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Arevista da FUNCEX Vato Brasileira de Comeércio Exterior ‘Ano XXX (Outubro Novembro/Dezembro de 2016 FUNCEX % hoio a0 aot ; & APOLITICA COMERCIAL BRASILEIRA —_ DESEQUILIBRIO FISCAL, DINAMIC EM TEMPOS DE BREXIT E TRUMP: DADIVIDA PUBLICAE CURE HAESPACOS PARANEGOCIAGOES — ATRASODOASUSTE Rt COMERCIAIS? DEBATE SOBRE PROGRAI DE ASSISTENCIA E AJUSTE At COMERCIO > DESEQUILIBRIOS GLOBAIS EM ALTA PW aH elie lta oie TS meters Py pelo apoio e UL eee TCS * ba . CY a4) Banco do \ (PD Nordeste YS ‘ 2 EE WV eee 1 EDITORIAL Funcex 40 anos: ligdes de um semindrio José Rubens de la Rosa 12 MACROECONOMIA BRASILEIRA O ajuste fiscal em meio a uma profunda recessao Affonso Celso Pastore 18 O desequilibrio fiscal, a dinamica da divida piblica eo custo do atraso do ajuste fiscal Carlos Thadeu de Freitas Gomes e Marianne Hanson 28 ECONOMIA INTERNACIONAL Desequilibrios globais em alta mee ‘Canuto 40 ACORDOS COMERCIAIS E POLITICA COMERCIAL A politica comercial brasileira em tempos de Brexit e Trump: hd espago para negociagSes comerciais? Sandra Polénia Rios ¢ Pedro da Motta Veiga 56 Por um debate sobre Programas de Assisténcia a Ajustes ao Comércio: elementos iniciais Carlos Marcio Cozendey ¢ Carolina Hippolito von der Weid 70 A estratégia do Brasil nas negociacdes comerciais Abrio Miguel Arabe Neto 76 COMPETITIVIDADE Foco na agenda de competitividade 82 COOPERAGAO TRIBUTARIA A melhor arma contra os paraisos fiscais ¢ a cooperagao tributéria internacional Felipe Costi Santarosa e Christiane Aquino Bonomo Ne 129- Qucubso/Novembro/Dezembro de 2016 1 x rial Ne Funcex 40 anos: ligdes de um seminario seminério comemorativo dos 40 anos da FUNCEX, realizado com apoio do Banco Santander, reuniu um con- junto de especialistas, muitos associados & sua historia, para uma reflexio sobre o comércio exterior brasileiro. Um. resumo do debate aponta para um rotciro sobre questies essenciais. Velhas ¢ novas questées. Desde a fundagio da FUNCEX ocorreram mudangas expressivas no comércio exterior. O Brasil de 2016 nao ¢ igual ao de 1976. Ainda assim, hd uma agenda de transformacio inconchusa e questoes pen- dentes de resolugio que se alastram ha décadas. Neste perfodo, o Brasil passou de um pais cronicamente asfixiado pela restrigio de divisas para um pais com expressivas reservas internacionais; o agronegécio tornouse eficiente e desenvolveu competéncias ¢ forte vocagio exportadora; a pauta exportadora aumentou e diversificou-se; empresas brasileiras passaram a investir no exterior; o comércio ea produgio doméstica enfrentaram novos desafios, criaram. novas oportunidades e sofreram impactos derivados da ascensio da China e do resto da Asia. Persistem, contudo, velhas questées: a agenda do Custo Brasil evoluiu pouco; a protegio comercial aumentou 20 invés de diminuir, apés a liberalizagio comercial promovida no inicio dos anos 90; cresceu também a € nio foram climinadas muitas das distorgécs do sistema tributicio, dois fatores que aferam sobremancira a capaci- dade de o Brasil se integrar com o resto do mundo. A economia brasileira permanece fechada eo mercado externo continua sendo um elemento pouco central na estratégia de parte expressiva das empresas. Interdependéncia. Hi uma forte interdependéncia entre a agenda macroecondmica doméstica ¢ a agenda de co- mércio exterior, bem como entre o cenrio domeéstico eo internacional. Nio é possivel tragar censrios prospectivos parao comércio exterior brasileiro sem examinar as politicas domeésticas e destacar as incertezas que prevalecem na economia intemacional. As avaliages para o desempenho da economia brasileira no curto prazo apontam para uma recuperagio lenta da atividade econdmica, um papel moderado das exportagées como fonte de dinamismo ea necessidade imperiosa de se enfrentar a agenda fiscal. Aprovado o teto para a expansio dos gastos piiblicos, a recuperagio ainda depende da aprovagio da reforma da previdéncia, da queda da inflagio, do consequente aumento dos graus de liberdade para se promover reduces da taxa de ros, alem de reformas microeconémicas que reforcem a competitividade. Do suces- so no enfrentamento dessas questdes dependerd, em larga medida, o futuro de nosso comércio exterior. A agenda de politicas domésticas é, sem diivida, muito pesada, mas 0 desafio pode ser encarado desde uma perspectiva alen- tadora: avangos nessa agenda serio premiados com expressivos ganhos de competitividade. E eles nio dependem do cenitio externo, mas fundamentalmente de nés. cenitio internacional, por sua vez, se apresenta pouco propicio, contrastando com o longo periodo de bonanga cexperimentado até a eclosio da crise financeira internacional, As previsbes de curto prazo apontam para um avango lento da demanda mundial e do comércio internacional. No exame do “efeito Trump” sobre a economia brasileira prevaleceu a percepgio de que as suas politicas podem contribuir para impulsionar a demanda agregada americana ¢ reforgar a tendéncia de clevagio da taxa de juros. Esse tltimo efeito, a0 afetar 0 fluxo de capitais dirigido ao Bra sil traria novos desafios para a economia brasileira, podendo contribuir para reduzir a velocidade do processo de recuperagio, No médio prazo, contudo, nao é possivel descartar alguns efeitos positives, como a criacio de opor- tunidades para as exportagbes brasileiras ea maior atratividade do Brasil para parceiros que tiveram frustradas sua aspiragio de participar de acordos que nio poderio nao mais se coneretizar. Ainda assim, prevaleceu a percepgio 2 Ne 129- Oucubso/Novembro/Dezembro de 2016 RBCE - A revista da Funcex(, de que Trump representa uma fonte adicional de incertezas para a economia global, sendo que estas seriam mais clevadas nas politicas de comércio. Negociagées comerciais. Apés um periodo marcado por baixo ativismo no desenvolvimento deacordos comercias e de presenga excessiva de agendas politicas tanto na escolha de parceiros como no grau de ambigio econdmica das negociagées, 0 Brasil inicio um processo de revisio de sua politica comercial externa. Este neoativismo, marcado também por ambiguidades, encontrou um ambiente global menos receptivo, 0 que torna a evolugio dessa agenda mais dificil. © Brasil passou a aceitar a discussio de temas que nio constavam do seu menu habitual de negociagées, aprofundou acordos na América do Sul e apostou suas fichas na finalizagio do acordo com a Unido Europeia em 2018. ‘Um tema teve destaque nas apresentagdes: por que integrar? Hii 0 reconhecimento de que a integragio nao é pa- naceia, mas também nio hi casos de economias que se transformaram ¢ cresceram de forma sustentivel sem se integrar 4 economia mundial. A principal justificativa para a integracio é o aumento da produtividade, fendmeno que a experiéncia internacional poder ocorrer por diversos canais: maior competigio, acesso a bens de capital e bens intermediarios, inovagdes institucionais eo Jack-in de reformas que acompanham os processos de integracio. Face as distorgdes da estrutura tarifiria brasileira, baixa produtividade da economia e dificuldades de se avangar nas negociagies