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Universidade de Cambridge HISTORIA ILUSTRADA DA CIENCIA Colin A.Ronan IV ACIENCIA NOS SECULOS XIX E XX Jorge Zahar Editor ‘of Cambridge ¢ Newnes Books © 1983. Colin A. Ronan ileira Copynigh hi © 1987 da edigao bry Jonge Zathar Editor Lad rua Mexico 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeito, RI tol: (21) 224060226. far: (21) 2262 ‘email jzerzahar com br site: www zahar-com br 5123 Todos os direitos reservados A reprodugio niu-autorizada desta publicagdo, no todo ott de direitos autorais. (Lei 9 610.98) dio para o Brasil] oto Keystone Sipa Press Credito das slustrayies no volume final da série Impress: Cromosete Grif CIP-Brasil, Catalogagio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RU Ronan, Colin A. R69GH Historia iustrads da ex@neia da Universidade de va nos séeulos XIX € longe Enéas Fortes: revision teenies, Marcelo Gileiser~ Rio de Jorge Zahar Ed. 2001 Mistoria, 1. Titulo, cpp 509 01-1386, DU 50 (091) Sumario 9. O SECULO XIX 7 A evolucioe aidade da Terra 8 Biologia. 17 Teoria da célula_ 17 A geragio espontanea da vida 19 Quimica 36 Fisica 45 Calor 45 Eletricidade 48 Luz 52 Astronomia 69 Matematica 74 . OSECULO XX = 78 A biologia no século XX 79 Conseqiiéncias do darwinismo 79 Mendelismo 81. Fisiologia geral 83 Bioquimica 99 Biologia molecular 102 Fisica atémica e a teoria quantica 106 Relatividade __113 A astronomia no século XX 117 Bibliografia 127 Indi et a Agradecimentos e créditos das ilustracées 135 Capitulo 9 O século XIX © século XIX deveria assistir a grandes desenvolvimentos em todos os ramos da ciéncia. O surgimento de sociedades cientificas especializadas, que suplementavam as academias cientificas estabele- cidas, denotava o grau de especializacio que um conhecimento crescente e técnicas mais elaboradas estavam tornando necessério. Além do mais, a ciéncia comegou a apresentar um aspecto mais pibli- co, na medida em que suas conseqiiéncias priticas se tornavam mais evidentes na vida didria. Provavelmente o fato mais notavel foi o de- senvolvimento da forca do vapor, devido, como vimos, a James Watt, que pos em pratica os estudos de Joseph Black, em Glasgow, ao asso que a nova técnica da engenharia elétrica seria trazida & luz no fim do século XIX pelo trabalho pioneiro de Michael Faraday. E foi durante o século XIX — mais precisamente em 1840, em Glasgow — que se criou a palavra “cientista”, de modo bastante apropriado, pela Associagdo Briténica para o Progresso da Ciéncia, fundada nove anos antes para organizar um encontro anual em que os cientistas pudessem reunirse para discutir de forma aberta ¢ acessivel 0 seu trabalho. A fundagao da Associagio Brit os cientistas davam ao seu trabalho e & necessidade de levé-lo ao conhecimento do piiblico. Nos Estados Unidos, a Associago Ameri cana para o Progresso da Ciéncia foi organizada em 1848, e, em va- rios outros lugares, percebeu-se a necessidade de uma maior populari- zagio da ciéncia. Surgiram periédicos cientificos populares nos Esta- dos Unidos, devotados principalmente, embora nao exclusivamente, & iéncia aplicada, e, em breve, eles passaram a ser encontrados em outros paises. De certa forma, isso nao era novidade; no século XVIII, alguns periédicos de cardter primordialmente literdrio_ in- cluiam contribuigdes referentes a assuntos cientificos, mas foi justa- mente no século XIX que essa tendéncia se desenvolveu em um ritmo mais acelerado e as publicagdes se tornaram mais especializadas. Um de seus efeitos foi incrementar um interesse jd amplo pela ciéncia. Certamente, conferéncias cientificas populares ¢ instrutivas, assim como livros cientificos populares, nao constituiam novidade: foram fatos corriqueiros no fim do século XVIII; mas, de meados da década de 1830 em diante, o ritmo se acelerou. Por sua parte, 0 plblico correspondeu, as vezes com inesperado entusiasmo. Assim, quando apareceu a Origem das espécies, de Charles Darwin, no fim 1 Mustracdo a pagina 31 image not available image not available image not available biologia”. Filho de um protestante suigo, oficial do exército francés, Cuvier freqiientara a Universidade de Stuttgart, onde estudou admi- nistraco, assuntos juridicos e ciéncia econdémica, a qual inclufa entio algumas nogées de botanica. Foi 14 que conheceu Karl Kiel- meyer, um dos fundadores da escola alema Naturphilosophie (filoso- fia natural”), cujos ensinamentos se baseavam nas idéias do fil6- sofo Immanuel Kant e do cientista e notavel literato Johann von Goethe, que, incidentalmente, inventara o termo “morfologia”, am- plamente utilizado para descrever o estudo da forma e da estrutura em biologia. A esséncia da Naturphilosophie era retracar a acéo da mente na natureza; o homem era o topo da natureza, e os filésofos da natureza tentavam derivar a diversidade das coisas vivas da crenca na unidade da matéria e em principios basicos. Isso podia, segundo pensavam, conduzir aos organismos complexos que culminavam no homem. Cuvier foi influenciado por essa filosofia, e especialmente pelas idéias de Goethe sobre morfologia, mas foi na Franca que ele se estabeleceu, ndo em Stuttgart. Brilhante conferencista, ndo tardou a granjear grande reputacdo por suas descricdes anatémicas de animais. Estudou também os fésseis e lancou os fundamentos do que, desde entdo, se tornou conhecido como paleontologia, pois sua concepco basica do “principio da correlacao das partes” provou ser muito util. Esse principio é, essencialmente, 0 que relaciona as partes distintas de um animal ao animal como um todo; por exemplo, a presenca de penas significa um desenvolvimento particular dos membros ante- tiores (pois séo usados como asas), e isso, por sua vez, é relacionado a0 aspecto externo, e assim por diante. Quando somente algumas par- tes de um animal fossilizado so encontradas, tal principio pode ser de grande utilidade para se chegar & reconstitui¢do do animal original. O estudo de fésseis por Cuvier nao o conduziu a qualquer dos pontos de vista de Lamarck. Embora verificasse que tinha havido uma sucesso de populagSes animais