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Harold Bloom, A angustia da in- fluéncia: uma teoria_ da poesia (Tradugao de Miguel Tamen). Lis- boa, Edig6es Cotovia, 1991. Acaba de aparecer nos escaparates das nossas livrarias uma tradugdo portuguesa da controversa obra que em 1973 Harold Bloom deu & estampa nos Estados Unidos com 0 titulo The Anxiety of influence: a Theory of Poetry (Bloom, 1973). Em portugués, o tra- dutor, Miguel Témen, chamou-lhe A angustia da influéncia. uma teoria da poesia (Bloom, 1991). Quando, no meado dos anos setenta, eu prdpria me servi pela primeira vez das ideias de Bloom em portugués (em 1984 publiquei mesmo em Biblos um estudo sobre © critico [Santos, 1984]), preferi chamar-Ihe “a ansiedade da influéncia”. Tanto o inglés “anxiety” como o portugués “ansiedade”, ambos derivados cultos e relativamente tardios do latim “anxietas”, retém a comple- xidade de sentidos que inciui o “aperto” da angustia, literal © figurada, bem como a possibilidade ainda da “ansia” (quase diria, pessoana) de realizacao — se por nenhum outro motivo, pela proximidade irrecusavel dos adjectives “anxious” a “ansioso”, com as suas conotagées de valor aparentemente contrario. Estar ansioso 4, afinal, estar angustiado e alvorogado ac mesmo tempo. Ora 6 esse, justamente, segundo Bloom, 0 sentir do poeta de lingua inglesa da tradicao pés-milténica, que 6 0 seu odjacto de andlise privilegiado: quando Keats diz que a vida de Wordsworth é a sua prdpria morte, quer também dizer que nao concebe a sua propria vida (leia-se, poesia) sem a do poeta anterior. Nao se cingem ao titulo as minhas reservas acerca desta tradugao. Lapsos e deslizes varios de correspondencia, de quem nao foi obviamente capaz de se distanciar o sufi- ciente do original inglés (e reconheca-se que Recensdes essa era, neste caso, tarefa particularmente dificil), nao sa0 de somenos importancia Dessa proximidade excessiva do texto origi- nal, que 6, de resto, op¢ao explicitamente assumida pelo tradutor (‘Na sua tradugao, preferiu-se sempre a literalidade e, quando esta nao foi de todo possivel, perifrases pouco brilhantes”, p. 7), é exemplo flagrante © seguinte passo da p. 41: ‘Com efeito, em Johnson, 0 maior critico desta lingua, temos também’ o primairo grande diagnosticador da doenga da iniluéncia poética” (o subli- nhado é meu, avidantemente). Por outro lado, nao ¢ de modo algum aceitével, por exemplo, traduzir “sympathize” (referido & consondncia de opinioes ou a afinida- des imaginativas) por. “simpatizar’; ou “the patterning of images” (referido ao levan- tamento de imagens, que esteve tao em moda na investigagao literaria americana inglesa nos anos quarenta e cinquenta, e de que 6 exemplo notavel a shakespeariana Carine Spurgeon), por “feitura de imagens” p. 19) © mais perturbador, porém, 6 a dificuldade de descortinar quais as vantagens deste Bloom de Témen em portugués. The Anxiety of Intluence 6 uma obra tao “obcecada” (0 termo 6 bloomiano), tao obcecada com a “grande tradigao” daquela vasta matéria que as escolas inglesas e americanas designam por “English”, que a sua traducao para por- tugués ontendondo-se por tradugao, neste caso, um axigentissimo acto de investigaeao literdria comparada) teria necessariamente de levantar problemas graves. Sem diivida que 0 problema maior é o proprio Bloom. Muitos leitores de Bloom se queixam de que ele nao escreve inglés, mas “blooms”, e até o seu amigo e colega de Yale, John Hollander, na magnifica introdugéo com que fez recentemente anteceder a sua propria escolha de ensaios de Bloom, reconhece implicitamente que as queixas tém alguma justificagao (Bloom, 1988). Mesmo em in- glés, ou se conhece muito razoavelmente a tradicao postica anglo-americana que Bloom 77 178 Recensoes constantemente reinventa nos seus escritos @ se aceitam-com-vontade-de-entender as excentricidades de formulagao do ritico ou a cusadia com que ele se serve dos poetas que o inspiram, ou as suas ideias nos sur- gem ora triyiais, ora insensatas, ora mesmo. absurdas, E que, para traduzir Bloom, sobre- tudo a partir da sua fase “ansiosa’, seria necessario