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© ARGUIDO COMO MEIO DE PROVA CONTRA SI MESM ‘CONSIDERACOES EM TORNO DO PRINCIPIO ‘NEMO TENETUR SE IPSUM ACCUSARE ‘ ‘Saxe Ouiveina Sta + —INTRODUGAO Na revensio da tese de habilitagdo de SCHNEIDER, Grund und Grenzen des strapvechtlichen Selbstbegiinstigunsprinzip auf der Basis eines gene- ralpraventiv-funktionalen Schuldmodells, ROGALL afirmou que «os proble- mas fundamentais da liberdade contra a autoincriminago se mostram, no cessencial, resolvidos» ©, Esta afirmagio axiomética — para mais pro- ferida pelo autor da obra que, na Alemanha, constitui ainda a base dog- (0 texto que ago a publics scrviu de ssporte& connuicagéoapreseatads ot 12 4e abril de 2013 no Seminiro obrigardrio para esadantes de doutoramento em Direito promovido pela Comissto Centiea do 3 Clo de Estudos em Dircit. A niiativa love ‘Yous na itengto de instr um frum de discuss, apermitindo aos eatudoner de done loramenio apesenter uma simula do respetiva pejeto de investiga e reechercomentris sugestes de quem se eneonra envoluido em percwrsos similares. Ese sto tem, sin, a maa genética da finale que lhe deu corpo € so pode debar de ser lio luz dessa ‘speifio naidade. Ponderads todos of sens coenvolvdos, dcidimos que a oportunidad de diflogo crtco sobre o tema deveriatangporo eiteulorestrto da comuniade dos dow ‘orandos pela FDUP e, pea pubiceto, estenderse a toda a comunidade cientfica (#9) “Assistente da FDUP, Mesire em Ciocias Juriico-Criminais pelt FDUC © Dousoranda em Dizeto pele DUP. (© Klaus Rogatt, eRezension von Schneider, Hannu: Grund und Grenzen des aft clilichen Selbsbegonsigunsprczp auf der Bass eins generalrventv-inzionlen Sehuld- modell, Sr (196), 6. No mesmo sentido se pronunciara virias décadas anes Ns sobre 0 dirt 'o silnei, qualiieando-o como uma “evidrci (‘Binsenvelshelt’) process (f Werner Nase, eNarkoanalyse als doppelfuksonsle ProzStandlung», ZS 63 (1951), 219) Ea Sandra Olvera e va imético-cientifiea das discusses sobre a liberdade contra a autinetimina- fo ® — constitu: um sério desincentivo ao tratamento do tema numa Jissertagio de doutoramento: um consenso minimo sobre as questées cessenciais foi atingido , aparentemente, a andlise esta esgotada © univoco reconhocimento do nemo tenetur se ispum accusare ¢ 0 amplo acordo da doutrina © da jurisprudéneia sobre os scus postulados rucleares nao iludem ©, todavia, a subsisténeia de dvds e hostages sobre 6 alcance e os contornos do principio, nem tHo-pouco a emergéncia dos novos tépicos problematicos antes insuspeitados — desde'a questio da sua aplicabilidade as pessoas coletivas até & utlizaglo de meios ocultos de investigapio para a obtengio de declaragSes autoincriminatérias (interroge- torios “disfargados”), passando pola uilizaglo de eméticos ¢ pela recolha de amosttas corporais para anilises de ADN. As velhas questBes e 0 novos problemas entelapam-se ¢ apresentam-se agora de uma forma tho penetrante € ungente que 0 nemo tenetur se tem convertido em matéra-prima de um inesgotével caudal de construges dogmaticas ¢ solligdes jurisprudenciais. Esta renovada atengio sobre o dircito a nao eufoincriminago conta- giou também, nos dltimos anos, a doutrina nacional. Que se multiplicou em artigos, pareceres © comentirios, versando sobretudo — mas ndo ape- nes — as obrigagGes de entroga de documentos e prestagto de informasses em processos sancionatGrios tributérios ¢ nos setores supervisionados Walores Mobilirios, Banca e Concorréneia) ® Referimo:nos & tese de habiitagto de Klaus RoOAtt, Der Beschuldigte als Reveizoitel gegen sich selbst, Basins Duncker & Humblet. 1977 8A descria consensvalidade do principio é referda, entre nds, por Manvel de Costa AnonAds, Sobre as proibigdes de prova em processo penal, Coimbea: Coins Editor, 1992, 125, , na juisprudénea, pelo Acérdto do Tribunal constitcional [-TC}] 1° 155/2007, de 2 de margo: vem primeito lugar 6 inquestiondvel que o citedo prinepio ‘em consagraco constnional, coforme resula da jurisprudénei dese Tribunal, (© Vejanse as obriqagdes de colaboragao previstas na Lei Geral Tibutria, no CCigo dos Valores Mobiles, no Regine Geral dat Insiuigdes de Créito e Sociedades Finanesiras © no Regime Furdica de Concortéacia. Sobre o sentido ¢ 0 aleance do nema ‘enetur nests seiores norativesespecifiens, podem eitar-se, sem grande rigor de ondena+ 0, Jorge de Fravensno Dias e Manuel da Costs ANDRADE, «Podetes do Supervisto, Dirsito ao Siltncio Provas Probides (parecer), © Federico da Costa Pikto, «Supervi- ‘slo do Mercado, Legalidade da Prova ¢ Divito de Defeea em Processo de Conta-Orde- rnagéo (parecer), ambos publicados em Swpervsdo, Direito ao Silancio e Legalidade da ‘Prova Coimbra: Livraria Almedina, 2009; Vinia Costs Rawos, «Corpus duis 2000 — Impo- sigdo ao arguido de enrega de documents para prova © nemo tenetur se ipsum aecusaren, Publicado em dues partes na RAP 108 (2006), 125-149, e 109 (2007), 57-97; Liliana da 0 erguide como meio de prova contra si mesmo _ 363 Por isso, ¢ contrariando a aparéncis inicial de unanimidade, «o nemo {fenctur nio & afinal um principio processual tao “aproblemético” que jus- ifique a anunciada perda de interesse no seu estudo, A resolugio das situag6es de conflito tipicamente ligadas & sua aplicacto e a determinayao do seu efeito-i-distancia tem, pelo contririo, suscitado nos titimos tempos preocupages cada vez mais sérias» ©. Justificada parece, por conseguinte, a atengao demorada que decidimos reservar-Ihe, SiLWA Sh, «O dever de cooperseio do contribuinte versus 0 digeito& no auto-incrimine- ‘0, RMP 107 (2006), 121-163; Fatima Reis iW, «O dieito nfo sutoineriminagion, ‘Sub Uudice 40 (2007), 59-74; Paulo de Sousa M=NDEs, «© dever de coldboragdo © a girantas de defesa no proceso sanelonaco especial por prticas resuritvas da conco ncn, Julgar 8 (2008), 11-28; Helena BoLa, «O diteito ao silencio e o esatuto dos supervisionados & luz da aplicagio subsidria do processo penal aos processos de con treordenagéo no meresdo dos veloet moiliros>, RCE 14 2010), 384-130; Ana Pas- CConL Curabo, &As averiguaptes preliminares da CMVM no mbit da lta contra a eri= ‘minalidade financsica:natureza juridca e apllcagto do principio nemo tenenors, Revista de Coneortincia & Regulapto 3.