e que grande nimero de espécies que tinham existido estavam agora extintas, Cuvier justificava esses fatos supondo que a Terra tinha experimentado uma série de catés- trofes; destas, o Diltivio era a tinica de que se tinha registros hist6- ticos, Ele negava expressamente a existéncia de fésseis humanos e acreditava que, apés cada catdstrofe, as espécies remanescentes hou- vessem repovoado a Terra. E quanto ao aparecimento de novas espé- cies? Ele pensava que elas nao eram propriamente novas, mas vindas de partes do mundo ainda nao adequadamente exploradas. Cuvier acreditava na imutabilidade das espécies, e publicou uma imensa quantidade de relatos minuciosos para apoiar seu ponto de vista, apesar de seu trabalho consultivo e administrativo para 0 go- verna, primeiro sob Napoledo e depois sob a monarquia restaurada dos Bourbons. De tudo o que publicou, seu trabalho mais significa- tivo foi o enorme livro O reino animal, distribuido de acordo com sua organizagao (1817), 0 primeiro avango importante em matéria de classificagio desde Lineu. Nele, Cuvier argumentava contra o arranjo dos animais em qualquer escala simples da natureza, tal rv AEVOLUCAO EA IDADE DA TERRA Sobre « concepcao dos dantigos chineses quanto ao significado dos f4sseis, ver volume Il, pégina’ $4; sobre os pontos de vista a esse respeito nos séculos XVI e XVIII, ver volume IIT, Paginas. 126-127. image not available image not available image not available tinham todos caracteristicas mais facilmente expliciiveis quando se presumia que, se originavam de um antepassado comum. Gradualmente, quando comegou a pensar sobre 0 caso, depois de sua volta, em 1836, concluiu que a resposta mais simples era que as espécies realmente sofriam mudancas. Mas 0 que causa essas mudangas? Seré que se devem a alteragdes do meio ambiente e, esse caso, como as coisas teriam ocorrido para originar esse efeito? Ele considerava que as mudanas devidas ao homem cram evidentes na criagdo seletiva, e verificou serem equivalentes a evolugio de uma espécie para outra. Ademais, notou que uma espécie de animal se extingue se nfo se adapta ao seu meio ambiente. Entdo, no final de 1838, enquanto ainda estava remoendo o assunto em sua mente, Darwin leu Um ensaio sobre o principio da populacao, do clérigo e economista politico Thomas Malthus. No livro, surgido em 1798, Malthus argumentara que, a menos que fosse controlado, 0 crescimento da populacio ultrapassaria qualquer possivel aumento da produgao de alimentos. E, além disso, mostrou que, sem um con- trole, a populacdo dobraria a cada 25 anos. Isso deu a Darwin © argumento final de que necessitava. Ele percebeu que as espécies que haviam sobrevivido deviam ser as mais adaptadas ao seu meio ambiente, e que as forcas que operavam eram to poderosas que formavam espacos vazios na populacdo animal, eliminando espécies que haviam sofrido variagdes desfavordveis. Esses vazios eram, entio, preenchidos pelas espécies cujas variagdes as haviam tornado mais bem-adaptadas. A selecdo natural s6 permitia aos mais adaptados viver em ambientes alterados. Em julho de 1858, Darwin comecou a escrever Sobre a origem das espécies gracas a sele¢ao natural, ou a preservacao de racas favo- recidas na luta pela vida. Nesse livro, expressou suas idéias ¢ con- seguiu, por meio de sua teoria da evolucao pela selegdo natural, dar uma explicacdo sobre a mudanca das espécies. Lamarck tinha consid. rado um “sentimento interior” como fator ativo, mas Darwin apre- sentou uma sélida causa fisica. Na realidade, ele fez pela biologia © que Newton tinha feito pela fisica — aplicou uma lei natural para correlacionar grande quantidade de evidéncias diversas. Cada espécie nao precisava mais de um ato especial de criagao divina; sua forma particular devia-se a causas naturais. A origem das espécies nao foi apenas o livro mais vendido em 1859, mas, por suas provas detalhadas, tornou 0 conceito de evoluciio cientificamente respeitavel. Também levantou uma tempestade de protestos, especialmente de pessoas que nfo podiam ou nao queriam acompanhar as detalhadas provas, e, com mais ferocidade, daqueles que se baseavam em uma interpretagio literal do relato biblico da Criagdo. Por sorte, Darwin tinha amigos elogiientes e bem-informa- dos, entre eles Charles Lyell, Alfred Russell Wallace (que, como Darwin sabia, chegara por conta prépria a conclusdes semelhantes), 0 botanic Joseph Hooker e o mais importante de todos, o anatomista e antropélogo Thomas Henry Huxley. Uns poucos cientistas, natural- mente, nio quiseram accitar a teoria em bases puramente cientificas: A EVOLUCAO EA IDADE DA TERRA Sobre uma teoria de adaptacao proposta na Grécia antiga, ver volume T, pagina 83 Hastracéo & pagina 2: image not available image not available image not available mais a ser realizado, ¢ foi nesse estégio que os embriologistas deram contribuigdes especiais. Inicialmente, eles estavam preocupados em demolir a teoria da pré-formacdo e substitui-la pela doutrina da epigénese, segundo a qual, comegando-se com um ovo, que era mais ou menos simples, havia um desenvolvimento orginico direto que resultava em uma complexidade crescente. Essa nova teoria se baseou, primeiro, na conviccao de que nenhum ovo de mamifero se desenvol- veria sem que © espermatozdide estivesse presente e, segundo, na observagao, em 1843, da presenca de espermatozdide dentro do ovo. No entanto, a acao do espermatozdide ainda nao era compreendida; a explicagao geral era que a presenga do espermatoz6ide s6 fazia iniciar © desenvolvimento do ovo. Nada mudou até 1876 e 1877, quando Oskar Hertwig e Hermann Fol conseguiram comprovar a presenca, nao de apenas um, mas de dois niicleos, um macho ¢ outro fémea, no ovo fertilizado. Isso transferiu o elo entre as sucessivas geragdes de animais ¢ plantas da eélula para o seu nticleo, o que constituiu uma descoberta decisiva. Entdo, os bidlogos passaram a procurar um elemento, talvez definivel quimicamente, que pudesse ser transferido do espermatoz6i- de para 0 ovo. Comegaram, entao, a fazer detalhados exames micros- cépicos do niicleo da célula, 