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Lévi-Strauss Os Pensadorés Os Pensadorés Lévi-Strauss “Quando 0 antrapdlogo evo- ca as tarefas que o esperam e tudo © que deveria estar em condicées de realizar, o desencorajamento se apodere dele; como realizd-las com os documentos de que dis- poe? F um poucu came se 4 fisica cOsmica fosse converada a se construir por meio das observa gdes dos astrénomos babilénios. E, no entanto, 05 corpos celestes ainda estao ai, enquanto as cultu- ras indigenas que nos fornecem nessos documentos desaparecem num ritmo rapide, ou se transfer mam em objetos de um novo géne- To, em que nao podemos esperar encontrar informagées do. mesmo tipo. Ajustar as técnicas de infor magdo a um quadto tesrico que ¢s- 14 muito adiante delas, cis uma si- tuacio paradoxal que a historia das ciéncras raramente ilustra. In- cumbe a antropolagia modema aceitar este Gesatio.”” LEVI-STRAUSS: A Nogdo de Estrus tura em Etnalogia “Todas 2s vezes que somos le- vados a qualificar uma cultura hu- mana de inerte ou de estaciondria, devemos nos perguntar s2 esse imobilismo aparente. nao. resulta de nossa ignorancia sobre os seus verdadeiras interesses, conscientes ou inconscientes, © se, tendo crite- rios diferentes dos nossos, essa cul- ura nao ¢, em relacho a nds, viti- ma da mesma ilusdo. LEVI-STRAUSS: Raga e Histéria Os Pensadoré3 ‘CIP-Brasil. Catalogaydio-na-Publicago Camara Brasileira do Livro, SP ‘Lévi-Strauss, Claude, 1908 A napho de esrutra en exnelogia: Rag ehisdia: Ttemismo hoje! Claude Lévi-Strauss : tradugio de Eduardo P, Graeff ... (et al). — 2a — Sao Paulo : Abril Cultural, 1985. (Qs pensadores) Inclai vida ¢ obra do Lévi-Strauss, Bibliografia, “F Antropologi estrutural 2. Antropologia social 3. Estruturalismo 4, yrimitiva 5. Totemismo 1. Tituly. A noglo de ane em etnolo- | Thao: Roa eRitérn HL. Tiler Towmismo woes TY See 17. CDD-390- 18. 3012 We 18, 301,58 17. -302.33, 84-2223, 18 -301.421 Indices para catilogo sistematics 1, Antropologia cultural 390 (17.) 301.2 (18) 2. Auopoiogi extra 390 (17 301-2 08) ‘ Aatropologia social 390 (17.) 301.2 (18,) 4! aration Anmopolegi eultiral 390 17.) 301.208) 5, Religises primitivas : Sociologia 301,58 (17, ¢ 18,) 6, Totemismo 392.33 (17.) 301.421 18.) ¢ CLAUDE LEVI-STRAUSS A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA RAGA E HISTORIA TOTEMISMO HOJE ‘Traducbes de Eduardo P. Groeft, Inécia Canelas, Malcom Bruce Corrie 1985 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titles eriginais: ‘Soeind Structure Race et Histone Le Totémivome Aur hu © Copripht desta edigao, Abed! S.A. Cultucal, So Faubo, 1980. — 2." digo, 1985. “Temtos publicados sob licenca de The University of Chicepo Press, ‘Chicago (A Nogdo de Estrunure em Etologc ‘de Organisation dex Nations Unies pour 'Edcation, Is Seienee ‘et la Culnre — UNESCO, Paris, Editorial Presenga Lids., Lisbaa, = Beitora Perspectiva $.A,, Si Paulo (Raga ¢ Hinéria) de Presses Universitaires de France, Paris, ¢ Editora Vores Liga. Petropolis (© Tovemismo Hoje). ‘Traduptes publicacas sob licenga de Editorial Presengs Lida, Lisboa (Race e Historia); de Eaivora Vorcs Ltda, Petrépalis (@ Totemismo Hose), ‘Direitos exclusives sobre a ciadugto A Nogde de Etrunura cm Sinaloa, Abril S.A. Cultural, Sio Panto. Dircisas eselusives sobre “Lévi-Strauss —- Vida e Obea"”, Abs S.A. Caltoral, S80 Patio. LEVI-STRAUSS VIDA E OBRA Consultoria; Maritena de Souza Chawi P= na filosofia desde Aristételes (384 a.C.-322 a.C.), 0 ter- mo “estrutura”” manifesta os mais variados significadas no cur- so da historia, mas sé modernamente assumiu destaque especial, tor- fando-se a nocéo central de varias correntes de pensamento, cue abrangem desde a lingiifstica e a antropologia até a psicandlise ¢ a his térla, © denominador comum a todas essas correntes de. pensamento & o chamado “estruturalismo’*. Tragando-se a génese do vocébulo “estrutura”, encontrase em sua raiz etimoldgica um primeiro sentido que, de certa forma, std presente em todas as correntes estruturalistas do século XX. A palavra latina structura deriva do verbo struere, que significa construir, no sen- tido de “construlr ediffcios". A partir da século XVII, 0 termo, jé nas 'inguas modernas, passou a ser empregado em outros sentidos, além do significado arquiteténico. Essa ampliacdo yerificou-se na biologia, quando se passou a comparar o compa do homem a uma construcio: Fomienelle (1657-1757), por exempla, fez esse tipo de comparacio quando escreveu sobre a disposigio dos érados. © termo “estrutura”” estendeu-se também aos dom/nios da lingGistica, quando, entre ou- tros, Vaugelas (1585-1650) empregou 6 vocébulo ao tratar da distri- buigse das palavras na oracda € da composiciio dos estilos poticos, Esses anatomistas e graméticos empregaram 9 termo “estrutura’’ pelo fato de ele poder designar, simultangamente, um conjunto, as partes desse conjunto e as relacdes dessas partes entre si: a esses sentidos se poderia acrescentar ainda as relagées das partes com © conjunto. A Mesma riqueza de significados explica também a atencda despertads pela palavra, a partir do século XIX, em tados os interessados pelas ciéncias exatas, pelas ciéncias da natureza e pelas ciéncias da ho- mem. As investigagdes de Galois (1811-1832), por excmplo, ao ela- borar @ teoria dos grupos, apresentam uma primeira vinculagao entre a nogdo de estrutura @ a matematica. ‘odos esses dados histéricos permitem esbogar uma primeira de- limitagao do termo, tal como ele é empregado pelas correntes ostrutu talistas. Em um primeiro sentido, de natuteza biolégica, “estrutura”’ seria um Conjunto cujos elementos manifestam solidariedade entre € dependéncia mdtua. A totalidade de tal conjunta ndo consistiria simplesmente na soma de suas partes, mas resultaria das relagdes in- ternas existentes entre as partes, relagdes essas que so necessdrias € funcionais, No sentido matematico, “estrutura” significa um sisterna de relagées au leis que descrevem o funclonamento de um fendmeno representado por um modelo. Nesse sentido, “estrutura” reduz-se a vith LEVI-STRAUSS um sistema de operagées abstratas, e seu significado é o de uma com- binatéria geral, que assume aspecto particular ou concreta quando preenchida por um modelo, isto 6, pela representago de um fenéme- no determinado. ‘“Estrutura’’ seria, assim, uma forma vazia, cuja ma- téria 6 varidvel, visto depender do modelo particular que venha a se encaixar nela. Esses dais sentidos (biolégico e matemético) ndo sia, contudo, suficientes para se compreender o emprego da palavra pelas comen- tes estruturalistas do século XX. Nesse sentido, impée-se lembrar 0 papel desempenhado por Fer- dinand de Saussure (1857-1913), criador da lingiifstica moderna e pre- cursor do estruturalismo. Embora nao tenha usado a palavra “estrutu- ra” explicitamente, Saussure elaborou toda a esséncia da concepcia estrutural, mediante a nogdo de “sistema”. Para Saussure, a lingua é um sistema, Cujos termas sao todas soliddrios, e no qual o valor de um termo resulta da presenca simultinea de outros. Além disso, as partes do sistema podem ¢ devem ser todas consideradas em sua soli- dariedade sincrdnica, isto ¢, em dado momento do tempo, @ ndo em sua evolugao histérica. ‘Suas bases conceituais assim estabelecidas, o estruturalismo pode desenvolver-se, ¢ estendeu-se a todos os dominios das ciéncias huma- nas. Papel especialmente importante nesse sentido fol desempenhado pelo antropdlogo Claude Lévi-Strauss, nascido na Bélgica, em 1908, Nos Tristes Tropicos Lévi-Strauss iniciou sua vida profissional como antropdlogo, quando fez parte da missdo francesa que auxiliou 0 governo de Sao Paulo (Brasil) a fundar sua universidade, em 1934, Farmado em filosa- fia pela Ecole Normale Supérieure, de Paris, Lévi-Strauss, em seus cur- 05 na Universidade de $a0 Paulo, jé discutia temas e problemas, co- mo 0 totemismo e os sistemas de classificagao de povos primitives. Nessa época, Lévi-Strauss realizou estudos de campo entre os indios brasileiros dos_grupos bororo, cadiveu, nhambiquara e tupi-cara‘ba. Em sua obra Tristes Trdpicos, publicada em 1955, encontra-se uma andlise dos grupos indigenas e da sociedade paulista da época, em linguagem acessivel ao publico nao especializado. Pouco antes da eclosio da Segunda Guerra Mundial, Lévi- Strauss voltou & Franga, onde serviu ao exército nos dais primeiros anos da guerra. Em 1941, viajou para a Martinica, na América Cen- tral, @ daf conseguiu chogar aos Estados Unidos, onde paszou a lecia- nar na New School for Sacial Research, Nos Estados Unidos, Lévi- Strauss entrou em contato com a escala norte-americana de antropola- gia, profundamente influenciada pelas investigagées de Franz Boas (1858-1942), € com o grupo dos lingiistas liderades por Roman Ja- kobson (1896-1982). Em 1945, veio 4 luz, na revista dirigida por Ja~ kobson, o artigo “A, Andlise Estrutural em Lingdistica € Antropolo- gia’, no qual se encontram os primeiros passos no sentido da consti- tuigéo de uma antropologia estruturalista, Nesse artigo, Lévi-Strauss: procura empregar o método desenvalvido pela lingilstica fonoligica na analise de fenémenos culturais. VIDAEQERA IX De volta 4 Franca em 1948, Lévi-Strauss passou a dirigir uma se- ao da Ecole Pratique des Hautes Etudes, da Universidade de Paris. O ano seguinte seria marcado pela publicagao de Estruturas Elementares de Parentesco, na qual Lévi-Strauss fez uma primeira tentativa de apli- cagaio integral do métode estruturalista acs problemas antropalégi- Cos. A idéia central 62 de que todos os cicternas mediante os quais as sociedades se organizam refletem processos de comunicagao. Os mais importantes dentre eles sdo 0 de parentesco, camo forma de cir culago de mulheres, 0 econdmico, de circulagao de bens, e a lin- Bua, sistema de troca de palavras. Em 1958, Lévi-Strauss publicou a coletinea Antropologia Estrutu- ral. Em 1962, vieram a luz © Totemismo Hoje e O Pensamento Selve- Bem, Nessas obras, Lévi-Strauss procura mostrar a processo légico que opera com as categorias do sensivel « como esse tipo de pensa- mento ndo s@ encontra apenas entre os povos primitives, fazendo-se também presente na vida cotidiana do hamem civilizado, Suas obras Posteriores acupam-se do funcionamento dessa estrutura de pensa- Mento, por meio da andlise comparativa dos mitas: O.Cru € o Cozido (1964), Do Mel as Cinzas (1966), As Origens da Etiqueta a Mesa (1968) ¢ O Homem Nu (1971). O que é estrutura? Em Antropologia Estrutural Lévi-Strauss afitma que, para merecer @ nome de “estrutura”, um modelo cientifico deve satisfazer, exclusi- vamente, a quatro condigées. Em primeiro lugar, @ modelo deve ofe- rover um cardter de sistema, isto ¢, consistir em elementos tais que uma modificagéo qualquer de um dos elementos acarrete modifica- Gao em todas 95 outros. Em segundo lugar, todo modelo deve perten- Cor a um grupo de transformagées, cada via das quais corresponda a um modelo da mesma familia, de modo que o conjunto dessas trans- formagées constitua um grupo de modelos. Em terceiro lugar, as pro- priedaces exigidas por essas duas condigdes deve permitir prever de que modo reagiré o modelo, em caso de moditicagao de um dos ‘elementos. Finalmente, ¢ necessério que o modelo seja construido de tal mado que seu funcionamento passa explicar todos os fatos observa~ dos. A primeira dessas condicées revela a aposigdo, naa sé de Lévi- Strauss mas do estruturalismo em geral, ao empirismo, Na medida que 0 empirismo concebe a realidade como singular e como revelada gragas A experiéncia sensivel, o objeto passa a ser o que 6, dado, 0 fa- to. Para o estruturalismo, a0 contrdric, um fato isolado, enquanto tal, jamais possui significado, Lévi-Strauss exemplifica com os vocdbulas fromage, cheese & queijo. Quando isolados da estrutura alimentar. que 05 determina, esses vocdbulos, aparentemente, se referem & mes- ‘ma realidade; 0 mesmo, contudo, no ocorre quando sio considera- dos no interior das distintas estruturas alimentares a que pertencem, cama por exemplo a cozinha francesa, inglesa ou brasileira, nas quais se revelam completamente diferentes. Para 0 francés, fromage ¢onota um gosto picante, enquanto, para a inglés, cheese quase ndo possui gosto ©, para @ brasileiro, queijo denata um gosto salgado. Sa- x LEVI-STRAUSS lienta-se assim @ cardter relative dos elementos da estrutura: o sentido e 0 valor de cada elemento advém, exclusivamente, da posigao cue ocupem em relagao aos demais. Para Lévi-Strauss, uma estrutura se constréi tendo como base oposicées bindrias pertinentes. A pertinén- Gia ou oposigao pertinente por sua vez é definida par ele camo uma operagdo que pressupde: a) que cada unidade da estrutura € uma sim- ples relacdo, insignificante em si mesma; b) que a descri¢éo das uni- dades relativas deve cobrir a totalidade dos fendmenos de um campo assim estruturado; c) que os elementos nao pertinentes devem ser eli- minados; d) que a estrutura deve ser construida a partir das menores unidades significativas do dominio estudado. Além disso, as oposi- Ges bindrias pertinentes conferem valor aos elementos constituintes do sistema, valor esse que é exclusivamente de posicdo. Desse mo- do, a estrutura, segundo Lévi-Strauss, é um sistema de relagdes, e & de sistemas desse género que a sociedade ¢ feita: sistemas de paren- tesco e de filiagao, sistema de comunicagdo lingiistica, sistema de troca econdmica, da arte, do mito ¢ do ritual, Essa concep¢ao acarre- ta como conseqiléncia que, para Lévi-Strauss, a nogdo de estrutura so- cial nao se refere propriamente a realidade empfrica, mas aos mode- los constuidos segundo essa realidade. Os modelos, para Lévi- Steauss, podem ser conscientes ou inconscientes, de acorda com o ni- ver onde funcionam, ¢ essa condigio nao afeta sua natureza. Os mo- delos conscientes (que se chamam comumente hermas) incluen-se entre os mais pobres que existem, em razio de sua fungao, que é a de perpetuar as crengas € os sos, mais do que lhes expor as causas. Assim, a analise estrutural choca-se com a seguinte situacha parado- xal, bem conhecida pelo lingiista:; quanto mais nitida 6 a estrutura aparente, tanto mais dificil torna-se apreender @ estrutura prafunda, por causa das modelos conscientes ¢ deformados que se interpoem, como obstaculos, entre o observador ¢ © seu objeto. Na investigag’o etnolégica, tais obstdculos estabelecem uma distancia entre o ebserva- dor @ a sociedade estudada; essa distincia constitu’ uma garantia de objetividade, pois, impedindo que observador ¢ objeto venham a se identificar, impede também que este Gitimo seja reduzido as pré-con- digées do primeiro. Mas, ao mesma tempa, essa distincia nin tem apenas carater limitative, pois constitul o terreno de uma possivel co- municagao. Se a estranheza entre o observador e seu objete & total, se eles nao dispéem de nada em comum, entio o objeto se fecha em sua opacidade © permanece refratdrio A investigagio. Além disso, a prépria divergéncia entre a cultura do observador e a do observade, mediante a qual o outro se constitui camo tal, terna-se inintoligivel, © concelto de objetividade assume entéo um valor prablematico, nao significande apenas uma cisao, uma distancia, mas também uma reciprocidade, uma solidariedade entre o observador e o obseryade. O conceito de objetividade di lugar ao paradoxo de um objeto, ao Mesmo tempo, objetivamente muito afastado € subjetivamente mi concreto; em outros termos, dé lugar ao paradoxo de uma verdade que se situa na intersecgdo de duas subjetividades, Na realidade, o que caracteriza a investigacdo etnolégica é a recusa da antinomia en- tre sujeito e objeto. A apreensio do fato social é concreta na medida pe € totalizante ¢ envolve, em um Gnico movimento, as proprieda- objetivas e a experiéncia subjetiva. Tal apreensaa concreta naa se refere 4 existéncia imediata de objeto dado, mas ao objeto real, que, para a estruturalismo, € constituido pela totalidade de suas manifesta- Ge> empiricas visiveis, acrescidas de sua razdo invisivel, teoricamen- te estabelecida, Explica-se, assim, por que Lévi-Strauss trata, ndo das relagées sociais visivers, mas das estruturas sociais invisiveis. Um nove idealismo? Em sua Antropologia Estrutural, quando estabelece um: paralelo entre a lingua e cultura, eem O Cru e 0 Cozido, quando examina o sistema das transformagées dos mitos, a partir de um mito de referén- cia qualquer, Lévi-Strauss encontra sempre um sistema de invariantes ‘estruturais, ou de leis estruturais, que o levam a postular uma identi dade entre as lels do mundo e as do pensamento. Em consequiéncia, concebe a estrutura come real; néo como substancia, mas como siste- ma de leis constantes do espirito. “Nossa problematica’” — reconhece Lévi-Strauss — “reGne-se & do kantismo.” Procurando as condigées fas quais as sistemas de verdade se tomam mutuamente conversiveis © podem, porianto, ser simultaneamente recebidos por varios sujei. tos, 0 avitor de O Cru e 0 Cozido mostra como 0 conjunta dessas con- dices adquire o cardter de objeto dotado de realidade prépria e inde- pendente de todo sujeito. Com os mitos ocorreria 0 mesmo que com a linguagem: © sujeito que aplicasse conscientemente no discurso as leis fonolégicas © gramaticais, afinal acabaria perdendo o fio de suas idéias. Do mesmo modo, 0 exercicio e 0 uso do pensamento mitico exigem que suas propriedades permanecam escondidas. A andlise dos mitos, assim, nao tem, nem pode ter, como cbjete, mostrar come. ‘8 homens pensam, mas como os mitas pensam nos homens. Lévi- Strauss vai ainda mais longe, ao admitir que se deva fazer abstracio de todo sujeito para considerar que, de certa maneira, as proprios mi- tos se pensam entre si, Por outro lado, a problemética sujeito-objeta, envolvida na con ceituagao de estrutura, vincula-se ao problema forma/conteddo. Para Lévi-Strauss, existe “uma atividade inconsciente do espirito””, que consiste em “impor formas a umn conteddo’’. Embora afirmande que forma e contetdo passam ser definidos como pontos de vista comple- mentares, Lévi-Strauss insiste no fata de que sé as