(2012), 239-274, e os esudos publieados no Dossier “Temitica 1 (O dever de colaboragio e 0 principio nemo tenet se igeum accusare) da Revista de Concortncia & Regulagdo 1 (2010), a saber: Paulo de Sovsa Mentes, «As saratias de defesa no processo senclonetéro especial por pitas resrivas da concor~ Fencia eonfrontadas com a jurisprudéncia do Tribunal Furopeu dos Direitos do Homer, 121-144, Helena Gasrar Maxrio, «0 dieito ao silencio e& nfo auto-ineriminay 0 nos processos sancionaros do direlo comunitiro dx concoréacan, 148-174, VEnie Costa Rawos, «Nemo fenetr se spum aceusare ¢ concorréncia:jurisprudéneia do Tribunal de Comércio de Lisboa», 175-198, Cutarina ANASTACIO, «O dever de colaboragdo no ambito fos processes de soniracndenasio por infacgda ts tegras da conoorréacir a pinnnin hemo tenetur oe ispum aceurares, 199-253, Augusto SiLva Dias, «O dielto & nfo tuto-inealpagso no Ambito des conim-ordenagdes do Cbdigo dos Valores Mobiliarios, 237-265. Com um alcane mas gral, ef. Manuel da Costa AND#ADE, Sobre as profes de. prov tity 120-132; Auguste SUVA Dias e Vania Cosra Teas, O diet & nde ‘autoinculpaeo (namo tentut so ipsum accuser) na processo penal e eontra-ordenacio- nal portugués, Coimbra: Coimbra Editors, 2009; Joana Costa, «O principio mmo fenetur ‘ng Jurisprudéncia do Tribunal Europeu dos Dieites do Homem», RMP 128 (2011), 7-183; Sonia Frpatco, «Determinagio do peril genético como meio de prova em pro- ‘cesso penaln, RPCC 16 (2006), 115-148 (esp, 140-142), Gongalo de MsLo BANDE, ‘cAnotagdo, numa perspeativa de Divito Penal ¢ de Criminologa, de alguns aspectos do ‘Acérdto do Supremo Tribunal de Jusign (Portugués) de 28 de Setembro de 2011 — os ‘problemas do dicta ao siltcio do dever de o eguido em se sujeitarm, RCEY 16 2011), 31-100, Jorge Reis Baavo, ulatervengdes corpora probatarase direitos fundamentals ‘compaibildade limites», RFDULP I (2012) 1 Karl Lackwen, eLiterauraborsicht. Festschrift fr Hanns Duanebier um 7. Geburtstag, VSI (1993), 254 364 Sandra Oliveira ¢ Siva II — DELIMITACAO DO PROBLEMA # comum afirmar-se que o principio nemo tenetur se ipsum accusare constitui pedra de toque decisive na delimitagzo das fronteiras entre 0 processo de estrutura acusatéria e as manifestages de inquisitoriedade processual . Confirmando esta intuigio genética, verifiea-se que, de facto, 0 diteito a0 siléncio e & nfo autoincriminage nfo tinka qualquer valor hermenéutico no inquisitério medieval: o suspeito era obrigado a declarar contra si a fazé-lo com verdade. A confissio do arguido, cons- titwindo probatio probatissima, bastava para fundar a condenagio sem admissibilidade de prova em contririo e tomava impossivel o recurso [Nao surpreende, assim, 0 empenho em obté-la a todo o custo— tomando “justficdveis”, como instrumentos de investigagéo, os tormentos e o iura- mentum ad veritatem dicenda, as porguntas capciosas © as promessas falsas, 0 engano ¢ a persuasto dolosa ©. ‘Como ponto de partida do nosso estudo, pode, seguramente dizer-se que, num modelo de estrutura acusat6ria colocado hos antipodas do des- ctito, 0 memo tenetur hé-de proteger 0 arguido contra todas as tentativas de obtengao costiva de declaragées autoincriminatérias e, assim, assegu- rarthe um amplo direito a0 silEncio ou liberdade de declaragéo. ‘A questdo & a de saber se, fora desse fundamental e originério circulo de operatividade, o principio protbe também as demais formas de obter do arguido, contra a sua vontade, informagées, vestigios ou outros materiais probatérios itcis a demonstragao da sua culpabilidade ®. E, no que con- © Cf, por todos, Menue! de Costa ANDRADE, Sobre as proibigies de prova, 122, ® A confesso in we intgrava, com 0 flagrete doit ¢ 0 e350 julgado, © topo 4a hlerarquiaprobatria na toria da prova legal (0 aotarum), © era comummente qual fieads como regina probation. Sobre o su valor probetéi, cf, com amplasindieay Bes biblogrticas, Paolo Marcuicr, Testis conta se: 'impufato con fonte di prova nel proceso penale dll ets moderna, Milano: Giufré Baitore, 1994, 20 ¢ , "Pode dizerse que, de uma forma bem diferente da. ata, © arguido esta no centro da metodologia processus: eculpado ou no, o acusado sabia coisas importantes, se foda a sua meméria transparccesse, 0 caso sri inflivelmentereslvidow (Franco Cox ERO, Procedura penal, 6" d., Milano: Glufice Edtore, 2001, 23), ‘Em coneret, ¢ como js referi, discute-se se © em que temos pode o arguido ser submetido a medidas de investigagio que inekdam sobre 0 seu corpo — pensemes, % g. nos reconhecimentos compulsivos, na extracio de amostas de sangue, cabelo 0b saliva para eterminagto do perfil de ADN, na realizagao de wma cirrgin part a temoglo de um projil ow a ulilizapto de emstens para reeuperar droga, nt colsboragto forgada 0 carguido como meio de prova contra si mesmo 365 come a estes nédulos problematicos, parece que a doutrina e a jurispru- dencia se encontram, de facto, numa verdadeira “encruzilhada” &, Il — PERCURSO DA INVESTIGACAO A escotha do rumo a seguir na mencionada “encruzilhada” condicio- nar certamente os resultados a atingir na demarcasio da area de tutela do nemo tenetur, ou seja, na definigio do seu verdadetro sentido e alcance (1). -Embora nfo nos furtemos aos caminhos sinuosos e agrestes da historia (@), colocaremos no centro de gravidade da investgagio @ aproximagéo a um de delimitagao do alcance ¢ contornos da prerrogativa contra 4 autoineriminagao (d)). A determinagdo desse crtério no prescinde da con- sideraglo dos fundamentos consticionais do principio (b)) — ainda que, como se explanari cm sede propria, a referéncia & Lei Fundamental nfo deva ser sobrestimada —, nem da andlise comparada das normas e construgtes tebricas que, noutros quadrantes juridicos, tém emoldurado o problema (c)). Constiuiré epilogo deste itinerério, a interpelaglo, a luz do ertério proposto, das solugées normativas e jurisprudenciais encontradas para alguns dos segmentos criticos que 0 nemo tenetur poe em evidéneia (2). 