0 que todavia nao era facil; corantes fortes tiveram de ser usados para que os componentes transparentes aparecessem no campo do microscépio. No entanto, 0 trabalho resul- tou na descoberta de que, durante a divisio da célula, finas estruturas, semelhantes a fios, estavam presentes. Isso, verificaram, era 0 que era transferido quando as células se dividiam. Como o corante usado para tornélos visiveis era a cromatina, Wilhelm von Waldeyer-Hartz deu-lhes 0 nome de “cromossomos”. A geracio espontinea da vida Desde os tempos mais antigos, sempre houve especulagao sobre a origem da vida. A carne em putrefacdo gera larvas; pulgas e piolhos eram associados & umidade ¢ & imundicie, parecia que a a¢ao combi- nada do calor, da agua, do ar e da putrefacdo poderia, espontan mente, fazer surgir a vida. Mas no século XVII essa crenga quase uni- versal foi questionada, ¢ Francisco Redi, médico da corte da Toscana, discutiu o assunto em suas Experiéncias sobre a geragiio de insetos, de 1668. Com rara intuigdo, Redi afirmou que as larvas que apa- reciam na matéria em putrefagdo eram introduzidas de fora, de algu- ma forma, ¢ as experiéncias com tal material levaram-no & conclusio de que larvas ¢ vermes vinham de ovos. Entao, ele fez outras expe- rigncias, nas quais o material putrefato era coberto com uma gaze de Népoles, muito fina, e viu que ovos haviam sido postos na gaze. Isso provou, conclusivamente, que as larvas nao eram criadas pelo material em putrefacdo, embora, muito estranhamente, ele conside- rasse que os bichos podiam aparecer de modo espontaneo em frutos, vegetais e folhas. Leeuwenhoek também realizou alguns estudos que Ihe permitiram demolir a idéia de que mexilhdes comestiveis podiam ser gerados a partir da areia, e mostrou que eles vinham de ovas. 19 BIOLOGIA Sobre Lecuwenhoek, ver volume Ul, pagina 146, image not available image not available image not available Pagina oposta, acima. 0 Jardim do Rei, botinico © zoolégico, onde Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1827) trabalhou depois de 1788, Pagina oposta, abaivo, @ esquerda. Esboco de Charles Darwin em 1878. Museu Nacional de Retratos, Londres. Péginaopost, aba, Pres a = @ dria, Diferenges na =i ; formagio do bico de tenihdes observados nas has Galpagos:seeundo Darwin, essas diferencas se deenvolveram para que os tentilhdes se adaptassem melhor sos ses diferentes habitats. De seu Viagem do “HMS Beagle” (1839). A esquerda. A linhagem do homem, tal como. considerada por Ernst Haeckel (1834-1919 em seu Evolucdo do homem (1879), Haeckel foi o primeiro advogado do darwinismo na Alemanha, primeira pessoa a tragar tal “arvore evoluti Bex Squire MB siesta [Siar Arwmats| (eehnoderaa) ‘Animate (Metazoa Brertebrata) A esquerda, Colorido protetor em insetos, causado pela aquisigaio evolutiva de uma aparéncia externa que dissuade os predadores; do Darwinismo (1889), de Alfred Russell Wallace (1823-1913), Em 1858, Wallace propos © conceito da “sobrevivéncia dos mais aptos” como razio para a forigem das espécies, e induziu desse modo Darwin a publicar suas teorias. © sltimo trabalho de Wallace encontrou cespago para a religiio ¢ 0 espiritualismo na teo! da selegao natural. 23 image not available image not available image not available Pagina oposta, acima Antiga fotografia de uma sirurgia ao ser executada, © assistente & direita usa © pulverizador carbélico, inventado em 1869 para evitar a infecgio. Pégina oposta, abaixo, 4 esquerda. O quimico inglés John Dalton. Pagina oposta, abaixo, @ direita. Diagrama de Dalton com a mistura de gases soltos na atmosfera (1802). A esquerda. William Perio, Museu Nacional do Teatro, Londres. Abaixo, a esquerda Mineiro trabalhando com a limpada de seguranga de Davy. Sir Humphry Davy combinava a pesquisa pura com 0 estudo de problemas tais como a protegio de navios contra a corrosao. Abaixo, Condensador fesenhado por Von Museu da Cién big. Londres. 27 image not available image not available image not available A esquerda, James Clerk Maxwell quando jovem. Pagina oposta, acima, Michael Faraday. Royal Institution, Londres. Pégina oposta, abaixo, a esquerda. Aparetho de Faraday para a investigagio da rotagao eletromagnética. Pagina oposta, abaixo, a direita. Um solendide com ima corredigo imaginado por Faraday para testar 0 relacionamento entre 0 movimento do {mi através do solendide e a indugio de uma corrente elétrica ‘na espiral. Royal Institution, Londres. Aeima. Jean-Léon Foucault (1819-1868), fisico francés, cuja obra incluiu a medigdo da velocidade da luz, a demonstragio do movimento diurno da Terra e a invengio do siroscépio. A esquerda. O trabalho de Faraday em cletricidade magnetismo, no principio da década de 1830, tornou possivel gerar eletricidade ara uso industrial ou doméstico. Esta ilustragao mostra uma das primeiras usinas elétricas de alta voltagem, construida em Londres no ano de 1896. 31 image not available image not available image not available cou que a doenga era uma infeccio bacteriana ¢ péde, imediatamente, sugerir precaugoes contra problemas futuros. Encorajado por seu sucesso com os bichos-da-seda, Pasteur deci- diu examinar duas doencas que estavam devastando 0 gado ¢ as aves domésticas: o antraz ¢ a célera das galinhas. Verificou que ambas se deviam a bacilos ¢ eram transmitidas de um animal a outro, mas o antraz tinha implicagdes mais amplas. Era uma doeng: que podia ser transmitida a0 homem, e a descoberta de sua causa levantou a questo geral sobre que outras doencas, se é que existiam, podiam ser, no homem, infeccdes bacterianas, No que se referia a Pasteur, seu problema imediato, uma vez diagnosticado o bacilo, assim como a causa, era descobrir um modo de efetuar a cura, ¢ ele se voltou para o trabalho de inoculaco de Jenner como uma possibi lidade de aplicacdo futura. Sua dificuldade era obter uma bactéria que imunizasse, mas ndo matasse o paciente, e em 1880 ele encontrou uma cultura de célera que havia se tornado menos mortal com a passagem do tempo. Isso Ihe deu a pista que estava buscando; crian- do culturas de bactérias de animais ¢ depois