contaminação.

As transfusões não são uma prática médica isenta de riscos, sendo que a decisão do
uso do sangue é tomada pelos médicos quando acreditam que os benefícios são maiores que
o riscos. Entre as complicações há : falha humana, falta de controle de qualidade, hemólise
e contaminação.
Entre as doenças e infecções passíveis de transmissão constam : hepatite, Aids,
citomegalovírus, hemocromatose secundária e sensibilização, entre outras.

Segundo dados da anvisa, em 2005 foram notificados 3 óbitos, 5 casos de


contaminaçao bacteriana, 1 relativo a doenças transmissíveis e 15 provenientes de reaçao
hemolítica aguda imunológica todos fruto de procedimentos transfusionais sanguíneos no
país.

(http://www.anvisa.gov.br/sangue/hemovigilancia/boletim_hemo_2009.pdf)

E, caso ainda existisse alguma dúvida quanto á este direito considerado evidente pelo
desembargador que seja visto o que determina o novo Códico Civil em seu artigo 15.

Este diz que: Ninguém pode ser constransgido a submeter-se com risco de vida a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Sendo isto nada menos que a expressão legal de um dos direitos da personalidade os
quais apenas cessam-se com a morte encefálica do indivíduo.

Segundo o desembargadorMarco Antonio Ibrahim, mesmo ao ler e reler os autos ele


não encontrou nenhuma prova convincente do imediato risco de morte da paciente e
comentou que a resposta dada sobre as possibilidades de terapias alternativas foi vaga
ao dizer que não há outra terapia mais eficaz.. ou seja há alternativas.

Alternativas já foram apresentadas acima.

(Página 02)

Também foi citada a posiçao do Conselho Regional de Medicina perante ao caso.

Este se manifestou, em 26 de setembro, através de uma resolução N*. 1021/80,


especificamente sobre a questão da transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová e
concluiu que se não houver perigo iminente de vida, o médico respeitará a vontade do
paciente ou de seus responsáveis. Não podendo proceder de maneira contrária, a qual lhe é
vedada pelo disposto no Artigo 32. Letra “F” do Código de Ética Médica:

"Não é permitido ao médico: exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do


paciente resolver sobre sua pessoa e seu bem-estar".

Porém há de se ressalvar que, caso haja risco de morte o médico realizará a


hemotransfusão independente do consentimento dos mesmos. Segundo o que é dito no
Código de Ética Médica nos seguintes artigos:
Artigo 1 – “A medicina é uma profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem
preocupações de ordem religiosa".

Artigo 30 – “O alvo de toda a atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá


agir com o máximo de zelo e melhor de sua capacidade profissional".

Artigo 19 – “O médico, salvo o caso de iminente perigo de vida, não praticará


intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente e,
tratando-se de menor incapaz, de seu representante legal”.

Por outro lado, ao praticar a transfusão de sangue, na circunstância em causa, não


estará o médico violando o direito do paciente.

Realmente, a Constituição Federal determina em seu artigo 153, Parágrafo 2º que:

"Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei".

Aquele que violar esse direito cairá nas sanções do Código Penal quando este trata
dos crimes contra a liberdade pessoal e em seu artigo 146 preconiza:

"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver


reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite,
ou a fazer o que ela não manda".

Contudo, o próprio Código Penal no parágrafo 3º desse mesmo artigo 146, declara:

"Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica


sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente
perigo de vida".

A recusa do paciente em receber a transfusão sangüínea poderia ainda ser encarada


como suicídio. Nesse caso, o médico, ao aplicar a transfusão, não estaria violando a
liberdade pessoal, pois o mesmo parágrafo 3º do artigo 146, agora no inciso II, dispõe que
não se compreende, também, nas determinações deste artigo:

"A coação exercida para impedir o suicídio".


Consideraçoes finais:

No acórdão analisado, os desembargadores da décima oitava câmara cível rejeitaram as


preliminares e negaram ao recurso interposto contra a decisão interlocutória que
determinou a expedição de alvará judicial de autorização para realização de transfusão
sanguínea e demais procedimentos médicos necessários ao restabelecimento da saúde da
agravante.

A dupla, autora desta análise, concorda com a decisão á cima considerando o caso
de conflito entre direitos fundamentais, busca que se preserve a vida, direito fundamental,
garantida constitucionalmente como bem inviolável máxime do nosso ordenamento e
protegida pelo Estado com prioridade, uma vez que constitui suporte indispensável para o
exercício de todos os demais direitos fundamentais que, em conjunto, formam o substrato.