comerciais destacouse a importincia da revisio unilateral da estrutura tarfiria com o objetivo de eliminar as principais distorges que afetam a produtividade e impedem o processo de transformasio estrurural da economia. Na medida em que os efeitos de processos de liberalizagio sio assimétricos, gerando ganhadores e perdedores, des- tacaram-se a importincia do exame de politicas que facilitem 0s processo de transigio para pessoas e empresas. Abertura de mereados para as empresas. Nas discussdes sobre abertura de mercado sobressairam quatro men- sagens principais: a importincia de as agéncias de promogio comercial desenvolverem iniciativas para que 0 Pais aproveite cfetivamente os acordos negociados, 0 papel estratégico do investimento direto como promotor do co- mércio, a persisténcia de distorgbes tributirias, da logistica, do financiamento e, com destaque, a volatilidade cam- bial, como obsticulos ao desenvolvimento do setor exportador. Nessa mesa, énfase foi dada ao papel das empresas. A atividade de internacionalizagio nao permite improvisos € depende de planejamento estruturado de todas as etapas ¢ fases. © benchmarking ¢ a troca de experiéncias com empresas que passarem pela mesma experiencia é fundamental para se evitar os ertos mais comuns ¢ se enfrentar, apenas, 0$ “inevitaveis” erros novos. Para o processo de internacionalizagio das empresas é igualmente importante que o Pais se aproxime das regras de tributagio mais préximas dos padrdes globais. Mensagem final. Das diversas exposicées, sobressai uma espécie de Discurso sobre o método para se examinat as questdes de comércio exterior. © primeiro elemento é a distingio entre ruidos e tendencias. Num ambiente de transformagées rapidas e de excesso de informagdes, a distingio entre perturbagées de curto prazo ¢ tendéncias de longo prazo é essencial.E fundamental compreender e se concentrar nos efeitos de longo prazo. O segundo é que o Ne 129- Queubro/Novembro/Dezembro de 2016 3 4 Editorial NS comércio exterior nio estéisolado da demais politicas. Elas eriam oporeu- nidades e reserigées. O terceiro elemento é 0 fato de que a economia bra- sileira e internacional estio interligadas. Interpretages sobre o que ocorre no Brasil sio sempre melhor iluminadas quando se examinam as relagdes de dependéncia como a economia mundial ¢ a forma como os mesmos fatos sio observados forado Pais. O que parece local é muitas veres global. O quarto, que com as transformagées em curso incertezas estardo cada ordem do dia. E preciso desenvolver método para enfrenté-las. com urgéncia, uma pritica da avaliagio constante das poli- ticas adotadas. Last, but not least é essencial para o Pais ¢ suas empresas planejar e reduzir o peso excessivo de improvisagées de modo a aumentar a capacidade de se beneficiar da integeagio com a economia global. © forcalecimento da economia doméstica, através de condigées macroe- condmicas equilibradas, é condigao critica para que o Brasil possa avangar ese integrar. A presente edigio da RBCE comemora 30 anos de circulagio ininterrup- ta da Revista. E uma marca que merece ser celebrada. Muitos dos pales- trantes € moderadores do “Semindrio 40 anos da FUNCEX” tiveram a gentileza de aceitar nosso convite para contribuir com artigos para esta edigio especial. Alguns optaram por reproduzir em suas colaboragdes © conteiido de suas exposigées parao Semindrio, Outros preferiram elaborar artigos especialmente destinados a sua divulgagio nessa edigio. A todos eles manifestamos nosso sincero agradecimento, que fazemos extensivo aos instituidores ¢ mantenedores da FUNCEX, inclusive a empresas ndo associadas, pelo generoso patrocinio a esta edi¢io da RBCE. feet ord tg Muito obrigado! Eee José Rubens de la Rosa Co P| Presidente da FUNCEX - Ne 129- Oucubso/Novembro/Dezembro de 2016 Educa¢ao com transformag¢ao, com foco em resultados. E assim que promovemos 0 sucesso de seus negécios internacionais. Invista em seu principal ativo: sua equipe. Cursos abertos, in-company e www.funcex.org.br Se cursos @ PETROLEO E GAS: ASPECTOS TRIBUTARIOS E ADUANEIROS @ COMO UTILIZAR O DRAWBACK COMO MECANISMO DE COMPETITIVIDADE PARA AS EXPORTAGOES @ EXPORTACAO DE SERVICOS @ PAGAMENTOS INTERNACIONAIS § COM ENFASE EM CREDITOS DOCUMENTARIOS ~~ FUNCEX C> 2) DECOMERCIO EXTERIOR -_ rc QUER IMPORTAR OU EXPORTAR? TEMOS LINHAS DE FINANCIAMENTO E AINDA CONECTAMOS SUA EMPRESA A PARCEIROS EM VARIOS PAISES: ie SANTANDERTRADE.COM ee fe) Centrale Atendineno Santander Empresarial 4004-2125 (egies metropolitans) ou 0800-7262125 (demas Besta heeeaienest tie eoatneeriaetsar it bir Pe ACH et PODE FAZE BST fakes Ler Taleo Melo Mua seo Para pequenas e fuses Negocios PU SISP riven te (ore pees FUNCEX - 40 anos de Apoio ao Comércio Exterior Brasileiro 40 ANOS FUNCEX \FUNCEX AFUNCEX, com apoio do Santander, realizou em 18 de novembro, em So Paulo, um Seminério comemorativo dos 40 anos de criacdo da instituicao. 0 objetivo do Seminério foi reunir um conjunto de especialistas e abrir espaco para um debate sobre a conjuntura doméstica e internacional, assim como sobre os rumos do comércio exterior brasileiro, Personalidades presentes e atuantes no comércio exterior brasileiro e internacional fizeram, também, apresentagdes sobre o futuro das negociagSes comerciais e as perspectivas da diversificag3o de mercados para as empresas brasileiras que buscam ampliar seus negdcios internacionais, evento contou com a participacdo do Presidente do Santander, Sergio Rial, assim como de Otaviano Canuto, do Banco Mundial e Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central do Brasil Outros convidados de destaque foram: Carlos M. Cozendey (Secretaria de Assuntos Econémicos), Abr3o Miguel A. Neto (Secex), Francisco Vidal (Apex-Brasil), José Augusto de Castro, (Presidente da AEB), Carlos Thadeu de Freitas Gomes (CNC), Sandra Rios (Cindes) e Fernando Pierri (Santander) AFUNCEX foi representada por seu atual presidente, José Rubens de la Rosa, assim como por alguns dos ex-presidentes da institui¢do - tais como José Augusto Coelho Fernandes (CNI) e Roberto Giannetti da Fonseca (Ceal) - além do atual diretor-geral, Ricardo Markwald. Apresentamos, nas paginas Seguintes, registros fotograficos do evento, cedidos pelo Santander. Para José Rubens de la Rosa: “as empresas que esto respondendo melhor a crise no Brasil sio aquelas que esto exportando” “Quer pela alta de juros, quer pelo aumento da demanda agregada, a propensio vai ser que o déficit comercial americano suba”, disse Otaviano Canuto 40 ANOS FUNCEX Segundo Rial, acordos de livre comércio sao essenciais para a sobrevivéncia estratégica do Brasil “Estamos em meio ao maior ajuste fiscal da histéria, e nao seré facil sair desta recessao”, afirmou Pastore r + ENCONTRO 40 ANOS \FUNCEX, Segundo o Embaixador Carlos Marcio Cozendey, o comércio eletrénico é questao urgente que precisa de maior regulamentacdo internacional na OMC Para Abro Neto, o Brasil deveré ampliar sua rede de acordos, hoje muito concentrada na América Latina e em temas tariférios Sandra Rios afirmou que a abertura comercial aumenta nao sé a produtividade, mas também