filtrando-as, descobriu vacinas seguras, primeiro em 1881, contra o antraz, e, um ano depois, contra a temivel hidrofobia. Mas agora ele no estava mais sozinho em sua pesquisa; outros também estavam realizando trabalhos se- melhantes, e, em breve, dispunha-se de vacinas contra 0 tétano ¢ a difteria. Ainda mais: estavam sendo descobertos métodos de separar grupos de bactérias ¢ cultivé-los em laboratério, fora de seus hospe- deiros animais, técnicas que, no século XX, deveriam fornecer muitas outras vacinas, inclusive contra a poliomielite e a febre tifdide. Muitos médicos nao aceitaram os resultados de Pasteur, pelo menos no inicio, mas um que os aceitou foi o cirurgido Joseph Lister, homem cujo pai tinha sido responsével por alguns dos recentes aper- feicoamentos técnicos no microscépio. Nascido em Upton, em Essex, em 1827, e educado no University College, em Londres, ele traba- Ihava no hospital da faculdade e ficava chocado com o niimero de mortes depois de cirurgias, até bem simples, devido a putrefacio das feridas ¢ ao conseqiiente envenenamento do sangue. Verificou também que isso ocorrera nos hosiptais do exército durante a Guerra da Criméia ¢ na enfermaria de Glasgow, para onde foi, em 1860, como professor de cirurgia. No entanto, Lister notou que nao ocorria putrefagdo nas feridas internas. Enquanto ele estava remoendo isso em seu cérebro, uma tentativa bem-sucedida de atacar esse problema estava sendo feita em Viena pelo médico [gnaz Semmelweis. Este notou que, em uma ala da maternidade do Hospital Geral de Viena, até 30 por cento das mulheres gravidas mortiam de febre, enquan- to em outra ala a taxa de mortalidade era dez vezes menor. Depois, quando estava executando uma autépsia em um amigo médico que morrera por causa de um corte produzido quando também realizava uma aut6psia, Semmelweis verificou que o corpo do amigo continha tecidos doentes semelhantes aos das mulheres gravidas que tinham morrido. Sabendo que as da ala de maior mortalidade eram tratadas por estudantes que vinham diretamente da sala de autdpsias, concluiu 35 BIOLOGIA image not available image not available image not available image not available image not available image not available image not available nal de isomerismo, como foi chamado por Berzelius, foi atribuido 8 distribuigdo peculiar dos étomos da substincia e, com o tempo, fez com que as férmulas quimicas passassem a ser escritas para mos- trar tanto a estrutura de uma substincia como seu conteiido. Os resul- tados de Wéhler trouxeram um novo simbolismo 4 quimica, embora sua descoberta de que um composte orginico pode ser sintetizado a ir de materiais inorganicos ndo tenha estabelecido de modo defi- nitivo que os compostos animais resultam, verdadeiramente, de substancias quimicas comuns e familiares. A quimica organica sofreu, em seguida, um novo impeto com os métodos de anélise quimica descobertos por Justus von Licbig. Nascido em 1803, em Darmstadt, na Alemanha, Liebig interessou-se pela quimica quando tinha pouca idade, pois seu pai possuia um labo- ratério anexo a uma empresa familiar que fabricava produtos quimicos medicinais e materiais de pintura, e, no devido tempo, ele se tornou aprendiz de farmacéutico. Mais tarde estudou quimica em Bonn e Erlangen, mas, embora tivesse obtido seu doutorado em 1822, com a idade de dezenove anos, Liebig constatou que devia ir ao estrangeiro para obter instrugo posterior. Foi a Paris e assistiu a conferéncias de Gay-Lussac, Thénard ¢ Dulong. Um documento que escreveu sobre dcidos explosivos, conhecidos como fulminatos (CNOH), impressionou Humboldt, que conseguiu que o jovem fosse trabalhar com Gay-Lussac. Mais tarde, Humboldt convenceu o sobe- rano bavaro Luis I a dar a Liebig um laboratério ¢ um cargo acadé- mico na Universidade de Giessen. La, como professor “extraordind- rio”, Liebig ensinou geragdes de estudantes de 1824 a 1852, quando se mudou para Munique. Liebig realizou muitas pesquisas sobre compostos organicos, es- pecialmente com Wohler, ¢ foi um autor prolifico, tendo escrito mais de trezentos artigos cientificos, um livro sobre quimica orginica ¢ uma enciclopédia de ciéncia quimica, ¢ tendo fundado nao apenas um, mas dois jornais cientificos. Também atacou questoes de quimi agricola, mas acima de tudo foi um professor brilhante, e sua influén- cia se espalhou por toda parte quando seus alunos se entregaram a muitas espécies de pesquisas quimicas; de fato, a maior contribuigio de Liebig pode ter sido o incentivo para as pesquisas em quimica, ¢ especialmente em quimica orginica, que fez surgir com seus ensina- mentos. Entre seus dedicados alunos estava o quimico orginico August Hofmann, Nascido em 1818, em Giessen, filho do arquiteto que ampliou o laboratério de Liebig em Giessen, Hofmann estudou qui- mica e seguiu a tradicao de Liebig de divulgar seu saber, ensinando no laboratério. Em 1845, antes de completar trinta anos, mudou-se para Londres a fim de se encarregar do Royal College of Chemistry, fundado por alguns dos alunos ingleses de Liebig e que seria mais tarde absorvido pela Universidade de Londres. L4, ele ensinou com grande sucesso e iniciou pesquisas em quimica orginica de substdn- cias de alcatrio de hulha, que resultam da destilagio do car- vo e contém grande variedade de compostos de hidrocarbono. En- corajou alguns de seus discipulos a realizar trabalho semelhante, muito 43 QUIMICA, Mustragio @ pagina 27 image not available image not available image not available financeiro; envolveu-se no langamento do primeiro cabo telegrifico no Atlantico, em 1866, ¢ fez grandes melhoramentos no desenho ¢ nna precisdo da bussola. Por esse trabalho foi feito, primeiro, cava- leito e depois subiu & categoria de par do reino, tomando 0 nome de Kelvin, que € 0 rio em cujas margens se situa a Universidade de Glasgow. Kelvin tentou determinar as leis mateméticas apropriadas para expressar 0 trabalho de Joule, ¢ logo verificou que, para formulé-las, precisava de alguma escala de temperatura absoluta, em vez de uma escala arbitréria, baseada apenas nos pontos de congelamento e