1. O sentido ¢ 0 aleance do nemo fenetur 4 Contributes da historia para a compreensio do principio? 1. Na doutrina alema, so varios 05 autores que manifestam 0 seu ceticismo a respeito da intencdo de encontrar na histéria das instituigoes subsidios determinantes para a delimitagao dos contornos atuais da prer- rogativa contra a autoincriminagao “” — uma prerrogativa que, na opinitio uma *recotha de aubgrafos” para comparagio do caligrafia, Num plano muito distinto, ‘uestiona-se se ¢ legit valorar contra 0 arguido delaregbes comprometedoras por ele profridas de forma voluatiria mas desconheeendo ser ouvido por funcionarios da policia (00 tercetos ds suas ardens. ‘00 A observagio,citada repetidamente nos textos alemfes sobre 0 namo tenetur, 4 ilo a um estdo de Claus Roxms, «Nemo tenetur: die Reelsprechung. am Scheidwep», SIZ (1995), 465-46. 100 Por todos, eitcament, Nikolaus Roses, Agpelre des nemo-tonew-Prinsips caus verfssungarechlicher und strafprovesuater Sie: Lin Beitrag zur funllonsorenter- ten duslegung des Grandeatzes "nemo tnetue se ispum accusare", Berlin: Duncker & Humble, 1997, 96 e's. 36 Sondra Oliveira « Siva comummente aceite, transcende as fronteiras do direito ao siléncio © da proibigio de confissées forgadas. As consideragBes historicas sobre 0 processo perdem, de facto, virtualidades explicativas & medida que nos distanciamos da zona nuclear, constituida pelo direito 20 siléncio e pela proibigao da tortura, e nos aventuramos nos novos horizontes problemati- cos do nemo tenetur, onde se situam os deveres de colaboragio das pessoas coletivas, a extragao de material corpéreo e as andlises de ADN, a utili- zagfo de eméticos, os reconhecimentos compulsivos, as pericias de cali- srafia, ee [Nao se trate, pois, de fazer uma investigagdo sobre as origens © 0 desenvolvimento do nemo tenetur se ispum accusare, deslocada tanto dos objetivos como dos limites do nosso trabalho, mas tfo-s6, como diz. Cas- TANHEIRA NEVES, de «dar-the aquela dimenséo histérica sem a qual no podem compreender-se as insttuigdes humanas, e, sobretudo aquelas, como justamente as processuais, tdo intimamente vinculadas ao espirito © as intengdes ideotégico-juridicas das épocas em que surgem e se reali ‘ani ©, A este esforgo de contextualizagao nto preside uma qualquer intengdo de reduzir a garantia & expresso mais elementar do seu gésmen histérico, mas o intento de compreender as suas linhas evolutivas e des- cobritthe as potencialidades e os limites nos mares tormentosos em que agora se embrenha. 2. A primeira liso retirada da historia & a de que a prerrogativa contra a autoincriminagio ndo tZo vetusta como 0 cansado brocardo latino nemo tenetur se ispum accusare vel prodere parece inculear "®, > Aniénio Castanssiaa Neves, Sundrias de proceso eriminal, Coimbra: Coim- bra Editor, 1968 ‘© Sem rexo, por iso, Klaus Rocal1, Der Beschuldgte els Bewelsmitel.. cit, 67 e ss, que fez remontar a prerrogativa contra a autoineriminegao a0 ditto talmidico, frmando que a8 sues “raze” histrioas se encontzam. em Deateronémio, 19:15 («Non stabit testis unus contra alguem, quidguld lll peceat, et finare feerit: sed in ore dugrum aut trum testium stabit ome verburo» — lta testemunho isoledo no tek sufciente contra uma pessoa, seja qual foro Sou exime, asus eulpa 04 o pecado de que & sacusndo; com 0 depoimento de duas ou ts testemunas € que o seu caso sed tornado fem contar). Na referida passagem biblica nada se extai sobre um suposto ditcito do arguido @ no declerar; em causa std apenas uma regra sobre a suieiGncia de prov, ot jt, uma “regra de prova legal (negaliva)” Curus test, mullus tess"). Digese, als, fue us rfertncias de ROGALL is “antigasraizes do principio” sio perpassedss por unk ‘equivoca sotrepasigdo de concitos, onde se mistram regres legis de prova(neceridede rove contrast mesmo ao 367 Como segundo ensinamento, conclui-se, depois, que o diteito & nfo atitoincriminago conhecea uma evolugo nao inteiramente convergente no direito de matriz continental no sistema anglo-americano — o que explica as dstintas concegGes teéricas ainda dominantes em eada um dos modelos sobre 0s contomos ¢ as fronteiras.do nemo fenetur, No direito inglés, o privilege against sel-incrimination encontra as suas raizes no movimento de reago contra 0 juramento “ex officio” uusado como “meio de prova” nos tribunais eclesidsticos e nos Prerroga- tive Courts (Star Chamber ¢ Court of High Comission) — embora a garantia efetiva do direito do arguido a nifo declarer contra si mesmo se tena ficado decisivamente a dever & introdugdo da defesa técnica (para © arguido nao assistido por advogado, recusar-se a declarar perante os jurados, que decidiam segundo a sua convicedo pessoal, era o mesmo que cometer suicfdio ‘). Entre a inabilidade do acusado para declarar fem juizo (era “parte interessada”) e 0 seu-direito a no ser obrigada a testemunhar contra si mesmo, o direito ao siléncio foi o oceano atraves- sou € triunfou definitivamente na V Emenda da Constituigao norte- -americana (1791): «No person (...) shall be compelled to be a witness against himself. ‘A consagracdo do direito 40 siléncio no sistema continental inclui-se no amplo movimento de critica e reform das instituigdes nascido com 0 Tuminismo, Que evidenciava os abusos ¢ erros judiciérios a que conduzia (© método inquisitério, censurando em particular a desumanidade dos tor- mentos ¢ a fragilidade das confiss6es cosias. O direito do arguido a0 siléneio apresenta-se, assim, um elemento fundamental na controvérsia sobre 