concede seguranca aos investidores Para Roberto Giannetti, forgas motrizes para sair da espiral recessiva so infraestrutura e exportacdo Promogao comercial, internacionalizacao de empresas instrumentos privados de apoio & exportacdo e logistica foram alguns dos aspectos abordados pelos palestrantes ‘Da esquerda para ia: Franco Vidal, 6s Rubens dea Rss, Fernando Per, Vocé conhece o www.funcexdata.com.br ? rances Cp O FuncexData é uma ferramenta de inteligéncia comercial desenvolvida pela Funcex que traz ao alcance do usuario informagoes diversificadas e atualizadas sobre o comércio exterior brasileiro. Como acessar? OFuncexData é composto por duas areas, uma publica e outra restrita. Veja como acessa-las: Area Publica Para se cadastrar, acesse http:/www.funcexdata.com.br/cadastramento.asp. Preencha o formulario eaguardeo envio da senha por e-mail. AreaRestrita O valor da assinatura varia de acordo com o nivel de acesso a ferramenta. Para obter maiores informagGes, entre em contato conosco nos telefones: (21) 2509-7000, 3529-7002 ou por e-mail: assinaturafuncexdata@funcex.org.br COCR oee uc e a reese acct ue uc eae atte cute sen Cone eta cd Macroeconomia Bras O ajuste fiscal em meio a uma profunda recessao Affonso Celso Pastore € s6cio fundador e consultor da A.C. Pastore & Asociados. F Doutor Aon Can Fase em Economia (USP) ¢ foi presidente do Banco Central do Brasil Um enorme ajuste fiscal vem ocorrendo ao lado de uma recessio longa e profunda, Assistimos a uma queda de 0,8% do produto intemo bruto (PIB) no terceiro trimestre e ¢ esperada uma pequena contragio no quarto. Com isso pioraram as perspectivas de um retomno ao crescimento em 2017, que devers ficar proximo de 0,5%. A recessio atual comegou no segundo trimestre de 2014, e claramente serd a mais longa e profunda desde que o Comité de Datagio de Ciclos Econdmicos (Codace) passou a datar o inicio e o final dos ciclos econdmicos. No Grifico I estio todas as recesbes datadas pelo Codace. GRAFICO 1 PERFIS DAS RECESSOES BRASILEIRAS DATADAS PELO CODACE g 100 : — 2 a 1987 = 2 96 ——1989 g 4 —\— 1995 a 2 — 2 —2001 G 0 3 fe —2003 5 —2008 Trimestres wee + vo + Arua 0123 45 67 8 9 wt 12 N° 129 Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 consumo das familias deve prosseguir em queda, em vista do aumento da taxa de desemprego e da contragio do crédito devido a0 risco de inadimpléncia. Nao ha, também, diante do comportamento fraco do volume de comércio, perspectivas de um crescimento mente, intenso das exportagées brasileiras. 6s investimentos em capital fixo continuam em queda. Uma taxa de investimentos entre 16% ¢ 17% do PIB (Grifico 2) ¢ insuficiente para cobrie a depreciagio do capital, ¢ a produtividade total dos fatores move-se de forma prd-ciclica com a taxa de investimentos. Com isso, a contribuigio de ambos ~ 0 estoque de capital e a produtividade total dos favores ~ € negativa, fazendo com que o PIB potencial venha declinando, atingindo no ultimo trimestre uma taxa aproximada de -2% a0 ano. Para retomar o crescimento de 2% ser preciso uma forte clevagio da taxa de investimentos. O PAPEL DA POLITICA MONETARIA, Nao hi outro instrumento que possa induzir arecupera- 40 a nio ser a politica monetatia. O tinico mandato do Banco Central do Brasil (BCB) éa metade inflagio, mas suas decis6es sio tomadas minimizando os custos espe- cificados por uma fungio de perdas, que & uma fungio quadrética (custos marginais erescentes): do desvio da inflagio projetada em relagio & meta; do desvio do PIB atual em relagio a0 PIB potencial. © sucesso do BCB cem recolocar as expectativas de inflagio em queda vem reduzindo o custo marginal da inflagio fora da metas € GRAFICO 2 ‘TAXAS DE INVESTIMENTO 2 8 2 19% 1998 2000-2002 2004-2006 «2008 2010201202016, —PrecosCorrentes, —Pregos Constantesde 2000 N° 129- Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 13 ‘© aumento do hiato negative do PIB vem clevando o custo marginal do PIB atual abaixo do potencial. ‘As taxas de inflagao projetadas (pesquisa Focus) para 2018 em diante estio firmemente presas & meta de 4,5% a0 ano, ea taxa esperada para 2017 j caiu de 6% aoano, noinicio de 2016, para menos de 5% 20 ano, Lembremos que o ano de 2015 fechou com uma inflagio de 10,7% € que deveremos fechar 0 ano de 2016 com uma inflagio de 67%, com forte tendéncia de queda. Estes dados in- dicam claramente que o custo marginal da inflagio fora dameta vem caindoacentuadamente, Em contraposigio © hiato negativo do PIB ainda vem se alargando, Como foi exposto acima, hi uma forte queda do PIB potencial, que vem das contribuigoes negativas do estoque de ca- pital e da produtividade total dos farores, mas devido 4 queda da demanda doméstica vem ocorrendo uma queda ainda maior do PIB atual, 0 que tem aumentado ainda mais o hiato negativo do PIB, que ¢ fortemente desinflacionirio. Ou seja,o custo marginal do PIB atual abaixo do potencial & muito alto ¢ tende acrescer. Com isso a tinica atitude racional do BCB é acelerar a queda da taxa de juros, o que lentamente devers comegar a al- terar 0 atual quadro recessivo, No entanto as defasagens da politica monetiria sio longas, e arualmente hd um canal de transmissio da politica monetitia ~ 0 canal do crédito ~ que esta bastante obstruido. 4 Macroeconomia Brasileira a CAMBIO, FLUXOS DE CAPITAIS E CONTAS CORRENTES No curto prazo o cimbio é fortemente influenciado pelos fluxos de capitais, Mas este efeito é momentineo, ‘Como mostraremos em seguida, nos iltimos 12 me- ses tem havido uma significativa saida de capitais em portfélio (particularmente renda fixa) 0 que, tudo 0 mais constante, deveria estar produzindo uma depre- ciagio do real. E no entanto desde o inicio de 2016 0 real valorizou-se. A razio esta no forte encolhimento do déficit em contas correntes, que reduz a demanda de délares em uma intensidade suficiente para cobrir © efeito do aumento das saidas em portfélio. O que determina a taxa cambial é 0 total de todos 0s fluxos, quer nas contas financeira e de capitais, quer nas con- tas correntes. Uma realidade empirica bastante conhecida, no Bra- sil, €a relativa constincia no tempo dos investimentos diretos, que oscilam em torno de USS65 bilhdes/ano. ‘Com o BCB ausente do mercado & vista de cambio nos ailkimos anos o balango de pagamentos gravita em tor- no do equilibrio, com os ingressos liquidos nas contas financeiras e de capitais praticamente iguais aos saldos GRAFICO 3 CONTAS CORRENTES, CONTA FINANCEIRA E DE CAPITAIS ESALDO NO BALANGO DE. PAGAMENTOS. 