ter previamente lido, e bloomia- namente entendido, pelo menos, todos aqueles poemas da grande tradigao romantica anglo-americana, cujas imagens @ linguagens Bloom, com natural altivez, faz tacitamente suas. E seria ainda preciso, como sempre em qualquer tradugao digna do nome, conseguir que o autor comu- nicasse bem na lingua de chegada, A nao ser assim, preferivel seria nao traduzir. Um exemplo apenas. Na pagina 138, 6-me facil imaginar a perploxidade dos leitores portugueses, interessados em penetrarem nos meandros da teoria bloomiana de influéncia poética, quando deparam com o saguinte passo, 0 qual, traduzido dentro da Iégica da economia literal, acaba por se tomar numa tnvializagao tao redutora quanto absurda e, por isso mesmo, muito pouco eloquente e persuasiva: A askesis poética comega nos cumes do Contra-Sublime @ compensa o choque involuntério do posta face a sua prépria expansividade deménica, Sem askesis, 0 posta forte, como Stevens, estd destinado a tomar-se o ‘rabbit as king of the ghosts’: The grass is full And tull of yourself. The trees around you are for you, The whole of the wideness of night is for you, A self that touches all edges, You become a self that fills the four comers of night, Deformado em cima, deformado para cima, © poeta torar-se-d uma inscrigao no espago a menos que se possa ferir a si proprio sem se esvaziar mais da sua inspiragao. Nao me detenho na discutivel construgao do discurso em portugués, nem na manutencao do excerto do pooma em inglés numa obra que se destina a divulgar aspectos da tra- digao literéria anglo-americana a um piiblico que nao conhece a respectiva lingua com a competéncia necessdria para a ler em pri- moira mao no original. Mas a que propésito nos aparece ali o poeta “deformado em cima, deformado para cima"? Que santidos poderd evocar para os estudiosos de poesia am Portugal uma tal formulacdo? A ex- pressao inglesa que lhe corresponde é ‘humped high, humped up”, a que de facto esté também ligada a ideia de deformidade, como de uma corcunda (“hump”). Porgm, a expresso sugere sobretudo uma forma saliente, volumosa, conspicua, dificil de ultrapassar, aparentomente omnipresente— como um monte inesperado na amplidéo dosacidentada de uma planicie (durante a Segunda Grande Guerra, os aviadores americanos chamavam aos Himalaias “The Hump"). No poema de Stevens de onde a recolha Bloom (“A Rabbit as King of the Ghosts’), ela significa, na leitura do critico, a ousadia, em Ultima andlise insustentavel, da espansividade perigosamente solipsista da consciéncia poética: a imaginacéo mo- mentaneamente auto-suficionte, como o Sublime Romantico, que 6 a um tempo sua razdo de ser e sua ameaga (os Alpes do Wordsworth e Shelley, a aurora boreal de Stovons, por exemplo}. A metafora irénica para esse “eu que preenche os quatro can- tos da noite” 6 a forma de um coalho, como figura esculpida no ar, de perfil recurvado, erguendo-se cada vez mais no espaco que vai ocupando totalmente, anulando tudo 0 resto. Enquanto o coelho se agiganta no poema de Stevens (‘humped higher and higher’), 0 gato, que af 6 seu reflexo e con- traste, 6 reduzido a um insecto mintisculo. Na leitura de Bloom, que entende o poema como que om didlogo agénico com Emerson e Whitman (Bloom, 1977), “A Rabbit as King of the Ghosts” 6 Uma imagem desse sen- timento poético que torna possfvel, ou ine- vitavel, a askesis, ou seja, a sublimagao purificadora daquela relagao poética que a Si propria se entende como a suspensao, no exercicio do solipsismo (e, por isso, da anu- lagao de uma consciéncte outa), ca prépria relagdo poética que Ihe dd origom. Falar com algum pormenor da forma pes- soalissima como Bloom apresenta a sua teoria de influéncia postica é, como se est @ ver, apenas um pouco menos dificil do que traduzi-lo. Por exemplo, a expressao que acabo de usar, “relaao postica’, 6 no criginal bloomiano (revisionary ) ratio, que na tradugo portuguesa aparece como “proporgao” (“de revisao”). E claro que ratio significa também “proporcao” (matemati- camente falando), mas nao me parece que saja esse aquele dos seus sentidos que