formas, © nao os contetidos, podem ser comuns. Além disso, & constincia das formas se contrapoe a variabilidade dos contetidos. Isso ndo implica, contu- do, que haja uma antinomia entre forma ¢ conteddo, pois este altimo: nas palavras de Lévi-Strauss “‘deriva sua realidade de sua estrutura, ¢ 2 que se define como forma € a estruturacaa das estruturas locals nas quais consiste o contedde". A complememaridade forma‘conteido traduz a recusa a opor © abstrato 20 concreto. Lévi-Strauss declara que ““o estruturalismo se recusa a opor o concreto ao abstrata ¢ a atri- buir valor privilegiado ao segundy. A forma ¢ definida por oposicio a matéria que Ihe € estranha, mas a estrutura ndo possui um contetide dela mesma. A estrutura é @ propria contedda apreendido numa orga- nizagdo légica, concebida como propriedade do real”. Desse modo, longe de constituir uma antinomia, forma e cantetido sio ambos da mesma analise estrutural, j4 que a nao-arbitrariedade dos conteddos ¢ xi LEVISTRAUSS: ressaltada por sua tansformagia reciproca, mediante permutagdes que respeitam as candigées postas pela estrutura do conjunto. Segun- do Lévi-Strauss, isso permite passar da observacaa etnografica, que é& concreta e individualizada, a5 pesquisas estruturais, cujo cardter abs- trato ¢ formal parece opor-se aos dados graficns, Coisas e relagies A contradi¢so entre o cardter abstrato das pesquisas estruturais e © carater individualizado da observacae einogrdfica Hesaparece quan- do, segundo Lévi-Strauss, se compreende que esses caracteres antitéti- cos dependem de dois niveis diferentes, ou, mais exatamente, carres- pondem a duas etapas da pesquisa. No nivel da observacaa, a regra principal estabelece que todos os fatos deve ser exatamente observa- dos ¢ descritos, sem permitir que os precenceitos tedricos allerem sua natureza e sua importincia. Essa regra implica outra, segundo a qual os fatos devem ser estudados cm si mesmos (que procestos concretas os levaram 2 exisiéncia?) @ também em relacaa com © Conjunto; em. outros termos, toda mudanga em um ponta deve ser relacionada com as circunstancias globais de sua aplicacao. Por outro lado, @ investigagao estruturalista, tal coma a concebe Lévi-Strauss, apresenta a imprescindivel exigéncia metodclégica do estudo imanente das conexdes essenciais das estruturas, independen- temente do problema de sua génese ou de suas relagées com o que é exterior a elas. © estudo imanente de um objeto implica a descricao do sistema em termos estritamente relacionais; onde a experiéncia co- mum 36 reconhece coisas, a andlise estrutural descreverd redes de re- lagdes nas quais estas tém prioridade frente aos termos. © prdprio objeto © suas partes diferentes apareceréo como interseccOes de fel- xes de relacées. No sentido do sistema de parentesco, por exemplo, deve-se, inicialmente, realizar uma aproximagso 4 partir do interior daquele sistema, aproximagéo que define suas estruturas lOgicas inter~ nas, sem tratar das relacdes desse sistema com_a organizacdo social econémica, com outras esforas de cronca etc. E verdade que a andlise dos distintos niveis do conjunto social mostra que cada um deles Constitui um sistema e, portanto, podem ser estudados por meio de modelos ideais, mas é também verdade que todo sistema nasce de uma praxis inter-humana e que a realidade social é um conjunto arti- -Sulado, Cujos diferentes niveis se acham numa relacéo de interacio. Se 0 fato social constitui um todo, sua apreensio nao pode ser parce- lada; pelo contrdrio, deve sempre dleterminar os nexos essenciars que relacionam os diversos estratos entre si, Desse meda, a tatalidade fato social, enquanto objeto de apreensdo concreta, no recusa a utili- zagdo do modelo (inclusive matemético), jd que ele é essencial 4 compreensio da realidade etnografica. Modelo mecanico ¢ modelo estatistico No entanto, a totalidade social impoe a exigéncia de que 0 pré- prio modelo possa fundar-se naquola realidade. Par exemple: no ca- VIDAEOBRA XII so de uma multiplicidade de fenémenos totémicos, a investigacdo antropoldgica nao esgota a realidade concreta quande evidencia re- lagoes de homologia, de oposicao e de corlacao entre os referidos fenémenas. No que diz respeito aos modelos, deve-se salientar uma ultima distingao introduzida por Lévi-Strauss. Tal distingao relaciona-se cam a escala do modelo, comparada & dos fenémenos. Um modelo cujos clementos constitutivos estéo na escala dos fenémenos serd chamado “modelo mecanico’’, @ aquele cujas elementos estio numa eseala di- ferente, “modelo estatistico’’. ‘Tanto um quanto 0 outro nao represen- tam as Gnicas alternativas possiveis; entre os dois existem, segundo Lévi-Strauss, formas intermedidrias. A distincao encontra sua explica- $80 no valor posicional e diferencial que € atribufde a cada elemento da estrutura, destituindo-a, assim, das caracteristicas intrinsecas forne~ cidas pela experiéncia sensivel. Nesse sentido, a estrutura nao consis. te num conjunto de propriedades ou de elementos: é apenas um siste- ma de relag6es. Em decorréncia disso, a investigagéo antropolégica i nao se apdia nos elementos em si, mas nas relagées reciprocas que eles mantém, pois apenas as relacGes s80 Constantes, ao passa que os elementos podem variar. Evidenciando a mesma constincia, a estrutu- fa apresenta um cardter abstrato sustentado pelas propriedades for- mais do modelo. Devido precisamente a esse cardter abstrato, o mo- delo toma-se aplicavel a qualquer ordem ou escala de fendmencs, mesmo que seus elementos constitutives diffram dessa ordem, Nesse sentido, a estrutura passa a se caracterizar par sua transponibilidade, ‘ou tradutibilidade, de tendmeno para fendémeno ¢ de uma ardem de fendmenos para outra. “As pesquisas estruturais” — assinala Lévi- Strauss — “ndo ofereceriam interesse algum se as estruturas nao fos- sem traduziveis em modelas cujas propriedades formais sao compard- veis, independentemente dos elementos que a3 compoem,” Baseado na idéia de tradutibilidade encontra-se 0 Pressupasto de que, segun- do uma perspectiva abstrata, as estruturas tém a mesma forma, ou se ja, elas obedecem ao principio do isomorfismo. Este ditimo parante, do panto de vista metodoldgico, a possibilidade de uma relacéo in- ter-disciplinar entre as ciéncias, As relagGes entre a historia ¢ a etnolo- gia podem ser tomadas como ilustracéo, nda s6 da passivel colabora- S40 entre as ciéncias, mas camo aplicagie da distingso entre modelo Macanico e modelo estatistico, Para explicitar a diferenca entre histd- ria € etnolegia, € preciso, segundo Lévi-Strauss, inseri-las no interior das outras ciéncias sociais. Para ele, “a etnografia ea histéria cife- rem, antes de tudo, da etnologia e da sociologia, visto que as duas pri- meiras esto fundadas sobre a coleta © a organizagso de documentos, enquanto as duas outras estudam antes os modelos construidos a par. tir € por meio desses documentos”. Além disso, a etnografia € a etno- logia correspondem respectivamente a duas elapas da mesma pesqui- Sa, que termina, enfim, em modelos mec4nicos, enquante a historia (e todas as outras disciplinas geralmente classificadas como suas auxi- liates) termina em modelos estatisticas. As relagdes entre essas quatro disciplinas padem, pois, ser reduzidas a duas oposigdes; uma, entre observacio empirica e construgo de modelos (como caracterizandn 9 passa inicial); outra, entre cardter estatfstico ou mecdnica dos mo- delos, vistas segundo a perspectiva do ponte de chegada, xIV. LEVIESTRAUSS: A praibigto do incesto, regra universal Grande parte da reflexdo tedrica de Lévi-Strauss encontra seu pento de partida em situagées concretas vividas por grupos primiti- vos. Desse modo, 20 examinar, par exemplo, certas caracteristicas de grupos culturais da América tropical, Lévi-Strauss busca clucidar um. fato crucial para a teoria antropoldgica: a proibicdo do incesto, dnica fegra cultural que apresenta cardter de universalidade. Para o autor de Estruturas Elementares de Parentesce, 2 proibicao do incesto, ar rancando © individuo de sua mera canstituigao biolégica, torna-o ca- paz de coexistir com outros; passando da consangiinidade 3 alianga, © Individuo j4 nao se situa apenas em relagao com a familia biolagi- ca, mas em relagao Com a grupo. A regra exogamica tem a fungao de assegurar a permantncia do grupo, que setia, ao contrdrio, compro- metida, se a familia biolégica se voltasse sobre si mesma © subtraisse 6s individuos de participagao no seio do proprio grupo. Por tras de sua conotagio negativa, a'proibicso do incesto re, na realida- de, uma norma positiva, j4 gue a rendncia a tomar uma parceira no Ambito da propria familia biclégica significa, para o sujeita, o direito de reivindicar uma outra mulher do grupo. A regra exogimica consti- tuiria, assim, 9 niclea origindrio, ainda indeterminado, de todas as formas de intercdmbio. Lévi-Strauss mostra que, devide a sua univer- salidade, a proibicée do inceste apresenta-se ligada @ natureza, mas, na medida em que se instaura como regra, essa proibigao manifesta seu cardter de fendmeno social e. nesse sentido, teporta-se ao univer- so de regras, isto é, da cultura. Desse modo, a arigem da proibigho nado se situa, exclusivamente, nem na natureza, nem na cultura, Para Lévi-Strauss, ela “‘constitui o movimento fundamental, gragas ao qual, através do qual, mas sobretudo no qual, se realiza a pass da natureza a cultura’. Vale salientar ainda que, substancialmente, no existe diterenga entre a proibigdo do incesto © a exogamia. Para Lévi-Strauss, clas diferem apenas por um cardter sécundario, pois, em- bora ambas sejam regras de reciprocidade, esta iltima, na proibicao do incesto, se apresenta sem organizagio, ao passe que, na exoga- mia, esté organizada. A reciprocidade que caracteriza ambas as re- gras evidencia-se na rentincia que elas acarretam, pois s6 se renuncia 4 prdpria filha ou 4 imma, desde que 9 outro faga o mesmo. Além dis- s0, 0 intercémbio, distinguindo-se da exogamia, ndo € nécessariamen- te explicito ou imediato — o que nao impede a presenca da reciproci= dade, j4 que, em Gltima instancia, a obtengiio de uma mulher esti condicionada ao fato de que um pai ou um irmao ja renunciaram a cla. No cntanto, adverte Lévi-Strauss, a regra néo diz em proveito de quem se rénuncia; © beneficidtio ou, seja como for, a classe benefi clada, no caso da exogamia, est, a0 contrario, delimitada. Desse mo- do, a Gnica diferenca € que, na exogamia, se expressa a crenca de que € necessdrio definir as classes para que seja possivel estabelecer uma relagdo entre elas, enquanto que, na prolbicao do incesto, 2 rela- G40 é suficiente para definir, em cada instante da vida social, uma completa & incessantemente renovada multiplicidade de termos, dire- ta ou indiretamente solidarios, A reciprocidade representa também o denominador comum entre a antropologia estrutural © a lingdfstica, pois em ambos 05 casos ela é a estutura fundadora. O objetivo do sistema do Parentesco, come da lin- guagem, é instituir um campo aberto da comunicac3q, no qual cada su- sito $6 se define por sua colocacdo em relacdo aa auitro. Por outro la- do, se ha linguagem os elementos canstitutives nao valem tanto por Sues propriedades intrinsecas. mas pelas relagdes que os enlagam em um sistema de separagées dliferenciais, nos sistemas de parentesco as mutheres configuram-se como valores num conjunto de relacoes de re- Ciprocidade, regide por principios de opasicao © correlagao andlogas as que sao subentendidas pela comunicacao lingiistica. Lévi-Strauss distingue trés niveis da comunicagao social: eomuni- cagio de men: {correspondente acs produtos simbélicos que Operam sobre a base da linguagem ou de algum sistema codificado de signos); camunicagac de mulkeres (formas de organize de pa- rentesco © de intercdmbio matrimonial); & comunicagao de bens (a economia). Deve-se ter presente que esses trés niveis de comunica- Gao social sio definidos par sistemas de regras inconscientes. Por us tro tedo, ressalte-se que 0 conjunto das aquisicées inter-humanas {o complexo das necessidades, das solicitacées biolégicas, das pulsdes etc.) Insere-se em um nivel em que a subjeti assume cCardter perante gragas a seu relacionamento com o outro. Essa relagao se instaura, sabretudo, no plano do inconsciente, A unido entre as diver- sa8 subjetividades no aparece somente nas instituigges consciente- mente elaboradas para um fim intersubjetivo mas ao contrStio tem sua génese na pertinéncia a uma estrutura comum — e universalmen- te valicla — da atividade, Segundo Lévi-Strauss, o objetivo da etalo- Bia consiste em delinear tracos essenciais, trazendo A luz as leis uni- versais que formam uma ponte entre sujeito e sujeito e entre socieda- de ¢ sociedade. Através do inconsciente realiza-se 0 paradoxo, pré- pria da etnologia: o de ser, 20 mesma tempa, uma ciéncia objetiva e subjetiva. Esse paradoxo revela.se no fato de que as leis do incons. ciente trar lem a dimensdo subjetiva © sia, por assim dizer, exte- riores a ela, ainda que ndo possam ser captadas, a nao ser mediante a aperacdes efetivas da subjetividade. Sob um grande nmezo de for. mas nas quais, de cultura a cultura, sobressai a atividade dos sujeitos, @ etnologia individualiza as categorias recorrentes que constituem o fator primario de cada estruturagio, ou seja, a substrate comum sc bre o qual poderd depois se articular uma série de experiéncias dife- Fenciadas. Ainda nesse caso, € no exemplo da lingiistica — em par. ticular da fonologia — que se baseia a antropologia estrutural. A fono- logia, recorda Lévi-Strauss citando Troubetzkoi (1890-1938), colocou em relevo a necessidade de se passar do estudo dos fenémenos cons. lentes da linguagem ao dos fendmenos inconscientes, como também fessaltou a necessidade de descobrir o conjunto de leis elementares e universals que permanecem latentes na comunicagaa lingdistica, Tendo em vista essas consideracées, pode-se afimmar que, na te- matizacdo de uma ordem da realidade intersubjetiva (como a do sis- tema de parentesco), além da estruturacio efetiver-se (sabretudo era um nivel inconsciente), © fim essencial € 0 da comunicacao, Essa mesma idéia estd presente no fato de que, no uso da linguagem, o sujeito no tematiza explicitamente principios (como os de Opesigao @ de correlagao) que atuam sobre a continuo fonica, A razao disso esté no fato de que 95 principios operam em nivel muito mais pro- XVI LEVESTRAUSS fundo, representando a estrutura basica mais elementar, presente em todos aqueles que falam e na qual se corporifica a complexidade dos fenémenos lingiisticos. pensamento primitive Em 1955, seis anas aps a publicacao de Estruturas Elementares da Parentesca, Lévi-Strauss publicou Tristes Trdpicas, onde relata o3 contatos entre © antropdlogo, representante da "sociedade ociden- tal", @ as sociedades primitivas, cujas caracteristicas trazem & tona a enorme distincia social que constitui um abismo entre 0 investigador essas sociedades. Para tentar eliminar essa distancia, Lévi-Strauss considera a tarefa do antropdlogo como sendo exatamente a de elabo- rar transformagoées, a fim de explicar com os mesmos modelos os mais diferentes fenOmenos. Essa transformacdo cansiste em reduzir a sociedade primitiva e a civilizada a um modelo Gnico. Cantudo, essa € uma operacio de laboratério,, uma construgdo da inteligéncia inwes- tigativa: a falta de uma verdade de fato, consiréi-se uma verdade de razao. Tais transformagées, transpondo modelos de um sistema para © oulro, exigem uma garantia para a operagdo) essa garantia reside na elaboracao de um sistema dos sistemas. Em outras palavras, se existe um sistema de regras que permite a articulagdo de uma lingua {cédigo lingufstico) e urn sistema de regras que permite a articulagao das trocas de parentesca como modos de comunicagdo (cédigos de Parentesco}, deve existie um sistema de regras que prescrevem a equi- valéncia entre o signo lingiistico € o signo parental. Esse sistema de- yeria ser chamado “metacédigo", visto ser um cédigo que permite de- finie e nomear outros cédigos a ele subordinados. A esse respeito, Lé vi-Strauss afirma em © Cru e 0 Cogido: "Ja que os proprias mitos re pousam sobre cédigos de segundo grau (os cédigas de primeiro grau so os da linguagem corrente), entio este livro delwins len cédigo de terceiro grau, destinado a assegurar a tradutibilidade recioroca dos varios mitas’’. Isso equivale a dizer que, ao progredir a indagagdo es- trutural, o sistema estudado tende cada vez mais a manifestar sua uni- dade interna, sua coesdo @ sua exaustividade em relagdo aos fendme- nos examinados. As estruturas que yao surgindo escapam progressiva- mente a particularidade inicial ¢ tendem a generalizar-se; por trés da idade dos dados empiricos, vislumbram-se relacoes cada vez imples que por Sua recorréncia cobrem uma gama muito ample de fendmenos ¢ garantem sua inteligibilidade; delineia-se, como ter mo ideal, a existéncia ce uma meta-esirutura. Para Lévi-Strauss, a uni- dade do sistema, assim explicitada, nao constitui uma forma fechada em si; pelo contrdrio, caracteriza-se pela constante abertura em dire- 40 a0 acontecimento. Exemplo clara dessa maneira de ver encontra-se na obra de Lévi- Strauss O Pensamento Selvagem e em uma conferéncia pronunciada no Collége de France, em 1960, Nessas obras, Lévi-Strauss afirma que, em uma seciedade primitiva, as varias técnicas — que tomatas iscladamente podem aparecer como um dado bruta — surgem como ‘© equivalente de uma série de escolhas significativas, quando situa- das no inventério geral das sociedades. Nesse sentide, para Lévi- Cronologia Strauss, um machado de pedra toma-se signo porque toma © lugar, no contexto em que se insere, do utensilio diferente que outra socie- dade empregaria para 0 mesmo fim. Estabelecida a natureza simbéli- ca de seu objeto, a Antropologia conclui que deve deserever sistemas de signos segundo modelos estruturais. Ela encontra suas experién- clas jd dadas © prontas @, por isso mesmo, ingoverndveis, devendo, portanto, substitu/-las por modelos. Assim, a Antropologia conclui que © pensamento selvagem, operanda através de um conjunto de se- paracées diferenci institui, no interior da totalidade empirica, um sistema de oposighes que possibilitard o inicio da estruturagao dessa totalidade, 2 qual, por sua vez, tora-se cisponivel para uma ativida- de de significacao. Nesse passa, € importante salientar que, segundo Lévi-Strauss, “o pensamento selvagem ¢ légico no mesmo ‘sentido & da mesma maneira em que a ¢ nosso pensamento, mas 36 quando o nosso se aplica ao canhecimento de um universo ao qual se reconhe- cem, a0 mesmo tempo, propriedades fisicas e propriedades semanti- cas". Dessa forma, a0 antropdiogo canvém, antes de mais nada, afas- tar o fantasma de uma pretensa mentalidade primitiva, j4 que o pensa- mento “‘selvagem” nfo se revela como uma forma distorcida ou arcai- ‘ca do nosso, mas coma uma experiéncia dotada de ldgica intema, ‘que € tio ou mais exigente e rigorosa quanto a elaborada pelo pensa- mento civilizado ocidental. Quando, por exemplo, um indigena usa, ra seu sistema de classificacéo, certas categorias representadas pe- fs espécies animais, ndo se deve ver nisso uma exigéncia animista, mas, a0 contrério, uma exigéncia logica: a subdivisdo das espécies animais ou vegetais institui para ele um primeiro esbogo de articula- géee do real. Por outro lado, a significacdo pressupde sempre um tra balho diacritics, pois a atividade simbdlica se expressa inserindo 03 dados naturais em um sistema de tracos diferanciais, Exatamente nes- sa_liberdade da cultura sobre a natureza funda-se a arbitrariedade (nao naturalidade) do signo. A cultura submete os dados naturais e passa a dispar de um campo de autonomia no qual pode ap:ofundar- se, embora sem romper os vinculos que a unem a natureza. Tirando da experiéncia sensivel e perceptiva as categorias das quais se serve para exprimir certas concatenagdes conceituais, o pensamento. dos Povos primitivos oferece a imagem de um pensamento concreto que nao produziu ainda as distingdes entre objetivo e subjetivo e entre qualidades primérias e secunddrias — 0 que revela sua inertncia a um mundo primordial, O pensamento dos povos primitivos, nas pala- vras do proprio Lévi-Strauss, nao @ “a pensamento dos selvagens, nem o da humanidade primitiva ou arcaica, mas o pensamenta em es- tado selvagem, distinto do pensamento cultivado ou damesticade”’. Seria 0 préprio pensamento civilizado em seu caréter origindrio, 1908 — Nasce Claude Lévi-Strauss, na Bélgica. 