160 dw Aesmbabent2nees SS ndangade gamete — Dita Tengo Coens — Const Cipil Coon Func, — Erere Omar 14 N° 129 Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 nas contas correntes, caracterizando um balango de pa- gamentos préximo do equilibrio (Grafico 3). Nos 12 meses encerrados ao final de 2014 o déficit nas contas correntes acumulava US$104 bilhes, valor quase igual ao daconta financeira ede capital que, deduzidos os USS71 bilhdes dos investimentos diretos, esultaram no ingresso de US$39 bilhdes em portfilio. Uma situagio completamente diferente da atual, na qual a conta corren- tees ingressos de capitais e stuam proximos de USS20 bilhoes, com uma saida em portfdlio de perto de US$15 bilhdes (ou US$30 bilhdes na média anualizada desde o inicio do ano). Até este momento nao assistimos ao espe- rado ingresso de capitais que levaria 0 real Aapreciagio e, diante das perspectivas de risco e de baixa contribuigio das relagbes de troca, no cenirio mais provivel 0 governo (co BCB) enfrentam um cimbio mais fraco. A retomada do crescimento vir de um aumento lento gradual da formagio bruta de capital fixo (FBCF), e, quando isto ocorrer, os déficits nas contas correntes de- Verio voltar a aumentat. A razio é simples: no Brasil as poupangas domésticas sioinsuficientes para financiar os investimentos, ¢ por isso o pais é dependente da absor- io de poupangas externas. Uma forma de observarmos esta dependéncia é através da elevada correlagio positi- va entre as importagdes ¢ a FBCE. As duas séries estio superpostas no Grifico 4, e um teste de causalidade mostra claramente que é a FBCF que causa (no sentido de Granger) as importagoes, e nao 0 contritio. A con- sequéncia da retomada do crescimento sera queda dos superévits comerciais ¢ 0 aumento do déficit nas coneas correntes. Mas a previsio & que este nao é um resultado para o futuro préximo, devendo ficar apenas para 2018. Quais sio as perspectivas para a taxa cambial? Como o BCB nao vem comprando nem yendendo délares no mercado & vista, hi um continuo equilibrio no balango de pagamentos, e para aferirmos a diregio na qual o real poderd se mover temos que olhar tanto para as ontas cor- rentes quanto para o coral de ingressos de capitais. Nos ilkimos meses assistimos a uma pequena recuperagio das relagdes de troca, que tende a favorecer melhores super’ vits comerciais e menores deficits nas contas correntes, € uma forga atuando na mesma diregio é a queda dos in- vestimentos em capital fixo, derrubando ainda mais as importagdes. Com isso, por algum tempo ainda vamos assistir a baixos déficits nas contas correntes. Do outro lado estio os ingressos liquidos nas contas finaneeira e de capitais,cuja intensidade ver sendo reduzida pelassaidas em portfélio de renda fixa. A interagio entre estas duas forgas éque deve determinar a trajetoria da taxa cambi GRAFICO 4 IMPORTAGOES EFBCF Ho 0 1996 1998-2000 «2002-2004 2006 SHBCE ()) —tmporsso (D) Sércs desazonalizadas 80 200g 2010 201229142016, Ne 129- Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 15 = PON OR c-\or-| 0-0 para que ocomércio lec eice ultrapasse fronteiras. Nera cece eh cog Re RO reiohe A= aac coR Merete accel Cee eek cm ec ee cremscei erty setor fundamental para a economia do Pais. ‘Conhega algumas a¢oes realizadas pela Confederagao: @ Parceria com a Associagao de Comercio Exterior do Brasil (AEB). m Parceria com a Federagao das Camaras de Comércio Exterior (FCCE). ™ Parceria’eom a Fundacao Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX). @ Griagao da Camara Brasileira de Comércio Exterior, reunindo empresarios e especialistas para discutir medidas Que promovam o desenvolvimento do setor. @ Apoio ao Enaex, evento de referéncia no Brasil que reine, anualmente, Pcie Ruse Ce eee ncorrieke cerca Os rumos do comércio’exterior brasileiro. pS Ter MTR UL anh Ronee og Macroeconomia Brasi O desequilibrio fiscal, a dinamica da divida publica e o custo do atraso do ajuste fiscal Carlos Thadeu de Freitas Gomes i é economista-chefe da Confederacio Nacional do Comércio de Cahn de Manne an Bens, Servigos ¢ Turismo ¢ Ex-diretor do Banco Central an Marianne Hanson éeconomista da Confederacio Nacional do Comércio de Bens, SeigscTaome O crescimento acelerado da divida publica a partir de 2014 evidenciou um grave problema de ordem fiscal no Brasil. A divida pitblica bruta passou de 48,9% do produto interno bruto (PIB) em 2013 para 62,1% do PIB em 2015. De- vido & conjuntura econémica atual de deficits fiscais elevados, juros altos e PIB em queda, estima-se que neste anoa relagio divida/PIB deverd acelerar sua trajetéria de crescimento, alcangando patamares proximos a 75%. Esse cres- cimento acentuado do endividamento esté relacionado & elevada necessidade de financiamento piblico, causada, por um lado, por aumento dos gastos piiblicos ¢ redugio das receitas fiscais, produzindo déficits primérios a partir de 2014, e, por outro, por reversio da politica monetéria e aumento dos prémios de risco, levando a juros elevados. Fatores como rigidez. orgamentiia, mecanismos de indexagio dos gastos primarios e mudangas demogrificas si0 apontados frequentemente como causas do crescimento acelerado das despesas da Unio. No periodo pés-Real, as despesas passaram a aumentar persistentemente acima do PIB ¢ a obtengio de resultados fiscais positives apoiou-se «em aumentos gradativos da carga tributiria. Adicionalmente, 0 elevado custo de financiamento da divida implicou déficits nominais significativos, aumentando a vulnerabilidade das finangas piblicas a oscilages dos ciclos econd- micos. Em 2014, com aqueda da atividade econdmica, os desequilibrios das contas piblicas se tornaram evidentes a partir dos resultados primirios negativos ¢ a forte expansio da divida publica. Devido & recessio, as receitas recuaram significativamente, O crescimento expressivo dos gastos, que havia se tornado mais acentuado apés 2008, deveu-se, predominantemente, ds despesas obrigat6rias, cujos montantes sio determinados por regras previstas na legislacio. Ademais,o ciclo de aperto monetirio também contribuiu negativamente para a piora do quadro fiscal. Apesar do esforsodo Tesouro Nacional em reduzir a indexagio da divida pablica i taxa Selic, o aumento da taxa bisica de juros levou a um maior custo de financiamento da divida, ja agravado pelos déficits primatios. A dinamica atual da divida publica ¢ afetada nao apenas pelo crescimento dos gastos em ritmo superior ao do PIB do pais, mas também pela conjuncura desfavordvel de redugio das receitas, elevagio do custo de financiamento da ida e queda do PIB. Considerando o cenatio econdmico atual, espera-se que a relagio divida/PIB alcance 90% do PIB em 2020, Para reverter esse cendtio, € necessirio nao apenas enfrentar os desequilibrios fiscais, como tam- bém reduzi a taxa de juros real ¢ aumentar a capacidade de crescimento da economia, 18 N° 129 Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 RBCE- A revista da FUNCEXE DESEQUILIBRIO FISCAL De 1997 2 2015, as despesas primsrias do governo cen- tral passaram de 14% do PIB para 19,6%. Enquanto crescimento médio do PIB, em termos reais, durante esse periodo, foi de 2,6% a0 ano (a.a.), 0 crescimento médio das despesas,jé descontada ainflagio, foi de 45%. No periodo apés 2008, essa tendéncia se intensificou e, cenquanto as despesas apresentaram crescimento médio real anual de 6,8%, 0 PIB ampliou-se apenas 1,8% a2. © aumento expressivo das despesas primérias do go- verno central em rela¢io ao PIB ocorreu em sua grande maioria com despesas obrigat6rias (Tabela 1). De 1997 a 2015, do total do aumento de 5,7 pontos percentuais, (pp. do PIB, 24 pp. resultaram de despesas com be- neficios previdenciirios e 3,0 p.p., com outras