melhor exprime, em portugues, a ideia bloomiana da postura da liberdade postica possivel de um determinado poeta em Telacao ao poeta que o antecade e he condiciona o ser postico, Na concepgao freudiana que Bloom tem de_ intertex- tualidade, nao sao tanto as relagées entre textos que importa estudar (e aqui Bloom afasta-se da desconstrugao a que frequen- temente é associado), mas antes as relacdes entre os sous sujsitos enquanto imaginag6es poderosas, ou entre diferentes formas inteligentes de constantemente reimaginar a propria criatividade. De entre as formas possivels de os poetas se encon- trarem criadores originals, apesar de nao terem chagado primeiro, ou seja, apasar da sua irrecusdvel posterioridade (belatedness), Bloom distingue seis, servindo-se de uma nomenclatura cléssica mais ou menos obscura, de transliteragao nem sempre muito esclarecedora, e que decerto por isso o critico ira mais tarde associar a conceitos retéricos bem menos recénditos: clinamen (ironia), tessera (sinédoque), kenosis (meto- nimia),” daimonizagao (hipérbole/iitotes), askesis (metafora), apofrades (metalepse) Bloom, 1975). Destas, a nage de clinamen ‘desvio’), que foi a primeira a surgir na mente dé Bloom inspitada em Horacio, nos chegaria para entender o essencial da teoria: cada um dos grandes poetas da modemidade anglo-americana (i. ¢., de Milton em dianta) Se define grande (ou origi nal) pelo seu desvio deliberado — ora ostensivo, ora dissimulado, mas sempre destrutivo © usurpador — om relagao ao poeta precursor, que como tal ele proprio slege © repudia, A intuigao brilhanto de Eduardo’ Lourengo, ao’ sugerir que Pessoa invantou Mestre Caciro para poder lidar com o impacto de Whitman na sua imaginagao, pode, em certo sentido, ser considerada bloomiana avant la lettre (Lourengo, 1973). Que, em todo o caso, a poesia seja, para Bloom, uma tuta titanica pela proridade imaginativa, demonstra. bem como o pensamento do critico esta informado pelas concepeses romanticas inglesas, que tao dedicadamente estudou durante toda a sua vida (Bloom, 1959; 1961; 1963; 1970). E, afi- nal, 0 mito romantico da originalidade que a teoria de Bloom reinventa para entender 0s processos criativos da tradigao pds- -milténica, que to cara Ihe 6. Ao considerar Milton 0’ grande precursor da_modema Poesia anglo-saxdnica, a teoria de Bloom Recensées. nao tem muito de original. O que ela traz de novo 8.a postulagao da poesia como uma leitura-de-poesia. Uma leitura-de-poesia radi- cal, bem entendido, pois que, ao propor-se renovadamente como leitura, a poosia-que- -I8 paradoxalmente representa a sua Prionidade originaria (a-ser-lida). Entendar- *se-4, assim, por que razio em Bloom a influéncia postica nao 6 entendida como “transmissao benigna” (Bloom, 1982), antes, justamente, como uma luta sem tréguas pala Prioridade imaginativa. Dada a inexoravel Irreversibilidade da temporalidade da tradicao, poeta algum jamais chega a tempo, © que nao quer dizer que todo o grande poeta seja “atrasado’, como entende o tradutor portugués, mas sim que toda a grande poesia se’ apresonta como uma mentira contra o tempo”, “Lying against Time” 6 0 titulo de Bloom a que aludo aqui (Bloom, 1979a; 1982); mas /ying 6 também jostura ou, mais propriamenta, como diria ‘amos Rosa, “ocupacéo do espago”. Na teoria bloomiana, 6 grande poata (Bloom diz poeta forte ) todo aquele que traz consigo, simultaneamente, a consciéncia angustiada da sua iremedidvel posterioridade © 0 desejo libertador de prioridade absoluta, Se todo 0 grande poeta, enquanto aquele-que- -veio-depois (ou Efebo ), se reinventa como aquele-que-veio-antes (ou Precursor), toda a grande poesia, temos de conciuit, & para loom uma leitura literalmente pré-péstera de si mesma e cada grande poeta é a sua propria génesa. A este gesto pés-milténico de daliberada autogeragao poética chama Bloom poetic misprision. Misprision é uma nogéo que Bloom vai buscar ao Direito (“crime por omissao”, em uso na Inglaterra pelo menos desde o século XV), sem deixar de Ihe associar as acapgoes mais recentes de “erro ou confusao” (tomar uma coisa por outra) e “desprezo” (recusa ‘em reconhecer o valor de algo). A osto termo, que por vezes gosta também de associar ao lacaniano méconnaissance, faz Bloom corresponder esse outro, menos esotérico, @ por isso também mais facil- mente mal-entendido, que 6 misreading. Bloom nao enjeita os sentidos correntas da nogao de misreading, como “ler mal”, “interpretar mal”, “confundir”, “entender erra- damente um texto”; mas na sua teoria de influéncia 0 conceito deixa-se complicar pela ideia de que “ler-mal” pode ser, por assim dizer, “ler-mais-do-que-bem’, ou corrigir. No ‘esquema bloomiano, a poesia do poeta pos- terior (ou efebo) é sempre essa leitura imaginativamente incorrecta, e por isso 179 180 Recensdes delibradamente correctora, do poota ante- rior (ou precursor). Neste gesto, que é sempre um gesto da vontade, 0 efebo colo- ca-se na posigao prioritéria de quem tem, literalmente, a autoridade primeira. A ansio- dade da influéncia € justamente esse misto de ddio superador @ de desojo transgressor de quem sabe que chegou (e, por isso, faz de conta que nao chegou) tarde de mais ao lugar, como Bloom diz por vezes & maneira gnéstica. Quando escreve que “nao foi nossa a ideia primeira” e que “vivemos num lugar que nos nao pertance”, Stavens, cuja poesia é tao importante para a evolucao Pensamento bloomiano, exprime bem este sentimento postico. Que tradutor nao desesperaria de encontrar equivalentes “literais” para as formulas bloomianas da poesia concebida como uma interpretagao tao dolosa e fraudulenta, por tao perversamonte imaginativa, que chega a inventar a prioridade impossivel do posta- -quo-veio-depois (/atecomer)? Toda a tradugao, é bem sabido, 6 sempre neces- sariamente “traiga0”: a0 autor, ao leitor, a3 duas linguas e culturas em causa, Mas, ao contratic do que poderia parecor & primoira vista, 0 literalismo pode nao ser a melhor forma de trair 0 menos possivel. Deci didamente, jamais o literalismo seria “bas- tante” para traduzir este “vasto” © “exce- lente" Bloom (@° permito-me equi algum bloomianismo, fazendo reverberar na minha formulagao poemas de Wallace Stevens ¢ Emily Dickinson, @ 0 uso que de alguns deles faz também John Hollander). Em casos como este, de reinvencao da lingua e da tradigao com tamanho fulgor excéntrico, 86 mesmo o brilho maior ou menor da Porffrase, como forma menos inadequada de Correspondéncia intercultural, nos podera socorrer, Foi pena, pois que o aparecimento em Por- tugal da obra mais famosa de um cos mais prolixos estudiosos do literatura americanos da segunda metade do século nao devia ser senao motivo de regozijo. Bloom notabilizou- ~se bem cedo como especialista e professor de Literatura Inglesa, desde logo em bloomiana guerra aberta com o “new criti- cism”, de que 6 herdeiro directo. Passando primeiro fugazmente pela Universidade de Comell, rapidamanta se consagrou em Yale, onde antes tinha obtido o doutoramento com uma tase jA pouco canénica sobre Shelley, e onde ainda hoje se mantém, apesar das muitas e financairamanta tentadoras ofertas do outras escolas, desejosas do escol estudanti, de todo o mundo, que o seu Prostigio hes grangearia, Mas Yale nao 36 {oi cobrindo as ofertas, como até criou para ele uma cdtedra especial, que o liberta do incémodo de estar ligado a um qualquer dopartamento (como o de “Inglés”, onde tao conflituosamente se integrou durante tantos anos). Bloom 6 hoje De Vane Professor of the Humanities da Universidade de Yale. Este facto 6, sé por si, bom significative da reputagao intemacional alcangada por este especialista de literatura que, para o seu oficio (dito “secundario") de analisar, interpretar e ensinar poesia, reinvindica ousadamente o estatuto de’ criatividade “primdria’. Assim 6 que a teoria postica que se oferece em The Anxiety of Influence se apresenta como um “poema”, so bem que portador do rigor e austeridade do “saber’ Pareceu a certa altura, quando em 1979 Bloom publicou um romance de ficgao cientifica @ anunciou a praparagao de um outro (Bloom, 1979b), que a afirmagao do “saber’ deste'“judeu gndstico” (6 assim que se define) se faria justamente pela “poesia” Mas a sua evolugao