ebuli ‘sao da gua ou de outro liquido conveniente. Kelvin voltou-se para 0 trabalho publicado por Carnot sobre o ciclo do calor e verificou que trabalho mecinico realizado por um motor perfeito, sem frie¢o, de- pendia apenas da quantidade de calor (nessa fase, Kelvin ainda pensa- va no calor como um fluido imponderdvel), bem como das tempera- turas da fonte e do recipiente de calor. Em conseqiiéncia, tentou en- contrar uma escala de temperatura em que a unidade de calor e de trabalho mecfnico desenvolvido fosse sempre a mesma, em qualquer parte da escala em que a diferenca de temperatura se encontrasse; em outras palavras, de tal forma que os resultados fossem os mesmos quaisquer que fossem as temperaturas reais envolvidas. Tal escala deveria ser independente da substancia utilizada — Agua, alcool, merciirio ou qualquer outra — ou do corpo em que a mudanca de calor estivesse ocorrendo. Para conseguir isso, Kelvin teve de escla- recer a relaco precisa entre o calor gerado na experiéncia de Joule e aquele sobre o qual falara Carnot. E nesse ponto que 0 fisico alemao Rudolf Clausius entra em cena, Nascido em Késlin, na Priissia, em 1822, filho de um pastor ¢ professor, Clausius estudou na Universidade de Berlim e, em 1850, tornou-se conhecido por um artigo sobre a teoria do calor. Revivendo 0 trabalho publicado por Carnot sobre o motor a vapor, Clausius veri- ‘ou que Carnot havia se enganado quando pensara em um motor que trabalharia somente porque seu calérico diminuia de tempera- tura, Clausius concordava em que 0 caldrico nao podia ser destruido, mas afirmava que ele poderia ser convertido em outra cois por exemplo, em um motor, seria convertido em trabalho mecdnico Isso. 0 levou a formular duas leis para expressar a relacdo entre 0 fluxo de calor e 0 trabalho mecinico — as duas primeiras leis da termodinamica. A primeira declara que, em qualquer sistema fechado (um motor a vapor, por exemplo), o total de energia é constante. A segunda diz que o calor nao pode passar de um corpo mais frio para ‘outro mais quente espontaneamente; para que isso aconteca, alguma causa externa deve entrar em operaco. Essa ultima lei é muitas vezes expressa dizendo-se que a entropia sempre aumenta, sendo a entropia (do grego “trope”, “transformacao”) a medida da indispo- nibilidade de energia. trabalho de Clausius contribuiu para provar que o calérico de Carnot e 0 calor de Joule eram os mesmos, e Kelvin tinha agora a pista de que necessitava. A quantidade de calor tirada de uma fonte 47 FISICA image not available image not available image not available dasse particularmente & comunidade cientifica, ¢ 0 proprio Faraday a propos com grande desconfianga, mas, juntamente com seu soberbo trabalho experimental, ela o capacitou a reunir em uma grande uni. dade todos os elementos do estudo sobre a eletricidade, até entio dispersos. As correntes voltaicas, a eletricidade de maquinas de fricgao e de relampagos, a eletricidade por indugao, os efeitos eletromagnéti- cos, a eletricidade animal (tal como a apresentada por um peixe- torpedo, por exemplo) e até a termocletricidade (a eletricidade pro- duzida pelo aquecimento de dois metais diferentes, em contato), todos tinham mostrado ser a mesma espécie de eletricidade. Como declarou © proprio Faraday: “A eletricidade, qualquer que seja, € idéntica em sua natureza”. Ao discutir a eletricidade e o conceito de linhas de forga, Fara- day afirmou que 0 espaco devia estar cheio de tais linhas € que, talvez, a luz e 0 calor radiante fossem vibragdes que viajavam a0 longo ‘delas. Mas essa idéia necessitava de uma andlise matematica completa que Ihe desse preciso, se se pretendesse que ela se tornasse algo mais que uma afirmaco interessante. O homem que accitou esse desafio foi um escocés, James Clerk Maxwell (1831-1879). Com a idade de 24 anos, tornou-se professor de filosofia natural no Marischal College, em Aberdeen, e, pouco depois, no King's College, em Londres. Em 1865, com apenas 34 anos de idade, retirou-se da vida académica regular para a sua propriedade, no sudoeste da Escécia, ¢ foi 14 que escreveu seu célebre Tratado sobre eletricidade e magnetismo, Esse importante texto surgiu em 1873, quando Maxwell tinha voltado para o mundo académico, tendo sido designado, em 1871, 0 primeiro professor de fisica experimental de Cambridge, onde planejou e desenvolveu o famoso Laboratério Ca- vendish Em sua curta vida colecionou notaveis realizagSes em mate- miitica — provando, entre outras coisas, que os anéis do. planeta Saturno no podiam ser sélidos, mas compostos de miriades de miniisculas particulas —, em éptica (inventou a lente olho-de-peixe) ¢ em visio colorida, ¢ também ajudou a desenvolver a compreensio tedrica dos gases rarefeitos. Mas sua maior contribuicao foi no estudo da eletricidade e do magnetismo. interesse de Maxwell pelo assunto surgiu tanto nos encontros como na correspondéncia com Faraday, ¢ também por causa de um trabalho que Kelvin tinha realizado em 1842, quando estudante em Cambridge. Kelvin comparara a carga em um corpo, gerada por uma miquina elétrica, com 0 modo como o calor se alastra em um corpo quente, grande o bastante para que detalhes do seu contorno possam ser desprezados (jé que estes iriam complicar demais 0 estu- do). Kelvin usou essa comparagdo porque a técnica matemética apro- priada jé estava disponivel. Surpreendentemente, seus resultados mos- traram que as respostas mateméticas a0 problema elétrico cram semelhantes. Como 0 colocou Maxwell, o trabalho de Kelvin “intro- duziu na cigncia matemética a idéia da agio elétrica conduzida atra- vés de um meio continuo”; era uma idéia proposta por Faraday, mas 31 FISICA Mustragao a pagina 31 image not available image not available image not available cima, Espectro da nebulosa Halteres, fotografado por Max Wolf, cerca de 1906. O espectro da nebuiosa é visto entre os espectros do ferro, que 0 acompanham. cima, a esquerda. A importincia da fotografia em astronomia se evidencis no detalhe registrado para futuro estudo nesta foto da Lua, tirada em 1877 por Andrew Commo.. Pégina