1912 — Max Wertheimer publica um artigo sobre percepeao visual do movie mento, com 6 qual funda-se a escola psicaldgica da Gestalt. 1916 — Vem 4 luz @ Curso de Lingtiistien Coral, da Ferdinand de Saussure, que dé inicio ao esteuturalismo, XVIIL LEVI-STRAUSS Bibliografia 1934 — Lévi-Strauss chega ac Brasil, para lecionar na Universidade de Sao 1938 — Publicase Sobre a Teoria das Afinidades Fonolégicas Erire as Lin- 3008, de Roman Jakobson. 1939 — Inicia-se a ll Guerra Mundial. Lévi-Streuss € convocade para servir a0 exército. 1941 — Lévi-Strauss deixa a Franga, com destino 8 Mantinica, de onde segui- ria para as Estadas Unidos, 1943 — Jean-Paul Sartre publica © Sere o Nada, ¢ vém a luz os Prolesome- nos a.uma Teoria da Linguagem, de Louls Hjelmslev, 1945 — Lévi-Suauss publica o artigo A Andlise Estrutural em Lingiistica ¢ An- tropologia. na revista dirigida por Roman Jakobson. 1947 — Lévi-Strauss deixa os Estados Unidos, 1948 — Lévi-Strauss passa a lecionar na Ecole des Hautes Etudes, da Universi- dade de Paris. 1949 — Publica Estruturas Elementares do Parentesco. 1955 — Publica Tristes Trépicos, onde estuda os indias brasileiros, 1957 —Chomski publica Estruturas Sintaticas, 1958 — Lévi-Strauss passa a trabalhar na cadeiea de Antropologia Social do College de France, e publica Antropologia Estrutural. 1960 — Sartre publica Critica da Razao Dielétice. 1962 — Vém 2 luz © Tatemisme Hoje 2 © Pencamenta Selvagom, 1968 — Recebe medaiha de ouro do Centre National de Recherche Scientifi- que, ¢ publica As Origens da Etiqueta 2 Mesa, Jean Piaget publica O Estru- turalismo, 1971 — Lévi-Strauss publica O Homem Nu. Basnor, Re outros: Usos e Sentidos do Terma “Estrutura’’, Herder © Editora da Universidade de $40 Paulo, $io Paulo, 1971. Brwvinnnt, Exar, Problimes de Uinguistique Générale, Gallimard, Paris, 1965. Bowen, Rimono:A Quoi Sert la Notion de Structure, Vrin, Paris, 1970, Diya Aviom Estalirna (15: woken}, Nunve Vbin,, Buenos Ales Divarsos Auroars: Estruturalismo, Portugilia, Barcelos, 1968, Dass alone Cahiers pour "Analyse, n° 9, Ecole Normale St. Claud, Fran- G2, 1969. Eco, Unuuxto.A Estrutura Ausente, Perspectiva, Séo Paulo, 1973. Gaevcer, G.C.: Pour une Philosophie du Style, Armand Colin, Paris, 1969. crits, Seuil, Paris, 1966. > Antropologia Estrutural, Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, Maxon M.: De Mauss 4 Claude Lévi-Strauss, in Signes, Gallimard, Pa- ris, 1960. A NOCAO DE . ESTRUTURA EM ETNOLOGIA Tradugiie de Fduardo P. Graeff * Traduzido [para o francés] ¢ adnplade da comunicagio ewiginal em inglés: Sieial Sire- ture, Werner-Gren Foundation tuternativnal Symiperiaan on Anthropology, Nova York, 1952, ukerlorments publicato em: A. 1. Kroeber. cd. Anthropolage TD, Univ. of Chicago Prose, 1953, pp. 524-553 E preciso niio tomar as investigagdes que se pode conduzir sobre este assunto por verdades histéricas, mas somente por raciocinios hipotéticos e condicionais, mais apropriados para esclarecer a natu- rezu dus coisas do que para Ihes mostrar 4 verdadeira origem, ¢ semelhantes aos que fazem todo dia nossos fisioos sobre a formagao do mundo, JoJ. ROUSSEAU Discursy sobre a origem da desigualdade enire ox homens A nogao de estrutura social evoca problemas demasiado vasios ¢ dema- sido vagos para que se possa traté-los nos limites de um artigo. O programa deste simpésio o admite implicitamente: temas vizinhos do nosso foram des- tinados a outros participantes. Assim, estudes tais camo os consagrados ao emtilo, 48 categorias wniversais da cultura, & linglitstica estratural, dizem res- peito muito de perto ao nosso assunto, € 0 Ieitor do presente trabalhe deverd também se repottar a cles, Além disso, quando se fala de estrutura social, atemo-nos sobretudo aos aspectos formais dos fendmenos sociais; sui-se portanto do dominio da descri- sao para considerar nogdes © categoria que nao pertencem propriamente @ ctnologia, mas que cla gostaria de utilizar, a exempio de outras disciplinas cientificas que, hd muito, tratam alguns problemes seus como desejariamos fazer com os nossos, Sem divida, esses problemas diferem quanto ao contetido, mas temos © sentimento, com ou sem razio, de que nossos proprios problemas Ihes poderiam ser aproximados, desde que se adotasce o mesmo tipo de fore malizacao. © interesse das pesquisae estruturais esté em que, precisamente, elas nos dio a esperanga de que ciéncias mais avangadas que a nossa, a este respeito, Possam fornecer-nos modelos ¢ métodes de solugdes. © que se deve pois entender por estrutura social? Em que os estudos que Ihe dizem respeito diferem de todas us descrigdes, andlises' ¢ teorlas visando as relagées sociais, compreendidas em sentido amplo, © que se confundem com 9 préprio objeto da antropologia? No ha muito acordo entre os autores sabre © contetido desta nogio; alguns mesmo, entze os que contribuiram pars iniroduzi-la, hoje parecem arrepender-se disto. Assim Kroeber, na segunda edicao de scu Anthropology: “A nogao de ‘estrutura’ nao é provavelmente nada mais que uma concessio & moda: um termo dé sentido bem definido exerce de repente uma singular atracdo durante uma dezena de anos — assim a palavra “aerodin&mico’ — come- Ga-se a empregi-lo a torto ea direito, porque soa agradavelmente ao ouvido, Sem divida, uma personalidade tipica pode ser considerada do ponto de vista da sua estrutura, Mas © mesmo & verdade para um arranjo fisiolégico, um 6 LEVE-STRAUSS orgenismo, uma sociedade qualquer ou para uma cultura, um cristal oo uma méquina. Qualquer coisa — desde que nao seja completamente amorfa — possui uma estrutura, Assim parece que o termo ‘estrutura’ nao acrescenta absolute- mente mada ao que temos no espirito quando 0 empregamos, a nfo ser uma comichao agraddvel” (Kroeber, 1948, p. 325).' Este texto visa diretamente a pretensa “estrotura da personalidade de base”; mas implica numa critica mais radical, que poe em causa o préprio uso da nogiio de estrutura em antropologia. Uma definigao ¢ indispensivel nao somente em virtude das incertezas atuais. De um ponto de vista estruturalista que convém adotar aqui, quando mais nao seja para que o problema existe, a nogio de estrutura nfo depende de uma definigao indutiva, baseada na comparacdo e abstragio dos elementos comuns ‘a todas @% acepgdes do termo tal como geralmente empregado. Ou o termo estrutura social nio tem sentido, ou este sentido mesmo tem jé uma estrutusa, E essa estrutura da nogdo que & preciso apreender antes de tudo, se nao nas queremos deixar submergir por um inventirio fastidiosa de todas os livros ¢ artigos que tém por objeto as relagdes sociais: sua mera listagem excederia os limites deste capitulo, Uma segunda etapa permitira comparar nossa definicio proviséria com as que outros auteres parecem admitir, de maneira explicita ou implicita. Procederemos a esse exame na scgia cansagrada ao parenteseo, por Ser © principal contexto no qual a nog&o de estrutura aparece. De fato, os etnélogos tém se ocupado de estrutura quase que exclusivamente a propésito dos problemas de parentesco. | Compararse-d com esta outra {Srmela do mesme autor; . © termo ‘estrutura social” que tende a sabstituir © de ‘orgunicagio social’ sem nada atrescemtar, ao que parece, quanto 49 Cantedey ou a significagao” (1943, p, 10S). Ao longo de tedo ene capitulo, muito earteaado de referéncias biblingrificas. dispensamo: ‘nos de reproduzir em nota of titulos completes das obras ciladas que o leitor encontrara faciimente, pelo nome do wutor ¢ a dats de publicagao. na bibliografia geral an final do volume Antropologia Estrumral, 1 — Definicio e problemas de método O principio fundamental & que a nocdo de estrutura social no diz respeito A realidade empirica, mas aos modelos construidos conforme esta. Assim se evidencia a diferenga entre duas nogées tao vizinhas que as temos muitas ‘vezes confundido, quero dizer, a de estrutura/social e a de relacdes sociais. As relagdes sociais S20 a matéria-prima empregada para a vonstrugdo de modelos que tornam manifesta a estrutura social propriamente dita. Em caso algum, Portanto, esta poderia ser reduzida ao conjunto das relagdes sociais, observaveis numa dada sociedade. As pesquisas de estrutura nfo reivindicam um dominio proprio, entre os fatos de sociedade: constituem antes um método suscetivel de ser aplicado a diversos problemas etnolégicos, ¢ se aparentam com formas de andlise estrutural em uso em dominios diferentes, ‘Trata-se entio de saber em que consistem esses modelos que sfio © objeto proprio das andlises estruturais. O problema ado se subordina & etnologla, mas & epistemologia, pois as definigdes a seguir nfio devem nada a matéria-prima de nossos trabalhos, Pensamos, com efeito, que parn merecer © nome de estrutura, 08 modelos devem exclusivamente satisfazer quatro condigSes, Em primeiro lugar, uma estrutura apresenta um cardter de sistema, Con- siste em clementos tais que uma modificagdo qualquer de um deles leva a uma modificagio de todos os outros. Em segundo lugar, todo modelo pertence a um prupo de transformagdes das quais cada uma corresponde a um modelo da mesma familia, de sorte que © Conjunto dessas transformagdes constitui um grupo de modelos. Tercelro, as propricdades acima indicadas permitem prever de que maneira reagiri o modelo, em caso de modificagtio de um de seus elementos. Finalmente, 0 modelo deve ser construido de maneira tal que seu funcio- namento possa dar conta de tedos os fatos observadas? ® Comparar com von Neumann: “Modelos (tal como os jogs) silo construgSes tedricas que supdem Unxi definigdo precise. exaustiva no muito complicnda: devem ser assim Parecidos com u realidade sob todos os aspectos que imporiam & pesquisa em curso. Para fecapitular: a detinicéo deve ser precisa € exaustiva, para tornar possivel um tratsmento matemitico, A construcio nio deve ser inutilmente complicada, a0 ponta em que o teats Mento Matematica poderia sex levado para além do estégio da formulizagho © dat resultados numéricat completes. A gemelhanga com a realidade € fequerida para que a funcionamento do modelo seja significative, Mas essa semelhanca pode ser habitualmente restrita a certos aspectos julgados essencials pro tempore — do contrério as condigGes acima cnumeradas ae tornariam inovmpativeis® (Neumann © Morgenstern, 1944), LEVL-STRAUSS a) Observardo @ expertmentacia Estes dois niveis serio sempre distinguidos. A observacia dos fatos, e a elaboracio de métodos que permitem utilizé-los para construir modelos, nunca se confundem com a experimentagio por meio dos préprios modelos. Por “expe Timentaco sobre os modelos”, entenda © conjunto de procedimentos que permi- tem. saber como um dado modelo reage as modificagdes, ou comparar ehitre si modelos do mesmo tipo ou de tipos difeientes. Esta distingdia & indispensdvel para dissipar certos mal-entendidos. Nao haveria contradigao entre a observacio etnogrifica, sempre concreta ¢ individualizada, © as pesquisas estruturais as quais se atribui freqilentemente um cardter abstrato e formal para cantestar que se possa passar da primeira 5 segundas? A contradigiéo se dissipa, desde que compreendamos que estas caracteristicus antitéticas subordinam-se a dois niveis diferentes, ou mais exatamente, correspondem a duas tapas da inves- tigago, Ao nivel da observacdo, a regra principal — poder-se-ia mesmo dizer a tinica — & que todos os fatos devem ser exatamente observados ¢ descritos, sem permitir que os preconceitos tedricos alterem sua naturezn e sua impor- Nanci, Esta regra implica uma owtra, por via de conseqiléncia: os fatos devem ser estudados em si mesmos (que processos eoneretos os trouxeram a exis: léncia?) ¢ também em relagdo com o conjunto (vale dizer que toda smdanga observada num ponto sera referida is circunsiancias globais de seu apare- cimento), . Esta regra ¢ seus corolizios foram claramente formulados por K. Gold- stein (1951, pp. 18-25) cm termos de pesquisas prico-fisioldgicas; cles siv apli- cdveis também a outras formas de aniilise estrutural. Do ponta de vista em que nes colocamos, permitem compreender que nfo hi contradigfio, mas intima correlagio, entre 0 cuidado com o detalhe conereto proprio da deserigho ctno- grifica, ¢ a validade ea generalidade que reivindicamos para 0 modelo construide conforme esta. Podemos com efelto conceber muitos modelos diferentes mas cémodos, a varios titulos, para descrever ¢ explicar um grupa de fenémenos. Nao obstante, 9 melhor serd sempre o modelo verdadeiro, quer dizer, aquele que, senda sempre o mais simples, responder & dupla condigilo de no utilizes ‘outros fatos além dos considerados, e de dar conta de todos. A. primeira tarefa 6 pois suber quais sdo esses fatos. b) Consciéncia e inconsciente Os modelos podem ser conscientes ou inconscientes, segundo o nivel em que funcionam, Boas, a quem cabe o mérite desta distingdo, mostrou que um grupo de fenémenos se presta tanto melhor & aniilise estrutural quanto © secie- dade nao dispuser de um modelo consciente para interpretélo ou justificd-lo (1911, p. 67). Haverd talver quem se surpreenda de ver citar Boas como um dos mesires do pensamento estruturalista: alguns the atribuem antes um papel A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 9 oposto, Tentei demonstrar num outro irabalho* que © insucessa de Boas, do Panto de vista estruturalista, nfo se explica pela incompreensio ou hostilidade. Na hist6ria do estruturalismo, Boas foi antes um precursor, Mas ele pretendeu impor as pesquises estruturais condigdes demasiado rigorosas, Algumas puderam ser assimiladas por seus sucessores, mas outras eram tao severas e dificeis dé satisfazer que tcriam esterilizado 9 progresso cientifico seja em que domi- nio fosse. Um modelo qualquer pode ser consciente ou inconseiente, esta condigic ndo afeta sua natureza, Pode-se apenas dizer que uma estrutura superficial- mente enterrada no inconsciente torna mais provavel a oxisténcia de um modelo que 4 mascare, como um écran, para 2 consciéncia caletiva. Com efeito, os modelos canscientes — que chamamos comumente “normas” — contam-se entre 0s mais pobres que hé, em virtude de sun fungio que é perpetuar as crencas © usos, mais do que revelar-tIhes as forcas motoras. Assim, a antilise estrutural se depara com uma situagao paradosal, bem conhecida do lingiiista: quanto mais nitida a estrutura aparente, mais dificil se tora apreender a estrutura profunds, por causa dos modelos conscientes # deformados que se interpdem coino obsticulos entre o observador ¢ seu objeto. © etndlogo deverd, portanto, distinguir entre as duas situagdes em que sat sujeito « s¢ ver colosade, Ele pode tor dé construir um modelo corres- Pondente a fendmenos cujo carter de sistema niio foi percebido pela sociedade que estuda. & a situagéo mais simples, da qual Boas sublinhou que apresentava também 0 terreno mais favordvel para a pesquisa ctnolégica. Em outros casos, emtretanto, © ctadlogo tem de se haver, nfo somente com materiais brutos, mas também com modelos jé construidos pela cultura considerada, sob a forma de interpretagées. J4 assinalei que tais modelos podem ser muito imperfeitos, mas nem sempre € este o caso, Muitas culturas ditas primitivas elaboraram modelos — de suas regras de casamento, por exemplo — melhores que as dos etndlogos profissionais.’ Ha, portanto, duas razdes para réspeitar esses modelos “Yeitos em vasa". Para comecar, cles podem ser bons, ou, pelo menos, oferecer uma via de acesso a estrutura: cada cultura tem seus tedricos, cuja obra merece tanta atengio quanto a que o etndlogo dedica a dos colegas. Depais, mesmo se ox modelos so tendenciosos ou inexaton, a tendéncia ¢ genero dos erros que encobrem fazem parte integranic dos fatos a estudar; e talvez se incluam entre ‘os mais significativos. Mas, quando da toda @ sua atencdo a esses modelos, Produtos da cultura indigena, o etadlogo estaré bem longe de esquecer que norms culturais nfo sio automaticamente estruturas. So antes importantes pontos dc apoio para ajudar a descobrir estas dltimas: enquanto documentos brutos, enquanto contribuigdes tedricas compariveis as trazidas pelo proprio etndlogo. Durkheim ¢ Mauss souberam comprcender que a3 represemtagdes’ conscien- 2 “Historia © Etnologia", cap, | da obra Aairopologin Estrutural, de Lévi-Strauss, + Para exemplos ¢ uma discussiio detathada, cf. Lévi-Strauss (1949 b, pp. $58 x8). 10 LEVL-STRAUSS tes dos indigenas merecem sempre mais atencio que as teorias saidas — igual- mente como representagies conscientes — da sociedade do observador. Mesto inadequadas, as. primeiras oferecem melhor via de acesso as categorius (incons- cientes) do pensamento indigena, na medida em que the séo estruturalmente ligadas. Sem subestimar a importincia ¢ 9 cardter inovador deste encaminha- mento, déve-se no entanto reconhecer que Durkheim © Mauss nao o levaram adiante tanto quanto seria de desejar. Pois as representagdes conscientes dos indigenas, por interessantes que scjam pela razio que acaba de ser indicada, podem ficar objetivamente tao distantes quanto as outras da realidade incons- ciente* c) Estrutura ¢ medida Diz-se as vezes que a nogio de estrutura permite introduzir a medida em etnologia. Esta idéia péde resultar do cmprego de formulas mateméticas — ou que assim parecem — em obras etnoldgicas recentes. Sem diivida & exato que, em alguns casos, chegou-se a atribuir valores numéricos a constantes. Assim, as pesquisas de Kroeber sobre a evolucio da moda feminina, que marcam uma data na histéria dos estudes estruturalistas (Richardson ¢ Kroeber, 1940); ¢ algumas outras, das quais falaremos mais adiante. No entanto, no existe nenhunia conexdo necessiria entre a nogio de me- dida €@ de estrutura, As pesquisas estruturais apareceram nas ciéncias sociais como: uma consegiiéncia indireta de certos desevolvimentos das matemsiticas modernas, que deram uma importincia crescente a9 ponto de vista qualitativo, afastando-se assim da perspectiva quantitativa das matemiticas tradicionais, Em diversos do« minios: Jigica matemdtiea, tecria dos conjuntos, teoria dos grupos © topologia, percebeu-se que problemas que nio comportavam solugio métrica podiam mesmo assim ser submetidos a um tratamento rigoroso. Lembremos aqui os titulos das obras mais importantes para as cigneias saciais: Theory of Games and Economic Behavior, de J. von Neumann ¢ Q, Morgenstern (1944); Cybernetics, etc,, de N. Wiener (1948); The Mathematical Theary of Communication, de C. Shannon ¢ W. Waver (1950). d) Modelos mecinicos e modelos estatisticos Uma iltima distingao diz respeito 4 escala do modelo, comparada 4 dos fendmenos, Um modelo cujos elementos constitutives esto na escala dos fend- menos seri chamado “modelo mecanico”, e “modelo estatistico”, aquele cujos clementos esto numa escala difereme. Tomemos coma exemplo as leis de casamento, Nas sociedades primitivas, estas Ieis podem ser representadgs sob forma dé modelos onde figuram os individuos, efetivamente distribuidos em 5 Cf. sobre este tema os cap. VII ¢ VIIE de Aatropologia Estnuural. A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA u classes de parentesco ou em clas; tais modelos sio mecanicos. Na nossa Sociedade, ¢ impossivel recorrer a esse penero de modelo, ji que os diversas tipox de casamento dependem aqui de fatores mais gerais: tamanho dos grupos pri- mérios © secundirios dos quais decorrem os conjuges possiveis: fluidez social, quantidade de informacio, etc. Para chegar a determinar os constantes do nosso sistema matrimonial (9 gue ainda nao foi tentado) dever-se-ia pois definir médias © limiares: o modelo apropriado seria de natureza estatistica, Entre as duas formas existem sem ddvida intermediarias. Assim, certas sociedades (como a nossa) utilizam um modelo mecanico para definir os graus proibidos, © valem-se de um modelo estatistico no que cunceme aos casamentos possiveis, De outra parte, os mesmos fendmenos podem subordinar-se aos dois tipos de modelos, conforme a mancira como os agrupemos entre si ou com outros fendmenos. Um sistema que favoreca 9 casamento de primos eruzados, mas onde esta {6rmula ideal corresponde a apenas uma certa proporcio das unides recenseadas, requer, para ser explicado de moda satisfatério. ao mesmo tempo um modelo mecanico ¢ um modelo estatistico, As pesquisas estruturais ofereceriam muito pouco interesse se as estruturas nao fossem traduziveis em modelos cujas propriedades formais so compariveis, independentemente dos elementos que os compdem. O estruturalista tem por tarefa identificar ¢ isolar os niveis de realidade que tém um valor estratégico do ponto de vista em que s¢ coloca, ou em outros 1ermos, niveis que podem ser tepresentados sob a forma de modelos, qualquer que seja a natureza destes altimos, As vezes também, pode-se enfocar simultaneamente os mesmos dados colo- cando-se de pontos de vista diferentes que tém todos um valor estratégico, em- bora os modelos correspondentes a cada um sejam ora mecanicos, ora estatis ticos. As ciéncias exatas © naturais conhecem situagdes desse tipo; assim, a teoria dos corpos em movimento subordina-se & mecdnica, se os corpos fisicos gonsiderados Site pouca numerosos. Mas, quando esse numero aumenta além de uma certa ordem de grandeza, é preciso recorrer a termodindmica, quer dizer, substituir por um modelo ¢statistico © modelo meeinico anterior; ¢ isto, embora a natureza dos fenémenos tenha permanecido a mesma nos dois casos. Situacdes do mesmo género se apresentam com freqiiéncia nas ciéncias humanas ¢ sociais. Seja, por exemplo, o suicidi pode-se enfoci-lo de duas Perspectivas diferentes. A analise de casos individuais permite constrair o que se poderia chamar modelos meciinicos de suicidio, cujos elementos sao forne- cidas pelo tipo de personalidade da vitima, sua histéria individual, as proprie- dades dos grupas primério © secundaria dos quais foi membro, ¢ aszim por diante; mas também se pode construir modelos cstatisticos, baseados na {re- qiiéncia dos suicidios durante um perindo dado, em uma ov varias sociedades, ou ainda em grupos primdrios © secundarios de lipos diferentes, ete. Seja qual for a porspectiva escolbida, ter-sc-d assim isolado niveis onde o estude estrutural do suicidio & significative, ou em outras termos. niveis que permitem a cans- 12 LEVI-STRAUSS uurio de modelos cuja comparacdo seja possivel: 1.° para varias formas de suicidio; 2.9 para sociedades diferentes; ¢ 3.° para diversos tipos de fendmenos sociais. O progresso cientifica nao consiste, portanto, somente na descoberts de constantes caracteristicas para cada nivel, mas também no isclamento de niveis ainda nao assinalados, onde o estudo de fendmenos dados conserva um valor estratégico. Fol o gue se verificau com o advento da psicanilise, que descobriu o meio de estabelecer modelos correspondentes a um novo campo de investigacdo: a vida psiquica do paciente tomada em sua totalidade, . Estas consideragSes ajudaréo a compreender melhor a dualidade (seriamas tentados a dizer: a contradigao) que caracteriza os estudos estruturais. Propo- mo-nos inicialmente a jsolar niveis significativos, o que implica o récorte dos fendémenas. Deste ponte de vista, cada tipo de estudas estruturais pretende a autonomia, a independéncia com respsito a todos os gutros © também com Tespeita @ investigacia dos mesmos fais, mas baseada em outros métodos. No entanto, nossas pesquisas tém apenas um interesse, que € o de construir modelos cujas propriedades formsis scjam, do ponto de vista da comparagia € da explicacao, redutiveis as propriedades de outros modelos por sua vez subor- dinados a niveis estratégicos diferentes. Assim podemos esperar derrubar as divisérias entre disviplinas vizinhas e promover entre elas uma verdadeira cola- boragio. Um exemplo ilustrard este ponto, O problema das relagdes entre histéria € etnologia tem sido ultimamente objeto de inimeras discussdes. A despeito das criticas que me foram dirigidas.! sustento que a nocéo de tempo nia esta no centro do debate. Mas, se nio € uma perspectiva temporal prépria da histéria que distingue as duas disciplinas, em que consiste a sua diferengx? Para responder, & preciso reportar-se as observagdes apresentadas no pardgrafo ante- ror ¢ recolocar a histéria © a etnologis no scio das outras ciéncias sociais. A etnografia ¢ 2 bistéria comecam por se distinguir da etnologia e da sociologia, na medida em que as duas primeiras basciam-se na coleta ¢ orga- nizagdo de documentos, enquante que as duas outras estudam antes os modelos construidos a partir, e por meio, desses documentos, Em segundo lugar, a etnografia ¢ a etnologia correspondem respectiva- mente 2 duas etapas de uma mesma pesquisa que conduz, no fim de contas, @ modelas mecanicos, enquanto que a histéria (e as outras diseiplinas geral- mente classifieadas come auas “auxiliares") conduz a modelos estatisticus, As relagdes entre nossas quatro disciplinas podem, portanto, ser reduzidas a dues Oposigoes, uma entre cbservagéo empirica e construgio de modelos (como 4 Sobre ¢ntas discusséen, reportar-novemos a C Lé icrauss, “Histdria © Etnologia” (Cup, | de Antropalegta Estrutwral}; Race ct Histoire, Paris, 1952; estes trabalhos suscitaram eri: ticas ou comentirios da parte de: C. Lefort, "LEchange et Ia lutte des hommes”, Ler Temps Modernes, fevereiro, 1951; “Sociétés ans histoire et histaricité", Cahiers interna cionaus We Soctalagie, vol. 12, 78 ano, 1952: Jean Poullton, “L'Ocuvre de Chude Lévi- Strauss", Les Temps Modernes, julho, 1956; Roger Bastide, “Lévi-Strauss ov Vethnographe “a la recherche du temps perdu’, Presence afrieaine, abribmiaio, 1956: G. Halandier, “Grane deur ¢t servitude de lethnologue”, Cahiers du Sud, 43. ano, n.° 337, 1956. A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 13 caracteristica do eneaminhamento inicial), outra entre o carter estatistico ou mecinico dos modelos, enfocados na ponto de chegada. Seja, atribuindo arbitra- riamente 0 sinal + ao primeiro term, © o sinal — uo segundo termo de cada oposigao: Histéria Socioiogia Etnograjia Etnologia observagao empirica/ construgio de modelos + - 4s = modelos mecinicos/ modelos estatisticos - a < 4 Compreende-se assim como se di que as ciéncias socinis, que devem todes Necessariamente adotar uma perspectiva temporal, distingam-se pelo emprego de duas categorias de tempo. A etnologia apela para um tempo “mecinico”, quer dizer, reversivel & no cumulativo: © modelo de um sistema de parentesco patrilinear nao contém nada que indique se ele sempre fol pattilinear, ou se fol precedida por um sistema matrilinear, ou ainda por tadz uma série de oscilagdes entre as duas formas. Ao contrario, o tempo da historia € “estatistico": nao é reversivel ¢ comporta uma orientagéo determinada, Uma evolugdo que conduzisse a socie- dade italiana contemporanea de volta & Reptblicu romana seria téo inconce- ‘bivel como a reversibilidade dos processas subordinados i segunda fel da termo~ dindmice, ‘A discussiia acima precisn a distingdo, proposta por Firth, entre a nogio de estrutura social onde o tempo nic desempenha nenhum papel, e a de orgie nizugao social onde ele € chamado a intervir (1951, p. 40). © mesmo se aplica a0 debate prolongado catre os defensores de anti-evolucionismo boasiano ¢ 0 Sr. Leslie White (1949). Boas © sua escola ocuparam-se principalmente de modelos mecinicos onde a nogdo de evolugdo nio tem valor heuristico, Esta nogao adquire sentido pleno no terreno da histéria e da sociologia, mas sob a condi¢’o de que os elementos aos quais ela se refere nao sejam formulados em termos de uma tipologia “culturalisa” que utiliza exclusivamente modelas mecinicos. Seria preciso, ao contrério, apreender esses elementos num nivel profundo © bastante para se ter certeza de que permaneceriam idénticos, qual- quer que seja o contexte cultural em que intervenham (come 8 gens, que slo Elementos idénticas suscetiveis de aparecer em combinagdes diferentes, das quais resultam os tipos raciais, quer dizer, modelos estatisticos). Por fim & neces: siirio que se possa claborar longas sérics cstatisticas, Boas e sua escola tém, Portanto, razao de recusar a nogio de evolucha: ela nio ¢ significativa ao nivel dos modelos mecnicos, os dinicos que eles utilizam, e 0 Sr. White esté errado 80 pretender reintegrar a nogio de evolucaa, uma vez que persiste em utilizar modelos do mesmo tipo que seus adversdrios, Os evalucionistas restabeleceriam 4 LEVI-STRAUSS mais facilmente sua posico se cousentissem em substituir os modelos mecdnicos Por modelos estatisticos, quer dizer, modelos cujos clementos sejam independentes da sua combinacio ¢ permanesam igénticos através do um periodo de tempo suficientemente longo? A distingio entre modelo mecanico © modelo estatistico apresenta outro interesse: permite esclarecer 0 papel do méioda comparativo nas pesquisas estru- turuis. Radeliffe-Brown © Lowie tenderam ambos a superestimar esse papel, Assim, © primeiro escreveu (1925, p, 14): “Tem-se em geral a sociologia tedrica por uma disciplina indutiva. A indugia & com efeito, © procedimento I6gico que permite inferir proposigdes gerais da consideragio de exemplos especiais, O professor Evans-Pritchard... Parece as vezes acreditar que 0 métoda légico da indusdo, empreganda a com- Paragio, a classificagto ¢ a genscalizagio, niio pode ser aplicado gos fendmenos humanos ¢ 2 vida social... Quanto a mim, sustento que a etnologia bascia-sc no estudo compurativo ¢ sistemético de um grande nimero de sociedades” Num estude anterior, dizia Radcliffo-Brown a propésite da religiio (1945, p. 1): “O método experimental aplicado fi sociologia retigiosa.., ensina que devemos pdr nossas hipdteses & prova num niimero suficiente de religides dife- Tentes ou de cultos religiosos particulares, confrontados cada um com a socie- dade particular onde se manifestam. Tal empresa ultrapassa as capacidades de um pesquisador tinico; cla sapée a colaboragio de vérios", Dentro do mesmo espitito, Lowie comeca por sublinhar (1948 a, p. 38) que “a literatura etnolégica estd cheia de pretensas correlagtes que nia tém nenhuma base experimental"; ¢ insiste ma necessidade de “alargar a base indu- tiva”” das nossas gencralizagdes (1948 a, p. 68). Assim estes dois autores estio de acordo em dar um fundamento indutivo A etnologia; no que se apartam nao somente de Durkheim: “Quando uma tei foi comprovada por uma experiéncia bem-feita, essa prova € universalmente vilida” (1921, p. 593), mas também de Goldstein. Como ji se notou, este formulou da mancira mais licida 0 que s¢ poderia chamar “as regras do método esiruturalista” assumindo um ponte’ de vista geral o bastante para tornd-las vilidas, para além do dominio limitado Para o qual as havia inicialmente concebido, Goldstein observou que a neces- sidade de proceder a um estudo detathado de cada caso leva, como conse- qiténcia, a restrigie do nimero de casos que sc poderia-considerar dessa mancira. Nao nos arriscariamos entio a atermo-nos a casos demasiado especiais para que pudéssemos formular, sobre uma base tio restrita, conclusées vélidas para todos os dutros? Responde ele (1951, p. 25): “Essa objegdo desconhece intei- ramente a situacdo real: para comecar, a acumulagia de fatos — mesmo muito numerosos — de nada vale se cles foram estabelecidos de uma maneira imper= feita, nunca condur, ao conhecimento das coisas tal como elas so passam real- * B bem assim, aliis, ue se desenvolve o cvolucionismo bioldgica comemporiineo, nos trabsthos de J, B.S, idano, G. G, Simpson, etc. A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA is mente... & preciso escolher casos tais que permitam sustentar julgamentos decisives. Mas entio o que for estabelecido num case vale também para og outros”. Poucos ¢indlogos accitariam endossar esta concluséo, No entanto, a pes quisa estruturalista seria vi se nao cstivéssemas plenamente conscientes do dilema de Goldstein: ou bem estudar numerosos casos, de uma maneira sempre superficial e sem grande resultado; ou bem se limitar resolutamente a andlise aprofundada de um pequeno niimero de casos, ¢ provar assim que, no fim de conta’, uma experiéncia bem-feita vale por uma demonstracio. Como explicur esse apego de tantos ctnélogos ao métade comparativo? Nao sera que, também aqui, eles confundem as técnicas apropriadas para cons- tuir © estudar modelos mecinicos ¢ estatisticas? A posicio de Durkheim ¢ Goldstein & inexpugnavel no que conceme aos primeiros: uo contririo, ¢ evidente que nao se pode elaborar um modelo estatfstico sem estatisticas, ou, em outros lermos, sem acumular um grande ntimero de fatos. Mas, mesmo neste caso, 0 métode niio poderia ser chamado comparativo: os fatos reunidos nfo terao valor s¢ nado decorrerem todos de um mesmo tipo. Volia-se sempre & mesma opgap, que consiste em estudar a fundo 1m caso, ¢ a tnice diferenga prende-se ao modo de recorte do “caso”, cujos elementos constitutivos estario (conforms © padrao adotado) na escala do modelo projetado. ou numa escala diferente. Avé aqui tentamos elucidar algumas questées de principio, que concernem & propria natureza da nogio de estrutura social. Torna-se assim mais féeil procedsr a um inventdrio dos principais tipos de pesquisa, ¢ discutir alguns resultados, Pr... 1 — Morfologia social ou estraturas de grapo Nesta segunda segio, © termo “grupo” nao designa o grupo ‘social, mas em termos mais gerais, a maneira pela qual os fendmenos se agrupam entre si, De outra parte, resulta da primeira segao deste trabalho que as pesquisas estruturais 18in por objeto o estudo das relagdes sociais por meio de modelos, Ora, € impassivel conceber as relagdes socials fora de um meio comum que thes sirva de sistema de referéncia. © espago e o tempo stie os dois sistemas de referéncia que permitem pensar as relagies sociais, em conjunte ou isolada- mente. Estas dimensdes de espaco © tempo no se confundem com as utilizadas Pelas outras ciéncias, Consistem num espaco “social” ¢ num tempo “social”, o que significa que nao tém outras propricdades sendo as dos fendmenos socials que as povoam. Scgundo sua estrutura particular, as sociedades humanas tam concebido estas dimensdes de maneiras muito difcrentes. O etélogo nio deve pois inquietar-se com a obrigagio, na qual pode se encontrar, de utilizar tipos que nio Ihe sio habituais, « mesmo de inventé-los para as necessidades do momento, 44 observamos que © continuum temporal aparece como reversivel ou orien- tado, conforme o nivel que oferega o maior valor estratégico onde nos devamos colocar do ponto de vista da pesquisa em curso. Outras eventualidades podem também se apresentar: tempo independente do tempo do abservador, ¢ ilimitado; tempo, funcio do tempo préprio (biolégico) do observador, c fimitado; tempo sunalisdvel ou mio cm partes, que sejam por sua vez homélogas entre si, ou especificas, etc. Evans-Pritchard mostrou que se pode reduzir a propriedades formais deste tipo a heterogeneidade qualitativa, superficlalmente pereebida pelo observador, entre seu tempo préprio © os tempos que decorrem de outras cate- gorias: histéria, lenda ou mito (1939, 1940), Esta andlise, inspirada pelo estudo de uma sociedade africana, pode ser estendida & nossa prépria sociedade (Bernot © Blancard, 1953), No que concerne ao espago, Durkheim ¢ Mauss foram as primeiros u des- erever as propriedades varidveis que Ihe devemos reconhecer para poder inter- prétar @ estrutura de um grande numero de sociedades ditas primitivas (1901- 1902). Mas foi em Cushing — que hoje se finge desdenhar — que cles se 1 LEVISTRAUSS inspiraram inicialmente. A obra de Frank Hamilton Cushing testemunha, com efeito, uma penetracio © uma invengdo sociolégicas que deveriam valer a seu autor um lugar a direita de Morgan entre os grandes precursores das pesquisas estruturais. As lacunas, as inexatiddes apontadas em suas descrigdes, a prépria censura que se Jhe pode fazer de haver “sobre-interpretado” suas observagées, tudo isso é reduzido a suas proporgdes mais justas quando se campreende que Cushing buscava menos deserever concretamente a sociedade zoni do que elaborar um modelo (a célebre divisio em sete partes} que permitisse explicar sua estru- tura ¢ 0 mecanismo de seu funcionamento. 