mais recente vai num sentido diferente, talvez porque os seus voos fantasticamente gndsticos nao colheram, a mou ver injustamente, grande aceitagao por parte do publico, Nos uitimos anos, Bloom tem-se interessado sobrotudo pelas relagdes entre a poesia e a cranca Teligiosa @ pela exegese biblica, O sou Ultimo livro. (Bloom, 1992) inciui_ uma controversa dentincia’ do “fundamentalismo americano” e foi jd descrito (de formas que lembram anteriores recepgdes de livros seus) como um livro “extremamente excéntrico”, nalguns aspectos ‘brilhante”, Por vezes ‘irresponsdvel’, e quase sempre Gesnecessariamente “ambnilhado”. Mas os seus leitores ndo terdo ainda esquecido o impacto da sua ousada e apaixonada defesa da hipstese de que o Javista (o autor da mais antiga versao do Pentateuco) 6 uma mulher (Bloom, 1990), Muitos se Perguntarao se nao sera de buscar no seu muito admirado Freud explicagao para esia inesperada descoberta do teminino na génese de um dos textos mais sagrados do patriarcado ocidental, Ou sera mera ironia (ou clinamen?) que’ o tedrico que mais eloquentements definiu a poasia como uma luta mascula ¢ feroz entre pais @ filhos pelo poder de criar fosse descobrir na filha de David a prépria matriz do Pai? 7 Referéncias Bibliograficas Bloom, Harold (1959) Sheley’s Mythmaking. 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Lisboa, Edigdes 70, 1991 1-Com Ideologia @ Utopia de Paul Ricoeur, publicado em 1986 e sé agora disponivel em Versao portuguesa, encontramo-nos perante uma obra que trouxe cerlamente alguma tranquilidade a todos quantos, preocupados @ perplexos perante a crise generalizada que afecta conceitos e valores das mais diversas Areas, desesperam de ver emergir, num movimento correlative a toda a destruigao, ‘08 novos valores, que, muitas vezes, nao deixam de ser os antigos sob novas roupa- gens... Tais consideragdes aplicam-se, de forma exemplar, a dois dos mais polémicos, se nao mesmo irritantes conceitos (F. Dumont, Les Ideologies, Paris, PUF, 1974) que tém enfor- mado as reflexdes tedricas na vastissima drea das ciéncias sociais e que, paradigma- ticamente, dao o titulo a asta colectinea de ligées do notavel pensador contemporaneo que 6 Paul Ricoeur: Ideologia e Utopia. Na verdade, nunca como hoje foi tao urgente a recuperagao desses conceitos, um tanto Precipitadamente langados no vazio césmi- co por um certo pés-modemismo pretensa- mente césmico, mas perigosamente vazio. Paul Ricoeur, porém, nao faz somente essa, recuperagao. Tal esforgo, embora decisivo, nao seria de forma nenhume isolado, antes se intagraria numa poderosa tendéncia do pensamento actual, a que anteriores obras do autor nao sao estranhas. No entanto, a obra em presenca vai mais longo: trata’ da (in)questiondvel © profunda relacdo que existe entre Ideologia e Utopia como conceitos da mesma origem e nature- za. Era essa talvez a convicgao de muitos pensadores da crise actual, a quem, no en- tanto, faltaria a autoridade, e talvez a cora- gem intelectual, de um Paul Ricoeur, para a afirmarem claramente. A partir de agora, porém, sentir-se-ao bem acompanhados, se nao mesmo apoiados e estimulados, por esta obra que vem cotoar, ao longo das 18 ligdes que a constituem (proferidas na Uni- versidade de Chicago no Outono de 1975), uma grande variodade de textos dispersos, dedicados sobretudo ao estudo da idsologia. 181 182 Recensoes 2 - “Tipicamente, a ideologia tem sido um tépico para a sociologia ou para a ciéncia politica, a utopia para a historia e literatura. A justaposicao que Ricoeur faz de ideologia @ utopia define e demarca melhor ambas, @ diferencia-as marcadamente de formulagées conceptuais anteriores, em que a ideologia tem sido posta em contraste tanto com a realidade, como com a ciéncia, e a utopia vista como um mero_sonho, uma fantasia desejavel...” (Introdugao, p. 16). Percorramos, pois, muito brevemente, o ca- minho que esses conceitos fizeram, no sen- tido da sua actual revalorizagao, através do um confronto com o principal “responsdver” pela sua anterior desvalorizacao, que 6, in- dubitavelmento, 0 marxismo, uma vez quo *o conceito