0 redesenho do processo penal ¢ 1 18 marca irrenninciével da trane sigdo para um processo de estrutura acusatéria: no renovado modelo pro- cessual, a confissio deixa de ser pressuposto essencial da condenagio e a dade) ¢ 0 dirito a0 siltocio (asuldade do aeusado de nao declarar contra si mesmo). Enquanto 0s dois primeirs aspetestém, defacto, aizs histrcasprofundas, a prerogativa contr a aut Criminagao $6 comecou verdaccramente a sfrmar-se como garatia do acusado no fin do século XVI ‘9 Cf John H. Lavoneng «The privilege and Common Law Criminal Procedure: ‘The Sixteenth to the Eightoonth Centuries, in The prilege againtsselfincrimination its drigine and developmente,Chicago/Lonéon: The University of Chicago Press, 1997, 96 ess, 368 Sondra Olveira¢ Siva sua obtengdo & todo 0 custo dificilmente se concilia com 0 estatuto de sujeito do arguido ©, E precisamente a historia que explica as diferengas veladas e subtis entre a compreensio do direito contra a autoincriminagio no modelo anglo- -americano ¢ no direito continental: ali, encontra-se a prerrogativa ind dual do arguido de no ser obrigado a testemunhar contra si mesmo (0 que nao obsta a que 0 acusedo, de forma voluntéria, suba & “witness box” e declare sob juramento); aqui, a renincia por parte do Estado as “declara- bes forcadas” das pessoas a quem a investigagao & dirigida (assegurada pela consagrago do direito ao siléncio e pela proibigdo de o arguido ser ouvido como testemunka “), 8) Os fundamentos juridicos do nemo tenetur 1. Na atual discussio processual, & incontestada a existéncia de uma prerrogativa do arguido a nfo sor obrigado a éplaborar na sua propria ineriminagao — pelo menos, na sua manifestagid mais elementar de um ilimitado e isrestrito direito ao siléncio 19 Bnquanto no inuisitro se resrava do ditto ¢ dever do Estado de ponir todos 5 erimes 0 consequentedirito de usar contra os eriminoses todos 0 instrumentas pro- betrios apies a aleanar esse objetivo, o movimento de reorma subinhou a posigfo do arguldo como sucito processus! dotado de ditits de defesa, Ni se espera jt do acusedo que eomparega diante da wibuna dos juizes como “objets” 2 quem 0 processo “6 fh”, antes Ibe facultado que ceclame no processo penal quer 0 respeto pelos seus dirios fanvamentais quer a concessto de postibldader eftivas de influence decade. "i" Nos ordenamentos de tradieso continental 0 arguido ests Impedido de deelarar como testemunha (ef, na nossa kel © at 133." I a), do Codigo de Proceso Pena), signiicando isto que, emibora posse prestardeclarsets no process eso afstadas em relagéa a si os mecanismos de constrangiment incentes i prova testemunhal Gurament, dover de verdade, nterogaisio ezzado). Ese impedimento & normalienteentendido como emanayio do sou drcito ao silncioe reorgo da sue posigao de sujeito process Diversaments, 0 arguido ¢ triads, nos sistemas de common Jaw, como uma competent mess € pole opi por testemunhar ort his own behalf assim, no direto inglés desde 0 Criminal Bvidence Act de 1898), recondwzindo-seo privilege against sof Incrimination & faculdede de esotherlivemente se prctende ou nfo prestardecleragbes ajramentadas, sem que essa faculdade poss ser eondicionada pela acusngdo (Que ext, concomitantemente, impedide de tecee qualquer comealiro sobre s revi. (©) Na Alemanha, apenas Fiscier defendew ums restrigfo parcial da berdade negatva de delarac do arguido nos easoe de bagticis penas(defendendo wma corei= biliade limitada pra x auloincritnnacto, mediante a aplicagao de sangdes contaoedent- consis para obrgar © argue confessar infrasao) (ef. Bianca Fists, Divergerende 0 exguido como 369 Nio perevem exist dividas, também, sobre a dignidade constitucio- nal do memo fenetur se ispum accusare, entendido de forma quase unfnime como um principio processual diretamente ancorado na Lei Fundamen- tal , Podem, assim, dizer-se atualmente superadas as objegdes eriticas que, com profunda ironia ¢ algum sentido de humor, BENTHAM dirigiu ao privilege against self-incrimination — qualificando-0 como produto de um sentimentelismo infundado e designando como “old woman's reason” © “fox unter’: reason” os fundamentos tradicionalmente apresentados para a Sua justificagdo dogmatica 2. Breviater causa, nio nos demoraremos na explanagio dos funda- menos jus-constitucionais do nemo fenetur — deles daremos apenas breve Selbstbotasungoplichten nack geltendem Recht, Belin: Duncker & Humbiot, 1979, 120 © 8). Esa proposta mereceu vives erticas da douiine nto encontrou outros seguidores* "No smbito das contaordenages, a supressio do memo tanetur foipreconizada por Heemann ‘SrOMEFLER, «Das Schweigen im Swrafverfahren oder Bubgeldverfihnen, DAR (1973) 9, ‘ama opin aeolhida também, em tempos mais reeeas, por Heinz Scwocu, aVerdachts- {ose Atzmalkokolkontolle und Grenzwersussion», DAR (1996), 49. (Para além da V Emenda da Consiuigio nore-american, wmbém ovcas Les Fundamentals reeonhecem, expressamente, 0 dieto conta a aoinerimingyto (p. ex. a CConstituigde brasileira, art $2, ineiso LXUI, © 8 Constiuign expanbole, ar. 24°, n° 2) Emibora nao soa esse 0 caso da Grundgesee (GG) alin — nem da nosss Constiuigho ‘al nfo impede a doutriaa de, quase unanimernents, quaificar © mem fnetur eo «pine ‘ipo constitucional ndo eserton (ef, por todos, Gerald GnOvwato, «Mensehenrehts im Strafprozes, St (1987), 453). Com divdas sobre o estauto constuclonal do dito ‘ontea ¢ autoincriminagSo, ef, Karl Parene, «Literaturerict, Berprechung von Klaus Rogall, Der Beschldige els Beweismite! gegen sich seleste, ZS 91 (1979) 121 e 53, ‘que qualia o principio coma simples direito processual do arguido ¢ das testemunas, fundedo em considerages erminolgicas e de propocionlidade, A wma derivasao cons: tituional do nemo fener opSese, também, Hermann SrGNeruen, «Das Schweigen im Swafverabren.2, eit, 8 "i" Em yrmos simples — escrve BexTHAM — a méxima mo é mals nem menos do que um toalabsurdo»,apelidando