Porém há de se ressaltar que a questão da transfusão sanguínea ser recusada por


meio de praticantes da seita “Testemunhos de Jeová” não é um caso fácil uma vez que
engloba diferentes direitos fundamentais, sem que a Constituição forneça, in abstrato, a
solução adequada.

Compreendemos também que o direito à liberdade religiosa pressupõe a sua livre


manifestação.

"Não há verdadeira liberdade de religião se não se reconhece o direito de livremente


orientar-se de acordo com as posições religiosas estabelecidas"

BASTOS, Celso Ribeiro. Direito de Recusa de Pacientes Submetidos a Tratamento Terapêutico às


Transfusões de Sangue, por Razões Científicas e Convicções Religiosas. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Ano 90. vol.787. 2001. p. 499

Dessa forma, respeitados os preceitos de ordem pública, isto é, as imposições legais,


há o direito dos indivíduos manifestarem a orientação religiosa por eles seguida, sendo-lhes
assegurado o direito de recusa à prática de atos que atentem contra as suas convicções
pessoais.

Porém não consideramos que este direito á recusa se torne mais importante ao
indivíduo que sua própria vida. Ressaltando ainda que neste acórdão analisado, esta decisão
de recusa não foi manifestada diretamente pelo indivíduo, mas sim por seus familiares.

Logo consideramos que a transfusão deve ser feita principalmente neste caso, pois
mesmo conhecendo as manifestações religiosas do indivíduo, trata-se de um caso de risco
de vida, assim consideramos que apenas este pode ser considerado “capaz” de tomar uma
decisão desta magnitude.
Análise jurisprudencial 2
Poder Judiciário do Rio de Janeiro
Agravo de instrumento N* 2007.002.09293
Tribunal de Justiça
Décima Oitava Câmara Cível
Registrado em 27/06/2007

O referido acórdão foi anexado ao fim deste trabalho de análise para melhor facilitar a compreensão
do mesmo.
Tendo em vista a menor complexidade deste acórdão estão não irá se ater á citar os trechos
presentes no documento original. Apenas focando-se nas considerações finais discutidas pelas
autoras e o parecer exposto pelas mesmas.

No segundo acórdão analisado, constata-se que os desembargadores envolvidos no


caso, por unanimidade, julgaram incoerente o pedido de recurso da mulher (Lidiane dos
Santos Cassao de Araújo) contra a tutela antecipada anteriormente concedida ao hospital
para a realização da transfusão sanguínea com a qual a agravante não concordava em
virtude de suas crenças de caráter religioso.

Faz-se saber, para melhor compreensão do caso, que a mulher em questão fazia
parte de uma seita religiosa denominada “Testemunhas de Jeová” a qual determina, em sua
doutrina, que seus adeptos não devem submeter-se a procedimentos da estirpe da transfusão
sanguínea visto que se fundamentam em passagens bíblicas conforme as mencionadas na
primeira análise que compõe este trabalho.

Ao interpor o recurso, a agravante alega completa indignação pelo fato de não


haver sido informada acerca da origem do sangue e hemoderivados transfundidos, exigindo
que o hospital junte aos autos os documentos comprobatórios da idoneidade dos
procedimentos investigatórios pré-transfusacionais.
Alega, com essa reclamação, a acusação, que:

“Ao indeferir a produção de prova fundamental ao deslinde da questão, a sentença


feriu os princípios fundamentais do devido processo legal e da ampla defesa, dispostos
no Art. 5º, LV, da Carta Constitucional e violou a Resolução do Conselho Regional de
Medicina, que aprovou o Código de Ética Médica, que dispõe sobre os direitos do
médico”.

Tendo em vista o fato de a referida mulher não ter contraído nenhuma espécie de
doença em decorrência da transfusão, consideram os desembargadores a anexação dos
documentos em questão claramente indispensáveis para que se solucionasse a lide, em
concordância com o juiz que havia julgado o caso recursado.

No pedido de recurso, a parte autora fundamenta a necessidade do recurso numa


possível violação da sentença aos arts. 130, 131, 145 e 333, II, do Código de Processo Civil
e das normas e princípios constitucionais.

Em oposição a essa alegação se coloca o desembargador relator da seguinte


maneira:
“Registre-se, que o artigo 130 do Código de Processo Civil confere poderes ao
Magistrado para, de ofício ou a requerimento da parte,determinar os meios probantes
necessários à instrução do processo, indeferindo diligências inúteis ou protelatórias, e
sendo ele o destinatário da prova, encontra-se dentro do seu juízo aferir a necessidade,
ou não, de sua realização.”

(Desembargador Claudio de Mello Tavares)

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