de ideologia de Marx tem sido © paradigma dominante no Ocidente e con- stitui 0 modelo ao qual os resiantes pen- sadores discutidos —e as prdprias propos- tas de Ricoeur — respondem” (Introdugao, pp. 18-19). Neste percurso, acompanharemos o préprio trabalho de Ricoeur, uma vez que estas ligdos assinalam justamente a,sua primeira andlise sistematica de Marx. E, pois, a um amplo @ ainda muito fecundo debate com o marxismo que seremos conduzidos pelo autor, que convoca (interpela) de passagem muitos outros interlocutores, dos quais pri- vilegia Mannheim e Max Weber. Mannheim, porque foi efectivamente ele o primeiro a analisar os dois conceitos dentro de um mesmo quadro conceptual; Max Weber, porque fornece a melhor alternativa ao mo- delo causal do marxismo ortodoxo, através do seu modelo motivacional. 3-Considerando os dois niveis em que tradicionalmente 0 conceito de ideologia emerge — nivel da linguagem comum ¢ nivel da linguagem cientifica—em ambos 0 con- ceito 6 encarado negativamente. A ideologia 6, pois, em qualquer destas perspeciivas, 0 pensamento do outro. O senso comum vé nela apenas uma dimen- 320 pragmatica, servindo para projectar a acgao em coeréncias imagindrias que a sa- tisfagam e garantam, por meio de_uma verdadeira operagao de “camuflagem” dos verdadeiros interesses dos agentes sociais. Por sua vez, a linguagem cientifica, jogan- do na oposicao ciéncia-ideologia, como sinénimo de verdade-falsidade, considera que, perante a ideologia, a ciéncia se encon- tra como que peranto uma vasta fantasma- goria social. E sobretudo ao nivel da emergéncia cienti- fica do conceito que Ricoeur se situa, esco- Ihendo para seu principal interlocutor/opos- itor Althusser, como mais perfeito represen- tante da cientiticidade marxista (sob a forma de estruturalismo), que o autor encara como um “afuniamento” das potencialidades cra. tivas do marxismo quo, entrotanto, teve ou- tros_desenvolvimentos_mais_produtivos, como, por exemplo, a Escola de Frankfurt. © que esta, pois, em causa na critica a cién- cia manvista (Althusser) 6 a sua tentativa do colocar entre paréntesis qualquer referéncia a subjectividade e de negar, portanto, qualquer hipdtese a pretensao de ser o su- jeito quem dé sentido a realidade. E que a ciéncia em geral (@ a marxista em particu- lar) tem que dar-se conta do dilema que en- frenta ao considerar a ideologia como um residuo da sua propria construgao tedrica. Efectivamente, encarando dessa forma a ideologia, a ciéncia afasta ou exclui natural- mente os sujeitos historicos concrotos, quer individuais, quer colectivos. Como 'com- preender, entao, o estudo objectivo da so- ciedade, ‘sem recusar com as “sociologias falsas”, que so as ideologias, os préprios sujeitos que as fabricam, ou adoptam? E somos mais uma voz reenviados para a questao central da rela¢ao infra-estrutural Jsuperestrutura.. A ciéncia mamista afirma que existe uma relagao causal entre a base ou infra-estru- tura ( forgas econémicas) e a superestrutu- ra (cultura, arte, religiao, direito). Como se faz entao a passagem? Em Marx e Engels a linguagem, juntamente com a diviséo do trabalho, era o mecanismo essencial que possibilitava a passagem das condicdes econémicas a ideologia. Assim, a praxis é pensada, uma vez que é accao (pensamen- to enquanto acgao), ou, se quisermos, en- quanto recuperagao das estruturas de acti- vidade material ¢ das suas implicagées so- bre as inter-relacdes sociais, Nesta perspec- tiva, 0 mamismo chega, nas suas formu- lagdes mais ortodoxas, a ser tentado & constituigao de uma ciéncia natural do homem, que alguns autores designam como uma especie de “tecnologia”. Ora é precisamente contra essa tecnologia que a ideologia se pode recuperar. Pelas ideologias os homens, os grupos, as so- ciedades situam-se no’ mundo, Af colocam © desejo e o saber. Dissociar um do outro 6 tarefa da ciéncia, legiiima na espocil. cidade da sua marcha, Mas quando ela ten. ta, numa intencao segunda, tomar a ideolo- gia como objecto, ela cede a tentagao de dissolver 0 tendmeno, pretendendo dar con- ta da sua positividade, A denegagao da ideo- logia diz