1 tempo e 0 espaco sociais devem também ser distinguidos segundo sua cscala, © ctndlogo utiliza um “macro-tempo" ¢ um “micro-tempo"; um “macro- espago” e um ‘“micro-espaco", De mancira pericitamente legitima, os estudos estruturals tomam suas categorias tanto da pré-histéria, da arqueologia e da teoria difusionista, como da topologia psicolégica fundada por Lewin, ou da sociometria de Moreno. Pois estruturas do mesmo tipo podem ser recorrentes @ niveis muito diferentes do tempo ¢ do espago, ¢ nada impede que um modelo estatistico (por exemplo, um dos claborades em sociometria) se revele mais dtil para constrair um modelo andlogo, aplicdvel 4 histéria geral das civilizacdes, que outro diretamente inspirado em futos tomados a este tinico dominio, Longe de nés, por conseqiiéncia, a idéin de que as consideragdes histé- ricas e geagrificas sejam sem valor para os estudos estruturais, como ainda acreditam os que se dizem “funcionalistas. Um funcionalista pode ser o oposto perfeito de um estruturalista, ai est o exempla de Malinowski para nos con- vencer disto, Inversamente, a obra de G, Dumézil’ e o exemplo pessoal de A. L. Krocber (de espirite tao estruturalista, embora se tenha por muito tempo dedicado a estudos de distribuicao espacial) provam que 0 método hist6rie niio em absoluto incompativel com ume atitude estrutural. Os fendmenos sincrdnicos oferecem, no entanto, uma homogencidade rela- tiva que os torna mais faceis de estudar que os fendmenos diacrénicos. Nao € pois surpreendente que as pesquisas mais acess{veis, no que toca & morfologia, sejam 29 gue se teferem as propriedades qualitativas, nio-mensurdveis, do espace social, quer dizer, & mancira pela qual os fendmenos sociais se distribuem sobre © mapa ¢ as constantes que sobressaem dessa distribuigdo. Sob este aspecto, a escola dita “de Chicago” © seus irabathos de ecologia urbana suseitaram grandes esperances, muito rapidamente frustradas. Os problemas de ecologia so dis- cutidos em outro capitulo deste simpésio.” portanto me limitarel a precisar, de Passagem, as relagies que exisiem cnire as nogdes de ccologia ¢ de estrutura social. Nos dois casos, trata-se da distribuigdo dos fenémenos sociais no espaco, mas as pesquisas estruturalistas voltam-se exclusivamente para os quadros espaciais # Resumido por este awtor em Dumézil (1949), © Trata-se do Capitulo “Human Ecology”, por Martson Bates; in: Amthropology To-Day, Nac. alta, pps TOO-T13. A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 19 cujas caracteristicas sio sociolégicas, quer dizer, que no dependém de fatores naturais tais como os da geologia, da climatologia, da fisiografia, ete, As pes quisas ditas de ecologia urbana apreseatam pois um interesse excepcional para © ctnélogo: © espaco urbano é suficientemente restrito, ¢ bastante homogéneo (em todos os sentidos, exceto o social) para que suas propriedades qualitativas possam ser atribuidas diretamente a fatores internos, de origem ao mesmo tempo formal ¢ social. Em lugar de se debrucar sobre comunidades complexes onde & dificil dis- tinguir © papel respectivo das influéncias de fora e de dentro, teria sido talver mais avisado limitar-se — como o fizera Marcel Mauss (1924-1925) — a estas comunidades, pequenas ¢ relativamente isoladas, que sfio as mais freqitentes na experiéncia do etnélogo, Conhece-se alguns estudos dessc género, mas raramente ultrapassam 0 nivel descritivo; ou, quando o fazem, é com uma timidez singula Ninguém investigou seriamente que correlagées podem existir entre a configu- ragdo espacial dos grupos, ¢ as propriedades formais que decortem de outros aspectos de sua vida social No entanto, intimeros documentas atestam a realidade ¢ a importancia de tais correlagdes, principalmente no que concerne, por um lado a estrutura social, € por outro a configurago espacial dos assentamentos humanos: aldeiss ou acam- pamentos. Limitando-me aqui & América, lembrarei que a forma dos acampa- mentos dos Indios das Planicies varia com a organizagiio social de cada tribo. Dé-se 9 mesmo com @ distribuicdo circular das chocas, nas aldeias Gé do Brasil central ¢ oriental. Nos dois casos, trata-se de regides bastante. homogéncas do Ponto de vista lingiiistico © cultural, e onde se dispde de uma boa série de variagdes concomitantes. Outros problemas se colocam, quando comparamos regides ou tipos de assentamentos diferentes, que vio & par com estruturas socials diferentes; assim, a configuragio circular das aldeias Gé, por um lado, © a configuragdo, em ruas paralelas, das cidades dos Pueblo. Neste dltimo caso, pode-se mesmo proceder a um estude diaerSnico, gregas-os documentos arqueo- lGgicos, que atestam interessantes variagbes, Existe uma relagao entre a passagem das estruturas semicirculares antigas as estruturas poralelas atuais, por um lado, ©, por outro, @ transferéncia do funda dos wales para os altiplanos? E como se produziu a mudanga na repartigdo das habitagdes entre os diferentes clas, que os mitos descrevem como muito sistemdtica, enguanto que hoje em dia parece obra do acaso’ Nao pretendo que a configuracdo espacial das aldeias reflete sempre a Organizagao social como um espelho, nem que a reflete inteiramente. Esta seria uma afirmagio gratuita para um grande nimero de sociedades. Mas, ndo haverd qualquer coisa de comum @ todas aquelas — de resto Jo diferentes — onde fe consteta uma relasdo (mesmo obscura) entre configuragéo espacial © esiru- tura social? E, mais sinda, entre aquelas onde a configuragio espacial “repre- senta” a estrutura social, como o faria um diagrama tracado no quadro-negro? Na realidade, as coisas raramente sav (iv simples como parece. Tentel mostrar 20 LEVI-STRAUSS em outra parte" que o plano da aldeia bororo nao exprime a verdadcira estru- tura social; mas um modelo presente na consciéncia indigena, ainda que seje de natureza iluséria ¢ que contradiga 05 fatos. Possui-se assim © meio de estudar os fenémenos sociais ¢ mentals a partir de suas manifestagdes objetivas, sob uma forma exteriorizada e — poder-se-ia dizer — cristolizada. Ora, nfo so apenas as configuragaes espaciais estiveis, ‘como os plenos de aldeia, gue oferecem tal oportunidade. Configuragées espaci instaveis, mas recorrentes, podem ser analisadas ¢ criticadas da mesma mancira Assim, as que se observam na dange, no ritual," cte. Aproximamo-nos da expresso matemética xo abordar as _propricdades numéricas dos grupos, que formam o dominio tradicional da demografia, Desde ‘ha alguns anos, no entanto, pesquisadores provindos de horizontes diferentes — demégrafos, sociGlogos, etndloges — tendem a se associar, para lancar as bases de uma demografia nova, que se poileria chamar qualitativa: menos preccupada com as variagées continuas no seio de grupos humanos, arbitrariamente isola- dos por razdes empiricas, que com as descontinuidades significativas entre grupos considerades como totalidades, € delimitados em tazdio dessas deseo: Esta “sociodemografia”, como diz a Sra. de Lestrange,” ja se ombreia com a antropologia social. Poderd acontecer que um dia torne-se o ponto de partida obrigatério de todas as nossas pesquisas. (Os etndlogos devem pois se interessar, mais do que o fizeram até o momento, pelas pesquisas demogrificas de inspiragdo estruturalista: as de Livi sobre a propriedades formais do isolado minimo capaz de se perpetuar; ou aquelas, vizinhas, de Dahlberg, O efetive das populagdes sobre as quais trabalhamos pode ser muito préximo do minimo de Livi, ¢ &s vezes até inferior. Ademais, existe uma relagio determinada entre 0 modo de funcionamento ¢ a durabilidade de uma estrutura social, ¢ o efetivo da populagio, Nao haveria propriedades formais dos grupos que seriam dircta ¢ imediatamente fongdo da cifra absolua da Populacao, independentemente de qualquer outra consideragio? Em caso afir- mative, seria preciso comecar por determinar estas propricdades e abrirelhes um espago, antes de procurar outras interpretagoes. Enfocariamos a seguir as propriedades numéricas que no pertencem aa stupa considerado come um todo, mas aos subconjuntos do grupo e a suas relagoes, na medida em que uns ¢ outros manifestam descontinuidades signific cativas, Sob este aspecto, duas linhas de pesquisa apresentam grande interesse para o etndlogo. ® “As Estruturas sociain no Brasil central € oriental”; “As Oreunizacdes dualistis easter?” Respectivamente, caps. VIL VUll de Antrepoiagie Esirutural VVer, por exemplo, as “figuras” de um ritual nas diversas etapa do seu desenrolar, tais como forum cartografaday em: A, C. Fletcher. “The Hako: a Pawnes Ceremony", 2206 Annual Report, Bureau of American Ethnology. U, 1905. 2 198i. 72 1940.1941 © 1949. A NOGAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 2 I. — As que se prendem a famosa Iei da sociologia urban dita de rank-size, & qual permite, para um conjunto determinado, estabelecer uma correlacdo entre 9 tamanho absaluto das cidades (calculado pela cifra da populagde) e a posigka de cada uma num conjunto ardenado, e mesmo, a0 que parece, deduzir um dog glementos 1 partir do outro." TI, — Qs trabalhos de alguns demégrafos franceses, baseados na demons- tragdo de Dahlberg de gue as dimensties absolutas de um isolado podem ser caleuladas pela freqtiéncin dos casamentos consangilineos (Dahlberg, 1948). Sutter ¢ Tabah (1951) chegaram assim a calcular o tamanho médio dos isolados para todos os nossos departamentos, tornando ao mesmo tempo acessivel ao emGlogo o sistema matrimonial complexo de uma sociedade moderna. O “ta- manho médio” do isolado francés variaria de menos de 1000 a Ppouco mais de 2.800 pessoas, Percebe-se assis que a rede de individuos definida pelas relagies Ge intercasamento € — mesmo numa sociedade moderna — de tamanho muito inferior ao que se poderia supor: apenas dez veees maior que a das menores sociedades ditas primitivas, quer dizer, da mesma orem de grandeza. Caberia concluir dai que as redes de intercasamento séo mais ou menos constantes, em tamanho absoluto, em todas as sovicdades humanas? Em caso afirmativo, a natureza complexa duma sociedade resultaria menos de uma dilatagao do isolado primitivo, que da integragio de isolados relativamente estdveis ¢m ¢conjuntos cada Vez mais vastos, mas caracterizados por outros tipos de lagos sociais (econé- micos, politicos, intelectuais). Sutter ¢ Tabah mostraram também que os menores isolados no se encon- tram exclusivamente nas regides afastadas, tals comé as zonus Tmontanhosas, mas também (e mesmo principalmente) nos grandes centras urbanos ou em suas vizinhangas: os departamentos do Rhone (com Lyon), da Gironda (cam Bordeaux), ¢ do Sena (com Paris) figuram na final da liste com isolados de 740, 910 © 930 pessoas, respectivamente, No departamento do Sena, que prati- camente se confunde com a aglomeragiic parisiense, a proporciio de casamentas Sonsangiincos € mais elevada que em qualquer um dos 15 departamentas rurais que o circundam. Tudo isto ¢ essencial, porque 0 etnéiogo pode esperar, gragas u estes tra balhos, cneontrer numa sociedade moderna e complexa unidades menores, da i Um sapesilista sm teatro contavarme reventementé qué Louis Jouyet cniturtiava se admi- rar de que cada Sulu recebessc, cada noite, aproximadamente indo 0 pdblico que podia ssomodar; que uma sala de 500 espectadores tiveste em toro de $00 clientes, ¢ uma. de 2.000, este numers, sem que nunca se recusasse muita gente na menor ¢ sem que» mater freasse AS veers com trés quartos dos lugares vagct, Ekta hatmonia pré-esubelecida aera, com efeito, inexplicivel se. em cada sala, todos os lugares fostem equivalenics. Mas coine ‘95 menos bons torram-se rapidamente detestavels, um efeito regulador se produs, proferinlo. $8 sflgcionados valtarem um outro dia, ou pata outra sala, se 46 restam meus lugares Seria interessante peequisar seo fendmeno nic € da mesmo Lipa que o da ramhesize law, De uma maneira geral, o estudo do fendmenn teatral, enfoeado de um ponto de viva Quantitative: relagfie do ndmero de salas ¢ de suas dimensdes respectivas com a tamanka das cidades © sun curvas de receita, efc., ofereceria tim meio comodo, e até o presente nepligensiado, de slucklar, quase como ex laboratorio, diacrénica e sincfonicamente, cerlos problemae fundamentals da mocfologia social, 22 LEVLSTRAUSS, mesma natureza das que estuda mais freqiientemente. Nao obstante, o método demogriifico deve ser completado de um ponto de vista etnolégico. O tamanho absoluto do isolado nao esgota o problema; dever-se-ia determinar também o comprimento dos ciclos matrimoniais. Guardadas as devidas proporgies, um pequeno isolade pode consistir numa rede de ciclos extensos (da mesma ordem de grandeza do préprio isolado); e um grande isclado pode ser feito (um pouco A manelra de uma cota de malha) de ciclos curtos.'* Mas nesse caso, torna-se neoessirio elaborar genealogias, o que significa que a dembgrafo, mesmo estru- turalista, nao poderia dispensar 0 ctnélogo. Esta colaboragao pode ajudar a clarificar outro problema, ji este teérico. ‘Trata-se do alcance e da validade da nogio de cultura, que den lugar a vivas discussées entre os ctndlogos ingleses ¢ amecricanos ao longo destes Gltimos anos. Atendo-se sobretudo ao estudo da cultura, nfo teriam os etndlogos de além-Atiantico se limitado — como escreveu Radcliffe-Brown — a “reificar uma abstrago”? Para o mestre inglés, “a idéia de cultura curopéia ¢ uma abstragio, ao mesmo titulo que a cultura desta ou daquela tribo africana”, Nao existe nada além de seres humanos, ligados uns aos outros por uma série tlimitada de relagSes sociais (Radcliffe-Brown, 1940 6). “Falsa querela”, responde Lowie (1942, pp. 520-521), Nao to falsa, entretanto, uma vez que © debate renasce periodicamente, Deste ponto de vista, ter-se-ia tod6é o interesse em colocar a nogio de cultura no mesmo plano du nogao genética ¢ demogrifica de isotado, Chamamos cultura todo eonjunto emogréfica que, do ponto de vista da investigagio; apre- senta, em relagio outros, afastamentos significativos. Se se busca determinat afastamentos significatives entre a América do Norte ¢ a Europa, tratd-la-emos como culturas diferentes; mas, supondo que o interesse volta-se para os afasta~ mentos significativos entre — digamos — Paris e Marselha, estes dois conjuntos urbanos paderdo ser provisoriamente constituidos como duas un! s culturals. Sendo o objeto ultimo das pesquisas estruturais as consiantes ligadas a estes afastamentos, vé-se que a nogdo de cultura pode corresponder a uma realidade objetiva, que fica inteiramente em fungéio do tipo de pesquisa em foco, Uma mesma colegio de individuos, contanto que seja objetivamente dada no tempo e no espago, subordina-se simultaneamente a vérios sistemas de cultura: universal, continental, nacional, provincial, local, etc.; ¢ familiar, profissional, confessional, politica, etc, Na prética, no entanto, esse nominalismo ndo poderia ser levado as dltimas consegiléncias. De fato, o termo cultura ¢ empregado para agrupar um conjunto Uc efastamentos significativos cujos limites a experiéncia prova coincidirem apro- ximadamente, Que esta coincidéneia nunca seja absoluta, e que nunca se produza '§ Estas duas sitaagSes correspondem respectivamente a casamentos de tipo matrilateral (ciclos Jongos) ou patrilateral (ciclos curtos}, Cf sobre este tema Les Structures élémeniaires de a parent, cap, XXVIL, Vé-se bem, por este exemplo, que a cansideragdes purumente quan- Utativas so ao suficientes, B preciso actescentar 0 exiudo das eatrataray, que aio ‘qualita livamente