despesas obrigatdrias. Jé as despesas discriciondrias aumentaram apenas 0,7 p.p., enquanto as despesas com pessoal ¢ en- cargos sociais recuaram 0,5 p.p.. ‘A maior parte desse aumento aconteceu a partir de 2009. Dos 3,5 p.p. de aumento total das despesas primarias como proporcio do PIB entre 2009 ¢ 2015, 1,0 p.p. foi proveniente dos beneficios previdencidrios, enquanto as ‘outras despesas obrigatérias aumentaram 2,1 p.p.. Nesse mesmo periodo, houve aumento dos gastos discricion’- rios em 0,6 ppp. recuo dos gastos com pessoal ¢ encar- gos de 0,2 pp. A categoria de gastos que apresentou 0 maior crescimento foi a de despesas obrigat6rias, sobre as quais nio é possivelalteraro montante na elaboragio do orgamento, jé que sio definidas ¢ reajustadas por lei ou regras constitucionais. Além dos gastos com previ- dncia social (que correspondem atualmente a 39% do total de gastos primarios) e pessoal e encargos sociais (20% do total), também sao incluidas nessa classifica- GRAFICO 1 DESPESAS DO GOVERNO GERAIS DEFLACIONADAS E PIB REAL ({NDICE 1997=100) Dopo nessa ce 1997100) Fonte: Teouro Nacional, IBGE FGV. Elaboragio propria, Ne 129- Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 ‘TABELA 1 DESPESAS PRIMARIAS DO GOVERNO CENTRAL ~ CATEGORIAS ‘Despesas Primérias do Governo Central 1, te Beneficios pevidencisros 49 64 Pessoal eencargos sociais 45 42 ‘Outras despesasobrigatérias 09 18 Despesas discricionirias do Executivo 36 37 19.6 57 22 35 74 24 45 1,0 40 05 -03 02 39 30 09 2a 43 07 O1 06 Fonte: Tewouro Nacional. io outras despesas obrigatérias (20% do total), que abrangem subsidios e subvengdes (5% do total), abono ¢ seguro-desemprego (5% do total) e beneficios da Lei Orginica da Assisténcia Social e da Renda Mensal Vi- talicia (Loas/RMV). Algumas despesas consideradas disericionarias também estio condicionadas a regeas, como € 0 caso das despesas com educagio e sade, cujo ‘TABELA2 RECEITAS PRIMARIAS DO GOVERNO CENTRAL gasto minimo é determinado como uma proporgio fixa das receitas Enquanto as despesas aumentaram 5,7 p.p. do PIB en- tre 1997 € 2015, as receitas, por outro lado, apresen- ‘taram um aumento mais modesto, crescendo em 4,4 p- ps alcancando 21,1% (Tabela 2). Considerando as Receita Total-1 167 230 Receia administrada pela Rest 107 150 Incentivos seas 01 00 ‘Arrecadagio liquida para 0 fre 46 53 Receitas nio administradas pda Receica Federal uM ci ‘Transferencia por Repartisio de Receita-2 eo oe Receita Liquida (1-2) 142 189 241 44 63 19 13.0 23 43 20 00 Ol 1 0.0 59 13, 06 07 22 08 13 05 35 09 15 0,6 107 35 48 12 Fonte: Tesouro Nacional 20 Ne 129- Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 GRAFICO 2 RECEITAS E DESPESAS PRIMARIAS DO GOVERNO CENTRAL (INDICE 1997=100) + tts ip Fonte: Tesoro Nacional. receitas liquidas de transferéncias a estados e munici- pios, © aumento foi ainda menor, de 3,5 p.p.. Quando analisamos o perfodo até 2008 € 0 periodo pés-crise, € possivel notar duas tendéncias diferentes. De 1997 22008, houve um forte crescimento das receitas, em ritmo acima do crescimento das despesas,o que tornou possivel a obtengio de resultados primarios positivos. ‘Ji no periodo de 2008 a 2015, houve um forte recuo das receitas, em parte explicado pela atividade econd- mica fraca e, em parte, como efeito de incentivos fiscais concedidos. Essa queda expressiva das receitas nos iltimos anos, em ritmo maior 20 da retragio observada do PIB, nos mos- tra que hi espago para o aumento de receitas, ainda que condicionado a uma recuperagio do erescimento econd- ico. No entanto, enquanto as regras de indexagio das despesas obrigatbrias impéem limites & adequagio dos gastos totais a mudangas nos ciclos econdmicos, as recei- 1a primiias ndo podem crescer indefinidamente acima do PIB, especialmente considerando que diversos estudos apontam que o pais possui uma carga tributiria ja clevada para os padrdes internacionais, Na verdade, para superar © patamar das despesas primirias observado em 2015 (19,6% do PIB), as receitas liquidas teriam que alcangar niveis préximos & maxima histérica de 2010 (20,2% do PIB), anoem que aeconomia do pais apresentou a maior taxa de erescimento do periodo Real. TAXA DEJUROS E CRESCIMENTO. ECONOMICO ‘Uma mancira simples de avaliar a necessidade de finan- ciamento do setor piblico com juros éanalisando a rela- 40 entre a taxa de juros e a de crescimento econdmico, ‘Quando a taxa de uros se coma maior quea taxade eres- cimento econémico,a necessidade de financiamento da divida pablica aumenta, demandando superivitsfiscais primarios mais clevados para estabilizar a trajet6ria da divida piiblica em relagio a0 PIB, Caso 0 erescimento econémico seja maior que a taxa de juros, a dinamica da divida piblica se torna favorivel. De fato, hi uma correlagio elevada entre a trajet6ria de endividamento piblico, medida pela relagio divida/ PIB, ¢a necessidade de financiamento com juros, medi- da pela relago entre a taxa de juros ~ uma proxy para o custo médio com o servigo da divida piblica - ea taxade crescimento do PIB. Quando o custo da divida aumenta para patamares acima da taxa de crescimento do PIB, caso mantenha-se o resultado primétio constante, haverd um aumento da relagio divida/PIB. Cabe lembrar que parte da divida piblica € indexada também ao cimbio, através da divida externa e das operagdes do Banco Central com swaps cambiais. Flatuagées da taxa de cambio produzem efeitos nio apenas no estoque da divida em moeda local, como também no seu custo de financiamento, Ne 129- Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 21 Macroeconomia Brasileira GRAFICO 3 RELAGAO ENTRE JUROS E CRESCIMENTO DO PIBx DBGG/PIB. Daceys(%) Indice da Tass de aon Vr P Fonte: Banco Cantal do Brille DEJCNG, Nos ilkimos anos, houve um esforgo para reduzir a vulnera- bilidade da divida piblica federal a choques externose 3vo- latlidade cambial. A redugio dadivica indexada a0 délar ea acumulagio de ativos em reservas cambiaisfazem parte desse esforgo. Também foi colocada em pritica uma estratégia de reduzir a indexagio da divida& taxa Selice alongamento dos pprazos das emissbes de ttulos, para mitigar os efeitos de mu- dangas na politica monetitia sobre a divida piblica. Entre- tanto, esa estratigia nao impediu o aumento expressivo do ‘custo médio da divida publica em 2015. GRAFICO 4 CUSTO MEDIO DA DIVIDA X TAXA DE JUROS SELIC ae iW ii Fonte; Tesouro Nacional e Banco Cental do Bras 22 Ne 129- Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 Taxas de juros elevadas, acima da capacidade de cres- cimento da economia, requerem superivits primérios igualmente substanciais para contrapor a necessida- de de financiamento da economia. No cenirio atual, a combinagio de custo elevado de financiamento da divi- da publica com recessio econémica, além de causar um aumento da necessidade de financiamento com juros da divida, também afeta a capacidade de gerar superivies primétios para reduzir o déficit fiscal e, por consequén- cia, o aumento da divida piiblica. DINAMICA DE CRESCIMENTO DA D{VIDA PUBLICA: CONDICIONANTES E CENARIOS Uma boa medida do endividamento do Estado € através