oposta. Refrator com I metro de abertura de Yerkes, construido na década de 1880. A esquerda. Espectroscépio com um trem de seis prismas vara dar ampla dispersio, apontado para o Sol, wr vet de 1870, 535 image not available image not available image not available Acima, Dois tubos Geisster da década de 1890, que revelam descargas em gases. O tubo com a seco média estreita era muito usado para a andlise de ‘gases pela espectroscopia. Acima, a esquerda. Producao de limpadas de luz elétrica com uma bomba de vicuo de merciirio, no fim do século XIX. A esquerda. Foto muito antiga do raio X da Pagina oposta, abaixo. Mutagdes em uma plantagao de cevada, mostrando as diferengas com © aparecimento da cabega 0 amadurecimento. As sementes tinham sofrido radiagdes de raios gama que afetaram seus cromossomos. image not available image not available image not available image not available image not available image not available teoria corpuscular, embora fosse inexplicdvel com a teoria de Young, usando ondas longitudinais. Malus ganhou o prémio, e os partidérios da teoria corpuscular sentiram-se triunfantes. Agora, acreditavam que podiam demolir a teoria de Young de uma vez por todas e, por sua sugesto, a Académie ofereceu outro prémio, dessa vez para uma explicagio da difragao. Este prémio foi ganho por Augustin Fresnel (1788-1827), um jovem engenheiro — ainda estava na casa dos vinte anos — que apre- sentou resultados que, para surpresa dos promotores, conduziriam & derrubada da teoria corpuscular. Em 1815, Fresnel realizou uma pes- quisa semelhante & de Young, e também algumas experiéncias de di- fragdo, que demonstraram que ela era a mesma na borda de um objeto, fosse esta agugada ou rombuda. Tanto na hipétese de Young quanto na teoria corpuscular, isso nao deveria acontecer, e Fresnel adotou como resposta a interferéncia, como fizera Young, mas usou uma explicado diferente para os detalhes. Considerando, como Huygens antes dele, que cada onda de luz fazia surgir pequenas ondas secundé- s, Fresnel sugeriu que a maioria dessas ondas pequenas era absorvi- da na borda de um corpo, e somente algumas permaneciam para dar surgimento a outras. E a interferéncia destas dltimas que observamos como difraco. A explicagao também servia para 0 comportamento da luz quando passava através de pequenas aberturas. trabalho de Fresnel granjeou-Ihe o apoio de Frangois Arago, in- fluente membro da Académie e, mais tarde, seu secretério perma- nente. Arago pés Fresnel em contato com Young, ¢ os dois comecaram a trabalhar juntos. Nos anos que se seguiram, realizaram novas expe- rigncias que tornaram insustentdvel a teoria corpuscular, embora a polarizagao continuasse sendo um problema. Entao, de volta a Franga, Arago e Fresnel registraram estranho fato experimental de que dois feixes diferentemente polarizados nfo interferiam um no outro, como se poderia esperar, ¢ Arago visitou Young para discutir © assunto com ele, Isso foi em 1816 €, no ano seguinte, Young escreveu duas cartas para Arago, que, desde entdo, ficaram famosas. Young havia resolvido a questo, e sua explicagdo era a propria simplicidade; imaginou que as ondas de luz no éter eram realmente transversas, como as ondas do mar que usara em suas explicagdes anteriores. Qualquer resultado experimental podia agora ser expli cado, inclusive 0 comportamento andmalo dos feixes de luz polar zada; dai por diante, as ondas longitudinais estavam abandonadas, e desacreditada a teoria corpuscular. Outra questiio sobre a luz surgida no século XIX foi a verda- deira natureza do seu espectro. Newton provara que a luz solar era composta de luz de todas as cores, e 0 assunto foi reaberto por William Wollaston, quimico e fisiologista que se dedicava a vérios campos da ciéncia. Em 1802, ele decidiu investigar a natureza do espectro luminoso, na esperanca de separar as cores umas das outras. Para esse fim, construiu um aparelho — o espectrosc6pio — no qual a luz solar s6 podia entrar depois de passar por uma estreita fenda. Ao contrdrio de suas expectativas, nenhuma separagio de 67 FISICA Mustragao @ pagina 32 image not available image not available image not available movimento comparativamente intenso em relagdo as estrelas ao fundo, o que o levou a imaginar que ela estava préxima. Em 1838 anunciou que tinha medido com sucesso a distincia da estrela — cra 600000 vezes a distincia da Terra a0 Sol. No mesmo ano, outro astrénomo alemao, Friedrich Struve, anunciou a distin- cia da brilhante estrela Vega, embora uma pesquisa posterior tenha mostrado que as medidas de Struve estavam erradas. No ano seguinte, Thomas Henderson, que havia pouco fizera observagdes no sul da Africa, deu a distincia da estrela Alfa Centauro — apenas um es- cripulo excessivo o impedira de apresentar seus resultados em 1833. Mas agora, finalmente, essa medida crucial era conhecida, e, & pro- porcdo que passava o século XIX, também foi aumentando o néimero de estrelas cujas distincias podiam ser medidas diretamente dessa maneira. Chegara-se finalmente a uma observagio da natureza verda- deiramente vasta do universo. Da década de 1850 em diante, a foto- grafia passou a ser usada nas observagdes astronémicas, e, no fim do século, ela estava firmemente estabelecida como meio de registrar campos estelares para uma medicao precisa, sendo as chapas foto- gréficas examinadas com um microscépio especialmente montado. Assim, 0 século XIX assistiu ao advento de um novo grau de precisiio na medigao astrondmica. A descoberta de Urano por Herschel enfatizou a possibilidade de haver outros corpos no sistema planetirio do Sol — o sistema solar — que ainda nao tinham sido descobertos. J4 se havia dado alguma importancia a esse ponto de vista em 1771, com uma peculiar seqiiéncia numérica descoberta por Johann Titius e divulgada por Johann Bode. Essa seqiiéncia — a chamada lei de Titius-Bode — indi- ‘cava um vazio entre os ntimeros que representavam as distancias do Sol a Marte ¢ a Jtipiter; quando Urano foi descoberto para preencher a seqiiéncia, 0 vazio levantou maior interesse e se comegou a pro- curar um