diferentes, A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 2B 80 mest tempo em todos os niveis, no deve nos impedir de utilizar a nogdo de cultura; ela € fundamental em etnologia e possui o mesmo valor heuristico que a de isolado em etnografia, Logicamente, as duas nogdes sio do mesmo tipo. Por outro lado, so os proprios fisicos que nos encorajam a conservar a nogéo de cultura, uma vez que N. Bohr escreveu: “As diferencas tradicionais das culturas humanas se parecem, a muitos respeitos, com as maneiras difersates, mus equivalents, segundo as quais 2 experiéncia fisica pode ser descrita” (1939, p. 9). III — Fstética social on estruturas de comunicagio Uma sociedade é feita de individuos e de grupos que se comunicam entre si, Entretaato, a presenga ou auséneia de comunicaggo nao poderia ser definida de maneita absoluta. A comunicagio mao cessa nas fronteiras da sociedade. Antes que de fronteiras rigidas, trata-se de limiares, marcados por um enfra- quecimento ou uma defermagdo da comunicagao, ©, onde, sem desaparecer, esta Passa por um nivel minimo, Esta situagio ¢ suficientemente significativa para gue a populagdo (de fora assim como de dentro) tome consciéneia dela. A deli- mitagio de uma sociedade nao implica porém que essa consciéncia ssja clara, condigao realizadz somente em casos de preci e de estabilidade suficientes. Em toda sociedade, a comunicagao opera pelo menas em trés niveis: comu- nicagio de mulheres; comunicacko de bens ¢ de servicos; comunicagdo de men sagens. Conseqiitntemente, o estudo do sistema de parentesco, 0 do sistema cco- némico ¢ 0 do sistema lingiiistico apresentam cerlas analogias. Todos os trés dependem do niesmo método; diferem somente pelo nivel estratégico onde cada um escotheu situarse no scio de um universo camum, Poder-se-ia mesmo acres senlar que as regras de parentesco ¢ de casamento definem um quarto tipo de comunicacio; a dos gens entre os fendtipos. A cultura nfo consiste portanto exclusivamente em formas de comunicacio que Ihe sejam proprias (como a lin- guagem), mas também — e talvez sobretude — em regras uplicdveis a toda sarte de “jogos de comunicagio”, quer estes se dosenrolem no plano da natu- reza ou no da cultura, A analogia que acabs de ser afirmada entre sociologin do parentesca, ciéncia econémica ¢ lingilistica, deixa subsistir uma diferenga entre os trés modos de comunicagio correspondentes: cles no esto na mesme escala, Enfocados no que diz respeito as taxas de comunicaco para uma sociedade dada, os interca- samentos ¢ a troca de mensagens diferem entre si, quanto a ordem de grandeza, mais ou menos como os movimentos das grandes moléculas de dois liquidos viscosas, atravessando por osmase a parede dificilmente permedvel que os ‘separa, © © de elétrons emitides por tubos de raios catddicos. Quando se passa do casamento 2 linguagem, vai-se de uma comunicacdo em ritmo tento a outra, em ritmo muito répido, Diferenca facilmente explicdvel: no casamento, objeto e 6 LEVI-STRAUSS sujeite de comunicagao sio quase da mesma natureza (mulheres © homens, res- pectivamente); enquanto que, na Enguagem, aquele que fala-nunca se confunde com: suas palavras. Estamos, porlanto, na presena de uma dupla oposigaa: pessoa € simbolo; valor ¢ signo. Compreende-se melhor, assim, a posicso intermedidria das trocas econémicas com respeito as duas outras formas: os bens ¢ os servigas Go so pessoas (como as mulheres); mas & diferenga dos fonemas, mie > irma > filha > Reto; 3.° um tempo ondulatério, ciclico, reversivel, na linhagem de Ego (masculino) definida por uma alterndneia continua entre dois termos: “ietna” e “filho e irma”, respectivamente, Estas trés dimensdes so retilineas. Em conjunto, opdem-se a estrutura circular de linkagem de Ego (feminino) entre os Zuni, onde trés termos: mie G2 mae (ou filha da filha), mic, filha, encontram-se dispostos muna anel fechado. A este “fechamento” do sistema corresponde, em Zuni, para as outras linhagens, uma grande pobreza da terminologia, tanto no que concerne 20 circulo de fa. milla como as distingSes operadas em seu scio. Como o estuda dos aspectos 4 Quer dizer, buscando determinar a lei das varingses consomiuntes cm vec de $e ater, A maneira anstatilica, &s simples correlagdes indutivas. 30 LEVI-STRAUSS do tempo depende também da linglifstica, a questfio dus implicacées entre suas formas lingilistica ¢ genealigica se vé imediatamentd colocada.™ A antropologia estaria mais avangada se seus defensores tivessem comse- guido por-se de acordo sabre o sentido da nogo de estrutura, © uso que dela se pode fazer, © a método que implica, Nao € este, ai de nGs, a caso, mas se pode encontrar um consolo © um encorajamento para o futuro em constatar que pelo menos & possive! compreender as divergéncias © precisar seu aleance. ‘Tentemos pois esbogar rapidamente as concepgies mais difundidas, comparan- do-as com a que foi propasta no inicio deste capitule, © termo “estrutura social” evoca imediatamente o nome de A. R. Rad- cliffe-Brown.”! Sua obra nao se limita, decerto, ao estudo dos sistemas de paren- tesco; mas ele escolheu esse terreno para formular suas concepgies metodoli- gicas em termos que todo cindlogo poderia subscrever. Quando estudamas os sistemas de parentesco, nota Radcliffe-Brown, colocamo-nos os seguintes obje- tivos: 1.° elaborar uma classificacgo sistemdtica; 2° compreender os tragos pré= prios de cada sistema: a) seja ligando cada trago a um conjunto organizado; 4) seja reconhecendo nele um exemplo particular de uma classe de fendmenos ja identificada; 3.° por fim, chegar @ generalizagSes validas sobre a natureza das sociedades humanas. E eis sua conclusio: “A andlise busca reduzir # diversidade [de 2 ow 300 sistemas de parentesco] a uma ordem, qualquer que possa ser. Por trés da diversidade, pode-se com efcito discernir os principios gerais, em nimero limitado, que sio aplicades e combinados de maneiras diversas” (1941, p. 11). : Nao hé nada a acrescentar a este programe ticido, senfio sublinhar que Radcliffe-Brown © aplicou com exatid’io ao seu estudo dos sistemas australianos: Teunindo uma massa prodigiosa de informagdes; introduzindo uma ordem onde s6havia 0 caos; definindo nogées essenciais, tais como as de ciclo, de par ¢ de casal. Sua deseoberta do sistema Karitra, na regio precisa ¢ com todas as caracterfsticas postuladas por ele antes mesmo de seguir para a Australia, perma- neceré, na histéria do pensamento estruturalista, como um memorivel éxito dedu- tivo (1930-1931), A Introdugao de Radcliffe-Brown ao African Systems of Kinship and Marriage tem outros’ méritos: este verdadeiro “tratada do parentesco” em miniatura esforca-se para integrar os sistemas ocidentais (considerados em suas formas mais antigas) numa teorix geral. Outras idéias de Radcliffe-Brown (nota- damente, as relativas & homologia da terminologia ¢ das atitudes) sero evocadas mais adiante. Depois de haver lembrado os titulos de gléria de Radeliffe-Brown, devo sublinhar que ele possui das estruturas sociais, uma concepgo diferente da que € avangada no presente trabalho. A nogdo de estrutura lhe aparece como um ® CL, Antropologia Estrutural, os capitulos 11 ¢ TY, onde este problema € mais amplamente 3 Marto em 1955, A NOGAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA eI) Sonceito intermedidrio entre os da antropologia social e da biologia: “existe uma analogia verdadeira e significativa entre estrutura orghnica ¢ estrutuira social” {1940 b, p. 6). Longe de elevar o nivel das estudos de Parentesco teoria de comunicagio, como propus que se faca, Radcliffe-Brown 0 reduz ao da morfo- logia ¢ da fisinlogia descritivas (1940 , p. 10). Maziém-se assim fiel & inspi- Fagdo naturalista da escola inglesa. Na momieato em que Kroeber e Lowie subli- nhavain j& o cardter artificial das regras de parentesco © casamento, Radcliffe. Brown persistia na convicgdo (que compartilhave com Malinowski) de que os lagos bioldgicos so, ao mesmo tempo, a origem @ 0 modelo de todos os tipos de lagos familiares. Desta atitude de principio derivam duas conseqiiéncias. A posi¢aéo empirista de Radclitfe-Brown explica sua tepugnincia em distinguir claramente estrutura social ¢ relacées sociais. De foto, toda a sua obra reduz a estrutura social a0 conjunto das relagdes socials existentes numa sociedad: dada. Sem divida ele ssbogou por vezes uma distinglo entre estrutuya e forma esirutural. Mas o papel que concede a esta diltima nogio é puramente diacrdnico. No pensamento teérico ce Radcliffe-Brown, seu rendimento teérico € dos mais fracos (1940 b, P 4). A distingao foi por sua vex objeto de uma critica de Fortes, que muito contribuiu Para intraduzir nas nossas pesquisas uma outra epasicdo, estranha ao pensamento de Radcliffe-Brown, © & qual se viu que eu mesmo ligo grande importincia: aguela entre modelo © realidade: “A estratura néo pode ser diretamente apreen- Gida na ‘realidade conereta’... Quando nos dedicamos @ definir uma estrutura, colocame-nos, poder-sevia dizer, no nivel da gramética e da sintaxe, ¢ nfo no da lingua falada” (Fortes, 1949, p. 56), Em segundo lugar, a assimilagio, proposta por Radcliffe-Brown, da estra- tura social As relagdes sociais, incita-o a dissociar a primeira em elementos eal- cados na forma mais simples de relagdo que se possa conceber, aquela entre duas pessoas: “A estrutura de parentesco de uma sociedade qualquer consiste num numer indeterminada de relagdes dididiens.., Numa tribo australiana, toda 2 estrutura social se reduz 2 uma rede de relagdes desse tipo, das quais. cada uma une'unia pessoa a uma otra...” (1940 6, p. 3). Constituem verdadeira- mente estas relagdes diddicas a matéria-prima da estrutura social? Nao so antes © residuo — obtido pela arialise ideal — de uma estrutura pré-existente, cuja natureza é mais complexa? Sobre este problema meiodoldgicu, a lingllistica estrutural teria muito que BOK énsinar, Bateson ¢ Mead trabalharam na direcdo indicada por Radcliffe. Brown. No entanto, jd em Naver (1936), Bateson ultrapassava o nivel das rela. goes difidieas puras, uma vez que se dedicava a classificé-las em categorias, sdmitindo assim que hé algo mais, na estrutura social, que as relagdes em si mesmas: 0 que entio, sendo a estrutura, posta previamente as relagdes? Enfim, as relagdes diddicas, tal como as concebe Redeliffe-Brown, formam uma cadeia que pode ser estendida indefinidamente pelo acréscimo de novas telagies. Dai a repugndncia de nosso autor em iratar @ cstrutura social como 32 LEVE-STRAUSS um sistema. Neste ponto importante, ele se separa de Malinowski, Sua filo- sofia baseia-se nu nocdo de continu; 2 idéia de descontinuidade sempre Ihe permancceu cstranha. Compreende-se melhor, assim, sua hostilidede para com a nogao de cultura, j4 notada, ¢ sua indiferenga aos ensinamentos da lingiiistica. Observador, analista e classificador incompardyel, Radeliffe-Brown muitas vezes decepciona quando se faz tedrico. Contenta-se com formulas frouxas, que mal recobrem petigdes de principio. Explicaram-se verdadeiramente as proibi- Ges de casamento, mostrando que clas ajudam os sistemas de parentesco cor Tespondentes a se perpetuarem sem alteragao (Radcliffe-Brown, 1949 5)? Podem 95 tracos notdveis dos sistemas ditos Crow-Omaha ser inteiramente interpretados em fungao da nogao de linhagem (id., 1941)? Terei ocasidio de exprimir outras diivi- das. Mas desde jé estas interrogacGes explicam por que a obra de Radcliffe-Brown, 2 despeito de sua importincia intrinseca, pode ser tao asperamente criticaca, Para Murdock, as interpretagdes de Radcliffe-Brown se reduziriam a “abs- ttagdes verbais, erigidas em causas primeiras” (1949, p, 121). Lowie se exprime mais ou menos da mesma maneira (1937, pp, 224-225). A controvérsia recente entre Radeliffe-Brown (1951) de um lado, e Lawrence e Murdock do outro (1949) no apresenta muito mais que um interesse histérico, mas esclarece ainda as posicées metodolégicas destes autores. Em meados de 1949, dispunha-se de uma boa descrigio, por Lloyd Warner (1930-1931, 1937 a) do sistema de paren- tesco ainda chamado Murngin;” entretanto algumas incertezas persistiam, sobre- tudo no que concerne ao “fechamento” do sistema, postulado pela hipstese (0 sis- tema sendo descrito como intransitive), mas praticamente impossivel de verificar. E surpreendente constatar que, para Radcliffe-Browa, o problema nao exists. Se toda organizaciio social se reduz a um conglomerado de relagdes de pessoa @ pessoa, o sistema € cxtensivel indefinidamente: para todo individuo masculina existe, ao menos teoricamente, uma mulher que estard para com ele na relagéo de filha do irmao da mie (tipo de cénjuge prescrito na saciedade em questio). E, na entanto, o problema surgia num outro plano: pois os indigenas escolheram exprimir as relagées interpessoais por meio de um sistema de classes, ¢ a des- erigao de Warmer (como ele mesmo reconheceu) ndo permite compreender como, a0 menos em certos casos, um individuo dado pode satisfazer, ao mesmo tempo, fis exigéncias do sistema de classes e is do sistema de relacdes. Em outros termos, se ele apresenta o grau de parentesco requeride nio caird na classe sorrespondente, ¢ inversamente, Para superar esta dificuldade, Lawrence ¢ Murdock inventaram um sistema que coincidia ac mesmo tempo com a regra preferencial de casamento e — Sracas a certas transformacGes — com o sistema de clusses deserito por Warner. Mas trata-se de um jogo gratuito, do qual logo se constazs que levanta muita mais dificuldades novas do que resolve as antigas. J4 o sistema reconstituido % Para o estado mais recente da questio, posterior & primeira publicagie deste attipe, ef, RM, ert L “Merngin’ (Wulamb) Social Organization”, American Amiropolezist, vol. 32, me 1, pt 1, 1955. por Wamer topava com um grande obstéculo: ele implicava que os indigenas Rercebescem claramente relagdes de parentesco tao distantes que a prépria hip- ‘ese tornava-se psicologicamente inverassimil. A soluco de Lawrence e Murdock exigiria bem muis que isto. Nestas condigies, pode-se perguntar se o sistema cculto ou desconhecido, propriate para dar conta do modelo consciente, mas desajeitado, que os Murngin tomaram emprestado recenlemente de vizinhos do- tados de tegras muito diferentes das suas, ndo deve ser mais simples que este Ultimo, ¢ nao mais complicado.” A altitude sistematica © formalista de Murdock se opoe aquela, empirista € naturalista, de Radcliffe-Brawn, No entanto, Murdock permanece, quase tanto quanto seu adversdrio, imbuida de um espirita psicolégico e mesmo biol6gieo, que o empurra para disciplinas periféricas, como a psicandlise ¢ a psicologia da comportamento. Consegue assim sc libertar do empirismo, que tanto pesa sobre as interpretagces de Radeliffe-Brown? E duvidoso, uma vez que estes recursos exteriores o obrigam a deixar inacabadas suas proprias hipdteses, ou a conclui las por meio de empréstimos que Ihes dio um cardter hibrido, ¢ As vezes mesmo contradizem 9 objetivo inicial formulado em termos etnolégicos. Em lugar de Considerar os sistemas de parentesco como meies sociais para cumprir uma fun tao social, Murdock chega por fim a traté-los come conseqiiéncias sociais de premissas expressas em termos de biologia ¢ psicolog A contribuigéo de Murdock aos estudos estruturais pods ser enfocada sob dois aspectos. Em primetro lugar. ele quis renovar 0 método estatistico, Tylor J8 0 havia empregado para verificar correlagdes supestas e descobrir novas. O emprego de técnicas modernas permitiu a Murdock realizar progresses indubl- tiveis nessa diregio. Tem sido muitas vezes sublinhados os vbsticulos com que sé depara o método estatistico em etologia (Lowie, 1948 a, cap. II). Como Murdock esti ‘Go prevenido para isto quanto qualquer um, contentar-me-ei em lembrar o Perigo do cfreulo vicioso: a validade de uma corrclagdo, mesmo baseada numa freqiéncia estatistica impressionante, depende, no fim de contas, da validade do recorte 20 qual se recorreu para definir os fendmenos correlacionados. Em conirapartida, 0 método permanece sempre eficaz para denunciar as correlagdes 3 Warner postulava um sistema de 7 linhagens equivalendo a 7 classes; Lawrence ¢ Mure dock substitutam-no por um sistema de & linhagens ¢ 32 classes; mi meima epoca (Lev Structures Hémentsires de ta parenté, 1949, sap. XI), eu propunha reduzir o esquema de Warner a 4 linhagens, das quiis uma ambigua. Em 1951, um etnologe inglés, o Sr ER. Teach, Felomou minha concepsio, que ele se encarregou de defender contra mim mesmo, 29 mesmo tempo que me eMmprestava uma oulra improvisada por ele para as necessidades ea cansa, Cf. E.R. Leach, “The Stcuczural Implications of Matrilateral Crose-Comin Mar Tage", Journal of the Royal Anthropological Instirure, vol, #1, 1951. No artigo citado sob 4 nota precedente, Berndt fira-sc na cifra de 3 linhagers. Enganada por Leach no momento em que redigia seu artiga, cle bem quis reconhecer om eeguida, em conversa ¢ por. cart que, ‘numa base puramentc dedutiva, cu ehegum 4 solugio mais vieinhs, entre todas até enti avangadas, daguela que cle proprio devia verificar em campo. Minha interpretagio do sistema Murngin foi objeto de uma anilise udmiravelmente licicla & penetrante pelo Prof, J, P, B. de Josselin de Jong. LéviSirauct's Thevry on Kinship. and Marriage, 1952. 