respeito aos fundamentos de uma empresa cientifica, nunca ao estudo da propria ideologia. De novo, a polémica com o marxismo. Efec- tivamente, para este, tudo se passa como se, do mesmo movimento em que a ideolo- gia toma significativas, do ponto de vista do vivido, as relagses do homem com a sua propria historia, ela é também falsa, porque Tepresentagao inadequada. Nao consegue atingir 0 seu papel, se nao na medida em que “oculta as condigées reais de oxistén- cia”, Ricoeur recusa, obviamente, esta nogao de ideologia como representacao inadequada, uma vez que ela assenta nas dicotomias significagdo/verdade, imagindriolreal, @ final- mente ideologialciéncia (todas remetendo, em Ultima andlise, para a distingao infra -estrutura © superestrutura). Assim, a ideo- logia seria representagao, mas apenas no sentido de simples aco do elementos mais consistentes e mais reais de uma hipotatica sociedade. Para o autor, pelo contiatio, os sistemas ide- ‘oldgicos so construgées que nao recapitu- lam (coroam) as relagGes sociais que elas assumem. Antes, essas ralacées 6 qua va0 buscar as ideoiogias elementos da sua prépria emergéncia. A ideologia 6, pois, tra- balho de sintese, fungao de totalizagao, Ela selacciona, escolhe e reagrupa. Neste sen- tido ela nao é necessariamente verdadeira, nem necessariamente falsa, Quando se fala do imaginario a propésito de ideologia, nao pode ser no sentido de oposi¢ao a real. A imaginacao nao fabrica, pois, imagens afastadas do real; mais do que simples pro- jeceao, ela é instauragao da realidade, Toda praxis comporta o imagindrio, sem 0 qual nao se poder constituir como praxis. Retomandp, pois, a metafora da infra-estru- tura e superestrutura, Ricoeur propde-se destruir uma metafora através de uma metd- fora contrdria, Assim, se o quadro de Althus- ser 6 constituido sobre uma metafora da relagéo entre uma base e um edificio, o que ha é que intertogar sobre o que é “basico” para os sores humanos. Ora, dado que a acgao social 6 inelutavelmente mediatizada através de simbolos, 0 problema deixa de ser um problema de factos, para ser um Recensoes problema de interpretagdes, ou melhor, um “conflito de interpretagdes”, 4-Nao existe, pois, realidade néo mediati- zada a que nos possamos agarrar. E 6 exac- tamente ai que se dé 0 encontro entre idec- logia e utopia, uma vez que ambas reme- tem, om tiltima andlise, para o cardcter os- sential da acgao humana: mediatizada, es- truturada e integrada por sistemas simbéli- cos. A conjugagao das duas tipifica, a ‘ima~ ginagao social”, uma vez que ela “8 cons- titutiva da prépria realidade” (Introduco, pp. 60-61). Apesar de, em termos quantitativos, a uto- pia merecer, na economia da obra, um es- pago muito menor (de certa forma reflexo da situagao da literatura sobre estes temas: maior quantidade de obras sobre ideologia @ muito menor sobre utopia), nao deixam de sor essenciais as tr8s Ultimas ligdes dodica- das a utopia, Nova oportunidade para um confronto com o marxismo, desta vez con- ducente & revalorizacao do socialismo utépi- co de Saint-Simon 6 Fourier que, por sua vez, oferecem a Ricoeur a possibilidade de “pér a prova a tipologia de Mannheim”. Essa tipologia assenta fundamentalmente na constatagao de que “uma utopia 6 0 discur- so de um grupo @ nao uma espécig de obra literania flutuando no ar” (p. 452). E por isso que o autor afirma que “o ostorgo do Mannheim é dedicado & criagéo de uma sociologia da utopia” (p. 451), Tal aborda- gem do conceito de utopia rompe definitiva- mente com a abordagem tradicional histéri- colliterdria, que toma como modelo a Utopia de Thomas More. Efectivamente, esta obra “exemplifica a afinidade que existe entre © método histérico @ o género literario” (p. 451). Na ostoira de Mannheim, Ricoeur recusa essa abordagem classica da utopia na me- dida em que ola nao pode ultrapassar “con- ceitos descritivos que obstruem a inovagao sistemdtica” (p.451). Assim, afirma: “chama- ria & minha andlise da ideologia e da utopia uma andlise regressiva do sentido, Preten- do afirmar que esta abordagem ndo é uma andlise ideal tipica, mas uma fenomenologia genética