planeta entre as drbitas de Marte e Jipiter. O sucesso chegou em 1801, quando um astrénomo italiano, Giuseppe Piazzi, observou justamente um tal corpo, embora pesquisas posteriores tenham descoberto muitos outros, e ficou claro que 0 vazio orbital era preenchido por mirfades de planetéides — “asterdides”, como Herschel os chamou —, uma espécie de entulho planetério cuja origem ainda é incerta. estudo dos planetas e de suas propriedades continuo por todo o século, mas a partir da década de 1840 os astronomos ficaram convencidos de que Urano nio estava se comportando como deveria, se a teoria da gravitagdo newtoniana estivesse correta. Nessa época, a teoria de Newton estava tio bem estabelecida que a tnica expli- cago satisfatéria para as discrepincias do comportamento de Urano parecia ser a existéncia de outro planeta ainda mais distante do Sol que estaria afetando a gravidade de Urano. A dificuldade de encon- trar tal planeta hipotético parecia intransponivel para a maioria dos astrnomos, embora tivesse sido enfrentada por dois homens, John Couch Adams, jovem matemético de Cambridge que acabara de rece- ber seu primeiro diploma, e Urbain Le Verrier, astrénomo e matemé- n ASTRONOMIA Mustragbes as paginas 55, 89 image not available image not available image not available podia passar por um ponto ¢ ser paralela a uma segunda linha, era possivel cogitar a tarefa de se tracar um nimero infinito de linhas. Bolyai, oficial do exército ¢ matemético brilhante, chegou a resultado semelhante, embora, quando soube que Gauss tinha segui- do a mesma orientagdo, meramente apusesse seu trabalho como apéndice ao livro de matematica de seu pai. Somente no fim da década de 1860 foi que o trabalho de Bolyai se tornou conhecido em outros lugares, mas entao ele ja estava morto. Uma reagdo alternativa ao postulado das linhas paralelas foi apresentada por Bernhard Riemann, filho de um ministro protestante alemao. Nascido em 1826, Riemann freqiientou a Universidade de Géttingen para estudar teologia e filologia, mas obteve permissio do pai e passou a dedicar-se 4 matemética. Mais tarde, mudou-se para a Universidade de Berlim e depois voltou para Géttingen, onde conduziu um trabalho sobre um importante tipo de andlise mate- mética referente a mudangas ciclicas que tinha sido desenvolvida pelo matemético francés Jean Fourier, em 1822. Foi sé em 1866, © ultimo ano de sua breve existéncia, que Riemann entrou no campo da geometria nao-euclidiana. Adotou uma concepedo oposta a Gauss, Bolyai e Lobatchevski, supondo que, se 0 postulado das paralelas no podia ser provado, nenhuma linha paralela a outras linhas podia ser tracada, e depois desenvolyeu uma geometria levando isso em conta. Seus resultados foram notavelmente produtivos, pois a geome- tria que imaginou podia ser desenvolvida para lidar com trés ou mais dimensdes. No entanto, como as geometrias de Lobatchevski e Bolyai, foi encarada como nada mais que um conjunto de teorias matemiticas abstratas. Na verdade, a geometria de Riemann, na qual o espaco é curvo, embora nao tenha valor constante, parecia bastante afastada da realidade e foi até atacada por razées filos6ficas. Por mais abstrata e esotérica que a geometria riemanniana parecesse na época, no principio do século XX viria a ser encarada como algo mais verdadeiro que a geometria euclidiana, tao radicalmente deviam mudar os conceitos do universo. 7 MATEMATICA Sobre 0 valor de seu trabalho na relatividade geral, ver pagina 117. image not available image not available image not available do ourigo-do-mar, executou a experiéncia com uma pequena variaglio; A BIOLOGIA NO nao destruiu uma das células primitivas, mas separou-a de sua com: SECULO XX panheira, Verificou que ambas produziam embriées normais, embora menores, nada do que a teoria do mosaico levaria a esperar. Pesquisas posteriores mostraram que a contradicao entre as duas experiéncias era devida, em parte, as duas técnicas experimentais diferentes e, em parte, aos diferentes organismos envolvidos, enfatizando assim os muitos fatores incluidos nessa nova concepcao experimental da em: briologia e 0 cuidado necessério na interpretagdo dos resultados. Mendelismo Ao raiar do novo século, apresentou-se outro fator que deveria exercer influéncia na biologia; foi a redescoberta do trabalho de Men- del. Gregor Mendel (1822-1884) foi um monge da Boémia que, por uma década, de 1850 a 1860, executou em Brno uma série de expe- rimentos com 0 cultivo de plantas. Os resultados foram curiosos. Cruzando-se uma planta alta de ervilhas com outra planta alta, 0 resultado era uma planta alta; cruzando-se uma baixa com uma baixa, a descendéncia seria baixa; mas, cruzando-se uma alta com uma baixa, obtinha-se uma série de resultados inesperados. A primeira descendéncia era toda alta, mas, cruzando-as, obtinha-se uma relagio, na segunda geragao, de trés altas para uma baixa. A baixa gerava uma baixa quando cruzada com outras plantas baixas. Assim, a caracteris tica baixa, embora encoberta na primeira geragdo pela caracteristica alta, reaparecia imutavel na geragdo seguinte. Para explicar esses resul- tados, Mendel propés que cada geracdo continha dois fatores para cada caracteristica herdada, um para o ascendente masculino e outro para 0 feminino, Uma vez que certos fatores inibiam a aparigao de outros, ele se referia a alguns como “dominantes” ¢ a outros como “recessivos”. Anunciou, entdo, dois principios gerais: 0 “principio da segregacao” estabelecia que, na formacao de células germinativas, os dois fatores para cada caracteristica (por exemplo, altura) sao sempre distintos um do outro e se originam de um évulo ou esperma- toz6ide diferente; 0 “principio da distribuicdo independente” estabele- Sobre 0 conceito chines cia que os fatores materno e paterno de qualquer conjunto de caracte- "40 dissimilar de Yin ¢ Yang. risticas isolavam-se, independentemente, dos de qualquer outro con- "7 "lune HI. paginas 25-26. junto, de tal forma que cada célula germinativa recebe um grupo fortuito de fatores derivados de cada genitor. Mendel publicou seus resultados, completados