do indicador de relagio entre divida e PIB, A dinimica de crescimento do endividamento piiblico medida pela relagio Divida Brura/PIB é dada pela evolugao da sua ne- cessidade de financiamento em relagio ao PIB ¢ 0 cresci- mento do PIB, Jia necessidade de financiamento do setor pliblico é definida pelas reccitas e despesas primétias (0 resultado primétio) eo servigo da divida com juros. Nos iltimos anos, todos eses fatores contribuiram ne- gativamente para a trajetéria do endividamento pili co, Até 2013, observou-se uma clevada contribuigio do crescimento do PIB para a redugio da relagio divida/ PIB. A partir de 2014, a necessidade de financiamento piiblico com juros da divida, além do défice primrio ne- gativo, superou o creseimento do PIB. Apenas no biénio de 2014-2015 houve um aumento de 14,8 p.p. da relagio Divida Bruta/PIB, ¢ no acumulado no ano de 2016 até setembro houve um aumento adicional de 4,2 pp. Com a expectativa de resultados negatives nos pré= ximos anos, taxas de juros reais (em relagio ao {ndice Nacional de Pregos a0 Consumidor Amplo ~ IPCA) ainda elevadas e recuperagio lenta do PIB, como prevéo proprio Ministério da Fazenda, o cendrio ¢ ainda de ele- vada expansio para do endividamento do setor publico ¢ a divida piiblica deve superar 90% do PIB em 2020. Com a dificuldade de colocar em pratica um ajuste fiscal mais substancial, apenas a redugio da taxa de juros e a recuperagio do crescimento econdmico maiores do que o esperado, podem trazer um resultado menos desfavo- rivel para a trajetéria de endividamento. TABELA3 D{VIDA BRUTA DO GOVERNO GERAL (DBGG) ~ FATORES CONDICIONANTES (% DO PIB) Divida bruta do governo geral es 567 56,0 59,2 51.8 513 538 57 57.2 66,5 70,7 Divida bruta do governo geral perbeaeroeate 14-0732 7405 25 BL 55 9342 Necessidade de financiamento a oecal 82 51 800949 6S 78S DD “Ajuste cambial sobre a divida cp inacais 10 12 -12 01 03 02 «O46 08 Divida externa-ourrosajustes 03-0102 OL 00 00M” 100 Reconhecimento de dividas 02°01 «Ol OL O00 Efeito do crescimento do PIB eed 62 71 37 84 58 46 52 34 21 24 Fone: Banco Central do Brasil Nora: “Tal de 2016: scumolad at sxemb. N° 129 Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 23 TABELA4 Macroeconomia Brasileira PARAMETROS ECONOMICOS DO MINISTERIO DA FAZENDA 2016 33 133 26 72 2017 at 110 21 53 2018 20 105 -09 45 2019 20 100. 0.0 45 2020 20 100 10 45 2021 20 5. GRAFICO 5 D{VIDA BRUTA (% DO PIB) 2 555 367 S60 ll | 2006 207 2008 2007 2010 2011 2012 2015 2014 2015 2016 217 2018 2019 amo 200 ll O CUSTO DO ATRASO DO AJUSTE FISCAL' Além da relagio entre custo da divida eerescimento do PIB, existe outro fator elevante para a necessidade de financia- ‘mento piblico: © patamar de endividamento, A medida que a dvida pablica aumenta, para uma dererminada taxa de juros ¢ um dado ritmo de crescimento do PIB, maior é co servigo da divida e, portanto, maior o superivit primirio para estabilizar a relagio divida bruta/PIB. Considerando o nivel atual de endividamento piblico, ‘uma taxa de juros real delongo prazo.em média de 7,0% ao ano e um crescimento do PIB médio de 2,0%, 0 su- perivie primdrio necessirio para establizar a relagio 1 Ver Cysne, Rubens Penha (FGV/EPGE) ¢ Gomes, Carlos Thadeu de F. Gomes (CNC). 0 Gusto do Aoraso no Equacionemento da Ques- to Fiscal, agpsco de 2016. Trabalho apresentado no Forum Nacional em 15/09/2016. 24 Ne 129- Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 TABELAS SUPERAVIT PRIMARIO PARA ESTABILIZAR A DIVIDA. Longo Prazo 705 ‘Atraso no ajuste 1 800 Atraso no ajuste -2 900 70 20 38 7.0 20 40 7.0 20 45 ‘Obs: Superivicprimirio para eabilzar a dvi (6 a0 PIB) = (Taxa de juos real- Taxa de crescimenco do PIB)“ DBGG(e1). 1- Canirio de arasono sas no qual a DBGG alcance 80% do PIB. 2- Cenitio de atraso no sjute no qual a DBGG alcance 90% do PIB. vida/PIB é de 3,5% do PIB (Tabela 5). No entanto, um. atraso no ajuste fiscal, que nio atenda & necessidade de financiamento piblico e produza uma elevagio da divi- da piblica para 80% do PIB, aumenta também 0 supe- rivit primério necessério para estabilizar a trajet6ria de endividamento pablico. Quanto mais o governo demorar em fazer 0 ajuste fis- cal, medida considerada necesséria e urgente para frear 0 crescimento da divida pablica e estimular a retomada da economia, maior ficard a conta a ser paga por empresas ¢ trabalhadores ~ ou cortes que terio de ser feitos em servigos puiblicos como educagio e saide. Na situagio atual do Brasil, a relagao entre a divida piiblica e'0 PIB se eleva nao apenas devido A diferenga fortemente positiva entre o juro real eo crescimento do produto, mas também devido a um superivit primério negativo ¢ clevado. Isto posto, o ajuste necessirio para trazer a relagio divida liquida/PIB a uma condicio de sustentabilidade de longo prazo se torna cada dia mais dificil, em fungio do crescimento da divida. No trabalho antes mencionado, Cysne e Gomes caleu- lam 0 custo de se atrasar o ajuste fiscal, para diferentes cendtios, trimestre a trimestre, até 0 prazo de dois anos ¢ meio contados a partir de junho de 2016. Tal custo se mede pela redugio do déficit primario adicional Aquela que precisaria ser feita, caso. ajuste tivesse sedado em meados de 2016, Dependendo do cendrio e se a divida considerada ¢ a bruta ou a liquida, 0 custo do atraso va- ria entre 0,18% ¢ 0,52% do PIB ao ano. O custo anual pode ainda se situar acima de 0,52% do PIB se, a partir de meados de 2016, o juro real médio superar 7,5% ao ano, ¢/ou 0 produto crescer abaixo de 1,1% a0 ano. CONCLUSOES O excesso de liquide internacional, que atualmente suavi- za aassimetria dos resultados fiscaise monetitios, no pode set considerado fonte permanente de financiamento, dadas asincertezas externas atuais (vide aeleigao americana). E consenso que hi um problema estrutural nos gastos piiblicos que tende a continuar crescendo ante © PIB ros préximos anos, principalmente devido & expansio das despesas com beneficios previdencidrios. Hi um roblema também estrutural do lado da arrecadagio tri- utaria, que tende a recuar como proporsio do PIB nos prdximos anos. A receita tributiria federal deve permanecer fraca, por- que a queda da composigio do crescimento nao seri favoravel 3 arrecadagio, A maneira mais provavel de 0 Brasil sair da recessio atual é por meio do crescimento das exportagdes liquidas ~ beneficiando-se da mudanga de pregos relativos. Esta nova fase do crescimento no serd favordvel 4 arrecadagio federal, a0 contririo do his- tdrico dos tiltimos anos, em que o crescimento foi puxa- do pela demanda doméstica. (© quadro ¢é preocupante, uma vez queo ponto de partida, ‘ou o resultado primirio nos tiltimos 12 meses (-2,51% do. PIB), jé é bem inferior as estimativas do resultado prima- rio necessério para estabilizara divida em longo prazo. Logo, a politica monetiria, ao manter taxas de juros reais, clevadas para alcangae resultados mais ripidos na politica ant-inflacioniria, pode esbarrar na inércia de implemen- tagio das reformas como a da previdéncia, e contribuir parao ressurgimento futuro da predominancia fiscal, aso ‘confianga nao se restabeleca ea atividade continue fraca. Ne 129- Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 25 Servicos internacionais Bradesco * Agilidade para suas operacées de importa¢do e exportacao. * Mais praticidade no dia a dia de sua empresa. * Soluc6es diferenciadas e equipe especializada. 