no sentido proposto por Husserl fas Maeditacoes Cartesianas. [...] Uma fenomenciogia genética tenia escaver abaixo da superficie do sentido aparente para chegar aos sentidos mais fundamen- tais” (p. 504). Nao foi, pois, a “utopia literdria” que seduziu Ricoour. Preferiu aquelas a que, por contra- 183 184 Recensoes posi¢ao, chama “utopias praticas", ou seja, aquelas que sd0 capazes ‘de’ irromper através da espessura da realidade” e nao,se ficam pelo “reftigio contra a realidade”, E 0 caso, por exemplo, das utopias de Saint- -Simon e de Fourier. E foram elas precisa- mente que, como referi, Ihe proporcionaram novo debate com o marmismo, antes de mais, pela proposta de Ricoeur de resta- belecer a distingao entre utopia @ ideologia, Ora tal atitude contratia “se nao o marxismo em geral, pelo menos © mamismo ortodoxo” (p. 448). Efectivamenta, Engels, ao distinguir entre socialismo cientifico @ utépico, reduz este ao dominio das ideologias, ou melhor, a uma subclasse das ideologias, mas apli- cando-Ihe a mesma andlise que as ideolo- gias. Ambas pertencentes, portanto, ao do- Minio do imaginario, do que nao é real. E curioso, porém, notar que a designagao de “poesia social” que Engels usa para a uto- pia serve a Ricoeur, magnificamente, para reivindicar a presenca do sonho como di- mensao constitutiva fundamental do nosso universo colectivo. E, ainda nesse mesmo contexto, acentuar a importancia que tanto Saint-Simon como Fourier dao ao papel das paixdes na construcao das suas utopias. Poesia... sonho... paixdo..., pois, como algo que 86 se encontra se escavarmos abaixo da superficie do sentido aparente. 5 - No fundo, apés a anélise comparativa a que $40 submetidos os dois conceitos, am- bos acabam a brags com o problema nu- clear da vida do homem em sociedade: o problema da autoridade. “A ideologia é sempre uma tentativa de le- gitimar 0 poder; 20 passo que a utopia 6 sempre uma tentativa de substituir 0 poder por outra coisa qualquer” (p. 472}. Nao podemos, em jeito de conclusao, dei- xar de registar a atraccao que Ricoeur con- fessa experimentar por esta problematica, da qual, a primeira vista, o poderfamos consi- derar um tanto alheado: a teoria social e politica. Tanto assim que ele préprio, em entrevista a Peter Kemp (Esprit, Junho, 1981), sente necessidade de explicar que esse pretenso siléncio acerca desses temas apenas pratico e nunca tedrico. De qualquer modo, esta obra ver de certa for- ma cumprir um programa ha muito anunci- ado: “uma andlise extensiva das implicagdes da sua abordagem hermenéutica da teoria social e politica” (Introdugao p. 14), Obras como La Metaphore Vive ou Temps et Récit ao apresentar a mediacao simbdlica como igualmente importante, quer para a lingua- gem, quer para a acgao social, ligam-se in- timamente com estas ligdes, comprovando a persisténcia de um projecto filosdfico par- ticularmante coerente a criativo. Por outro lado, textos menos consagrados como o Paradoxo politico denunciam inquiatagoes e interrogagoes a que tal projecto nao teré de todo respondido.. Ideologia e Utopia, se por um lado vem dar respostas (assumidamente ideolégicas ou ut6picas...) a algumas das grandes questées do nosso tempo (morte da ideologia, crise da razo, etc.), por outro nao deixa’igual- mente de reflectir grande perturbacao peran- te problemas que a nossa contemporanei- dade, longe de resolver, potencializou @ alargou a dominios insuspeitados. E 0 caso do fenémeno do poder que, apesar das miltiplas abordagens tedricas que tem sus- citado, conserva um grau de opacidade por vezes desesperante (veja-se, por exemplo, a forte e inesperada irrupcao do ideal de- mocratico por todo o mundo @ as perver- sidades tedricas e praticas que 0 acompa- nham). “Para mim, o problema do poder 6 a estru- tura mais intrigante da existéncia, Podemos examinar com mais facilidade a natureza do trabalho e do discurso, mas 0 poder conti- nua a ser uma espécie de ponto obscuro na nossa exist8ncia. Associo-me a Hannah Arendt no fascinio por esse problema” (pp. 502-503), . Maria Manuela Cruzeiro

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