com uma detalha- da andlise matemtica, no jornal da Sociedade de Ciéncia Natural de Brno, e la eles permaneceram por mais de 35 anos; certamente Mendel mandou uma c6pia do artigo para Darwin, mas este nunca a leu. © documento foi redescoberto em 1900 por De Vries e, inde- pendentemente, por dois outros bidlogos interessados na hibridagio de plantas, mas, mesmo entdo, ndo obteve qualquer sucesso imediato; somente em 1910-1915 é que ele se firmou, com o estabelecimento da teoria dos cromossomos. J4 em 1902, contudo, Walter Stutton, jovem pesquisador americano, apontava a semelhanga entre a teoria de Mendel e a separagao de cromossomos durante a divisio dos 81 image not available image not available image not available intwarde Siaswat (ERIN TART] Cg50%599) ctaparcnnds em seu primeiro vo, com a idade de setenta anos. Os tstudos de Freud da mente inconsciente, baseados an sun expetibacla psiquiatrica clinica, e sua teoria da importancia da ‘experiéncia sexual infantil fundaraan ue escola de plcolosia de arance significagao no século XX, complementando os métodos de caréter mais txperimental dos seguidores de Pavlov. 4 extrema esquerda, Modelo da molécula de ADN, mostrando sua estrutura de dupla hélice Museu da Ciéncia, Londres. A esquerda. Padrio de difragio de raio X do ADN-B. | | image not available image not available image not available 89 A esquerda. Microse6pio de medigio, operado ‘manualmente, para determinar as posigdes dos objetos celestes em fotografias. No centro, a esquerda. Moderna maquina de medigdo de placas fotograficas, usada para a determinagio de posigdes de objetos celestes. Trabalha 400.000 vezes mais depressa que a maquina manual mostrada acima. Pégina oposta, acima, & esquerda, A galaxia de Andromeda, cuja luz leva mais de 2 milhdes de ‘anos para nos atingir. Pagina oposta, acima, a direita. Relagio entre a distincia da galéxia e 0 desvio para 0 vermelho das linhas em seu espectro. Os espectros (a direita) das galdxias so ladeados por spectros companheiros, ¢ © desvio é indicado por uma seta. As distancias em sanos-Iuz foram calculadas por Edwin Hubble & precisam ser revistas & luz de pesquisa recente; deviam indicar 78 mithdes de anos-luz, 1 bilhdo de anos-luz, 1,4 bilho de anos-luz e 4 bilhdes de anos-luz. Pagina oposta, abaivo. Fotografia ne um conjunto de galaxias da constelagio do Pavao. Essa técnica € usada pelos astrénomos para fazer nilise utomética, A esquerda. O telescdpio de espelhos miiltiplos de monte Hopkins, no Arizona. Cada espelho tem um diimetro de 1,8 metro, ‘mas 0 instrumento equivale um telescdpio com abertura de 6 metros. image not available image not available image not available image not available image not available image not available image not available Lissenko, fato que, curiosamente, tinha certo paralelismo com a acao da Igreja, trés séculos antes, contra o sistema copernicano, embora aqui se tratasse de ideologia politica, ¢ nao religiosa. A questio central envolvids era a hereditariedade, pois os adep- tos de Lissenko rejeitavam o conjunto da genética mendeliana. Trofim Lissenko, nascido em 1898 na Ucrania, estudou na Escola de Agri- cultura de Uman e fez um doutorado em ciéncia agricola no Ins tuto Agricola de Kiev. Interessado em selecdo e genética, projetou-se em primeiro lugar por seu trabalho em vernalizacao, proceso em que as sementes nascidas no outono eram imersas em dgua e depois conge- ladas. Isso resultava em uma germinagao m: ida, embora Lisset ko nao fosse o responsivel pela descoberta desse processo, ja conhe- cido no século XIX. Quando Lissenko fez experigncias com o trigo de inverno, obteve sucesso, e, assim, mesmo as sementes plantadas na primavera amadureciam antes da chegada das geadas do outono. Entao, ele fez experiéncias com o trigo, na primavera, e em 1929, declarou que as mudangas induzidas pela vernalizagdo tinham sido herdadas pelas geragdes subseqiientes de plantas, de tal forma que nao era necessério repetir o tratamento de vernalizacao a cada ano. Esse ponto de vista, essencialmente lamarckiano, enquadrava-se perfeita- mente na crenga marxista de que o meio ambiente, ¢ nao a heredita. iedade, & fundamental, ¢ 0 ponto de vista de Lissenko se tornou a doutrina oficial do governo soviético, embora nao tivesse havido aumento de produgo, como Lissenko previra. senko declarou depois que a teoria dos cromossomos era “idealista”, € que se paderia provocar © desenvolvimento de novas plantas apenas com a mudanca dos nutrientes. A genética mendeliana foi entao eliminada da biologia soviética e, por volta de 1937, 0 poder de Lissenko era tal que se tornou perigoso discordar de suas idéias: de fato, 0 mundialmente famoso geneticista e cientista agricola russo Nikolai Vavilov, que apoiava a teoria dos genes, foi preso por seus pontos de vista em 1941 e, levado prisio, morreu dois anos depois. S6 em 1952 foi possivel aos bidlogos soviéticos discordar de Lissenko. Enquanto isso, os dcidos nucléicos e a genética molecular come- garam a ser detalhadamente estudados no Ocidente, onde a técnica de andlise com raios X estava, final, sendo aplicada com grande sucesso na bioquimica. Essa andlise foi inventada por William Bragg € seu filho Lawrence, fisicos ingleses que, em 1912, provaram que. se se passar um feixe de raios X (descobertos, como veremos, por Réntgen em 1895) através de um cristal de uma substancia, ele se dispersado pelos étomos e moléculas do cristal. Como tais dtomos e moléculas so organizados em uma estrutura reticular — raziio pela qual formam um cristal —, a dispersdo fornece uma indicagao de sua distribuigdo espacial. Nas maos de Max Perutz ¢ John Kendrew, do laboratério de Lawrence Bragg (0 Laboratério Cavendish), de Cam- bridge, essa técnica se firmou no inicio da década de 1960, ¢ foi us da nao somente para desvendar a imensa complexidade das moléculas de proteina, como a hemoglobina, mas também para demonstrar que © conhecimento da estrutura tridimensional do dtomo serve para ex- 103 FISIOLOGIA GERAL Mustracao @ pagina 85

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