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Primeiro, embora nao tenha representado ameaga maior para a estabilidade financeira global, a ampliagio desses desequilibrios vem revelando um desempenho inferior da economia global em relagio a seu potencial de produto e emprego, ou seja, uma trajetéria econémica global pds crise subdtima. Adicionalmente, a eorientagio de politica econdmica pré-anunciada para o préximo governo dos EUA sugere a possibilidade de volta de tensio em tomo de desequilibrios em conta-corrente em escala global. os DESEQUILIBRIOS GLOBAIS ESTAO SUBINDO NOVAMENTE? Nos tiltimos cinco anos, o Fundo Monetirio Internacional (FMI) vem produzindo um relatério anual sobre a evo- lugio dos desequilibrios externos globais — superivits e déficies em conta-corrente ~ e as posigdes externas liquidas ~ estoques de ativos estrangeiros menos passivos ~ de 29 economias sistemicamente significativas, Os resultados para 2015 mostraram um aumento moderado dos desequilibrios globais, depois de terem diminuido apés a crise financcira global (GFC) e se estabilizado no perfodo intermediario (IMF, 20 16a) -ver Grifico 1. Segundo o relatério do FMI, a evolugio mais recente dos desequilibrios refletiu principalmente tés fatores: Em primeiro lugar, a recuperagio entre as economias avangadas prosseguiut de forma assimétrica. As recuperagdes mais fortes nos EUA € no Reino Unido em relagio & Zona do Euro ¢ a0 Japio conduziram a divergéncias nos caminhos ‘Todasas opinides aqui expressas sio do autor e nao representam as da instituigio ou dos governos que © mesmo representa no Conselho do Banco Mundial 28 N° 129 Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 projetados para as politicas monetirias ¢ & apreciagao do dalare da libra escerlina (pré-Brexit). Os déficits dos EUA ¢ do Reino Unido se ampliaram, enquanto os superavits aumentaram no Japiio e no conjunto de paises devedores € eredores da Zona do Euro (Grifico 2). GRAFICO 1 Em segundo lugar, a queda dos pregos das commodities — especialmente do petrdleo — transferiu renda dos expor- tadores de commodities para os importadores. Contudo, no seu conjunto, apenas contribuiu moderadamente para a redugio dos desequilibrios. ‘Terceiro, as perspectivas de normalizagio da politica monetiria nos EUA, bem como os temores sobre a su avidade do reequilibrio da China, contribuiram para a desaceleragio das entradas de capital e das pressbes de depreciagio nos mercados emergentes (Canuto, 2016a). No conjunto, maiores déficits dos EUA ¢ superdvits au- mentados no Japao, na Zona do Euro como um todo ¢ nna China mais do que compensaram a queda nos supe- rivits nos exportadores de petrdleo, os menores déficits nos mercados emergentes deficitirios e sua redugio nos paises devedores da Zona do Euro, Assim, os desequi- librios globais em conta-corrente aumentaram no ano passado, ainda que “moderadamente’, Uma imagem de desequilibrios globais mais clevados emerge, no entanto, caso se focalize nos excedentes crescentes de dois grupos de economias sistemicamente relevantes. O Grafico 2 mostra como na Zona do Euro 1s déficits nos paises devedores encolheram em para- DESEQUILIBRIOS EM CONTA-CORRENTE (2001-2015) (EM % DO PIB MUNDIAL) om ua me Emergentes vero = Jie Outros Supceaesion — Discrepincia MN Economias aangadas Ga. Beetanha econmodiis Leste da Asin Alrnan/ (outros) Holanda ‘ames ewsadon mam Exportadores Seperation de petaleo 201 2001 2003-2005 20072009 2013 201s Fonte: IMF (20163). Ne 129- Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 29 4 Economia Internacional a GRAFICO 2 ZONA DO EURO - EVOLUGAO DE POSIGOES EXTERNAS (2005-2015) (EM % DO PIB DA ZONA DO EURO) CContacoeentee Tats de Cimbio Rel Bits (TCRE) Psigo Liga de vos Exemot 5 106 30 s| wee Palses Credores ie (cselaa dine 20 3 a2 ie 10 1 100 0 ° 98 410 a 96 20 2 a 4 30 Paises Devedores “4 2 40 2005 2007-2009 201120132015, 200520072009 «2011.2013.-—«2015, minnie Aversa Porngal SN Geich NFgsaee TORE tein Epa Bagg Hands Alans —O—Tedon Fontes IMF (20169). GRAFICO 3 (EM USS BILHOES) SUPERAVITS EM CONTA-CORRENTE DO LESTE ASIATICO E DA ZONA DO EURO (im Usb) Foner IMF (20166). 30 Ne 129- Outubro/Novembro/Dezembro de 2016 lelo com a manutengio de excedentes nos paises credores (com leve subida no caso da Alemanha). Embora a posi- Gio liquida de passivos dos devedores nao tenha diminui- do proporcionalmente, seu ajustamento da conta-corrente corresponcleu a superivits crescentes da Zona do Euro em conjunto em rdlagio ao resto do mundo. Setser (2016), por sua vez, chamou a atengio para a forma como as seis maio- res economias do Leste Asiético - China, Japio, Corcia do Sul, Taiwan (China), Hong Kong (China) e Singapura ~ reverteram o declinio pés-crise financeira global de seus superivits ¢ o nivel destes estio atualmente em patamares superiores aos da Zona do Euro (Grifico 3). Essa dupla trajetdria de superivits crescentes vem susci- tando preocupagées com o ressurgimento de crescentes desequilibrios em conta-corrente como fonte de riscos para a economia global. Embora Eichengreen (2014) te- nha declarado o fim da “era dos desequilibrios globais’ ‘mais recentemente outros acreditam estarem “de volta” ¢ afirmam que “os crescentes desequilibrios globais devem soar sinos de alarme” [HSBC, segundo Verma e Kawa (2016)]. Antes de abordarmos esta questio, no entanto, vale primeiro analisar como o perfil dos atuais desequili- brios difere daquele anterior 4 crise financeira global OS DESEQUILIBRIOS GLOBAIS EVOLUIRAM A “era dos desequilbrios globais” até 2008 (Grifico 1) teve em seu micleo dois processos dstintos,embora combinados. Por um lado, o crescimento impulsionado pelo crédito, gerado pelas bolhas de ativos nos EUA e seu efeito-ri- queza, intensificou a tendéncia jf presente de uma ab- sorcio doméstica (particularmente o consumo) crescen- do mais rapidamente do que © produto interno bruto (PIB). Isso resultou na queda das taxas de poupanga pessoal e em aumento significative dos déficits em con- ta-corrente (Canuto, 2009; 2010). Por outro lado, a acclerada transformagio estrutural co rapido crescimento na China ocorreram com niveis de poupanga ¢ investimentos elevados e erescentes, fazen- do-seacompanhar de superivitsem conta-corrente cada vez maiores (Canuto, 2013a). Duas observagées sobre esses processos distintos, porém combinados, se fazem necessirias. Primeiro, o déficit bi- lateral dos EUA com a China no periodo, na verdade, encolhe um tergo quando medido em termos de valor agregado, em decorréncia do faro de que a China tor- nour-se um clo final de cadeias de valor com estigios in- termedidrios fornecidos do exterior (Canuto, 20136). (O desequilibrio bilateral entre os EUA e a China cons- tituiu, portanto, um canal de vendas de bens ¢ servigos paraalém da China. Em segundo lugar, embora muitas