depois de “old woman’ reason” «idea de seordo ‘com a qual é demasiado “severo™ (Char) obrigaralguém a contribuir par a sua conde- raga e de “fox hunter + reason” a8 consideragoes de founess processualapontades para justiear oprinelpio (al como 0s cagadores tm de preservaralgumasreposes para pose rem continua a eajar, também os advogados tm de conseguir a libertagto de alguns ‘iminosos para continuarem a exec). Cf, Jeremy Bewniaw, «Rationale of Judicial idence, 485, 451 ¢ ss, The Works of Jeremy Besthon, now first collected under the superintendence of hs exeeutor John Bowring, Past XIV, Edinburgh: Wiliam Tai, 1840, {a sitese do seu pensarteno por John H. Laxousi, «The Privilege and Common Law (Criminal Procedure... et, 98-100 370 noticia, acompanhando pari passu a sistematizagio usada na doutrina germénica para arrumat o amplo leque de propostas de fundamentagio que, desde a conhecida “decisto sobre a insolvéncia” (“Gemeinschuldne- remscheidimg”) do Tribunal Constitucional Federal de 1981 , t8m sido apontadas pela doutrina @, Partindo da dogmitica tradicional, é usual enquadrar os fundamentos constitucionais do nemo renetur dues espécies distintas, concebendo-o, alter nativamente; como direito material de liberdade ou como garantia processual fundamental. Entre os fundamentos de natureza sudscanriva comummente accites contam-se 0 respeito pele dignidade humana (Art. 1 I GG) ®, a liberdade geral de ago ¢ 0 direito ao livre desenvolvimento da persona- lidade (Art 2 11 GG) 2 e, mais recentemente,o direito & autodeterminago (2 Este devs, publica om BYeGE 36, 39, consi um marco fundamental na cevolugto da dourina da jerisprdéncia lems, enubuindo pra 0 apeofundameno da die- ‘asso sobre os fndamentos do nemo tener para a sun iraiayao a otros dominios proces: suas (Givi, eontaordenacional. Pare uma anise detida da citada deeste, vide Daniels KuenmesteskaMe, Kreditwesengeset2 und Sirafverfehren: Zar Bedeutung des “nemo- -teneur™ Prin fi das barkaficliohe Hrfalven, Tbigen: Moe Sicbesk, 2010, 225.248, ‘20 Sobre este tema cf. Nikolaus Bosc, Aspele des nemo-tenetur-Prinzps., ct, 27-106; Martin Bose, «Die vecfssungsrehilchen Grundlagen des Satzs "Nemo tenet Se Ipsum accusare"s, GA (2002), 98-128; Daniela Ktxiauistenkanp, Krediwesengeset and Strafverfaren... cit, 260-225; Ralf Kouaet,Selbtbelastungsreihelz Der nemo-ene- tur-Satz im materilton Sirafrecht, ecln: Duneker & umblo, 2005, 275-305; Heinrich Amadeus Wotrr, Selbsbelesung und Verfabranvenmung: Dax Vorbot des Zwanges zur ‘aktiven Minvirkung am eigenen Sirafeerfahren und seine Austrahlungswirkung auf dle gesetlichen Mireirlanerfichien dor Vorunlnngerechte, Berlin: Duncker & Humbiot, 1997, 28-48, Entre nés, com clara inspira na dourine alam, f. Manvel de Costa ‘Avpeabe, Sobre ax probirdes.. cit, 124-127, Vania Costa Rass, «Corpus luis 2000, (Pane t).., cit, 9-72, © Augusto Siva Dias e Vania Costa Rass, O dirito do ‘tovineulpapto. cit, M17 2 “A citada decisio do BYEr/G sobre a inslvéncia elude, expressamente,& dign- dade da pessoa humana como fundamento do nemo tenstur(embora se retire também, & liberdade de agHo e ao direito geal de porsonaidade), Outras referéacas a autores ¢ e6rdaos em que a dignidade humana ¢ elevada a fundamento direto do dirito & nto jsutoincriminagto poder enconra-se em Klaus ROALL, Der Becchuldigte als Beweismi fel. cit, 140 e nolas espeivas. Para eta corrente de opnide, que assenta no coneeto kantiano de autonomia, a corso para a confiso dograda o homem a objeto do processo por iso, ofeade & soe dignidad, 8 Para Klaus Rooats, Der Besehuldgt als Beweisnitel.. cit, 129-137 139-148, ‘memo teneter& una és pivimas manifestgbes do dito eral de personalidad, dicito fundamental subsists de que se exra a iberdade geral de ago e 0 cireto a0 livre esenvolvimonta da personalidede 0 arguido como meio de provi contra si mesmo om informacional , Numa perspetiva processual, 0 nemo fenetur & apresen- tado como corolério natural do principio do Estado-de-Dircito (Art. 20 IIT GG) ‘2 dos seus subprincipios (0 direito de audiéncia, o “fair trial” e a presun- glo de inocéneia) @ ou ainda como projecdo da estrutura acusatéria do processo @. 3. Questionando-se sobre a “exata” sede juridico-constitucfonal do rnémo fenetur, estas construgées doutrinais nfo pretendem tanto responder a porgunta que a si mesmas eolocam, como sobretudo encontrar na Lei Fundamental subsidios para a delimitagdo do alcance normativo e contor- nos do dieito & nfo. autojneriminagéo . A tentativa “tradicional” de determinar 0 sentido © aleance do nemo tenetur a partir da consideragio ddos seus fundementos juridico-constitucionais (“andlise dedutiva”) no tem, todavia, produzido resultados animadores —~ i parte a oxclusio do ambito do nemo tenetur dos, problemas suscitados pela apreensao de didrios fat rmos.e pelas declarages incriminadoras captadas em escutas telefénicas ‘ou gravagSes ocultas (sempre que a oportunidade © o tema da conversa nfo sejam influenciados pelos investigadores ou particulares as suas ondens) . ‘A insuficifneia dos resultados da metodologia dedutiva encontra duas explicagées, Desde logo, a circunstncia de nos eseritos e decisdes judiciais sobre a matéria se espraiar uma to surpreendente ¢ diversifi- ‘cada paleta de soluges — formando, nas palavras de Loxenz, um “ramo colorido” (“bunlen Stray6”) ou uma auténtica “comucépia de fundamen 2% Pode enconrrse uma efitaia pecs ae findanena, ee otros cx Tis Matusepy, Die wate Beane des Deschuldgen im Ao de Pl ‘formal Ifermatonerhaben and Satsang, eae: Dancer & Hunblo, 2OIH, S60. Pun sn dest oss fundametossbsativos so snuciados ets Tapldamete sas pelos resp. 0 Verde de concn (A 41 GO). ‘iterate de cere (Ar. 3 1GG), 0 deo & imagem «tt hoor asim: Hartmut SCO, Cri ud Grose des sarechcen Slab gansigungeprinip: ender Bais canes genraproventh fertonatenSchuldnodel Balin Donceer & Humbe, 1991, 38 on Ee eatedimeto jase & comet defend por Main Bost, «Die vorasngsesiisen ranges, ce 108128 vse Ck Hamat Sinn, Grd tnd Greco. cit, 37, Hench Amadene Wour,Sltelastung wn Pfabrenarennang.. ck, 79, © Morin Bot, «Di vers Sorgsechlhen Grnlagen so 98 Plo menos para orm (como a mai a slinrinigo na tle paca an tos constitucionais” (“Fillhorn an Yerfassungsgrundsatzen”) 9 — per- mite justificar todas as conclusdes em abstrato conjeturdveis sobre as fronteiras do nemo fenetur e, por isso, nao funda verdadeiramente nenhuma ©. Por outro lado, a profustio de referéncias constitucionais desencontra- das ¢ 2 consequente voracidade da sua uilizagio como obstéculo a deter- minadas medidas de investigagio s6 na aparéncia conflituantes com 0 direito ao silencio (como as escutas telefénicas, os microfones ocultos, a apreensio de difrios intimos, etc.) tem conduzido a relativizagdo até & perversiio da prerrogativa contra a autoineriminaglo — convertendo-a, na impressive formulagio de LoRENZ, em pouco mais do que “Kleinen Miin- zen” OD, 4, Em reaglio a esta eparente sobrevalorizagio das referéncins cons- titucionais, ndo faltam autores a procurar na configuragio concreta das normas lenis ¢ nas ues apices prea os eeientos determinants © Frank Lucien Loan, Formalism, Technizisms, lervalsmus": Das argue ‘mentative Drejgestim gegen die Einaltung seafprozessualer Garanien», St (1996), 173 © Cl Torsten Vite, Die Selbstbelascangsfatett tm Siraferfaren: Ein elias. aur Konturirang eince aberdehnion Verflvensgrandcozes, Mnchen: CH. Beck, 2001, 5, No mesmo sentido, Roca. afrma que a multiplicardo de fundaments (materia € processus) conduz a uma eenarme sobrevelorizagto do significado que se pode eftive- ‘mente reirar da derivagfo constitucional de liberdade contra a autoineriminagto. menos (© “Tundamento da prelensdo” (‘Anupruchgrundlage”) do que 0 efetivo real ambito de srungto que deve ineresser — © este n2o diverge muta, come parece evident, ete #5 iris Leorizagdesn (Klaus Rocatt, eRezension von Sehsier., eit. 3-64). (09 rank Lusien Lone, «Operative Informationserhebung im Statvershren, “Unverfigberes” und Grunérechschutz durch insttutionlle Kentrolls, JZ (1982), 1006. ‘A defesa de uma itorprstagin expansinisa Jo nemo tenet nao deve obmubilar 3 naces- sidade de enconvar um ponto de eguilibrio ene as garantas de defesa do arguldo € 0 ‘nteresse da realizagdo da jusiga criminal. Ese equllrio € dao pela ideia de coneor- dincia priten fundada na ponderagdo de iteresses confituates. Mas no tem fltado quem ergue a excessva confanga nas virusldades de concordéncia price e se oponka 8 compreensio do dirito cores autoinriminag8o como printpio que se estende a todas 18 provas com origem no argido sem distingdes nem graduagSes, que nlo tem um neleo sbsoluto iereprimivel nem fronteiras claramente éiscernivels a prior, éeixando tudo em aberto 8 pondereglo e, hoe sensu, impondo a sua “reativizagao". Criicamente sobre a “ponderago de inferesses, ef. Jurgen Wourex, «Wider des sysemiose Abwgungs- -Srafprozessreeht ~~ Dher den Wiedsrgang, von Gesetzgebung und Reehispreshung im Surfverfaenstecin, in Festchrt fr Claus Roxin 2am 80. Geburistag am 15. Mat 2011 ‘Sirarech els Scientia Universalis el. Il, Berlin: De Gruyter, 2011, 1245-1268 0 arguldo como meto de prova contra si mesmo a2 de.um critério goral definidor do contetido prescrtive do nemo tenetur (anélise indutiva”) ©, Entre estes dois extremos ensaiaram-se outras respostas que, no esquecendo a separagio entre 0 contetido do principio ¢ a regra que 0 exprime nem desligando totalmente 0 nemo tenetur das suas raizes cons- titucionais, privilegiam a determinagao da espectfica fimcao do direito a no autoincriminagio no processo penal. Procurando, num didlogo de referéncias teciprocas entre Constituigéo ¢ lei, encontrar um fundamento teleolégico ou funcional-orientado para o principio ©. © Sto defers de na “stoop nda" na dezminagto do imbio de seoegso do'nemo tenis Wallan RED, Destewerangsehven ant Safer Mh cn Beineg ner Beleatng des Granta von nto tents pram prodre se SStecrangmefaren Kin Deion 198, 181 =x, Man Normnarer, Di Fret von Sebobethgensonang,Yessingurehtehe Grmdage id noche cece ufomen, Hedy Desc, 98,22 oa Hert Scie, Grd id Scene 0 sue Toston Ve, eon frciur =~ Reston eines Ver fregpntsines-— 1s NS (199, 36,366 ‘Do caso de Nikolaus BOSCH, Aspekte des nemo-tenetur-Prinzips.... cit. 30-31, «, numa meses mals exasprde onion, Miche! Poti «Vinek Exmlugon und Schwegeredes Bec: Za en Anwendngsgenan der G9 156 Ab. USie2 und 1360 SPOn, G4 (1998), 378585, e Helko Hamas Leses, Seguin and tenes Ochi in dr Beseeldipenemchnune>, 230%, (99), Gores Na pido de Bos, 0 fanament da iietdade ena » encima & ‘anc openness anes aa even pours cvs a ‘S'pouco sto ivi ae cat fades exe eo esa a prenlospecae 2 de scaonas "se eri dopendot exer em eur mien rh Zeal pepe utc ncn cote patie efor = epee Seas carn sottades arm?) A sng Ge paso 3 xing SS tena oo get urn fr so pea ve atc ao at ear poss dengan oo ein (em IR) — i 8 ibn gama mp nen tc, Pei one sey {tcc hterpretetofacoalmeteerentad do St bn aucnctinnags, Pa itu orluentvesumens plo einen do ac ito eval terial fa eomum,esey tlre: ssentam, conariedo a ein dominant, qe a Werdads So Scania" septa) dof 136 12 MPO ao € cma wn Pi “Sit ston cont «scien (eigenstoniger “ech cf elt evcebcot),dobandse ames crvr do ire do Exo unpre ee eer puss» edade Se eli sarge ssid 8 feo deep timean do proeson (Legian des Vereen) amo condgto een tere orto Jos pest irae Asotin von Protest) Pats em Saeeee Lance idem 6638) — no samo gue ees eanetoe agen em Cann sm Sandra Oliveira e Siva ©) A concretizagao jus-positiva do nemo fenetur [Na tentativa de determinar o &mbito de aplicasio e o sentido de prote- 80 do principio remo tenet constitui um subsidio hermenéutico da maior relevancia 2 considerapio das normas que, numa perspetiva de direto inter- nacional e comprado, o exprimem e positivam. Uma andlise que néo