44 LEVE-STRAUSS erroncamente aceitas. Deste ponto de vista negative ¢ critico, certas conclusdes de Murdock podem ser consideradas adquiridas. Murdock dedicou-se igualmente a reconstituir a evolugio histdrica dos sis- temas de parentesco ou, pelo menos, a definir certas linhas de evolucio pos- siveis ou proviveis, com a exclusdo de qutras tantas. Chegou assim a resultados surpreendentes: mais freqientemente do que se acreditaria (desde que Lowie — 1920, cap. Tl — se pronuncio contra a hipotess similar de Lewis Morgan) 0 sistema de parentesco de tipo “havaiano” representaria uma forma primitiva, Atentemos, no entanto, pata o fato de que Murdock niio raciocina sobre socie- dades reais, observadas em seu contexta histérico © geogréfico, e consideradas somo conjuntos organizados, mas sobre abstragées ¢ mesmo — por assim dizer — abstragdes de segundo grau: ele comega por isolar a organizagao social dos outros aspectos da cultura, ¢ as vezes, os sistemas de parentesco da organizacio social; depois do que, recorta arbitrariamente 2 organizagéo social (ou 0 sis- tema de parentesco) em pedacos ¢ fatias, conforme principios inspirados pelas categorias tradicionais da tcoria etnolgica, mais que por uma anilise real de cada grupo. Nestas condigdes, sua reconstrugio histérica permanece idleoligica: consiste em abstrair os elementos comuns de cada estagio para definir 0 estégio imediatamente anterior, ¢ assim por diante, E claro que um método desses 36 pode chegar a um resultado: as formas menos diferenciadas aparccerio como as mais antigas, ¢ as formas complexas serio atribuidas posigdes cada vex mais Fecentes, na proporso da sua complexidade. Um pouco como se fiaéssemos femontar © cavalo moderno & ordem dos vertebrados, antes que a espécie Hipparion. As ressalvas precedcntes nio se destiaam a diminuir os méritos de Murdock: ele reuniu documentos abundantes ¢ freqiientemente negligenciados; ele colocou problemas. Mas, precisamente, sua técnica parece mais apropriada para descobrit © identifica os problemas do que para resolvé-los. Seu método ainda perma- nece imbuido de um espirito aristotélico; talvex toda ciéneia deva passar por ai, Ao menos ele se porta como bom discipulo de Aristételes so afirmar que “as formas culturais testemunham, no plano da organizagio social, um grau de regularidade ¢ uma conformidade com as exigéncias do pensamento cientifico, que nfo difere, de maneira significativa, daquilo a que as ci¢neias ditas naturais FOS acostumaram” (1949, p. 259), © leitor, que se reportaré As distingdes propastes no inicio deste antigo, quererd observar que Radcliffe-Brown tende a confundir observagdo e experi- mentacde, enquanto Murdock nao distingue suficientemente entre modelos esta tisticas ¢ modelos mecanices: busca consiruir modelos mecinicos por meio de um método estatistico, tarefa impossivel, ao menos de maneira direla que & a sua, Simetricamente, poder-se-ia caracterizar a obra de Lowie™ como um esforgo renhido para responder a uma tnica pergunta: quais sia os fatos? Dissemos ™ Morto em 1957. A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 35 ane, mesmo para o estruturalistn, esta pergumta € a primeira A qual € precito responder, © que comanda todas as outras, As pesquisas de campo e a reflexio te6riea de Lowie comegam numa Epoca em que a etnologia est como que entu- Ihada de preconceitos filos6fieos, aureolada de misticismo sociolégico. Eventual mente © ceusuraram por haver reagido a esta situag3o de maneira puramente negaliva (Kroeber, 1920): exa preciso. Nesse momento, a primeira tarefa consistia em demonsirar a que os fatos no erm. Lowie emprecndet pois, corajosamente, a desintegraso dos sistemas arbitrarios e das pretensas correlagdes. Desse modo libertou — por assim dizer — uma energia intelectual da qual ainda nao paramos Ge nos embeber, Talvex seja menos facil revelar suas contribuigées positivas, em razto da extrema discricéa que poe em formular seu pensamento, © de sua Fepugnancia para com es construgdes tedricas. Nao se definiu cle proprio em algum lugar como um “eético ative"? Era ele na entanto que, desde 1915, justi- ficava da maneira mais moderna os estudos de parentesco: “A propria substinncia da vida social pode ser as vezos analisada tigorosamente em fungio do modo de classificagao dos parentes ¢ aliados” O915, 1929 ©). No mesmo artigo, punha abaixo a perspectiva estreitamente histérica que limitava 0 horizonte etnolégico, Sem permitir que se percebesse os fatotes estruturais universalmente operantes; definia j4 a exogamia em termos genéticos, como um esquema institucional cagendrando os meamos efeitos por onde quer que se faca presente, sem que Seja preciso invocar considetacdes histérico-geograficas, para compreender as analogias entre sociedades distanciadas, Alguns anos mais turde, Lowle pulveriza 0 “complexo mattilinear” (1919) udlizando um método que devia conduzi-lo a dois resultados essenciais para o estruturalista. Negando que todo traco de aparéncia matrilinear devesse ser inter. Pretado como uma sobrevivéncia ou um vestigio do “complexo”, permitia sua de- composigao em varidveis, Em segundo lugar, os elementos assim Nberados torna- vani-se disponiveis para a claboragiio de tabelas de permutacdes entre as caracte. risticas diferenciais dos sistemas de Parentesco (Lowie, 1929 a), De duas maneiras igualmente originais, abria assim a Porta aos estudos estruturais: quanto ao sistema de apelagées, ¢ quanto a relacdo entre este € 0 sistema de atitudes, Esta dltima crientardo deveria ser seguida por outros (Radcliffe-Brown, 1924; Lévi-Strauss, 1945). Devemos ainda a Lowie outras descobertas. Foi ele, sem dtivida, o primeira a Sstabslecer 0 carter bilinear de varios sistemay preiensamente unilincares (1920, 1929 5); demonstrow a influgncia exercida pelo modo de residéncia sobre © tipo de filiagdo (1920); dissociou as condutas familiares de reserva e de res- peito, € a proibicdo do incesto (1920, pp. 104-105). Sempre cioso de enfocar a8 organizagées sociais de um duplo ponto de vista: regras institucionais por um lado, mas também expresses médias de reagiex psicolégicas individuais (num sentido que as vozes contradiz as regras, ¢ que sempre as inflete), esie % Cf cap. I da Aniropalogia Exirurural, ery LEVI-STRAUSS mesmo Lowie, tio criticado por sua demasiado famosa definigio da cultura, feita de “pedagos e fatias”, quem nos deu monografias que se contam entre as mais penctrantes, as melhor equilibradas de toda a literatura etnoldgica (1935, 1948 a, cap. XV, XVI, XVID. Por fim, conhece-se o papel desempenhado por Lowie no desenvolvimento dos estudos sul-americanos. Direta ou indiretamente, por seus conselhos ou scus encorajamentos, ele contribuiu para abrir & etnologia um dominio dificil ¢ por demais negligencizdo. 1V — Dinamica soclal: estraturas © subordinagao a) Ordem dos elementos (individuos © grupos) na estrutura social Nossa posigio pessoal sobre os problemas Precedentes ndo precisa ser exposta aqui. Malgrado nossas esforgos no sentido da objetividade, ela trans parece suficientemente a0 longo deste capitulo. Para o autor destas linhas, os sistemas de parentesco, as regras de casamento ¢ filiagio, formam um conjunto coordenado cuja funcao € assegurar a permanéncia do grupo social, entrecruzan- do, & mancira de um tecido, as relagdes consangiiineas ¢ as baseadas na alianga, Assim esperamos haver contribuide para clucidar © funcionamento da maquina social, extraindo perpctuamente us mulheres de suas familias para redistribuistas por oulros tantos grupos domésticos, os quais se transformam por sua vex em familias consangiiineas, ¢ assim por diante.** Na auséncia de influéncias externas, essa miiquina funcionaria indefinida- mente, € a esirutura social conservaria um caréter estitico, Entretanto nfo ¢ este © caso. Deve-se pois introduzir no modelo tedriea elementos novos, cuja intervengdo possa cxplicar as transformagdes diacrOnicas da estrutura, ao mesmo ‘empo em que daria conta das razSes pelas quais uma estrutura social aunca se reduz a um sistema de parentesco, Hi irés manciras diferentes de responder a esta dupla questo. ‘Como € de regra, perguntar-se-4, para comecar, quais stio os fatos, Anos Se passaram desde que Lowie deplorava a caréncis de trabalhos antropoldgicas em matéria de organizagao politica. A. esse Fespeito, registrar-se-2o alguns pro- gressos que devemos ao proprio Lowie, em seus trabalhos mais recentes, pelo menos no que concerne & América do Norte (1927, 1948 a, cap. VI, VII, XI XIV, 1948 5), € A grande obra sobre a Africa, dirigida por Fortes ¢ Evans- Pritchard (1940). Lowie precisou utilmente algumas categorias fundamentais: classes sociais, “comensalidades”, Estado. ‘© segundo método consistird em correlacianar os fendmenos atinentes a0 nivel ja fsolado, quer dizer, os fenémenos de Parentesco, ¢ 05 do nivel ime- % CE sobre este ponto ©. Lévi-Strauss, The Family, in: H. L. Shapira, ed, Man, Calture end Society, Oxford University Press, 1956, cap. XIT (nic reproduzido na presente caletaneal, 38 LEVI-STRAUSS * diatamente superior, ne medida em que se puder ligé-los entre si. Dois problemas se colocam entio: 1.0 ay estruturas baseadas no parentesco podem, por si mes- mas, manifestar propriedades dinimicas? 2.° de que maneira as estruturas de comunicacdo e as estruturas de subordinagdo reagem umas sobre as outras? O primeiro problema é€ 0 da educacfo; num momento determinado, cada geragio se encontra com efeito numa relagdo de subordinagfo ou de dominincia para Com aquela que a precede ou a segue, Foi assim que Margaret Mead ¢ outros es- colheram colocar @ problema. Existe também uma maneira mais tedrica de proceder que consiste em investigar as correlagdes entre certas posigdes (estiticas) na estrutura de paren- tesco (reduzida 4 sua terminologia) e as condutas (dinamicas) correspondentes, tais coma se exprimem nos direitos, deveres e obrigagdes por um lado, © por outra nos privilégios, proibigdes, ete, Para Radcliffe-Brown, uma correspondéncia termo a termo é verificdvel entre o que se poderia chamar o sistema de aiitudes © o sistema de apeiagées. Cada termo de parentesco corresponderia a uma conduta prescrita, positiva ou negativa; © cada conduta diferencial seria conotada por um termo. Outros sustentaram que uma correspondéncia dessas era inverificdvel na pritica, ov que funca ultrapassava o nivel de uma aproximagio bastante grosseira. Eu mesmo propus uma interpretagdo diferente, basexda numa relagain dia- Iética entre atitudes ¢ apelagdes, As condutas diferenciais entre parentes ten- dem a se organizar sobre o mesmo modelo da terminologia, mas constituem também um meio de resolver as dificuldades, e de superar as contradigdes ine- fentes a esta mesma terminologin, Assim, as regras de conduta entre parentes, numa sociedade qualquer, traduziriam uma tentativa de resolver as contradigdes decorrentes do sistema terminoligico ¢ das regras de alianga. A medida que as primeiras tendem a se constituir em sistema, novas contradigées aparecem: que provocam uma reorganizagio da terminologia, a qual repercute sobre as atitudes ¢ assim por diante, salvo durante raros perfodos de equilibrio, logo ameagados.” Outro problema se coloca quando se consideram sociedades onde o sistema ® Num pequeno livro consagrado & refutagho de Structures dlémentaires de la parenté, 98 Sis. Homans ¢ Schneider tentam reduzir as regras de casumento preferencial ao sistema de atitudes, Insurgem-se contra o principio, colocade em Structures, de que nfo ha coneako necessiria entre o casamento matrilateral ou patrilateral por umy lado, ¢ 0 modo de fillagke: — pattilinear ov matrilinear — por outro. Em apoio ® sun prdpria tese. sogudo a qual 9 casamenio matrilateral seria funyio da filiagio patrilinear, invocem corrclagies extatisticns gue milo provam grande coiss. Com efelto, ss sociedades Ge filiagllo patrilinear eo multe mais numerosas que as de filingko matrilinear: ademais, © casamento matrilateral € cle proprio mais freqiente que o casamenio patriluieral. Se, portanto, a distribulsio se finesse Bo ncaso, ji se poderia caperar que o nimero de sociedades caracterizadas pela easociagée filiagio patsilinear © casaments matritateral fosse gas elevade que os outros, © a corre fagio invocada por meus criticos scria vazia de significagso, Retomando o estuda desta cor selagia, suposta, por meio de uma amosira mais imparante (S64 sociedades), Murdock con- cluiu: “A distribuiczo mundial destas correlagdes € tao frouxa que incita a por em divida a interpretacio tedrice proposta” (G. P. Murdock, “World Ethnographic Sample", Amer Anthrop.. A. 5 Vol. 39, 2.0 4, 1987, p_ 687). Insisto. em pensar, segundo os termes mesmo que empreguci inicialmente, que nfo. existe conexie necessdria entre 0 casamento com a prima eruzada unilateral ¢ 0 modo de fillagio, quer dizer, que nenhuma das combinngdcs concebivess implica numa contradicie. Nac ANOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 39 de parentesco niio rege alianges matrimonials entre iguais. O que se passa, cam efeito, se 08 parceiros das trocas matrimoniais x80 grupos hicrarquizados, de fato ou de direito, do. ponto de vista politico ou econdmico? Deste angulo, somes levados @ cxaminar diversas instituigGes: primeiro « poligamia, da qual mostrei que repousa as vezes na integraydo de duas formas de garantias: uma coletiva ¢ politica, outra individual ¢ econdmica:* a seguir a hipergamia (ou hipagamin). Este ultimo problema, até o presente muit negligenciado, mereceria um estudo cuidadoso do qual depende uma teoria coerente do sistema de castas, ¢ — indiretamente — de todas as estruturas soviais baseadas em distingSes de status, O terceira e thio métoda tem um cardter mais formal que os precedentes. Consistird num estudo @ priori de todos os tipos de estruturas concebiveis, resul- tando de relacdes de dependéncia ¢ de dominacio que aparecessem 20 acaso, © tratamento matemético, por Rapoport (1949), dos fendmenos cielicas de do- minagao entre as galinhas abre a este respeito interessantes perspectivas, Sem ddavida esas cadeias ciclicas e intransitivas parscem apresentar pouca afinidade som as estruluras sociais as quais seriamos tentados a comparé-las, Estas dltimas (assim 0 “circulo do kava” na Polinésia) sée sempre transitivas e nio-cicli- cas: aquele que ocupa uma posigdo inferior esti, por definigio, excluldo das posigdes superiores.” ctstante, € possivel, © mesmo verossimil, que, ng plana da experléncia, os Gols tipas de Siaminio fe encoatrem mais frequentemente associudos com um oll outta modo de filiaglo, Be cele for o caso, osia correlagiio estaiiatica (que nic se contundird tor ome cnet {oelea) pedicla explicasio. Ku seria levado a buscirla pelo Inde da Instabilidade proeea sosiedndes matrilineares (tema JG desenvolvide em Structures), cue thes lorma a adogio de longos ciclos de reeiprocidade, enquanto que o= de sasamento paltilateral se acomodariam melbor aos conflitos de que as socwdades sate lneares sé0 sempre paleo. A interpretagho tedriea de Homara ¢ Schnekier parece-me total, frante Unaccitivel: cles explicam a preferéncia das soeicdades patrilineures pelo’ casamente Ratcilateral por consideracdes. psicoldgicas, tal como a tranafertncin ana’ lipases some, meniait de um adolescente para x linhagem do- tio materno, Se tal {ose O cass. o cone mento matrilateral seria, com efeito, maix freqliznte, man nko terin neceasidads ‘We aer Frente SocefPssito ge um caso particular, Homans e ‘Schaeider vollam, pura ¢ simipley- frente, & tooria psicolégica uvancuda por Wesiermarck, pura dar coma dy. proibigte oo incesto, Gostariames de acreditar cinologia definitivamente Livre desses velhce eran: (CS, GC Homans 2D. M. Sehacider, Marriage, Authority and Final Causes, Sealy of Unilateral Cross-Cousin Marriage, Glencoe, Illinois, 1955.) Srey Levi Strtuss, Tristes Tropiques, exp, XXIX, retomands Oi teriag dé tim exude. anterior: arte Social and Psychological Aspects of Chieftalnship in a Primitive ‘Trine’, Thaneehon of the New York Academy of Sciences, série II, vol. VII, n° 1. 194, Sieh RETNA Porece-me hoje (1957) sundrfiua. Exbtem socigdades onde “se observa Gio lerdeauicos intransitivos, de todo comparivets § pecking-order, Assim ee hee Fidj, onde & populagéo era organizada até 0 camego do culo XX sm dominion xenon fnldos entre ‘si por relagdet de vamaligern © tuis, em certod cage, que um deminig X fase vastalo de ouiro B. B de CC de Dic D de A. Hocarl Geacreveu ¢ saplioou coat Garutura, A primeira vista Incomprecnsivel observando que oxisiem em Fidji dias terres de vastalngem: a vassalagem por costume, ¢ a vassalagem por conguicta, O domite = pode pois scr tradiclonalmente vassal de B, B de C, ¢ C de D, quando acomiere te Gorginig, D ter caida recentemente, ao cabo dc uma guetsa makucedida, sob 1 vamsaligen de A: Nag somente a estrutura assim realizada € a mesma que a da pecking-order, mas jem que disto nos tivéssemas aperecbide — 4 teoria etnoldgica adiantouse varios wow A interpretagio matemilisa, tea ver que esta se baseis na distlogie entre duas wartiveis ‘eperanda com Um verto desnivel, o que corresonde exatnmente 4 descrieao sma) de Mocart (cf, A.M. Hocart, “The Nocthern States of Ful", Oceanional Publ. ne 11, foal Anthropological Instinvte, Londres, 1989) 40 LEVI-STRAUSS Em contrapartida, o estude dos sistemas de parentesco mostra que, sob certas condig6es, a transformagao de uma ordem transitiva © nfo-ticlica em outra, intransitiva e ciclica, néo € inconcebivel. Pode-se observa-lo numa socie~ dade hipergamica com casamento prefetencia! de um homem com a filha do irmao da mae. Um sistema desses consiste numa cadcia, encerrada numa extre- midade por uma jovem da posi¢io mais alta, e portanto incapaz de encontrar um maridy que n&o the seja inferior, © na outra por um jovem privado para sempre de esposa {uma vez que todas as jovens do grupo, exceto sua irma, tém uma posic’o superior @ sua). Conseqiientemente, ou bem a sociedade em questio sucumbe as suas contradighes, ou bem seu sistema transitive © niio- ciclica deve transformar-se num sistema intransitivo ¢ ciclico, temporariamente ou localmente.