vezes ais processos se- jam vinculados como imagens no espelho um do outro — como na hipétese de um “excesso de poupanga” ou de reservas externas na Asia causando baixas taxas de juros ¢ aumento dos pregos dos atives nos Estados Unidos (Ber- nanke, 2005) — as bolhas de ativos dos EUA estiveram mais fortemente associadas 20 “excesso de elasticidade do sistema monetitio e financeiro intemacional” do que a superivits em conta-corrente da Asia (Borio ¢ Disyatat, 2011), (Borio, James € 2014). Os desequilibrios globais em conta-corrente nio servem como explicagéo Para a crise financeira global originada nos EUA. Mais relevante quantitativamente na formagio de bo- thas de ativos nos EUA foi o processo pelo qual bancos curopeus captavam recursos no mercado monetitio nos EUA e sustentavam ~ diretamente ou nio ~ posigées em ativos téxicos. Enquante ‘ocorria 0 uso de seus ba- langos como instrumento de alavancagem, nos balangos de pagamentos os fluxos brutos de recursos de curto prazo dos EUA, para a Europa faziam-se acompanhar por saidas correspondentes de financiamento de longo prazo na diregio inversa, com correspondentes saldos diminutos nas contas de capitais. Um paralelo entre China ¢ EUA pode ser estabelecido dentro da Zona do Euro, incluindo sua experiéncia pos- terior com um “segundo mergulho” da crise financeira global. A entrada em vigor do euro como moeda comum ‘em 2000 foi seguida por uma convergéncia de prémios de risco dos paises-membros em diregio aos niveis alemies € para luxos bancérios transfronteirigos em condigdes extremamente favoriveis. Consequentes bolhas de ativos criaram efeitos-riqueza ¢ excesso de absorgio doméstica ~ para além do inchago da intermediagio financeira ~ no sul da Europa ena Irlanda e & subsequente crise da divida privadae fiscal. O padrio de desequilibrios em conta-cor- rente intra-Zona do Euro apresentados no Grifico 2 foi principalmence uma consequéncia da euforia ocorrida em condigdes de “excesso de elasticidade” do seu sistema financeito. (O superciclo das commodities também ajucou a moldar os desequilibrios globais neste perfodo, visto no Grifico 1.No entanto, em grande parte foi consequéncia do extraordindrio crescimento global anterior & crise, durante o qual as econo- ‘mias emergentes ~ com PIBs de maior intensividade no uso Ne 129- Oucubro/Novembro/Dezembro de 2016 31 de commodities ~ mantiveram tendéncias de crescimento cima das economias avangadas (Canuto, 2010). Enquanto esse padrio de desequilibrios globais se des- dobrava antes do colapso financeiro global em 2008, muita discussio ocorreu sobre seu proprio potencial para desencadear uma crise caso disparasse algum tipo de “parada sibita’ nos fuxos. Os superivits em con- tacorrente da China foram impulsionados por niveis depreciados de sua taxa de cimbio, sustentados apenas com o acimulo de rescrvas externas. A mesma evolugio foi interpretada por alguns como a expressio de um ex- cesso de poupanga nio acompanhado por disponibili- dade doméstica suficiente de ativos seguros e liquidos como os titulos do Tesouro norte-americano. Independentemente da énfase de causalidade estabele- cida entre, de um lado, estratégias de crescimento via exportagio e, de outro, a combinaciode excesso de pou panga c escassez de ativos seguros e liquidos, os analistas se dividiam em dois campos, como descrito por Eichen- green (2014). Alguns analistas temiam uma possive eri- se de confianga no délar levando fluxos de capital a uma parada sibita, enquanto outros viam os desequilibrios como uma troca mutualmente benéfica de bens baratos por ativos liquidos seguros e liquidos. Nesta se- gunda visio, os desequilibrios poderiam gradualmente se dissolver & medida que as estratégias de crescimento via exportagdes chegassem ao esgotamento e/ou odese- jo de acumulagio de ativos se aproximasse da saciedade. De qualquer modo, a crise aconteceu antes que adispuca fosse resolvida e os desequilibrios globais comegaram a atenuar na sequencia. As taxas de poupanga pessoal nos EUA comegaram a subir, niveis domésticos de alavan- cagem financeira declinaram, o délar desvalorizou ¢ déficit em conta-corrente dos EUA recuou de quase 6% do PIB em 2006 para niveis muito mais baixos a partir de 2009. Ao mesmo tempo, a China iniciou seu “grande rebalanceamento’, com 0 objetivo declarado de mover- se do modelo de crescimento orientado para as exporta- ges e sustentado com investimentos a0 redor de 50% do PIB, em direcéo a outro com maior peso de servigos ¢ do consumo doméstico, 0 que incluiu uma apreciagao cambial € menores metas de taxa de crescimento. Isso no correspondeu & mudanga imediata de trajetdria, jé que a cautela contra uma aterrissagem forcada no perio- do pés-crise global se fez acompanhar de um surto de investimentos imobilirios e em infraestrutura como componente da transi¢io (Canuto, 2013a). Como ja abordamos, os déficits também diminuiram na Zona do Euro na sequéncia de sua crise da divida. :conomia Internacional declinio dos pregos das commodities, por seu turno, também ajudou a reduzir os desequilibrios globais. Portanto, os desequilibrios globais nio provocaram uma crise e voltaram em configuragées diferentes. Dado «que nao se espera ~ nem se deseja ~ que saldos em conta- corrente sejam necessariamente zero, como avaliar se © recente aumento “moderado” detectado pelo FMI e que abordamos inicialmente pode ser mau pressigio? Os «que manifestaram preocupagio com o aumento dos ex- cedentes no Leste Asidtico ¢ na Zona do Euro tém boas razOes para tal? Para responder a cssas perguntas, ser util analisarmos a seguir 0 exercicio de julgamento do FMI sobre se tais desequilibrios globais recentes foram “excessivos, ou seja, inconsistentes com “Fundamentos e politicas dese- javeis” (IME, 2016a, Quadro 1), QUAO DESALINHADOS COM OS FUNDAMENTOS TEM SIDO OS DESEQUILIBRIOS EM CONTA- CORRENTE MAIS RECENTES? Nao se espera que economias nacionais exibam neces- sariamente saldos nulos em conta-corrente 2er0 ou €s- toques liquidos de ativos externos préximos de zer0. Em decorréncia de fatores “Fundamentais’,em qualquer periodo de tempo a absorgio doméstica — consumo € investimento — pode set maior ou menor que o PIB lo- cal, com correspondentes entradas ou saidas de capital: (i) diferengas nas preferéncias intertemporais nas estru- ‘turas etirias de suas populagées significam diferentes proporgdes de consumo doméstico em relagio ao PIB; (ii) diferengas nas oportunidades de investimento tam- bém tendem a induzir a fluxos de capital; (iii) diferengas nos niveis de desenvolvimento institu- ional, nos status de moedas locais como ativos de reserva ¢ outras caracteristicas idiossincraticas tam- bém geram fluxos e desequilibrios de eapical; (iv) fatores ciclicos ~ incluindo flutuagées nos pregos das commodities ~ também podem eausar aumentos € declinios transitérios nos saldos: € (v) as posigGesem termos de ativos externos liquidos dos paises tém também uma contrapartida em cermos de pagamentos de servigos em suas contas correntes. 32 N° 129 Outubro/Novembro/Dezembro de 2016

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