dis- pensa, naturalmente, @referéncia & V Emenda da Constituigao norte-amori- cana, onde cothem também inspiragtio as normas contidas nos instrumentos de direto internacional a que o nosso pais se encontra vineulado. «No person (..) shall be compelled in any criminal case io be a witness against hinselfo © — & este 0 texto da proibigio estabelecida na V Emenda de Constituigao norte-americana, comummente designada como “privilege against sef-incrimination” em homenagem is suas raizes histéricas (a garantia probatéria prevista na common law inglesa contra & autoincriminago coativa). : Na sua fundamental tarefa de concretizagto dis garantias constitucio- nais, 0 US. Supreme Court dedicou atengio aos varios elementos em que a formula se decompbe, desde a delimitagao dos seus sujeitos ativos (“no person”) até & densificagto da sua esfera de protesio ("to be a witness ‘against himself’), passando pela delimitagao das formas de coerg80 proi- bidas (“shall be compelled”) ©. Pereorrendo as respostas aos casos criminais sob a jurisdigdo daquele tribunal extraimos valiosas ligbes sobre o alcance do privilege against self ~incrimination. Que transpondo as fronteiras geogréficas ¢ juridicas do Estado, se repereutem decisivamente na interpretagio do artigo 142, n° 3, al), do Pacto Internacional sobre o2 Diroites Civia © Politicos °°, Onde «2 garantia processual & recebida nos seguintes termos: «nthe determina tion of ary criminal charge against him, everyone shall be entitled to the ‘29 Embora por vezes com difrengas de formulagio e, sobretudo, de recorte do contetd normativo, aqule principio enconica-s consagrado na generalidade das Consti= tuigdes dos Estados amercanos ‘Sobre este assunt, com pormenor, ef. Kenneth $. BRoUx, McCormick On Evidence, vol. 1,6) Edition, St. Pal, Minn: Thomson/West, 2006, S07; Wayne Israel La Fave, Crininal Procedure, val.l, 3th Edition, St. Paul, Minn. ‘Thomson/West, 2007, 827-860. Para uma panorimicageral, Joshua Daassui e Alan C. MicHasus, Undersan ing Criminal Procedhre, vol. | Inesigation, Sia Edtion, Now ProvidencesSen Francis: LexisNexis, 2010, 393 ess, (esp. 421 €85). 8 Aprovado para ratiicago pela Lei n° 2978, de 12 de juho. 0 argue camo meto de prova contra si mesno 375 {following minumum guarantees: (..) not to be compelled to testify against himself, or to confess guilt. ‘No conspecto juridico europeu, a jurisprudéncia do Tribunal Europeu dos Dircitos do Homem assume decisivo relevo na definigao do sentido limites do privilege against self-incrimination — uma prerrogativa da defesa quo, na falta de expressa normagao juridico-positiva, 0 areépago ceuropeu inscreve diretamente no amago do “fair trial” (ef. art. 6.° da Convengao ©), Entre os miltiplos acérdios com relevo nesta matéria, destaca-se, na tentativa de definigio de um critério, 0 proferido pela Grand Chamber 10 caso Saunders C: Reino Unido (1996) %: na opinido que ficou cristalizada neste aresto, o direito # nfo contribuir para a prépria ccondenacio néo se estenderia & «utilizago no provesso criminal de mate- riais probatérios que, obtidos do arguido com recurso a poderes compul- sérios, existam independentemente da sua vontade, entre 05 quais 08 documentos recolhides em virtude de um mandado, as amostras de ar expirado, sangue e urina e ainda tecido corporal com vista a andlise do ADN> (§ 69). @ As frontciras do nemo tenetur — ii procura de um critério ‘A delimitagéo da érea de tutela do nemo tenetur se ispum accusare & como se intui,tarefa revestida da maior dificuldade e, simultaneamente, ddo mais significativo relevo. Para o efeito, impde-se a definigao de um critério apto a discemir, nas zonas criticas de fronteira, entre a colaboraSo > "A Convene Europea par Pree ds Diréts do Home e ds Liber des Fundemerals(aevidaent, Conengio Eropls dos Dios o Homem) fo ova pc lagi pela Ll n° 6978, oe 13 de ote. “7G Far al do soo em xt TEDH ve tambmopanidde de ds dir stre «eapo de neds destavorives do sacle o guia (cf as Join Mia. Rabo Unido (1985), sobre alias de "ees eganses” pura a oho de cela (cess lon Cin Uni (2008) yo Css Gov, soe a ameaga de sangtes pres beng do delesds (cao leony ¢ Mecuness ian (2001), ichigo epelieest potas pr bia et fag do conor node sodviko (esos Weh C_ Auta (000, Halloran Frais C eno Unde 207) Keuphol Cua 2010, sea ipa de ene Ge dues (esos Pte © Fang (99), 1.8 C. Sip 000), sobre lag de mie Socata pana abtengio dein exp e oe eas PC. C. Reino Une (00 «sobre alia de ene prea epee de prove (tao Jalok banka (2006) Para tance eecusoncinda dees cas ef, dutina porngus Toa Cost, «0 pli nona tnt 1718 316 Sandra Oliveira ¢ Silva 0 aria come meio de prova contrast mesmo om” cocrcivamente imposta(proibida) ¢ a mera sujeigio a diligéncias de prova (permitida ™) |. Nos Estados Unidos da América, a formulagio literal da V Emenda profbe apenas que alguém seja obrigado a declarar contra si mesmo ("to be witness against himself), sugerindo. que 0 alcance da prerrogativa esté limitado & extragzo coativa de “comunieagées” — interpretago que tem sido seguida sem hesitagdes pelos tribunais superiores desde Holt». USA (1910). Partindo desta idea, a construgfo largamente dominante no contexto Juridica norte-americano assenta na dicotomia entre “testimonial” ¢ “real or physical evidence”, circunscrevendo-se aos elementos probatérios da primeira espécie a operatividade do privilege against self-incrimination © Supremo Tribunal Federal dofiniu pela primeira vez os termos desta distingo a propésito da recolha de uma amostra de sangue para determi- naglo da taxa de alcoolemia (no caso Schmerber x. California (1966). Mas a teorizagdo foi rapidamente estendida a obrigasio de participar numa lineup para fins de revonecimento (United Statck v. Wade (1967), cola- borar na comparagio da caligrafia (Gilbert v. California (1967)) ou do timbre vocal (United States ». Dionisio (1973)). Embora a “Schmerber rule” se apresente como