® Assim se introduzem em nossos estudos nogSes tais como as de transi- tividade, ordem e ciclo, que se prestam a um tratamento formal e permitem a andlise de tipos generalizados de estruturas sociais ande os niveis de comuni- cagiio ¢ subordinagdo podem ser integrados. Ir-se-d ainda mais longe, até a integragio das ordens, atuais ¢ virtuais? Na maior parte das sociedades humanas, © que chamamos “ordem social” deriva de um tipo transitive ¢ ndo-ciclico: se A € superior a B, ¢ B superior @ C, A deve ser superior a C, e C nao pode ser superior a A. No entanto, as préprias sociedades que abedecem praticamente a estas regras concebem tipos de ordens que se poderia chamar “virtuais” ou “ideais”, seja no plano da politica, do mito ou da religiao, ¢ essas ordens sto as vezes intransitivas e ciclicas, Assim, 05 contos de reis desposando pastoras, ou a critica da democracia americana por Stendhal, como um sistema onde um gentleman esté ds ordens de seu merceeiro, b) Ordem das ordens Para o cindlogo, a sociedade envelve um conjunto de estruturas corres- pondendo a diversos tipos de ordens, O sistema de parentesco oferece um meio de ordenar os individuos segundo certas regras; a organizacdo social fornece outro; as estratificagGes sociais ou econdmicas, um terceiro. Todas essas estru- turas de ardem podem ser elas proprias ordenadas, com a condigdo de desvendar que relegdes as wnem, ¢ de que mancira reagem umas sobre as outras do ponto de vista sinerdnico. Assim, Meyer Fortes (1949) tentou, nia sem sucesso, ccins- truir modelos gerais que integrem as propricdades de diversos modelos especiais (parentesco, organizagao social, relagdes econémicas, etc.). Essas tentativas de formular um modelo total de uma sociedade dada. con- frontam @ etndlogo com uma dificuldade ja enfocada no comego deste capitulo: até que ponto a maneira como uma sociedade concebe suas diversas estruturas ® Fara am exemplo notivel da transformagic local de um tipo em outro, ef. “Female Initiation Rites on the Malabar Coast", Journ. of the Roy. Anthrapal 85, 1955, pp. 47-48. Gough, inst., vol. de ordem. ¢ as relagdes que as unem, corresponde a realidade? J4 indiquei que varias respastas cram possiveis, em funea dos documentos considerados. Mas até o presente, nao enfocamos sendo ordens “vividas", quer dizer, ordens que so elas préprias funcdo de uma realidade objetiva ¢ que se pode abordar do exterior, independentemente da represemtacdio que os homens se fazem delas. Observar-se-ii agora que tais ordens "‘vivides” sempre supdem outras, as quais é indispensével levar em conta para compreender nfio somente as precedentes, mes @ mancira como cada sociedade tenta integrar a todas numa totalidade orde- nada. Essas estruturas de ordem “concebidas", e nao mais “vividas”, ni corres- pondem dirctamente 2 nenhuma realidade objetiva; & diferenga das primeiras, niio sé. suscetiveis de um controle experimental, uma vez qué chegam mesmo @ apelar para uma experiéncia especificn com a qual, alidés, ds vezes se confun= dem. O inico controle a0 qual poderiames submeté-las, para analisé-las, & pois © das ordens do primeiro tipo, ou ordens “vividas”, As ordens “concebidas” correspondem so dominio do mito e da religiao, Pode-se perguntar se a ideo- logia politica das sociedades contempordneas nao corresponde também a esta categoria.” Seguindo os passos de Durkheim, Radcliffe-Brown soube mostrar que os fatos celigiosos deviam ser estudados como parte integrante da estrutura social Para ele, 0 papel do etnélogo é estabelecer correlagdes entre diversos tipos de Feligibes ¢ diversos tipos de organizagdes sociais (1945), Se afinal sua sociologia roligiosa tem por saldo um insucesso, é, a0 que parece, por duas razdes, Em Primeiro lugar, ele ligow dirstamente as crengas ¢ o ritual a estados afetivos. Em segundo lugar, quis atingir de golpe uma expressiio geral da relagtio entre a sociedade ¢ 2 religiio, ao passo que temos necessidade sobretudo de estudos concretos; que permitam construir séries regulares de variagdes concomitantes. Dai resultou uma espécie de descrédito que pesa muito sobre a etnologia reli- giosa. No entanto, os mitos, o ritual ¢ as crengas religiosas formam um dominio cheio de promessas para os estudos estruturais e, por raras que sejam, ax pes- quisas recentes parecem particularmente fecundas, ‘Varios autores tém empreendido ultimaménte o estudo dos sistemas teli- gios0s como conjuntos estruturados, Trabalhos monograficos como The Read of Life and Death de P. Radin (1945), e Kunapipi, de R. M. Berndt (1951), inspiram-se nessa concepedo, O caminho esté assim aberto para as posquisas Ssteméticas, das quais Navaho Religion, de G. Reichard (1950) oferece um bom exemplo. Mas nao se negligenciario, igualmente, as andlises de detalhe, voltadas Para os elementos permanentes ¢ ndo-permanentes das representagdes religiosas mais familiar aos antropélogos pefestrutura, © que mostra — 30° m — 0 pouse fundamento das criticas que 2 Sr. Guevitch me diriae (Cahiers inrernationass de Soctologie, vol 19, mu Su, 20" anos 1955) quando me acuta, a propdsito desta passagens, de querer reinlegrar na soclologia wma con. eeprio_ nutoritatia da ordem social. Ver, a este respeito, minha resposta aa Sr. Gurvitch cap. XVI da Antropelogia Estrutural. 42 LEVL-STRAUSS Ge uma populagio dada, durante yi lapso de tempo relativamente curto, assim como Lowie as concebeu, Talvez cheguemos entio 2 construir, em etnologia teligiosa, esses “modelos em pequena escala, destinados 4 andlise comparativa... de variaedes concomi- tantes... tais como se impdem em toda pesquisa visando a explicacdo dos fatos sociais” (Nadel, 1952). Este métado nfo permitird progeedis senio lenta- mente; mas fornecerd conclusGes que se contardo entre as melhor estabslecidas, © as mais convincentes, das que podemos esperar em matéria de organizacio social. Nadel ji demonstrou que existe uma correlagdo entre a instituigao. do xamanisina ¢ certas atitudes psicoldgicas caracteristicas des sociedades correspon- dentes (1946), Camparando documentos indo-curopeus provenientes da Islandia, da Irlanda ¢ do Caueaso, © Sr. Dumézil conseguiu interpretar um personagem mitolégico até entio enigmético, e correlacionar seu papel e suas manifestagdes em certos tragos especificos da organizagio social das populagdes estudadas (1948); Wittfogel ¢ Goldfrank isolaram variagdes significativas de certos temas mitolégicos entre os indios Pueblo, ligando-as a infrarestruiura sécio-econdmica de cada grupo (1943). Monica Hunter provow que as crencas mégicas eran fungaio direta da estrutura do grupo social (Hunter-Wilson, 1951). Todos esses Fesultados — juntamente com outros que nao podem ser comentados aqui, Por falta de espago — do a eéperanca de que um dia estaremas em condigdes de compreender, nao a fungio das crengas religiosas na vida social (coisa feita desde Lucrécio), mas os mecanismos que thes permitem cumprir essa funcao. Algumas pelavras & guise de conclusio. Noss estndo principiou por uma aniilise da nogio de modelo, ¢ € ela uinda quc reaparece no fim. A antropologia Ohainl A ume otal Mee 2 aauuui que procure construir scus modelos a imagem dos mais simples, entre o$ que Ihe apresentam ciéncias mais avangadas, Assim se explica a atragio da meciinica clissica. Mas nao teremos sido, 4 esse fespeito, vitimas de uma ilusio? Como observou von Neumann (von Neumann © Morgenstern, 1944, p. 14): “E infinitamente mais simples elaborar uma teoria quase exala de um gas contendo aproximadamento 10 particulas livres do. que a do sistema solar que compreende somente 9 grandes corpos". Ora, a antropo- logia em busca de modelos encontru-se diante de um caso intermedéirio: os Sbjetos dos quais nos ocupamos — papéis sociais ¢ individuos integrados numa sociedude determinada — so muito mais numerosos que os da meciinica newto- niana, sem ser porém o bastante para suberdinar-se a estatistica ¢ ao céloulo de Probabllidades. Colocama-nos pois num terreno hibrido © equivoco; nossos fatos s&0 complicados demais para serem abordados de uma manciza, ¢ nfo o base tante para que se passa abordé-los da outra, As novas perspectivas aberta: pela teoria da comunicagdo resultam, pre- sisamente, dos métodos originals que foi preciso elaborar para tratar de objetos — 08 signos — que se pode doravante submeter a uma andlise rigorosa, embora Seu mimero seja elevndo demais pura a mecdnica cldssica, mas ainda demasiado A NOCAO DE ESTRUTURA EM ETNOLOGIA 43 restrito para que os principios da termodiniimica Ihes sejam aplicdveis. A lingua é feita de morfemas — da ordem de alguns milhares — e célculos limitados sa suficientes para desvendar regularidades significativas na fregiéncta dos fonemes, Sobre um terreno desses, o limier de aplicagdo das leis estatisticas se abaixa, a0 mesmo tempo ¢m que se eleva aquele a partir de qual torna-se possivel utilizar modelos mecfinicos. E, simultaneamente, a ordem de grandeza dos fendmenos Se aproxima daquela A qual o antropélogo csté acostumado, © estado presente das pesquisas ¢struturais em antropologia € pois o se- guinte. Conseguiu-se isolar fenémenos que sio de mesmo tipo daqueles cujo esludo rigaroso j4 & permitido pelas teorias da estratégia ¢ di comunicagho. Os fatos antropolégicos estio numa escala suficientemente vizinha da escala desses ‘outros fenémenos, para oferecer a esperanga de um tratamento andlogo. Nao & surpreendente que no momento mesmo em que a antropologia sente-se mais pré- xima do que nunca de se tornar uma ciéncla de verdade, 0 terreno ceda 14 onde se acreditava sélido? Os préprios fatos se esquivam: demasiado pougo AuMETOSOS, OU reuNicos em condigdes que niio permitem comparé-los com uma seguranga suficiente. Sem ser por culpa nossa, descobrimos que nos temos condu- zd como botiinicos amadores, colhendo ao acaso amostras heterdclitas, maltra- tando-as ¢ mutilando-as para conservi-las em nossos herbérios. FE cisnos de fepente chamades a pér cm ordem séries completas, a definir as nuances ori- Sinais, a medir partes minusculas que encontramos deterioradas, se ndo foram mesmo destruidas, Quando 0 antropélogo cvosa as tarefas que o esperam e tudo o que de- veria estar em posico de realizar, o desalento 0 domina: como eonsegui-lo com 05 documentos de que dispOe? & um pouco como se a fisica césmica fosse cha- mada a se construir por meio das observagies de astronomos babilonicos. E, no sntanto, os corpos celestes esto sempre ld, enquanto que as eulturas indigenas que nos fornecem nossos documentos desaparecem num ritmo rapido, ou se transformam em objetos de um novo género, onde néo podemos esperar encon- tear informagdes do mesma tipo. Ajustar as.tgcnicas de informagio a um quadro tedrica que esti marcadamente adiante delas, eis uma situagdo paradoxal que @ hist6ria das ciéncias ilustra raramente. Cumpre & antropologia moderna enfren- tar esse desafio, RACA E HISTORIA* Tradugao de indcia Canelas * Traduzide do original francés Race ef histoire, publicado pela UNESCO. 1980, Paris, a Raga ¢ cultura Falar da contribuigo das racas humanas para a civilizagio mundial poderia ussumir um aspecto surpreendente nums colegio de brochuras destinadas @ lutar contra @ preconceito racista, Resultaria num esforco vdo ter consagrado tanto talento e tantos esforgos para demonstrar que nada, no estado atual da ciéncia, permite afirmar a superioridade au @ inferioridade intelectual de uma raga em relagdo @ outra, # nao ser que se quiscsse restituir sub-repticiamente a sua consis- téncia @ nogdo de raca, parecends demonstrar que os grandes grupos étnicos que compdem 2 humanidade trouxeram, enqwante tais, conttibuiches especificas para © patrimdnio comum. Mas nada esti mais longe do nosso objetivo do que uma tal empresa que apenas conduziria 4 formulagao da doutrina racista ao contrdrio. Quando procu- ramos entacterizar us tagas bloiégicas mediante propriedades psicoldgicas parti- culares, afastamo-nos da verdade cicmifica, quer as definamos de uma maneira positiva quer de uma mancira negativa. Nav devemos esquecer que Gobineau, 2 quem a historia fez o pai das teorias racistas, no concebia, no entanto, a “desi- ualdade das rages humanas" de uma maneira quantitativa mas sim qualitativa. Para ele, as grandes ragas primitivas que formavam a humanidade nos seus pri- mérdios — branca, amarela, negra — nao eram sd desiguais em valor absoluto, mas também diversas muy suas aptiddes particulares. A tara de degenerescéncia estava, segundo ele, ligada mais ao fenémeno de mosticagem do que a posicia de cada uma das ragas numa escala de valores conmm a todas; destinava-se, pois, a atingir toda a humanidade, condénada sem distingio de raga a uma mesti- gagem cada vez mais desenvolvida. Mas © pecado original da antropolegia con- siste na confusdo entre W nogd puramente bioligica da cucu (supondo, por outro lado, que, mesmo neste campo limitada, esta nogo possa pretender atingir qualquer objetvidade, © que a genetica moderna contesta) e as produgdes socio- ligicas © psicolégicas das culturas humanas. Bastou a Gobineau ter cometido este pecado para se ter encerrada no circulo infernal que conduz de um erro intelectual, nfo excluindo a bow-fé. i legitimacio inyoluntiiria de todas as teata- tivas de discriminagio ¢ de exploracdo Também, quando falamos, neste estudo, de contribwicfio das racas humanas 48 LEVI-STRAUSS para 4 civilizacdo, nado queremos dizer que os contributes culturais da Asia ou da Europa, da Africa ou da América extraiam qualquer originalidade do fato des- tes continentes serem, na sua maioria, pavoados por habitantes de troncos raciais diferentes. Se esta originalidade existe — e isso nfo constitui chivida — relaciona- se com circunstincias geogrdficas, histéricas © socioldgicas, nao com aptidées distintas ligadas 4 constituigdo anatomica ou fisiolégica dos negros, dos amarelos ‘ou dos brancos. Mas pareceu-nos que, na medida em que esta série de brochures se esforgou por fazer justica a este ponto de vista negativo, se arriscava 20 mes- ‘mo tempo a relegar para segundo plano um aspecto igualmente importante di vida da humanidade, a saber, que esta nia se desenvolve sob o regime de um uniforme monotonia, mas através de modos extraordinariamente diversificadox de socicdades © de civilizagoes; esta diversidade intelectual, estética, socinldgica no esti ligada por nenhuma relagio de causa ¢ efeito Aquela que existe, no plano bioldgico. entre determinados aspectos observdveis des agrupamentos fumanvs — éthe apenas paralela num outro terreno, Mas, ao mesmo tempo, distingue-se daguela por dois aspectos importantes. Em primeiro lugar, esta situa-se numa outta ordem de grendeza. Existem muito mais culturas humanas do que racas humanas, pois que enquanto umas se contam por milhares, as outras contam-se pelas unidades; duas culturas elaboradas por homens pertencentes a uma mesma raga podem diferir tanto ou meis que duas culturas provenientes de grupos raciul- mente afastados, Em segundo lugar, a0 contririo da diversidade entre as ragas, que apresentam como principal interesse a sua origem histériea ¢ a sua distr buigio no espago, a diversidade entre as culturas pde uma vantagem ou um inconveniente para a humanidads, questio de conjunto que se subdivide. bem enteadido, em muitas outeas. Por fim © furdamentalmente devemes perguntar-nos em que consiste esta diversidade, com o risco de ver os preconceitos racistas, apenas desenraizados da sua base bioldgica, voltarem a formar-se num novo campo, Porque seria vao ter sonstguido que o homem da rua renunciasse a atribuir um significado intelectual ‘ou mora! ao fato de ter a pele negra ou branca, 0 cabelo liso ou crespo, para per- manecer em silencio face a uma outra questic, & qual 2 experiéncia prova que este se agarra imediatamente. Se nio existem aptidies ractais inatas, como expli- car que a civilizagho desenvolvida pelo homem branco tenha feito os imensos progresses que nés conhecemos, enquanto as dos povos de cor permanecerum atrasadas, unas # meio do caminho, ¢ outras atingidas por um atraso que se cifra em milhares ou dezenas de milhares de anos? Noo poderemos, pois, pretender ter resolvido negativamente © problema da desigualdade das rayas humanas, s¢ nao nos debrucarmos também sobre 9 da desigualdade — ou da diversidude — dis culturas humanas que, de fato, senao de direito, esti com ele estreitamente -rela- sionado, no espirito do piiblico. Para compreender como ¢ em que medida as culturas humanas diferem en- tre si, se estas diferencas se anulam ou contradiem, ou se concorrem para for- ‘shar um ¢onjuato harmonioso, devemos em primeiro lugar tracar o seu inventiric. Mas € aqui que as dificuldades comecam, porque nds devemos aperceber-nos de que as cultures humanas nde diferem entre si do mesmo modo nem no mesmo plano. Estamos, primeito, em presenga de cociedades justaposias no espago, umes #0 lado das outras, umas proximas, putras mais alastadas, mas, atinal, contem- poriineas. Depois devemos ter em comta as formas da vida social que se sucede- ram no tempo e que no pocemos conhecer por experiéneia direts. Qualquer bo- mem se pode transformar cm etndgralo e ir paztithar no local a existéncia de uma Sociedade que © interesse; pelo contrériv, mesmo que ele se transtorme num his- torlador ou arquedlogo. nunca poderia entrar em contate direto com uma civi- lizagtio desaparecida; s6 @ paderd fazer através dos documentos escritos ou dos monumentos figurados que esta sociedude — ou outras — tiverem deixado a Seu Tespeito, Enfim, ndo devemos esquecer que us sociedades contemporinoas que continuam « ignorar a escrita, aquelas a que nds chamames “selvagens” ou “primitivas”, foram, também elas, precedidas por outres formas, cujo conheci- mento € praticumente impossivel, mesmo de nianeira indireta; um inventirio cons~ ciencioso deverd reservar-Ihe um nimero de casas em brance infinitamente mais elevado do que aquele em que nox sentimos capazes de inserever qualquer coisa Impde-se uma primeira constatagio: a diversidade das culturas é de fato no pre- sente, ¢ também de direito no pessado, muito maior © mais rien que mda 0 que estamos destinados a dela conhecer, Mas, mesmo penetrados por um ntimento de humildade e conveneidos des- ta limitagio, encontramos outros problemas. Que devemos entender por culturas diferentes? Algumas parecem sé-lo, mas, se emergem de uth tranco comum, nao diferem a mesma forma que duas sociedades que em nenhum momento do seu desenvolvimento mantivetam quaisquer relacies. Assim o antigo império dos Tneas, no Poru, ¢ 6 do Daomé, an Africa, diferem entre si de maneira mis ubser luta do que, por exemplo, a Inglaterra ¢ os Estados Unidos de hoje, se bem que estas duas socicdades devam tambem ser tratadas como sociedades distintas. In-

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