claramente maioritria, é discemivel nos votas de vencido aqueles acérdios a permeabilidade & “affirmative action rule” “ — uma corrente de opinio nfo muito dis- tante do “critério da conduta” (“Verhaltenskriterium) defendido pela doutrina alema dominante, 2. No panorama juridico alemto, a doutrina tradicional e (ainda) domi- ante aponta como critério delimitador do nemo tenetur a “qualidade da conduta” (“Handlungsqualitat”) esperada do arguido, distinguindo entre os eros doveres de toleréncia passiva (“passive Duldungspflichten”) © as 2 ‘Sento vej-se 0 art. 61%, ® 3, ak. a), do Cdigo de Processo Penal, onde se «statu como espera! dever do arguido o de asujittae a dligncias de prova (..) espe= cificadas na lee ordenadas ¢ efetuedas por etidade eampeterten, (Na intepretagao acolhide por esta corence de init, dirctoconta a au divas diigidas & forgaro arguldo a uma “condut Positiva” Cafirmative ation”) incriminadora — p. ex, a oblengHo de um exemplar de ‘aligrafia —, eonsentndo, emt contrapartida, que o guido possa ser sujeito a deveres de “olerncis passiva” (“passive submissions") — wg, uma inervengdo cingice para a ‘remogdo de uma bala ou recolha de uma amestra de sangue ou sliva pare andlise obrigardes de colaboragao ativa (“active Mirwirkungspflicten) , Para além de um irestrito direito 2o silencio, expressdo da sun liberdade negativa de declaragao (‘negative Aussagefretheit”), 0 arguido teria ainda a faculdade de decidir sobre toda a sua atividade autoincriminat6ria, vale dizer, gozaria, de ampla liberdade de colaboragao ou participaglo ativa (*Mitwirkungs- fretheit"), Entende a doutrina tradicional que, caso impusesse a0 arguido a ‘obrigaglio de se converter ativamente em instrumento da sua prépria conde- nagto, a ordem juridica estaria a negar-lhe 0 seu estatuto de sujeito © degradé-lo a mero “objeto” do poder estadual — dai a referéneia & “férmula do objeto” (“Objektformer”) também usada para designar esta teoria, As dificuldades de aplicagio, fragilidades © inconsisténcias da teoria tradicional — reveladas, desde logo, no tratamento dos casos de reconheei- ‘mentos compulsivos e dos exames pera detogiio do estado de alcoolemia e, ais tarde, exasperadas a respeito da utilizago de emétioos e nos chamados “Horfille” — tm conduzido a doutrina ao esbogo de novos eritérios de delimitago ¢ 20 progressive abandono do binémio atividade/passividade, Entre as “novas” propostas doutrinais, destacamos a diferenciaso de acordio ‘com 0 tipo de meio coativo (GRONWALD) , a previsio de deveres explic 10s de colaboragio como alternativa as intromissées corporais coativas (NEUMANN) ©, a diferenciagao de acordo com 0 objeto de tutela ou a pro- tego do arguido como “portador de conhecimento” (Rest) e a diferen- ciagdo entre instrumentalizagio fisica e espiritual (VerRe.) “9, 60) Por toes, ef Kane Roc, Mar Results ale weet... cit, SA sty @ Claus Rox e Bemd Scxtnexan, Svaferflrerrecht en Shdlnbuch, 26. Axage, Mire chen: CH, Beck, 2009, 72 €s8, 209 ¢ ss. Enue os comenarsas, c. Daniel KRAUSE, em snotgio 20 § Bia, Rn Ge ss. (esp. Rn. 22), Lowe-Rovenberg SPO, Bend l, 26. Auflage, Berlin: De Gruyter, 2008, e Klnus Roca, em anotsedo 0 § Bla, Rn. 6 es, SLOPO, 66, Aicualisieningsiefeung, Neuvied: Luckrhand, 200, do msm aio, 8 comes ré- vos 28 §§ 153 ess, Rn, $9 ¢ $8, SES%PO, Band Il, 4, Aullage Koln: Cal Heymanns, 2010, © Gerald GRONWALD, eProbleme der Gegennrbessong im Zeeks der Wide- retkennung», JZ (1981), 23-429. © “Uiltid Netacan, «Mitwidkungs- und Duldungspfichlen des Beschulgten bei koepetichen Bingrtfn im Strafverfhren:zugleich cin Bela, 2u den verfassungsrecti- ‘chea Grenzen kitperlcher Bingrife (§ 81 a StPO)s, in Festschr flr B.A, Wolf zum 70. Gebwrtsog am 1.101998, Besin: Springer, 1998, 373-393, (9 Wolfram Res, Resteerangeerfaiven und Staferfalven:sugleich ein Beltre zur Bedeutung des Grundeatzes von nemo tenure ipsum prodere im Besewerungsver- Jfobren, Kiln: Devboer, 1987, 176 ¢ $5. (Torsten Vernet, Die Selstbelastingyrthet im Strafverfaven... ei, 253 378 sandra Oliva e Silva 3. Os contributos colhidos da experigneia jurfdica norte-americana e dda fecunda ligdo alemi permitiréo esbogar um critério auténomo de dife- renciagSo, apto a iluminar as orientagBes normativas ¢ sentidos de decisio ‘entretanto delineados pela doutrina c jurisprudéncia nacionais para algumas {das questdes mais probleméticas que os casos da vida pSem, também entre 1nés, em evidéncia, Esso critério — antecipimo-lo j& — coloca as fronteiras da prerrogativa contra @ autoincriminagio entre a proibiglo de todas as formas no volun- tirias de colaborago probatéria do arguido “ ¢ a redugao do nemo tenetur {sua expressio mais nuclear de liberdade negativa de declaragao (que exclui do sou Ambito todos 0s atos de colaboragzo nfio-verbal) “?, De facto, se & (0 epressto desta visto “imaximalista” do nemo tenerur sto, ne doutrina germi- nice, Bruno Savrrer, «Die Piicht zur Duldungs von Kérperunersuchingen nach § 3724 2PO, AeF 161 (1963), 215 c $5. © Verena Angela Karr, Geléstbelastungepetelt und Genomanclysen im Srafverfahren: Untersuchungen su Inhal'ynd Retchwette des Grund. sais nemo tener se ipsum accusare wnterbeconderer Berkcsichigung von Genomes nnalysen, Aachen: Schaker, 1999, 159 e ss. Parece se esse, também, © entendimento ‘nalocitrio da Goutine nacional — ef, por todos, Augusto Siva Duss ¢ Vania Costa Rawos, O dirsto nao axto-inculpaeao... ct, onde se reusa tanto 0 binnioaividae! ‘passividade como a distingdo entre informagaes dependentes © nBb dependents 6a vonade o argu se sponta para a concordneiapréica como panaceia pera solucionar todos fs casos de confto ence esia versio “amplificads” do nemo tenear ¢ 08 interessse da invesigagto (© Ese 6, como vimos, o entndimento peflhado pelo Supremo ‘Tribunal Federal orte-americano ¢ seguido pela maiora esmagadora da doutrina ¢ da jrisprudéncia dos

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